17 janeiro 2011

Cristianismo, Estado e Justiça - Parte 2: A blindagem do mal












Por Jorge Fernandes Isah

O que leva alguém a se considerar mais justo do que o outro? Ou o que pode levar o outro a crer-se mais justo do que o primeiro? Afinal de contas, qual é o padrão de justiça? O próprio homem? O Estado e suas leis? A tradição? Se é, quais são os seus fundamentos? As bases para a justiça são intelectuais e sentimentais ou empíricas? Um homem deve ser condenado ou absolvido por critérios gerais ou pessoais? A mesma lei que serve para um não serve para o outro, e vice-versa? Até que ponto nossas preferências devem se sobrepor à lei? Ou a lei é superior a elas? E por que defendê-la? E por que não defendê-la?... E assim, uns se acusam, outros se defendem; ninguém está certo, e todos estão errados? Outra pergunta: o homem antecede a moral ou a moral antecede o homem? Se a resposta for a primeira, tudo então advém dele; portanto, todos os padrões e julgamentos devem ser realizados a partir do antropocentrismo. Se a resposta for a segunda, então nem a moral nem a ética procedem do homem. E se não procedem dele, originaram-se de Deus, visto elas não serem entidades autônomas e autocriadas; e os padrões e julgamentos devem partir do teocentrismo, especificamente do teísmo bíblico, onde o próprio Deus se revelou na pessoa do Senhor Jesus Cristo.

Acontece que tanto a moral como a ética somente são possíveis de existir dentro de um padrão de justiça, de uma busca em se anular ou impedir a injustiça, que seria a manutenção de um direito, e de que esse direito não seja violado, nem impedido de se exercer. A justiça precede-as portanto, mas é através delas que será revelada. Por isso se criam leis em conformidade com a moral e a ética, e quando elas não estão presentes o que temos são leis que favorecem a imoralidade e a antiética. À margem do padrão de justiça, com o nítido objetivo de subvertê-la, anulá-la, e instaurar um novo padrão que reconheça as queixas, as reclamações do injusto, atendendo-lhe as reivindicações e regulando uma prática ou atividade que está em oposição ao estabelecido. De tal forma que o que era justo deixa de sê-lo, passando a ser injusto; e o que era injusto é alçado à categoria de justo, numa inversão da ordem a partir da desordem [Is 5.20]... Então, volta-se às questões anteriores: mas em quais bases o padrão foi alterado?

Alguém dirá: se a lei diz que algo é injusto, ele é. E ponto final. Porém, seria isso verdade? Pode a lei mudar o que é moral tornando-o imoral? Pode a lei transtornar o ético em antiético? Seria o mesmo que dizer que o elefante é um vegetal que se espalha no campo e serve de pastagem e pode ser devorado por um inseto chamado cigarrinha. Para se concluir que o mamífero se tornou, num passe de mágica, em capim [1].

O relativismo moral e ético permite que tudo seja mudado segundo o padrão pessoal e de “verdade” pessoal, sem que haja absoluto, e tudo esteja em constante mutação e evolução, a fim de acomodar todas as coisas ao seu tempo, resultando na supremacia dos valores subjetivos do senso individual; o que vale dizer que qualquer apreciação subjetiva, que revele as preferências de cada um, ainda que seja a mais estúpida, bizarra, e sem qualquer legitimação, produz o mesmo efeito que um juízo baseado no conhecimento objetivo. Assim um assassino confesso pode, até mesmo, se ver livre de uma punição se o padrão moral não considerar crime o homicídio. O mesmo acontecia com o canibalismo em tribos indígenas. O mesmo se dá em rituais macabros, ainda hoje. O mesmo em religiões cujas normas e regras prescrevem o sacrifício da esposa quando o marido morre, ainda hoje. Do assassinato de bebês que nascem com alguma anormalidade física, no caso de tribos silvícolas, ainda hoje. De países, como a China, onde se pratica o infanticídio feminino, ainda hoje. O que dizer dos abortos, da pedofilia, do exibicionismo sexual [de homo e héteros], do incesto, do homossexualismo, da corrupção, etc, que não são punidos? Em outras palavras, pecados claramente definidos na Escritura como tal, e que deveriam receber uma punição justa segundo a lei de Deus, são cometidos naturalmente como parte de alguma cultura ou sociedade; não são constrangidos a extinguirem-se, antes ganham recrudescimento e o aval do mundo moderno; e, de certa forma, a igreja contemporiza com eles, ao julgá-los normais pelo padrão da Queda e da natureza caída do homem.

O erro está em não se distinguir certas coisas como imutáveis, a lei divina, por exemplo, diferenciando-as das mutáveis, como a moda, os meios de transporte, a linguagem, etc, e até mesmo a lei humana. Mas, por que essas variações determinariam a mutação da lei divina, estabelecida pela moral imutável proveniente do Deus imutável? Não há aqui um componente relativista em que a lei de Deus é invariável para os crentes [e mesmo para muitos, não o é], enquanto o mundo pode adaptá-la aos seus interesses escusos? Quando se defende esse conceito, o que se sobressai é a sua incoerência ao designar áreas de atuação distintas a grupos distintos alheio à verdade estabelecida por Deus, que não estabelece essas diferenças mas declara a todos a unidade de sua obediência, como verdade objetiva e absoluta em sua independência de qualquer convenção humana.

Por isso, quando um cristão não se indigna, não se levanta contra essas abominações, as quais Deus odeia, e se mantém numa área aparentemente segura em suas relações sociais, ele se opõe ao Evangelho. Por favor,  que algum desavisado não distorça ou confunda o que eu disse. Não estou a propor o pegar em armas e sair à guerra, matando todos os pecadores [muitos deles, eleitos para a salvação]. Nem para uma cruzada moral em que nós mesmos, muitas vezes, somos imorais. Nem para uma “limpeza” social, étnica ou religiosa. Uma inquisição, caça às bruxas, ou a tomada do poder à força. Nada disso. Como escrevi na Parte 1, tenho de sofrer o dano, mas jamais posso usar essa prerrogativa [um privilégio segundo Paulo (Fp 1.21)] para impor o dano sobre o outro, com o risco de ser injusto e concorrer para o mal.

O que temos visto, de forma sistemática, é uma perseguição organizada contra o pensamento religioso, especialmente o pensamento cristão. Qualquer alusão à Bíblia, a Deus, moral e ética cristãs, rapidamente é desaprovado e condenado. Como se ao citá-los uma luz vermelha acendesse e piscasse nervosamente, e uma sirene tonitruante alertasse para o perigo iminente. Mas perigo a quem? E, por quê? Não seria por ser uma ameaça aos anseios do mundo? Não seria por se opor a ele? Não seria uma autoproteção da iniqüidade? Uma blindagem do mal? Que levou o homem a não glorificar a Deus, nem lhe dar graças, “antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu”? [Rm 1.21]. Pois o mundo odiou e odeia a Cristo, assim é necessário que também sejamos odiados por ele [Jo 15.16-21], do contrário, se não somos perseguidos, há algo de errado [e não falo de prisão, tortura e morte apenas, o que acontece em várias partes do mundo, mas da rejeição, da segregação, seja no lar, no trabalho, na escola, entre os vizinhos; que pode levar a várias injustiças, desde o ser ignorado e preterido nesses ambientes até mesmo à prisão, tortura e morte, enfim]. Se o mundo nos vê com indiferença, é sinal de que as trevas estão em vantagem e nossos frutos não são dignos de glória. Se o mal não é abalado em sua malignidade, é porque nossos alicerces ruíram ou não foram ainda erguidos. Estamos como aquele néscio que escutou as palavras do Senhor mas não praticou, e construiu a sua casa sobre a areia, “desceu a chuva, correram os rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua perda” [Mt 7.24-27].

