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Avaliação: (****)
Título: O velho e o mar
Autor: Ernest Hemingway
Páginas: 80
Editora: Livros do Brasil
Tradutor: Jorge de Sena
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Avaliação: (****)
Título: O velho e o mar
Autor: Ernest Hemingway
Páginas: 80
Editora: Livros do Brasil
Tradutor: Jorge de Sena
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Jorge F. Isah
Jorge F. Isah
Mais do que a descrição da morte física (uma descrição tão
detalhada e assustadora que senti as dores de Ivan, o personagem principal,
como se minhas fossem), o livro descreve uma destruição progressiva e
inevitável da vida pessoal e familiar de Ivan, onde muros eram construídos e
aumentados à proporção da solidão, distanciamento e autopiedade na qual se
lançava no curso da doença. Uma doença muito mais da alma, do espírito, do que
física, culminando nas incertezas e desesperanças em que se via cada vez mais profundamente
atrelado e mergulhado. E isso refletia diretamente em seus familiares que
sofriam com a sua dor, mas sobretudo com a sua injustiça ao imputar-lhes a
causa do seu mal.
De um problema físico, Tostói aborda, delineia e expõe as feridas
e doenças da alma, em que as relações se tornam em angustiante tristeza e
flagelo; a luta insana por conforto enquanto se trava uma batalha sem
vitoriosos, todos vencidos.
A morte, tão presente, trazia ao homem confiante e seguro de si
mesmo, satisfeito com o seu sucesso, suas realizações e conquistas, como o era
Ivan, sentimentos de autocomiseração, falta de piedade, desamor e sobretudo
medo; um medo tão tangível, que o apreendeu como uma moeda entre os dedos; o
medo desesperançado, de atroz mortificação, implacável em seus infortúnios e
flagelos. Destaco dois trechos a descreverem essa percepção:
"Em alguns momentos, depois de um período prolongado de
sofrimento, desejava, mais do que outra coisa - envergonhava-se de confessá-lo,
alguém que sentisse pena dele como se tem pena de uma criança doente".
"Chorou por sua solidão, seu desamparo, pela crueldade do ser
humano, a crueldade de Deus e ausência de Deus".
Aqui certamente está a
resposta que tão relutantemente Ivan desdenhou quanto ao sofrimento e a
desesperança: o abandono do homem em si mesmo, e a procura tresloucada de
encontrar as respostas e o alívio em outras pessoas, quando em si não as há,
nem mesmo em outras; a despeito de se compartilhar a humanidade, ela não se
explica, nem se entende, muito menos conforta ou consola, traz esperanças ou expectações
benévolas se não tiverem no Criador os seus princípios e fundamentos. Com isso,
não estou a dizer que o homem, tal qual o conhecemos ou fingimos conhecer,
ignorando suas origens e propósitos, é o “espelho” de Deus, ainda que o seja
parcialmente e em algum sentido. Na verdade, se é fruto do acaso e forças
impessoais, não há muito a ser descoberto além daquilo que somos ou podemos
ser, sem ser o que imaginamos pela impossibilidade de sê-lo de fato.
Ivan esperava respostas que os seus interlocutores, ele e parentes
e amigos, eram incapazes de decifrar, quanto mais explicá-las à luz das
próprias consciências, autônomas e independentes. Então, não lhe restava outra
coisa a não ser imputar nos outros, em Deus, ou fatalidades (a vida injusta,
por exemplo) a sua própria incompreensão, ou melhor, a inaptidão para reconhecer
o quão profundas, e até mesmo insondáveis, eram seus inquéritos... Somente Deus
pode dá-las, e elucida-las, e mais do que isso, satisfazê-las, sem o que não
restará nada a se fazer, a não ser sentir-se amargo e cínico, culpar a todos e
tudo pelo que não se foi capaz de alcançar e não alcançará.
"Enquanto ela (a esposa) o beijava, ele (Ivan) odiou-a do
fundo da sua alma e foi com dificuldade que conseguiu conter-se para não
empurrá-la.
- Boa noite. Se Deus quiser, você dormirá bem!".
No final das contas, parece-me que Ivan não queria mesmo se curar (se
não no início, durante a enfermidade agradou-lhe o sofrimento e a angústia e a
indiferença, algo próximo da vitimização, e o medo que causava); e reunindo as
forças que lhe restavam, sofria e fazia sofrer com empenho, a dedicação cega
daqueles que ignoram o bem, não sabem vivê-lo nem deixam outros vivê-lo também.
