20 setembro 2010

Bate-Papo com André Venâncio










Por Jorge Fernandes Isah

Todos sabem que o Kálamos é um blog pessoal. Tanto que apenas a primeira postagem foi de um terceiro, no caso o Dr. Lloyd-Jones, que não poderia ser classificado como “terceiro”, mas um entre os primeiros. O fato é que, de lá para cá, sempre postei textos pessoais; por isso criei o “Guerra pela Verdade” para publicar reflexões e impressões de outros escrevinhadores.

Porém, desta vez, estou reproduzindo abaixo uma conversa que tive com o André Venâncio no Gtalk [meio papo, meio entrevista], e considerei apropriado reproduzi-la aqui, com a devida autorização do André. Quando lhe comuniquei a idéia, ele me perguntou: “Por quê?”. Eu disse: “Porque sim, ora!” [rsrs]. Na verdade, foi um bate-papo em que muitos assuntos foram introduzidos, o suficiente para aguçar a minha curiosidade; e certamente aguçará a de outros. Não pensei em “leitores” especiais, porque os assuntos abordados podem instigar a todos que ainda não se aperceberam deles.

De qualquer forma, seja qual for o motivo, o importante é que o André, com sua inteligência privilegiada e seus conhecimentos, é um ótimo ponto de partida para a reflexão e o aprimoramento de assuntos ligados à Teologia, Filosofia e Ciência.

Aproveito para indicar o blog do André, o 
 “Retratos por Escrito”; altamente recomendado.

Mãos à obra!

Boa leitura.