Mas sempre há alguém que apelará para o amor incondicional, aquela muleta que tem o intento de autoprotegê-lo e proteger seus pares, num corporativismo que inexiste na fé cristã. O próprio Senhor disse: “Se me amas, guardai os meus mandamentos... guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada” [Jo 14.15, 23]. Parece-me evidente que o amor de Deus não é incondicional e genérico, como muitos pensam, mas restrito àqueles que guardam os seus mandamentos por amá-lo; pois quem guardar os seus mandamentos, permanecerá no seu amor, assim como Cristo guardou os mandamentos do Pai, e permaneceu no seu amor [Jo 15.10].
  
Não vou entrar na questão do Decreto eterno, muito menos na questão da eternidade e temporalidade, o fato é que, se alguém não guarda os mandamentos divinos e, pelo contrário, rejeita-os deliberada e acintosamente, numa exibição desavergonhada de dizer em alto e bom som que ama o pecado e a ele se submete, como uma forma de provocação, de repúdio à vontade e determinação de Deus, esse não tem o seu amor. E se não o tem, não pode amá-lo, porque antes de o escolhermos, ele nos escolheu; antes de amá-lo, ele nos amou primeiro [Jo 15.16, Ef 1.5, 1Jo 4.19]. Deus não tem um guarda-chuvas em que todos podem ficar debaixo, ao abrigo; mas ali se ajuntam apenas os que ele elegeu, os quais pelo sangue de Cristo foram propiciados e protegidos da ira vindoura. A mesma ira que cairá sobre os ímpios e inconversos pela justiça de Deus; pois, “se a nossa injustiça for causa da justiça de Deus, que diremos? Porventura será Deus injusto, trazendo ira sobre nós (falo como homem)? De maneira nenhuma; de outro modo, como julgará Deus o mundo?” [Rm 3.5-6]. Apelar ao amor para anular a justiça é o primeiro erro de muitos que o ímpio comete; uma sentença autocondenatória, que ao invés de beneficiá-lo, condená-lo-á.

Paulo relata que a ira de Deus se manifesta do céu sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detém a verdade em injustiça [Rm 1.18]. As conseqüências de se torcer a justiça tornando-a injustiça é que Deus os abandonou  às paixões infames, entregou-os a um sentimento perverso, recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro, fazendo coisas que não convêm [Rm 1.24-31]. São obstinados em fazê-las, não têm arrependimento, não se sujeitam a nada além do próprio prazer; praticam a injustiça sem qualquer temor, trazendo o mal, o vitupério, a ignomínia a si mesmos, mas também às vítimas de seus atos, os quais são inimigos da cruz de Cristo “cujo fim é a perdição, cujo Deus é o ventre, e cuja glória é para confusão deles, que só pensam nas coisas terrenas” [Fp 3.19].

O que me faz voltar à seguinte questão: o ímpio tem medo da lei porque ela o acusa, revelando o seu crime e imputando-lhe uma pena ou castigo. O seu temor é justificado dentro de um padrão normal de anormalidade espiritual. Ele temer a justiça de Deus, também. Ele ansiar por um Deus complacente e conivente com o pecado, idem. Mas por que muitos crentes insistem em rejeitar a lei, como se fosse injusta e, ainda, como se ao desprezá-la pudesse impedir as suas conseqüências sobre os infratores? Porque, em última análise, ninguém está livre do juízo eterno e da condenação, salvo apenas os que foram comprados por Cristo na cruz. Então, tenta-se fugir do que não se pode fugir? E essa fuga não é uma tentativa frustrada de se fugir de Deus, também? E, alguém pode obter êxito nessa tentativa? Não. O crente sabe disso, e sabe que a lei, mais que o falso amor [aquele amor transigente que perverte a verdade em mentira, e faz da justiça injustiça, e de Deus um amante do caos] pode levar o pecador ao arrependimento, como o aio a Cristo. Sem nos esquecer de que o caráter principal da lei é preservar a moral e ética bíblica, guardar a justiça, e condenar o mal. Mas, por mais que não se queira, o castigo pode ser pedagógico na construção da santidade no homem.

O exemplo de Davi é emblemático. Após adulterar com Bate-Seba e de matar o marido dela, Urias, por quase um ano manteve a sua mente anestesiada em seus pecados. Deus enviou o profeta Natã que usando a história de uma cordeirinha, a única de um pobre homem que a amava como uma filha, teve-a tomada por um homem rico para banquetear um viajante, o que fez o rei encher-se de furor contra o homem rico. Davi percebeu que aquele homem havia cometido uma injustiça, e disse: “Vive o Senhor, que digno de morte é o homem que fez isso... porque fez tal coisa, e porque não se compadeceu” [2Sm 12.5]. Porém, os seus crimes não lhe trouxeram o mesmo senso de justiça. Então, o profeta disse-lhe: “Tu és este homem... Então disse Davi a Natã: pequei contra o Senhor. E disse Natã a Davi: Também o Senhor perdoou o teu pecado; não morrerás. Todavia, porquanto com este feito deste lugar sobremaneira a que os inimigos do Senhor blasfemem, também o filho que te nasceu certamente morrerá... E buscou Davi a Deus pela criança, e jejuou Davi, e entrou, e passou a noite prostrado sobre a terra... E sucedeu que ao sétimo dia morreu a criança... Então Davi se levantou da terra, e se lavou, e se ungiu, e mudou de roupas, e entrou na casa do Senhor, e adorou.” [2Sm 12.7, 13-14, 16, 20].

Interessante que não vemos Natã dizer a Davi: “Não se esquente! Deus te ama!... isso vai passar”, o que muitos, desajuizadamente, proferem aos quatro cantos como se fosse um mantra, como se a repetição sem sentido de algo que a pessoa desconhecesse, pudesse torná-lo real. Da mesma forma, Davi não se fiou no amor de Deus, mas sujeitou-se a ele; e em sua mente estavam escritas as palavras que Paulo proferiria séculos depois: “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” [Rm 8.28]. E o bem para Davi naquele momento era o arrependimento, e voltar-se para o seu Senhor.

Outro componente a se pensar é o da glória de Deus. O nome dele havia sido blasfemado por causa dos crimes de Davi, e era necessário que todos vissem que, mesmo sendo rei, ungido por Deus, o castigo lhe sobreveio, e a sua condenação era pública, para que não servisse de mau-exemplo e estimulasse a outros seguirem os seus passos pecaminosos. Portanto, a aplicação da lei tem o fim de inibir e coibir o mal, também.

Pode-se apelar para o argumento de que Davi já era um crente. Porém, se Deus castiga os que são seus por amor, o que não fará com os ímpios que não ama? Se o julgamento começa pela casa de Deus, qual não será o fim dos que são desobedientes ao evangelho de Deus? [1Pe 4.17].