Apenas quando já não podia mais lutar, encontrou o sentimento de piedade pelos
da sua casa, o que, de alguma maneira, trouxe-lhe paz e libertação, ainda que
parcial, da morte iminente. Talvez esteja aí uma resposta ou fragmento de uma
resposta, com a qual teve de lutar até se ver vencido. Da mesma forma que o
antigo ditado diz, onde não há pão ninguém tem razão, pode-se dizer que onde
não há amor há dor em profusão. E o que pode ser o amor se não um dom divino,
no qual Cristo resumiu tudo: amar a Deus e ao próximo como a ti mesmo?
Ainda que tarde, Ivan talvez tenha experimentado uma centelha do
amor, onde o corpo aflito poderia guardar uma alma confortada, ainda que
enferma e à porta da morte.
Mais do que uma tragédia anunciada, Tolstói quis revelar a redenção, aquela pela qual somos finalmente tornados à semelhança de Deus... e apenas ele pode ordená-la.
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Avaliação: (****)
Autor: Leon Tolstói
Páginas: 112
Editora: LP&M Pocket
Sinopse: "Esta obra mostra a história de um burocrata medíocre, Ivan Ilitch, um juiz respeitado que depois de conseguir uma oferta para ser juiz em uma outra cidade, compra um apartamento lá, para ele, sua mulher, sua filha e seu filho morarem. Ao ir para o apartamento, antes de todos, para decorá-lo, ele cai e se machuca na região do rim, dando início à uma doença"
Jorge F. Isah
Tolstoi aborda uma boa gama de problemas e dilemas que
afligem a humanidade desde sempre. Temas como amor, traição, fidelidade,
honradez, malícia, hipocrisia, ingenuidade, fé, etc, são ingredientes do palco de
Anna Kariênina. Como já disse (e não canso de repetir), ele delineia
minuciosamente as suas personagens, de maneira que as conhecemos profundamente.
Muitas discussões iniciadas no sex XIX perduram até os nossos dias, como também
já disse, mas algo evidente, e merece ser reforçada é a reflexão sobre a queda
intelectual e moral da sua época, o emburrecimento daqueles que deveriam
defender e perpetuar a alta cultura e os princípios judaico-cristãos na
sociedade. De forma que entre os aristocratas e letrados é-se possível perceber
o que seria "regra": o desprezo ao conhecimento e à moral, e a
exaltação dos instintos ao nível do irracional. Anna é um bom exemplo disso:
viveu e morreu pelos seus prazeres e sensações (uma hedonista empedernida,
viciada ao ponto da loucura e desespero), muitos equivocados, muitos a exaltar-lhe o
egoísmo e o narcisismo, muitos falsos e irreais, que culminaram numa segunda
realidade, existindo apenas em sua mente.
Jorge F. Isah
Retrato de uma
Senhora é um livro de conflitos, a perpassá-lo em cada página, parágrafo,
linha. Henry James é um autor e tanto. Ele penetra e fustiga seus personagens
até espremê-los à exaustão e ao limite de suas forças (dele, e deles). E o amor
parece ser a causa, a origem de todos os embates e hostilidades nessas
relações. Seja o amor à pátria, ou alguém, ou a si mesmo, seus desejos ou
convicções, nada é fácil, ou melhor, puro, aos olhos dos personagens. Existe
sempre uma áurea de maldade, de oposição, a impedi-lo de se concretizar,
materializar-se, em meio às imperfeições e sutilezas aspiradas por almas
incapazes de fazer o bem, ainda que o almejem (Ralph, certamente o personagem
mais fascinante do livro, mesmo pretendendo fazer o bem, acaba por reconhecer
que o bem pretendido não foi além do mal realizado. Ainda que seus esforços
sejam nobres, dar à sua prima, Isabel, os meios para realizar o seu idealismo:
ser uma mulher do mundo, conhecendo-o, em sua ânsia por liberdade; motiva-o a
satisfação de ser o benfeitor anônimo, numa prova de desprendimento, mas também
de ascetismo mórbido – Quem ler o livro entenderá).
A ideia do
autor de narrar a trajetória de Isabel, no decorrer de alguns anos, menos de
uma década, e, especialmente, o que lhe sucederia, sendo uma jovem moderna,
independente e visionária, leva-o, contudo, a investigar o fracasso, digo, a
frustração de homens e mulheres a circundá-la; satélites em desarmonia,
perturbados e caóticos, enquanto a estrela central se implode, incapaz de
manter a si mesma, e ao seu círculo, na rota da felicidade. Estão sempre a
colidir uns com os outros; e amontoam-se em camadas de orgulho, vaidade e
pernosticismo. Não é o retrato de uma senhora, mas da alma humana, de uma
sociedade na qual a busca da felicidade e realização tem tão duros e
insuperáveis obstáculos que o desgosto parece ser a forma natural de se viver
enquanto os sonhos se dissipam, como barcos em naufrágios.