O BATE-PAPO:
Eu: Como vai, André? Tudo bem?
André: Tudo bem, graças a Deus! E com o irmão?
Eu: Tudo na santa paz de Cristo... Preparando alguma novidade para o blog?
André: Logo vou publicar algo que poderá lhe interessar.
Eu: Tudo o que publica me interessa... O problema é que a maioria delas não compreendo direito, por isso não comento... Para não parecer mais idiota do que sou...
André: hehehe... Entao você podia perguntar uma coisinha ou outra de vez em quando, talvez eu não esteja sendo muito claro...
Eu: Não. Tenho certeza que sou quem não alcança a sua clareza [rsrs]
André: Então, talvez uma explicação mais obscura ajude... hehehe...
Eu: Pode ser [rsrs]. Mas acho que você não conseguirá ser obscuro...
André: Não é difícil. É só escrever sobre um assunto que eu também não entendo nada.
Eu: É, mas para quê? Só para não ser claro? [rsrs]. Você não me parece um cara teimoso, tipo cabeça-dura.
André: Só pra provar que você está errado... hehehe
Eu: Mas no fundo, eu sei que estou certo [rsrs].
André: hehehe... Brincadeiras à parte, isso que eu falei é verdade: percebi que quanto menos eu entendo uma coisa, mais obscuro e impreciso fica o que digo a respeito. É assim que sei quando preciso estudar melhor alguma coisa.
Eu: Tem gente que prefere ser assim o tempo todo... Para parecer superior. Quero dizer, ser obscuro para ninguém entender e parecer um fora de série.
André: Ah, sim! Mas é raro achar alguém bom nisso. A maioria se desmascara logo
Eu: A maioria não sabe ler... Vai na onda.
André: Pois é!
Eu: Na verdade, a maioria nem lê, mas diz que leu.
André: É, a gente nunca sabe se não leu mesmo ou se leu e não entendeu nada
Eu: Tem livros que são fechados, não que o autor queira fechar, mas é que a mente do leitor está fechada, ou ainda não aberta para o que ele escreveu. Por exemplo, assuntos que você escreve, eu não faço nem idéia... Até tento ler, mas vejo que está além do meu conhecimento.
André: Em que tipo de assunto isso costuma acontecer?
Eu: Principalmente quando é algo que se relaciona com o lado científico... Matemática, Física, coisas do gênero que você gosta de postar vez ou outra. É que me parece, posso estar enganado, que você busca um "significado" filosófico mesmo nas áreas científicas.
André: É algo mais ou menos por ai. Eu me interesso muito pelas áreas onde a ciência se relaciona com a filosofia e a teologia. Isso começou ainda na adolescência, por causa de meu interesse pela questão da evolução. Daria um capitulo interessante do meu progresso intelectual... Ainda tenho que contar essa historia no blog.
Eu: Pois deve. Para o bem dos que crêem na evolução, e estão sendo enganados.
André: Mas isso foi só o começo. Há vários outros pontos de contato. Por exemplo, na neurociência, com a questão da consciência humana, ou na mecânica quântica, com relação ao alcance das leis naturais. E tem também a própria questão de como encarar a natureza. Existem alternativas que não se enquadram na moderna concepção de ciência. Aristóteles e os medievais (católicos ou muçulmanos) são exemplos disso.
Eu: Puxa, daria um braço para entender de mecânica quântica [rsrs].
André: hehe... Um dia eu posso tentar te explicar, mas não vou querer seu braço, fique tranqüilo.
Eu: Graças a Deus! Pensando bem, se tiver que perdê-lo, prefiro não entender nada de M.Q...
André: O ponto onde eu quero chegar é que algumas descobertas cientificas têm implicações filosóficas e teológicas,  e vice-versa. Algumas verdades filosóficas e teológicas têm implicações cientificas.   
Eu: Tem algum livro para indicar sobre o assunto? Não sobre mecânica quântica, mas sobre essa relação de filosofia e ciência?
André: Eu tenho interesse em investigar certas questões cientificas de uma perspectiva que não comprometa as verdades bíblicas... O livro que vou escrever um dia... hehe...
Eu: Escreve logo!
André: Veja, meu irmão! Os livros que li sobre a relação entre filosofia e ciência falam de uma perspectiva secularista e, quase sempre, cientificista. É justamente contra isso que me levantei desde a adolescência.
 Eu: Já vi que não vou entender nada...
 André: Mas os livros cristãos (criacionistas) quase sempre falam mais da evidência propriamente cientifica que da relação disso com outros campos.
Eu: Não gosto muito do evidencialismo
André: Eu sei... hehe... Eu também tenho meus problemas com ele, mas o problema nem é esse.
Eu: É qual?
André: Eu gostaria de fazer um trabalho abrangente sobre as limitações do método cientifico em geral. A idolatria da ciência moderna é um grande problema que acomete até muitos cristãos. Eu expus algumas idéias sobre isso numa aula sobre evolução que dei na minha igreja uns meses atrás. Mas preciso expandir isso. O fato é que não acredito muito numa distinção absoluta entre ciência e outros campos de conhecimento
Eu: A ciência tornou-se em uma deusa quase onipresente, ainda que os cientistas não assumam publicamente [ao menos, a maioria].
André: Os filósofos da ciência brigam há mais de um século para estabelecer o que chamam de "critério de demarcação", ou seja, um critério que permita separar a ciência de todas as outras atividades. Eu me interessei muito por esses debates nos primeiros anos da faculdade. hoje eu acho isso tudo uma bobagem; não só não existe esse critério, mas também ele não teria a menor importância se existisse.
Eu: É possível essa tentativa de separar a ciência das outras áreas de conhecimento?
André: Eu não acho que seja. Sabe aquele interminável debate acadêmico entre racionalistas e irracionalistas (pós-modernos)?
Eu: sim.
André: O negócio do critério de demarcação faz parte disso. Para os racionalistas, é importante encontrar esse critério, porque eles pensam com isso distinguir o conhecimento verdadeiro (ciência) da mera opinião subjetiva (o resto). Os pós-modernos tentam negar esse critério, porque assim crêem destruir a aspiração a todo conhecimento objetivo. Ou seja, mostrando que a ciência não se distingue do resto. Do nosso ponto de vista, naturalmente, temos apenas dois bandos de malucos lutando entre si, cada um tentando fazer triunfar sua maluquice predileta. Eu me convenci da inexistência de critérios de demarcação lendo um pós-moderno, Paul Feyerabend.