Enquanto alguns defendem um cristianismo do lado branco e atacam um cristianismo do lado negro [2], seja lá o que isso queira dizer, o cristão tem de se voltar e se apegar ao Cristianismo bíblico, e nada mais. O padrão é bíblico para a igreja. Por mais aceitação que determinada prática tenha nos últimos anos ou séculos, ela não representará a verdade se não estiver em conformidade com a Escritura. Como disse em algum lugar, o Evangelho é um, revelado progressivamente, mas em unidade, coesão e verdade. Quando se fala de amor e se despreza a justiça, não se ama. Quando se fala em justiça sem amor, é-se injusto. As duas coisas andam juntas, nem antes nem depois, nem mesmo lado a lado, mas intrínsecas, de tal forma que uma não subsiste sem a outra.

Por mais que Cristo estivesse entre pecadores [e todo o mundo era-o, como é], e por mais que se repita que ele ama o pecador, não podemos associá-lo ao pecado ou a contemporizar com o pecado.  Como Deus e Santo, essa comunhão é impossível. Assim como o é entre luz e trevas. Então, por que estamos mais dispostos à escuridão, em mantê-la, do que em dissipá-la? Porque, como um sedentário que se prepara para uma maratona, e os exercícios lhe causam dores terríveis pelo corpo, a verdade dói, e nos causa muitas dores. Mas à medida que a conhecemos, nos tornamos familiares dela, as dores vão passando, e como o homem já preparado para correr quilômetros não sentimos o esforço, nem o cansaço. Prosseguindo para o alvo, esquecemos das coisas que ficaram para trás, e avançamos para as que estão diante de nós, em busca do prêmio: chegar à perfeição e à medida da estatura completa de Cristo [Fp 3.13-14, Ef 4.13].

Para andar naquilo em que já chegamos, segundo a regra de que “o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” [Gl 6.14].

Ao invés de blinda-lo. 

Notas: [1] O capim-elefante é uma gramínea perene (Penisetum purpureum) natural da África e introduzida no Brasil por volta dos anos 1920.
[2] Existe no momento uma cruzada entre os cristãos, em que aqueles que acusam os que acusam sentem-se privilegiados ao acusar, e estabelecem limites que também são estabelecidos pelos outros, numa luta estúpida e nada cristã, como se estivessem disputando um cabo de guerra imaginário onde o que vale é uma verdade pessoal e transferível. Ao se opor ao dogmatismo e ao sectarismo, acusando fulano e beltrano com termos e expressões pouco recomendáveis até mesmo para um ímpio, eles se tornam tão o mais dogmáticos e sectários que seus opositores. Ao acusar o exclusivismo e defender um inclusivismo, o inclusivismo deles é mais exclusivista do que o dos seus oponentes. Ao defender que até mesmo o tolo pode ser usado por Deus para realizar a sua obra, mas o seu oponente não, ele contradiz a si mesmo. Ao tentar se fazer diferente, se iguala na mesmice que acusa haver apenas nos outros. Por isso, não adianta ir apenas à Bíblia para buscar comprovação do que se crê, mas deve-se buscá-la para, sobretudo, ter a mente transformada e guiada pelo próprio Espírito de Deus.
[3] Ainda não falei do Estado propriamente dito, e espero fazê-lo, mais cedo ou tarde, se Deus quiser.

10 janeiro 2011

Cristianismo, Estado e Justiça - Parte 1










Por Jorge Fernandes Isah

Todo cristão deve ter a convicção de que, em qualquer época e lugar do mundo, onde o Evangelho de Cristo não se fizer presente, como a regra primeira e última de normatização das relações humanas [não apenas como um devaneio para a alma e poetas], ali encontraremos o que se pode chamar de idade e reino das trevas, sem a menor chance de sermos injustos ou precipitados. Porém, o que vem acontecendo e se disseminando entre nós é exatamente o contrário, a possibilidade de se criar um paraíso terreno sem a necessidade de se aplicar a Lei e o Evangelho, antes a rejeição de ambos [1]. Como se o homem, em si mesmo, pudesse deter algo de bom, e seus valores e objetivos fossem mais justos e santos do que os valores divinos, os quais provém da única fonte capaz de gerá-los, Deus, visto ser ele, em essência,  santo e justo.

Estranha-me que cristãos saiam decidida e prontamente em defesa de ideologias e métodos nitidamente antibíblicos, como se Deus pudesse, de uma hora para outra, renegar a si mesmo em favor do homem. Bem, alguém poderia, num arroubo delirante, dizer que a encarnação do Verbo foi uma espécie de negação da divindade, mas eu direi a esse insano que não há como Deus negar-se a si mesmo, pois o perfeito jamais pode ser imperfeito ou deixar de ser perfeito. E Cristo encarnou-se exatamente por causa da sua perfeição, a fim de executar o plano perfeito, imutável e eterno traçado pela Trindade Santa. Porém esse não é o motivo deste post, e a discussão pode se direcionar a outro lugar e momento. 

A verdade é que, de muitas formas e maneiras, tenta-se justificar o fato da igreja estar em profunda aliança com o mundo [mesmo que não seja consumada mas um flerte, isso em nada ameniza a situação], abandonando, como o fez em outras épocas, a aliança com Deus. Por que será? Alegar o estado temporário de imperfeição dos santos como justificativa não me parece prudente, nem mesmo chega a ser uma resposta. O ensimesmamento do homem parece-me muito mais próximo de uma resposta bíblica, a qual nos garante que não há um justo, nenhum sequer, e de que não há quem busque a Deus [Rm 3.10,12].  É claro que não ignoro o convívio do joio entre o trigo, mas, por que o trigo se empenha em seguir o caminho infrutífero do joio? Faltam parâmetros que delineiam a vida cristã. Parece que cada um pode absorver o que quiser e descartar o que também quiser com a mesma naturalidade com que se escolhe a cor de uma camisa ou o sabor de um sorvete, apelando apenas para o critério pessoal, algo subjetivo e de foro íntimo.

Tem-se de entender que a palavra que lemos, ouvimos e proclamamos não é nossa, mas de Deus. E como tal, tem de ser observada, entendida e aplicada em sua integralidade. O maior problema que se tem hoje é o de se distinguir entre um trecho e outro da Escritura, e dizer ser esse pertinente e aquele não, para os tempos atuais; e assim, rejeitamos a Bíblia em sua unidade, como a palavra para todos os homens em todos os tempos e lugares. Promove-se o seu fatiamento, a fim de se escolher o que venha de encontro aos interesses pessoais, e descartar o que não se encaixa neles, mesmo assim a partir de uma exegese falha e uma interpretação distorcida e tendenciosa. Já disse, em outro lugar, que não é possível se ter uma fração do Evangelho; ou se tem o todo ou não se tem nada. Mas parece que muitos estão dispostos a conviver com uma ínfima parte, ao ponto de se acreditar que têm a completude e unidade da palavra; talvez o maior de todos os enganos, senão o maior. Até mesmo não ter nada pode ser mais benéfico pois há a possibilidade de se ainda conhecer o todo. Contentar-se e se autojustificar com uma parte, impede-se de compreender e desfrutar da verdade intacta transmitida por Deus de maneira definitiva em seus limites invariáveis. Como está escrito: Olhai, pois, que façais como vos mandou o Senhor vosso Deus; não vos desviareis, nem para a direita nem para a esquerda” [Dt 5.32]. Não há ziguezagues, desvios, ou atalhos, nem mesmo paradas, mas um caminhar regular e líneo à glória.