O mal se faz
sentir nas doenças, nos encantamentos, nas aspirações, nos convívios, amizades,
casamentos, traições e tentativas; percorre os sentimentos, os atos, os
desejos, e nem mesmo uma alma angélica e adorável como a de Pansy está imune à
tristeza de, sendo cândida, pagar pela impureza dos outros; mais especialmente
de seu pai, Osmand e de sua amiga, madame Merle. Esta, com certeza, é ladina,
finória, vivendo em uma constante trama, planejando tirar dos outros, em
especial o seu círculo mais próximo, as vantagens necessárias para sobreviver,
sem ser ela mesmo capaz de retribuir além das intrigas.
É difícil
escrever sobre uma história sem contá-la; e é o que venho tentando fazer, sem
as vezes obter sucesso. A ideia é relatar o mínimo necessário para aguçar o
interesse do leitor, de que ele se disponha a comprar o livro e, ele mesmo,
venha a descobrir coisas que não descobri, e ver o que não vi. Tomara que eu
possa, com o mínimo, levar alguns a desejarem o muito.
Retrato de uma
Senhora é um grande livro, dos melhores que li ultimamente. A trama é
elaborada, sem os constantes e desnecessários “sustos” e “perplexidades” que as
obras atuais se especializaram, como a maneira mais fácil de fisgar o leitor
(de maneira artificial. Escrevem como se fosse um thriller de suspense e
emoções “sem pé nem cabeça”). Não é um livro fácil; mas certamente, à medida
que se dá voz às personagens, acaba-se por criar uma empatia e cumplicidade com
alguns deles. E o grande livro somente o é se amamos e odiamos, apiedamos ou
desprezamos certas personagens. Escrito no final do século XIX, é uma obra
universal. Talvez, e somente talvez, eu gostaria que James tivesse reduzido o
volume total de páginas em algumas dezenas; me parece que cinquenta seria um
bom número. Mas, certamente, não serei eu a desprezar uma linha sequer do
enredo; pelo contrário, tenho-as, cada uma, como importante para o desenrolar
da história.
Voltando a
ela, creio que a maioria desprezaria ou não entenderia os percalços, dúvidas e
esquemas abusivos e caprichosos em que as pessoas se inseriam ou eram
cooptadas. A questão pode ser entendida como o apelo à “primitividade” humana,
tão distante da “liberdade” com que se goza atualmente. A verdade é que o livro
vai muito além da superficialidade das relações e seus meandros, e que parecem
desmerecê-los em prol dos modernosos avanços do sec. XXI. Ledo engano. O homem
certamente descrito por James conhecia mais de si mesmo e do outro, e por isso
não tinha ilusões, ao menos não se entregava a elas como um cão ao osso. Ao
contrário da aparente fleuma de superioridade, da autoconfiança e da quase
infalibilidade das apreciações e conceitos “modernos”, o homem permanece o
mesmo, em sua busca de felicidade, de satisfação, de realização, mas
esquecendo-se de que nelas reside o seu ser. Ele nada mais é do que aquilo que
faz ou pensa fazer, para o bem ou para o mal. Ele não é, se não fizer; e mesmo
fazendo, deixa de ser. Não o que é, mas o que deseja ser ou pensa ser. Por que
isso? Porque a leitura de qualquer obra deve, no mínimo, não ser apenas a apreciação
da história pela história, mas o que ela revela do homem, do mundo, do
conhecido, do desconhecido, do tangível, do intangível, do natural e do
sobrenatural, do homem e de Deus.
Henry James não pretendeu escrever sobre a necessidade do homem de Deus, mas ao descrever a insuficiência humana e o seu fracasso, deixou nas entrelinhas essa exigência; pela falta pode-se saber a ausência, e naquilo em que somos carentes. E, “Retrato de uma Senhora”, é a síntese da superfluidade que em nada preenche ou pode preencher o homem.
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Avaliação: (****)
Título: Retrato de Uma Senhora
Autor: Henry James
No. de Páginas: 680
Editora: Cia das Letras
Sinopse: "Retrato de uma senhora, publicado pela primeira vez em 1881, é o primeiro grande romance de Henry James, e talvez sua obra máxima. Num século em que a esposa burguesa insatisfeita tornou-se um personagem literário central, e o adultério um motivo romanesco recorrente - o século da Madame Bovary, de Flaubert, e de Anna Karenina, de Tolstói -, Henry James colocou em cena uma heroína singular, cuja carência essencial é de outra ordem. Com uma narrativa que, astuciosamente, começa lenta, quase contemplativa, e aos poucos se acelera, ganhando dramaticidade, James constrói sua história como um jogo em que cada coisa se transmuta em seu oposto: liberdade em destino, afeto em traição, pureza em artimanha - e vice-versa"