Eu: Não somos racionalistas nem pós-modernos, o que somos, então?
André: Somos cristãos, ué!
Eu: Eu sei. Mas pendemos para um lado ou outro?
André: Eu prefiro não pender pra nenhum. Cada um dos lados possui um dogma inadmissível pra nós.
Eu: Sei, mas, por exemplo, apelamos para a razão, os reformados, enquanto os pentecostais são mais, digamos, subjetivos.
André: O dos racionalistas é que a verdade só é acessível pela ciência (ou a razão em geral). O dos pós-modernos é que a verdade não é acessível de forma alguma. Nós concordamos com os primeiros em que a verdade é acessível, inclusive através da ciência, em alguns assuntos. E concordamos com os últimos em que a ciência não tem nada de especial e que a nossa razão não é tão poderosa assim, no fim das contas. O pós-modernismo é uma reação excessiva aos excessos do racionalismo
Eu: Ficamos em cima do muro [rsrs].
André: Bom, quem construiu o muro foram eles, e só eles ficam de um lado ou de outro. Nós pulamos o muro sempre que dá vontade... hehe...
Eu: Sei... Foi só brincadeira, para não parecer que somos bons demais, apesar de sermos [rsrs].
André: hehehe... Mas isso torna nossa situação confortável. A gente fica assistindo de camarote a briga entre os dois, e rindo dos dois. Mas o meu interesse é em procurar na própria evidência cientifica indícios de suas limitações. Por exemplo, eu creio que o método cientifico não é capaz de fornecer informações confiáveis sobre a origem das coisas. E desconfio que talvez nem de quando elas surgiram. E essa hipótese conflitaria com o que crêem quase todos os cientistas criacionistas, e todos os evolucionistas, naturalmente. Mas é o tipo de coisa que eu gostaria de investigar.
Eu: Os cientistas criacionistas erram ao apelar para o evidencialismo da ciência?
André: Não de todo. Mas em alguns aspectos, sim. Porque apontar contradições entre a evidencia cientifica e a visão evolucionista é um procedimento legitimo. Mas os criacionistas frequentemente caem no erro de idolatrar a ciência tanto quanto seus adversários.
Eu: Como sair desse beco sem saída? Voltar à Escritura? Você é pressuposicionalista e escrituralista?
André: Eu comentei um exemplo, nítido dessa idolatria num livro criacionista aqui: "Um mundo com significado". Sugiro que dê uma olhadinha depois.
 Eu: Vou ler. E prometo que vou entender [rsrs]
André: Se não entender, pergunte desta vez...hehehe... Eu não me considero pressuposicionalista por não ter ainda entendido bem as implicações disso. E tenho algumas dúvidas sobre algumas posturas de alguns pressuposicionalistas eminentes. Mas eu simpatizo com vários pontos importantes. Um outro post que pode lhe interessar, relacionado ao nosso assunto, é este aqui: "História da mentalidade científica".
Eu: Gosto da idéia, sem entender muito bem. Não achei uma definição clara de pressuposicionalismo; ao menos, que me satisfizesse.
André: De qualquer forma, acho que a solução vai nessa direção sim, no sentido de se identificar os pressupostos mais arraigados na moderna concepção de ciência e verificar se são bíblicos ou não. E se sua má aplicação leva a absurdos identificáveis.
Eu: É uma boa definição. E entendi, acho...
André: hehehe... Mas não quero ficar só no negativo. Construir algo também será bom. Existem muitas outras maneiras possíveis de encarar a natureza além da ciência moderna. Aristóteles tinha uma interessante. Os muçulmanos medievais e outros povos tradicionais tinham outra. Sem dúvida a ciência moderna é melhor que tudo isso em alguns aspectos. Mas creio que não em todos.
Uma visão integralmente cristã da natureza deveria conter o que há de verdadeiro em cada uma delas, e talvez outras coisas que não estão expressas em nenhuma.
Eu: Entendi a primeira parte, não a segunda.
André: "e talvez outras coisas que não estão expressas em nenhuma."?
Eu: sim
André: Eu quis dizer apenas que talvez alguns aspectos de uma visão correta da natureza tenham escapado a todas essas visões não-cristãs.
Eu: Certamente.
André: Os perenialiastas, por exemplo, têm criticas muito boas à ciência moderna, mas também não dá pra aceitar integralmente o que eles propõem como alternativa; que é basicamente uma maluquice mística.
Eu: Existe o perenialismo cristão? Li, não sei onde, que Agostinho e Aquino seriam perenialistas
André: Cristão entre aspas, existe sim. Conheço vários perenialistas católicos e ortodoxos. Quanto a Agostinho e Aquino, eu acho pouco provável. Mas já ouvi esses papos.
Eu: Eu li sobre isso, mas não me lembro mais o que é. Lembro que tinha umas boas perguntas para lhe fazer, mas esqueci... O que é perenialismo?
André: Perenialismo é uma teoria ou escola de pensamento religioso que diz que todas as grandes religiões são de origem divina e são meios validos de "realização espiritual" (eles adoram essa expressão).
Eu: Ah... lembrei-me, é algo como o ecumenismo... Ao menos, fiz associação com o ecumenismo... No sentido de tudo levar a Deus e vir de Deus.
André: É uma espécie de ecumenismo sim, mas de um tipo muito particular. É um ecumenismo intelectualmente refinado e de tipo tradicional. E é ecumênico com restrições. Nao é QUALQUER religião que serve. Apenas as grandes religiões, as que fundaram civilizações, e tal. E o perenialismo tem toda uma teoria sobre como as tradições místicas de todas essas tradições convergem.
Eu: É pragmático.
André: Como assim?
Eu: Só servem as religiões que deram certo. Ou mais certo... Vamos conversar sobre o perenialismo; fiquei intrincado com o negócio, e vou ver se me lembro das questões que tinha para lhe perguntar.
André: ok
Eu: Boa noite! Manda um abração para a Norma.
André: Boa noite! Mando, sim. Abraços