O grande problema é que a igreja tem olhado o mundo com olhos cobiçosos, invejosos, de ter o que ele tem, de desfrutar do que ele usufrui, de colaborar em erguer-se a cerca que separará definitivamente o homem de Deus, mantendo-o do lado de fora do Reino, ainda que ele possa vislumbrá-lo a distância, minimamente, e assim certificar-se de estar [in]seguro na periferia, onde a marginalidade espiritual se estrutura no caos e na imoralidade. É como acariciar uma bomba-relógio programada para explodir em alguns segundos. Paulo nos diz: não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” [Rm 12.1]. Ora, o que vem a ser a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus, senão o Evangelho em sua totalidade? Não basta ouvi-lo. Não basta lê-lo. Nem racionalizá-lo. Decorá-lo. Ou espiritualizá-lo. Qualquer forma de reduzi-lo em sua amplitude apenas nos afastará da sua mensagem. Antes é necessário obedecê-lo, assim como o Senhor Jesus obedeceu ao Pai, demonstrando o seu amor por ele. Ilude-se quem acredita que qualquer tipo de amor é suficiente em si mesmo. Que qualquer emocionalismo ou contemplação é suficiente para agradar a Deus. Nada disso. O exemplo está naquilo que Cristo espera dos seus discípulos, como prova do amor deles por ele: Se me amais, guardai os meus mandamentos... e aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama” [Jo 14.15, 21] porque “Quem não me ama não guarda as minhas palavras” [Jo 14.24]. Isso é dito para a igreja, o povo de Deus, porque o mundo não pode conhecer o Espírito de verdade, nem pode recebê-lo, “porque não o vê, nem o conhece” [Jo 14.17].

Assim, muitos justificam a impiedade e injustiça do mundo em sua anormal naturalidade de ser ultrajante e insensato, visto não terem a palavra nem o Espírito da palavra para orientá-lo, pois é-lhe impossível recebê-los, e não os têm em si mesmo. Mas será isso? Ou não estaremos apenas dando os motivos para tanto uma como outra coisa se propaguem desenfreadamente, numa justificativa para a falta de temor dos cristãos? Não estaremos a regar e adubar o mal por considerá-lo inevitável e fora de controle? Não estaremos a nos condenar pelo descuido, por um espírito de acomodação e cinismo? Pelo qual nos desculpamos a nós mesmos por causa da nossa covardia e falta de senso? Desde quando o fato de se ser pecador é justificativa para se pecar? Seria o mesmo que um réu justificasse o seu crime diante do juiz com o argumento [ou a falta dele] de ser criminoso. O criminoso não é autojustificado por sua condição, antes ela o denuncia e o condena. E, com isso, participamos do sofrimento, da injustiça e da opressão que governos e a sociedade exercem sobre outros irmãos e até mesmo outros ímpios, o que nos torna, em algum grau, cúmplices do mal.

Mas alguém pode dizer: devemos sofrer por amor ao próximo. Devemos amá-lo como Cristo ama o pecador. É verdade, porém, Cristo não ama a todos os pecadores indiscriminadamente. Cristo não ama aquele que morrerá obstinado em seu pecado. Cristo não ama aquele que escarnece e se exibe acima da vontade de Deus, como se fosse maior do que Deus. Cristo não ama os que jamais se arrependerão dos seus pecados. Muito menos os que se deliciam continuamente em praticá-los. Cristo, ao contrário, abomina-os, e os lançará no tormento eterno, sem apelação. Cristo veio ao mundo para resgatar o seu povo, morreu por ele, e por ele ressuscitou. Alegar um amor divino indistinto é apelar para a desordem de Deus, que criou o mundo com propósitos claramente definidos, assim como os vasos da ira foram preparados para a perdição [Rm 9.22], e "até o ímpio para o dia do mal" [Pv 16.4]. A visão de muitos, de um deus que criou vasos para a perdição e amou-os tanto que os lançará no inferno, onde serão atormentados eternamente, e mais, que os criou com essa finalidade, é simplesmente não-bíblica e, posso dizer, tem o objetivo de nos tornar amigos de inimigos declarados, de tal forma que contemporizamos com o mal ao invés de aborrecê-lo. Querem criar um deus ambíguo, esquizofrênico, senil, frouxo, e que nada tem a ver com o Deus bíblico. Mas à parte dessa questão, uma outra está a intrigar-me: pode um cristão apelar para o amor indiscriminado e incondicional ao pecador, mesmo que isso represente a perseguição e injustiça a outro [irmão ou não]? Quer dizer que devo ser misericordioso para com aquele que não tem misericórdia, e assim ele desfrute livremente do seu pecado? E até o use como uma forma de punir o justo?

Veja bem, o ponto a se refletir é: tem-se de ser misericordioso com quem não tem misericórdia, com aquele que persegue, com aquele que causa dano, com aquele que se exibe ostensivamente na promoção e incitação ao pecado? É inadmissível que isso sirva de justificativa para a ofensa, a improbidade e o despudor. Seria esse o padrão de justiça bíblico, que nos leva a amar o ímpio e a permitir que ele permaneça injusto? Qual deve ser a atitude diante de um ato de injustiça? Defender quem a promoveu? Ou acusá-lo? E condená-lo segundo o reto padrão divino? Ou absolvê-lo pelo padrão humano? Quando se age assim, condena-se o justo e despreza-se a justiça. Favorecendo o mal em detrimento do bem. Mas, sobretudo, permiti-se agir injustamente com ambos. Ao consentir que um exerça livremente a sua impiedade, privando o outro da liberdade de ser justo.

Uma pausa: A Bíblia diz que devemos amar aos nossos inimigos [Mt 5.44]; da mesma forma que nos ordena a abençoar os que nos perseguem [Rm 12.14]. Mas isso se refere especificamente a cada um de nós, como indivíduo; é um chamado individual para cada um agir assim quando o objeto de injustiça for a si mesmo, não o outro; ou seja, eu, Jorge, se sou perseguido, caluniado, odiado, devo amar quem me persegue, calunia e odeia; porém, isso quer dizer que devo proceder da mesma forma em relação a alguém que persegue, calunia e odeia outro? Ou antes devo denunciar o crime e o criminoso, e sair em defesa do inocente? Sou chamado a me entregar à morte por Cristo, mas não posso nem devo aceitar e permitir que o outro seja morto, pois, agindo assim, estará evidenciado não o amor, mas o desamor. O amor pode permitir que eu sofra a injustiça, mas jamais permitir que eu compactue com ela. São coisas distintas. Devo sofrer o dano, mas jamais permitir que outrem seja lesado. Interessante é que, normalmente, não aceitamos o dano, mas queremos impô-lo aos outros; somos rápidos em nos defender, e negligentes quando se trata do próximo. 
Outro ponto é que o fato de amar o ímpio não me impede, em momento algum, de corrigi-lo. Isso deveria ser visto, corretamente, como prova de amor não somente ao criminoso, mas também ao inocente, para que ele não seja punido duas vezes: por quem cometeu o crime, e por não ser reparado no que perdeu. Fim da pausa.

Ao se defender a liberdade homossexual, por exemplo, defende-se até que ponto? E se for legimitizada por força de lei, e ferir os princípios de liberdade de um irmão, esse padrão de justiça e moralidade pode ser considerado bíblico? E, até que ponto, não se ampliará esse direito aos assassinos, ladrões, estupradores, corruptos, fraudadores e blasfemadores? Ou se deve, ao contrário, esforçar-se para que eles reconheçam seus pecados [e sofram a punição legal por eles] como uma maneira de denunciar o padrão imoral e antibíblico no qual vivem? [2]. Sendo exemplo para que outros não enveredem no erro? Não é assim que Deus demonstra o seu amor por nós, nos revelando, primeiramente, nossa impiedade? Levando-nos ao arrependimento? Por que temer que a lei seja esse instrumento de reparação ao injustiçado, a fim de se corrigir um dano; mas também o aio que levará o pecador a Cristo? Não é retirar a força do Evangelho? Diminuí-lo, e agir claramente em desamor? E não é certo, ao agir assim, que será acusado no tribunal de Cristo, por cooperar com o mal? E se inserir no modelo ao qual o apóstolo se refere, “os quais, conhecendo o juízo de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem” [Rm 1.32]? Viver no mundo, não nos torna parte dele; temos de ser separados de suas práticas, e mesmo daqueles que a praticam sem pudor.

Ao silenciarmo-nos, assentimos, ainda que exteriormente, com a prática do mal. É o suficiente para o ímpio ver reconhecida a sua legitimidade de permanecer na transgressão. O nosso silêncio é a resposta que eles não precisam ouvir para declararem moral o que Deus estabeleceu como imoral. É necessário que a nossa aversão, nojo e repulsa sejam evidenciadas, não como uma mera postura a se delimitar um espaço físico ou social, mas para o próprio bem daqueles que teimam em viver à margem da moral e ética cristãs, e pelo bem daqueles que desejam sinceramente viver nelas e por elas. Agir assim parece ser pedir demais, num mundo em que o pecado é ostensivamente exposto como apenas outro padrão social; como se estivéssemos sem rumo, o ponteiro da bússola girando freneticamente em todas as direções. Esse padrão encontra-se presente em todos os seguimentos, refletindo o caos que conduzirá as pessoas em suas relações cada vez mais destrutivas e insanas.

Quando o ministro Marco Aurélio Garcia disse não haver problemas no fato dos filhos do ex-presidente Lula, que nada têm a ver com o corpo diplomático brasileiro, deterem credenciais diplomáticas, e a sociedade finge não ver, e os cristãos fingem-se de cegos, e muitos dentre nós ainda defendem esse falso argumento [que em si não é argumento, pois não há argumentação], paira no ar o cheiro pestilento e invasivo de podridão. Que deixa tudo à sua volta exalando um mau cheiro intenso, doentio, e agonizante. É essa indisposição à verdade que torna relevante a mentira, que nem mesmo está preocupada em dissimular-se, mas em se exibir cínica e provocantemente obscena, como uma ferida purulenta que ninguém quer curar.

Isso é extremamente danoso para o mundo que, contudo, não se apercebe em sua própria cegueira do abismo, da queda-livre, em que se encontra. Mas quando percebemos que a igreja se envolve cada vez mais com a patifaria e o descaramento, o que faria enrubecer os piores bucaneiros e corsários do passado, torna-se fácil notar que os valores bíblicos foram postos de lado, Deus tem sido esquecido, e a sua palavra repudiada em favor das falsas “boas-novas” do príncipe deste mundo. E a igreja acaba por encher-se de humanismo e de relativismo e de descrença, a tal ponto que o Evangelho está morto para ela, enquanto ela, moribunda, aguarda a morte inapelavelmente justa e anunciada no Evangelho. E se deixa abandonar em si mesma, exatamente por lutar contra aquilo que deveria ser: apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” [Ef 5.27].

Não cheguei a falar do Estado, presente no título deste post, o que ficará para a seqüência, se Deus quiser.

Continua...

Nota: [1] Faço a distinção da revelação em dois termos, não porque eu ache que exista diferenciação entre um e outro, mas apenas para facilitar o entendimento do leitor que pode estar acostumado à dicotomia Lei e Evangelho, que na verdade, não existe do ponto de vista bíblico.
[2] Quando Paulo diz aos coríntios que eles estavam ensoberbecidos, orgulhosos, de manterem um fornicador no corpo local, e de não se entristecerem por não tê-lo tirado de entre eles, não os tratou como inocentes, mas culpou-os pela falta de zelo, determinando que o tal fosse entregue a satanás. E, por fim, exorta a igreja a não se associar com aquele que, "dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador, com o tal nem ainda comais" [ICo 5.11]. Infelizmente, muitos têm se disposto a rejeitar seu irmão em favor da união com o ímpio.

01 janeiro 2011

Kálamos: três anos!














Por Jorge Fernandes Isah

O Kálamos está fazendo três anos. Lembro-me de quando decidi criá-lo, como uma forma de difundir o Evangelho de Cristo. Inicialmente, seria uma mistura de textos de autores que lia profusamente à época, como Dr. Lloyd-Jones, C. H. Spurgeon, John Piper, John MacArthur Jr., Calvino, Lutero e muitos outros; especialmente voltado para amigos e parentes mais próximos. Não passava por minha cabeça atingir pessoas de outros estados ou países; mas, sei lá, fazendo analogia com o fato do profeta não ser ouvido e recebido em sua terra, também não o fui entre os meus queridos, sejam parentes, amigos e irmãos da fé, aqui em BH. Por eles, fui ignorado, o que não me impediu de proclamar o Evangelho pessoalmente, nas oportunidades que tive.

Os textos de "terceiros" seriam intercalados com alguns escritos que, talvez, eu viesse a escrever, pois nem mesmo sabia se os escreveria. O fato é que, o primeiro texto postado foi do Dr. Lloyd-Jones, extraído do seu comentário ao Sermão do Monte... Espera aí, essa era a idéia inicial, mas acabei por substituir "Como um Nada"  por um pequeno texto que eu havia feito para o extinto informativo "O Enviado", do Tabernáculo Batista, cujo título era "O que agrada a Deus". Depois do texto do Dr. Lloyd-Jones [o segundo a ser publicado no blog], assumi-me um "escrevinhador" e publiquei apenas artigos pessoais. O gosto pela leitura, e o fato de gostar também de escrever, falou mais alto; e estou aqui, hoje, fazendo o que realmente gosto e me dá prazer: falar e meditar na Sagrada Escritura.

De certa forma, o propósito inicial continuou, ainda que tenha tomado um rumo diferente do pretendido, e muito maior do que jamais imaginei. Quem ler os textos iniciais e os mais recentes verá muita diferença. O calvinista meio titubeante de 2008, tornou-se um calvinista convicto e intransigente na defesa da fé... talvez mais intransigente do que o necessário, mas não menos convicto do que um calvinista deve ser.

De lá para cá, Deus presenteou-me com amigos e irmãos os quais aprendi a amar, respeitar e admirar, mesmo em nossas divergências e acolouradas discussões. Um ou outro perdeu-se pelo caminho, provavelmente fruto da minha imaturidade e belicosidade... me lembro, no momento, de três deles: um unitarista e dois "sem-igrejas"... Pensando bem, acho que a culpa foi toda deles mesmo [rsrs].

Como forma de agradecimento a Deus por esses anos em que tenho sido abençoado, inclusive por irmãos que jamais troquei uma linha ou palavra, mas que foram e ainda são fundamentais na minha edificação; e pelos leitores que têm participado ativamente na construção deste blog, decidi sortear neste mês alguns títulos, e assim servir de instrumento nas mãos de Deus para a edificação de outros, também. São eles:

1) Bíblia Sagrada Devocional Murray McChayne - Preta - Editora Scripturae Publicações;
2) Fé com Razão, de Joseph R. Farinaccio, Editora Monergismo;
3) Sansão e sua Fé, Vincent Cheung, Editora Monergismo;
4) João Calvino: Amor à Devoção, Doutrina e Glória de Deus, Editora Fiel

Os links, fotos e descrições das presentes obras poderão ser acessados na página do "Sorteios & Promoções".