Nota: 1- A foto acima é do André com sua esposa, Norma Braga.
2- Além do "Retratos por Escrito", o André escreve, juntamente com a Norma, o blog de livros  "Tamos Lendo" 

13 setembro 2010

Fé & Sinais


















Por Jorge Fernandes Isah

Algo evidente, e por demais evidente no evangelicalismo atual, são os sinais, ou melhor, a necessidade deles para se crer, para se ter fé. O pragmatismo tem-se difundido tanto em nosso meio que tudo o que não se pode ver, tocar, apropriar-se e exibir não funciona, logo deve ser descartado. Vivemos a época em que o material dita o espiritual, de tal forma que a vida neste mundo tem de ser uma prévia do sucesso a ser alcançado na eternidade. O imediato vira infinito; o temporal, eterno; o carnal, espiritual; assim como a dúvida se torna certeza; a tolice, sabedoria; o não-bíblico ganha contornos bíblicos, nem que seja na marra! Porém, fica a pergunta: isso é o Evangelho ou não passa de uma distorção do Evangelho, o contra-evangelho? A mensagem cristã travestida, corrompida, distorcida e rotulada pela mente humanista e seus valores decaídos?

Um rápido "passeio" pelas igrejas e ficará evidenciado o culto utilitarista; cuja motivação está fincada, estabelecida, nas ações, ou melhor, na eficácia delas, no sentido prático em que a fé resultará em benefícios objetivos, em ações visíveis pelas quais se conhecerá a verdade. Em outras palavras, a verdade é conhecida somente se for útil naquele momento ao indivíduo; a verdade somente pode ser conhecida pela experiência, sem a qual, não há o menor sentido [empirismo]. A coisa funciona mais ou menos assim: o indivíduo vai à igreja para buscar duas coisas: a primeira, que Deus satisfaça os seus desejos; a segunda, que seja rápido em satisfazê-los. O seu valor supremo resume-se na capacidade de Deus suprir e proporcionar prazer ao homem, e de evitar que ele sofra. Sempre tendo como ponto de partida a fé do homem, aquela em que o vitorioso a exibirá como um troféu, uma medalha pendurada no pescoço, a refletir os seus feitos. Nada a ver com a fé que nos foi entregue por Deus [Ef 2.8], e que foi uma vez dada aos santos [Jd 3].

Mas, o que vem a ser fé?

Segundo o Priberam: (latim fides, -eis. f. 1. Adesão absoluta do espírito àquilo que se considera verdadeiro. 2. Fidelidade 3. Prova4. Crença.

Segundo o Michaelis: sf (lat fide) Crença, crédito; convicção da existência de algum fato ou da veracidade de alguma asserção. 2 Crença nas doutrinas da religião cristã. 3 A primeira das três virtudes teologais. 4 Fidelidade a compromissos e promessas; confiança.

E, segundo a Bíblia"Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem" [Hb 11.1].