Aproveito para avisar que o Eric [1] e o Matheus Mendes foram os contemplados no sorteio de 30.12.2010, respectivamente com os livros "O Autor do Pecado" e "Deus e o Mal".  Basta enviar os nomes e endereços completos para o meu email pessoal dosty@monergismo.com

Bem, oro para que Deus me capacite e habilite a continuar proclamando o seu Evangelho, que é toda a Escritura, e que o Kálamos seja instrumento para a honra, glória e louvor do nome do nosso Senhor Jesus Cristo.

A todos os meus irmãos, amigos e leitores, inclusive aqueles com os quais nunca tive contato direto, mas que são frequentadores assíduos destas páginas, muito obrigado! E que o bom Deus os abençoe imensamente, assim como tenho sido por ele abençoado.

Grande abraço, no Senhor!

Nota: [1] O Eric enviou o seguinte comentário: "Irmão, estou super satisfeito de ter sido sorteado. Porém como já possuo o livro que ganhei (O autor do pecado) proponho o seguinte: 1. Sorteie novamente para outra pessoa que (possivelmente) não tenha o livro; 2. Deixe o livro acumulado com os outros livros para os próximos sorteios do seu site. 
Novamente, agradeço pelo sorteio, porém como já possuo este livro, peço para não me enviar e consequentemente, abençoar outra pessoa que ainda não o possua. A Paz do Senhor Jesus Cristo. Eric".
Portanto, o leitor que desejar o livro "O Autor do Pecado" deverá fazer um comentário nesta postagem manifestando o desejo de recebê-lo; mas apenas o primeiro será contemplado. Agradeço ao Eric a atitude nobre de disponibilizar o livro a outro que ainda não o tem.

29 dezembro 2010

Ponto de Fuga



Por Jorge Fernandes Isah


    Ano novo aproximando-se, já as portas de Janeiro, e estou a me perguntar: o que nos aguardará nos próximos doze meses? Em que condições a igreja evangélica deixará o país ao fim-do-ano? Será que a expansão numérica dos evangélicos no Brasil tem-se refletido em luz, ou "tudo continua como dantes no quartel do Abrantes"? Com os evangélicos não fazendo diferença, nem salgando o mundo?
  
  Quais mudanças serão percebidas na sociedade? Ela terá refletida a sabedoria e santidade bíblicas? Terá se tornado moral e eticamente aprovada? A defender a vida e os princípios estabelecidos por Deus em Sua palavra? 

   Ou a expansão numérica servirá apenas para aproximar a igreja cada vez mais do padrão do mundo (através da invasão de incrédulos e suas perversões no seio da igreja; e o que é pior, a aceitação passiva por parte daqueles que se dizem cristãos e defensores da fé bíblica)? A interagir e se fundir com o secular de tal forma que não se distingue o aparentemente santo do profano?

   Até que ponto, o triunfalismo e o otimismo com as possibilidades de um Brasil evangelizado é realidade ou ficção? Especialmente quando se sabe que a maior parte das pregações têm sido antibíblicas e não-cristãs? É possível se pregar o antievangelho e ainda assim evangelizar em moldes verdadeiramente cristãos? Ou estamos a misturar as coisas, sem saber o que fazemos, guiados por egos inflados, por doutrinas espúrias, com o objetivo de saciar a sanha indolente das criaturas? Sem glorificar o Criador e Senhor?

   Há muito tempo se ouve a frase: o Brasil para Cristo! Mas o que pregamos é Cristo crucificado, ressurreto e que está à destra do Pai governando o mundo, ou o anticristo?

   Até que ponto, igrejas preocupadas com atividades sociais, de lazer, empresariais, mercadológicas, envoltas pelo pragmatismo e a busca de resultados estatísticos e financeiros podem estar comprometidas com Deus e Sua palavra, ao ponto em que ela transborde e seja impossível não proclamá-la?

   Até que ponto, as igrejas estão preocupadas em pregar o arrependimento? E, assim, somente assim, reconhecendo-se nu e miserável o homem poderá quedar-se submisso diante do Deus Todo-Poderoso, santo e justo? Pois sem arrependimento, não houve novo-nascimento, e sem novo-nascimento como será possível ver o reino dos céus?

   Até que ponto, um povo obstinado em rejeitar a Deus pode ser chamado de cristão? Como está escrito: “Feriste-os, e não lhes doeu; consumiste-os, e não quiseram receber a correção; endureceram as suas faces mais do que uma rocha; não quiseram voltar”[Jr 5.3].

   Até que ponto, o Evangelho estará soterrado pelo humanismo? E se tornará irreconhecível como a mensagem do Deus Vivo?

   Até que ponto, continuaremos assentados confortavelmente em nossas poltronas sem clamar, interceder e orar pelas almas escravizadas pelo pecado? E por milhões cegados pelo deus deste mundo?

   Até que ponto, todo o nosso entendimento e rigor doutrinários estarão realmente a serviço do Reino de Cristo?

   Até que ponto, satisfaz o que temos e não o que damos?

   Até que ponto, continuaremos soldados na caserna, enquanto a guerra se desenvolve no campo?

   Até que ponto, ser cristão é não ser cristão?

   O compromisso dos que são de Cristo é seguir os passos do Mestre, para que se dê muitos frutos, senão será cortado e lançado "onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga" [Mc 9.48]

   Quantas vezes é preciso ser vomitado? Por não ser frio nem quente, mas morno? Julgando-se rico, quando se é desgraçado, miserável, pobre, cego e nu? 

   “Sê pois zeloso, e arrepende-te” [Ap 3.19].

Notas: Este texto foi redigido em Janeiro/2010, e decidi republicá-lo no fim-de-ano, como minha última postagem, pois os questionamentos lançados nele ainda me angustiam, e alguns permanecem sem respostas.
    [2] Relutei em publicar o texto, porque, nos dias atuais, qualquer espécie de exortação ou alerta é sinal de prepotência e superioridade da parte de quem os faz, afinal, dizem, somos todos iguais, e por que você se considera melhor do que nós? A questão é que não estou a falar somente do que não foi feito, mas do que mesmo feito não foi bem feito, em conformidade com a Escritura. Fazer por fazer é muito pouco. Não fazer achando que se faz é nada. E fazer erradamente é prejuízo. Há, de certa forma, uma espécie de ufanismo por uma Brasil evangelizado, mas fico sempre a me perguntar: o Brasil é realmente um país evangelizado? Qual evangelho é pregado? De Cristo ou do anticristo? Então decidi publicá-lo. Não como uma maneira de dizer: olha, fiz mais do que vocês, que não andam fazendo nada. Não é isso, até porque, considero-me muito, mas muito distante da semelhança com Cristo, como disse no texto "Perdas e Ganhos"Como alguns pregadores sempre dizem que o sermão é primeiramente para eles mesmos, posso afirmar categoricamente que este texto foi escrito e inquirido primeiramente a mim.
   [3] Alterei apenas as datas na postagem para não parecer estranho a quem ainda não leu estas notas.