As três definições não parecem harmônicas entre si? Paulo não está, de certa forma, corroborando a definição semântica que os lingüistas atribuem à palavra fé? E de que ela tem um valor pragmático-utilitarista? Implicando na legitimidade dos cultos e da vida cristã praticados atualmente pelos evangélicos? Será? O mesmo Paulo diz: "Não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas" [2Co 4.18]. E agora, o que lhe parece? Ele continua: "(Porque andamos por fé, e não por vista)" [2Co 5.7].

A questão é que muitos usam "e a prova das coisas que se não vêem" como a necessidade da fé produzir resultados, de tal forma que se eles não aparecem, não há fé. Mas, o que Paulo está a dizer é: a fé é a prova das coisas que não se vêem, porque andamos pela fé, não por vista. A fé é a prova, o testemunho da vida cristã, e a vida cristã é a prova da nossa fé; porque "todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-as, abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra... em esperança fomos salvos. Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperará? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos" [Hb 11.13; Rm 8.24-25].

Pois bem, o ponto é: tenho fé para ver, ou tenho fé para não ver? Se não ver, não tenho fé, ou mesmo não vendo, mantenho intacta a minha fé? Há uma velha onda que diz: posso tudo naquele que me fortalece, distorcendo a mensagem bíblica a fim de atender aos interesses escusos do coração. Com isso, querem dizer que, se tenho fé suficiente, posso tudo [e há de se definir o que venha a ser fé suficiente; e muitos dirão que ela será suficiente dependendo daquilo que se quer e se alcança, ou seja, o tamanho do objeto e consegui-lo é que definirá o tamanho da fé]. Mas vejamos o verso em que se baseiam: "Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece" [Fp 4.13]. Parece uma carta-branca dada por Deus para se ter o que quiser. Bastando escrever o que mais for aprazível, agradável. Porém, o que nos fala Paulo um pouco antes? "Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade... todavia fizestes bem, em tomar parte na minha aflição" [Fp 4.12, 14]. Alguém se candidata a subir no púlpito e defender que posso todas as coisas em Cristo, mesmo que seja na fome e a padecer necessidade? Ou a estar abatido? Ou a participar da aflição alheia? Se pode-se todas as coisas, elas não estarão restritas apenas ao que se considera benéfico dentro do padrão humano. Riqueza, posses, poder... a solução de todos os problemas imediáticos [1] não são os únicos itens abarcados por "todas as coisas", mas também o sofrimento, a tristeza, a dor, a injustiça, a pobreza e tantos outros males. Paulo afirma claramente que Deus o sustentará em todas as situações, e de que ele viverá a fé cristã mesmo nas vissicitudes e reveses da vida.

Mais do que isso, ele chega a se gloriar em suas fraquezas, porque o poder de Deus se aperfeiçoa nela, a fim de que habite nele o poder de Cristo [2Co 12.9]. O que para muitos é sinal de fracasso, para Paulo é êxito, e assim deve ser para nós também. Devemos banir de nossas mentes o falso ensino de que a fé está atrelada ao sucesso, à riqueza, à cura, à prosperidade. Com isso, não quero dizer que pessoas de sucesso, ricas, saudáveis e prósperas não têm fé; mas de que o padrão bíblico de fé está muito além daquilo que temos, tocamos ou somos. Ele está no próprio Deus, o qual nos capacita a ter a fé verdadeira; não uma crença tola; não uma certeza no que é tangível apenas; não em reverter materialmente, numa contrapartida, o que cremos. Isso faz de Deus um negociante, e da fé uma mercadoria. Ao contrário, a fé sempre será uma relação de confiança em Deus por intermédio de Cristo, mas, sobretudo, uma relação de dependência, de submissão, de reverência, de temor a Deus; de reconhecimento da nossa frágil condição, de nossa miserabilidade e pecaminosidade diante dEle, o Deus santo e perfeito; da necessidade da sua graça e misericórdia, sem a qual sequer viveríamos, mas seríamos consumidos [Lm 3.22].