20 dezembro 2010

A rejeição da Lei e a abolição do Evangelho












Por Jorge Fernandes Isah

Ao ler o trecho abaixo, veio-me à mente o quanto o entendimento da Lei tem sido preterido e negligenciado entre os cristãos, ao ponto de, com raras exceções, todos considerarem que, de alguma forma, com a encarnação do Senhor, ocorreu também a abolição da lei. Este é um comentário sobre essa falsa premissa, que espero, se Deus quiser, complementarei em futuras postagens.


Primeiramente, vamos à frase: “As leis cerimoniais, as leis civis e o código penal foram anulados, e a lei moral recebeu mais esclarecimentos na pessoa e nos ensinos de Jesus Cristo"[1].


Ora, o que temos aqui? Se Cristo veio cumprir a lei, e elevou-a a condição muito superior, ao ponto em que não se é preciso cometer o delito, mas somente idealizá-lo para que o pecado seja consumado, como a lei foi anulada? E, em qual sentido o foi? E mais, quem a anulou?


Quer dizer que tudo o que Deus estabeleceu como abominação, como odioso aos seus olhos e, por isso, merecedor de castigo, escrito na Lei, foi abolido e não o desagrada mais? Não há código moral e ético vigente? Passamos a viver no “faça o que quer, me deixe fazer o que quero”? Essa mentalidade não está próxima da visão pós-moderna e relativista do mundo atual? Ou, mesmo pior, pois elimina qualquer critério de justiça e moral? Ao menos os relativistas acreditam numa moral pessoal e subjetiva; no conceito acima, não se chega nem a isso. Então, como viveremos? Livres para pecar e cometer delitos?


Outra questão que me vem à mente é: seria Deus mutável ao ponto de alterar sua escala de valores? E dar por errado o que é certo? E dar por imoral o que é moral? E desdizer o que disse? E eliminar o que estabeleceu?... O que se está a defender é a não unidade da Escritura e, por conseguinte, a não perfeição divina.

Cristo é superior à Lei, inclusive, na exigência de se cumpri-la. Não basta uma conduta exterior, mas ela também tem de ser interior. De nada adianta eu não ir para o motel com uma amante, se penso em levá-la e ter conjunção carnal, mesmo que somente em pensamento. De nada adianta não roubar, se o tempo todo estou a cobiçar o que é de outrem. Nem fraudar, se estou a proferir “mentirinhas” a cada dez palavras pronunciadas. Para Cristo, não basta limpar o exterior do copo e do prato, mas o seu interior [MT 23.26]. O que não quer dizer que o exterior não deva ser limpo, também. Acontece que essa é uma questão afeita somente aos eleitos, àqueles que são capacitados por ele a se manterem limpos por dentro e por fora, em seu caráter santificador. Por que Cristo veio nos libertar do jugo da lei, da sua conseqüência mais grave, a condenação, “para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra” [Rm 7.6]. Paulo, em seguida, arrematou: “Que diremos pois? É a lei pecado? De modo nenhum. Mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçaras” [v.7]. Este é um verso “knock down”, daqueles que lança o interlocutor distraído à lona. Pois, se a lei foi abolida, também o pecado o foi; se a lei foi abolida, não há necessidade de Salvador, nem de salvação, pois todos estão salvos. Se esse é o entendimento, não há necessidade de Evangelho nem de sua proclamação, pois o reino já é efetivamente verdade na vida de todos os homens; e todas as demais promessas que falam de julgamento, tribunal, condenação, juízo, e punição no inferno, não passam de lendas, ou quando muito uma ficção do que poderia ser o futuro, caso a lei não fosse abolida. Paulo ratifica esta idéia ao dizer: “porquanto sem a lei estava morto o pecado” [v. 8].

Alguns acrescentarão: mas a lei foi abolida apenas para os salvos, por aqueles que Cristo morreu, o qual pregou-a no madeiro [2]... É, porém, os antilei não a querem também para os ímpios, nem que a sociedade seja regida por ela; preferem uma lei regida e controlada pela mente e pela cultura humana; então, como fica o beco-sem-saída que os antilei criaram para si mesmos?... O certo é que a lei deve ser cumprida por todos, eleitos e réprobos; não como algo apenas espontâneo, que se deve obedecer por vontade própria, mas por coerção, e temor ao castigo oriundo da quebra da lei.

Cristo também disse que não veio abolir a Lei, mas cumpri-la; como exigência para que os eleitos fossem salvos, não para que fossem dispensados de cumpri-la. Isso revelaria um “cristo antinomiano”, que sequer se importaria em cumprir, ele mesmo, a lei. Porque desprezá-la é um claro sinal de rebeldia, e não de obediência, a qual o Senhor sempre teve pelo Pai e sua Lei. Se Cristo tivesse abolido-a, estaria a dar carta-branca para o livre-pecador, de tal forma que não haveria abundância da graça, mas da iniqüidade. Uma perversão no sentido de graça, de justiça e santidade divinas. E o que é pior, anulando-as completamente, o que significaria anular a própria natureza divina.

Somos salvos, mas não somos livres para pecar, ao contrário, somos livres para não pecar.


O erro portanto está em anular o que Deus não anulou; achando que anulou, quando o que o homem quer é anulá-lo para gozar uma liberdade que não se tem.


O próprio julgamento final, e a condenação ao inferno daqueles que descumpriram a lei, demonstram a sua validade, pois como Paulo disse, ninguém é justificado pela Lei, mas por ela todos são  julgados e condenados; “de outro modo, como julgará Deus o mundo?” [Rm 3.6]. Cristo veio trazer salvação e redenção para o seu povo, mas o povo que não é seu, será condenado pela Lei, em seu caráter penal. Não se esqueça de que o inferno é a penitenciária de segurança máxima que Deus estabeleceu para o diabo, seus anjos e os ímpios, por toda a eternidade. E lá, a pena não se paga jamais; como o Senhor disse, o inferno é o lugar onde o bicho não morre e o fogo nunca se apaga [Mc 9.44].


O estranho é que, com uma falsa idéia na cabeça, muitos cristãos se opõem ao caráter político da lei, de que o ímpio pode ser punido no inferno, mas não pode sê-lo aqui no mundo. Há até mesmo a defesa da lei humana sobre a divina, numa clara inversão de valores, como se a lei de Deus não fosse atemporal, permanente, para todos os homens e nações. Chega a ser desesperadora a forma como muitos defendem a não aplicabilidade da lei no mundo atual. Como se o crime fosse mais justo do que a sua prescrição legal, como se a pena fosse injusta, e o ato criminoso, assim como o seu autor, devessem estar sempre debaixo da indulgência da sociedade. Essa mentalidade de que somos responsáveis pelo criminoso e o seu crime, mas não somos responsáveis por puni-lo e evitar que incorra novamente em delito, não é somente um tiro no pé, mas na própria cabeça, e na alma de quem pensa assim. Parece-me que a distorção é tão grande, o foco escriturístico perdido há tempos, que não resta outra saída a não ser perpetuar a injustiça, pois a Lei justa, perfeita e santa, assim como é justo, perfeito e santo o seu Autor, Juiz e Executor, que a deu a todos indistintamente, não tem mais lugar no presente século, no mundo moderno.

Contudo, não foi isso o que Cristo disse, como está escrito: "Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim abrogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou til jamais passará da lei, sem que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus" [Mt 5.17-20].

O Senhor enfatiza algumas coisas nestes versos:

1-    Ele não veio destruir a lei ou os profetas;

2-    Até que o céu e a terra passem, nem um jota ou til da lei passará sem que tudo seja cumprido [e o cumprimento dela no Calvário se deu para os eleitos; mas os ímpios estão debaixo dela, e sujeitos a ela, no que ainda ela não se cumpriu integralmente, o que acontecerá no Juízo Final].

3-    Qualquer que violar um destes mandamentos e assim ensinar aos homens será chamado o menor no reino dos céus.

4-    Qualquer que ensinar e cumpri-los será chamado grande no reino dos céus.

Interessante que o Senhor usa a expressão “jota e til” para indicar os menores e menos importantes detalhes da lei, porém, como provenientes de Deus, são duradouros e devem ser observados. Promover a injustiça torna o seu promotor em injusto; defender a não cumprabilidade da lei é um erro gravíssimo, uma rebelião com sérias conseqüências e riscos aos que assim pensam, porque, ao assim agirem, estão a tentar enfraquecer a sua obrigatoriedade, a diminuir a sua abrangência, destituí-la de significado e relativizar o absoluto; um golpe atrevido por demais, com a intenção de tornar em verdade a mentira, de se reescrever a palavra de Deus pela fraude de uma pretensa espiritualidade.

Defender a descontinuidade da lei em seu aspecto legal, tanto civil como penal, é proclamar o reino da injustiça e dizer que nos tornamos mais sábios do que o próprio Deus, por isso, desprezamos o seu conselho, ficando com o nosso. Ou será que o salmista também perdeu-se no tempo, juntamente com a sua afirmação de que “abomino e odeio a mentira, mas amo a tua lei” [Sl 119.163]? Há descontinuidade na Bíblia? Ou temo-la por inteira, como a fiel palavra de Deus?

Sabemos que Cristo aboliu o caráter sacrificial e cerimonial da Lei, pois não é mais necessário que se imole carneiros e bodes para expiar os pecados, pois o Senhor já o fez por nós, uma única vez, na cruz. Portanto, não há essa necessidade; até mesmo porque Paulo nos diz que o sacrifício de touros e bodes não pode expiar os pecados, pelo contrário, imolá-los significava comemorar os pecados... De tal forma que sacrifícios, holocaustos e oblações pelo pecado não lhe agradaram, mas eis que Cristo veio para fazer, ó Deus, a tua vontade. “Tira o primeiro, para estabelecer o segundo” [Hb 10.9]. Deus não se agradava do primeiro sacrifício, por isso ele foi tirado e substituído pelo segundo, o qual Cristo o cumpriu integralmente, e do qual o Pai se alegrou. Aqui temos claramente uma ordem divina abolindo a lei sacrificial, pois ela era “sombra dos bens futuros; e não a imagem exata das coisas” [Hb 10.1].  Eram como símbolos apontando para o Redentor e Salvador das almas daqueles que creriam, e por isso, cumpriram a lei cerimonial ao sacrificar os animais; mesmo sabendo da sua inutilidade para expiar os pecados, mesmo sabendo que teriam de voltar a fazê-lo ano após ano, mas reconheciam a necessidade de obediência, de se observar aquilo que Deus estabelecera como prova de sujeição e amor ao seu santo e bendito nome. Quem pode questioná-lo?, diria Paulo; mas, quem és tu ó homem que a Deus replicas? [Rm 9.20]

As contradições no pensar do crente atual é que me são estranhas, por como pensam e o que pensam. De um lado, dizem que a Lei Moral, resumida nos Dez Mandamentos, prevalece para hoje e para o crente. Porém negam haver continuidade da lei judicial e penal, assim como da lei civil. Ora, se a Lei Moral condena pecados descritos e condenados na lei judicial e penal, bem como na civil, como se é possível defender um ponto e não defender os outros? Ou apenas se defende a exposição dos pecados sem defender a punição? A lei civil e penal nada mais é do que o detalhamento da Lei Moral, a fim de que o homem, em sua corrupção, não distorça e anule a Lei em sua aplicabilidade, fazendo-se ele mesmo legislador e juiz da sua causa.

Para piorar a situação, a base bíblica usada para a abolição da lei, não existe. Há várias distorções do seu sentido, confundindo-o com graça, salvação, evangelismo; confundindo-o com o caráter expiatório de Cristo, mas nada que corrobore a sua não legitimidade. O que normalmente se faz é afirmar uma coisa e negar as outras, sentenciando-as como verdade sem o respaldo escriturístico, o que as tornam falsas em suas afirmações de pôr fim ao pecado e as obras do mal, acusando-as sem condená-las. Seria dizer que o tiro matou, mas a bala não foi a causadora da morte, e sim o estampido da arma. Isso apenas descredencia o Evangelho, divide-o, esfacela-o, e faz de Deus um deus ambivalente, ao desejar que o seu povo ame a lei, e instantes depois a desprezem [visto que o ódio dos ímpios é natural, pois está a coibir-lhes a natureza pecaminosa]. Desta forma, constroem sobre o fundamento, Cristo, paredes de pau-a-pique tortas, que à primeira fagulha, ateia-se fogo em toda a casa, ainda que o fundamento não possa jamais ser queimado ou destruído. Tornam suas afirmativas em especulações sem fundamento, cuja base é tão somente opinativa ou pessoalmente preferencial, a partir de generalizações vagas e infundadas.

Outro erro é dizer que a lei somente pode e deve ser cumprida pelo crente, que através da regeneração e pelo poder do Espírito Santo buscará a santificação. Seria o que se chama de integridade ética aplicada na integralidade de vida. Ela serviria como parâmetro para se avaliar a vida cristã, "como um termômetro a medir a intensidade do nosso amor por Deus, da obediência à lei dele e da nossa dependência dele para a vida" [3]. Acontece que a Lei foi dada para a nação de Israel, o que representa dizer que foi entregue a crentes e descrentes, como o plano de Deus para que assim houvesse justiça e paz social, muito além do seu caráter meramente pedagógico [como aio] ou didático. Não se pode excluir o efeito justo e pacificador da Lei, pois ela foi produzida pelo Deus santo, perfeito e justo, e aplicável em todos os tempos e a todos sem exceção, como freio à desordem e incitação à ordem. Essa é a vontade de Deus, que não fosse revogada; porém é rejeitada exclusivamente porque, na sua mente, o homem caminha num processo de evolução, de melhoria, quando sabemos ser essa outra mentira. O humanismo fez com que o homem encontrasse em si mesmo a bondade [inexistente, falsa], e o fez crer que era bom, e o fez crer que essa bondade o restauraria, e consigo toda a sociedade. Por isso as leis são cada vez mais frágeis, contemporalizadoras com o mal, ao ponto em que se cumpre o que Isaias disse: tornam o mal em bem, e o bem em mal; fazem das trevas luz, e da luz, trevas [Is 5.20].

Portanto, quero fazer um desafio: alguém se habilita a provar, biblicamente, a descontinuidade da lei judicial, penal e civil, sem que se afete a unidade da Escritura?

Porque se abolindo a Lei, um dos pilares, a estrutura bíblica desmorona-se. E o que sobrará então, além da descrença? A impiedade dos ímpios; e a desonra a Deus pela rejeição da Lei, e a abolição do Evangelho.

Notas: [1] "Lei & Evangelho", Editor: Stanley Gundry, Ed. Vida, pg. 39, edição esgotada
[2] Novamente, indico a leitura do meu texto "Lei e Graça: revelação divina"
[3] "Lei & Evangelho", pg. 62