Portanto, não estou falando da fé como um conjunto de crenças; nem no assentimento intelectual puramente, como uma idéia ou conceito decorrente do estudo ou cultura; nem como a possibilidade do conhecimento divino a partir de evidências ou experiências emocionais e místicas; muito menos como a causa de resultados, ainda que proveitosos. A fé bíblica é a única capaz de fazer com que o homem reconheça o testemunho de Deus através das Escrituras, como o auto-testamento divino; nas certezas que somente podem ser vistas e entendidas por aqueles a quem Deus abrir os olhos para verem, e os ouvidos para ouvirem, e a dar-lhes entendimento para que creiam, se convertam e sejam salvos [Jo 12.40]. A fé é autenticada pelo próprio Deus, reveladas pelo seu Espírito, que no-la-deu para que pudéssemos conhecer o que nos é entregue gratuitamente por Ele [1Co 2.10-13]. Logo Cristo é o autor e consumador da nossa fé [Hb 12.2].

Alguém pode dizer: Precisamos dos sinais para crer, assim como Cristo deu sinais para que o povo cresse. Sim. Isso é verdade, o Senhor fez muitos sinais para que acreditassem ser ele o Cristo; "porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome" [Jo 20.31]. Sem que houvesse sinais, o Evangelho não seria escrito. Sem o Evangelho, como crer? Sem a palavra, seria possível conhecer a Deus e ter vida? Há de se entender que a nossa dispensação é outra. Não mais Deus fala diretamente com o povo através dos profetas. Nem os milagres são necessários para que creiamos. O Espírito é que nos ensina, instrui e convence a partir do que está escrito: a Bíblia; porque "nós temos a mente de Cristo" [1Co 2.16]. Nada mais é preciso, ainda que Deus esteja agindo, curando, santificando, salvando, segundo a sua providência, como sempre agiu na história, governando o universo. Precisamos da Palavra, do Espírito e da mente de Cristo. Mais nada, para que a nossa fé seja autêntica.

Após a ressurreição, Cristo apareceu aos apóstolos, menos um, Tomé. Diante do relato dos demais, que viram o Senhor, ele proferiu: "Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o meu dedo no lugar dos cravos, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei" [Jo 20.25]. Novamente, o Senhor encontrou os seus, e Tomé estava entre eles. Cristo lhe disse: "Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente. E Tomé, respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu! Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram" [Jo 20.27-29]. Esse relato não está na Bíblia atoa, mas para que creiamos, mesmo sem os sinais, mesmo sem os milagres estrepitosos; por que a nossa própria vida já é um milagre, ainda mais se significar a eternidade ao lado do nosso Senhor. Mas nada disso acontecerá se não formos resgatados das trevas pelo seu poder.

Cristo fez inúmeros milagres, tais como ninguém mais fez e viu, mesmo assim eles foram insuficientes para salvar uma multidão de incrédulos. Mesmo vendo-os, seus corações permaneceram duros, inflexíveis, diante de tão gloriosa salvação. Por que? Primeiro, os milagres não salvam. Segundo, os milagres não nos faz crer em Cristo. Terceiro, os milagres tornam-nos inescusáveis diante de Deus. Quarto, em muitos casos, o homem busca neles a sua glória, não a de Deus. Como Paulo escreveu: "Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos" [1Co 1.22-23].

De nada adiantam os milagres e o conhecimento, sem fé. Da mesma forma, de nada adianta pregar a Cristo crucificado, sem fé. Pois ele continuará indignando os que pedem milagres e os vêem mas não foram regenerados; e continuará insensato e extravagante para os que buscam conhecimento sem serem regenerados. Porém, aos que foram, bastará a pregação do Evangelho para, crendo, mesmo não vendo, amar o Senhor, "alcançando o fim da vossa fé, a salvação das vossas almas" [1Pe 1.9]

Nota: [1] imediático: aquele que é partidário do imediatismo; que cuida absorventemente do que dá vantagem imediata.

06 setembro 2010

P.R.T.C: bíblico ou loucura?













Por Jorge Fernandes Isah

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Sobre o PRTC leia:




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Sabe o que mais me assusta? É ver que os opositores do projeto do partido não contra-argumentam ou tecem contra-propostas ao projeto, demonstrando um sincero e real desejo de refletir quanto ao que ali está exposto, e de buscar reais soluções para os problemas atuais; mas simplesmente o rejeitam por conter algo que está em extinção nos tempos pós-modernos: a certeza e a verdade bíblicas.

Parece que o grande problema de todos é ver aplicado, hoje, aquilo que Deus estabeleceu como santo, perfeito e sábio eternamente: a Lei Moral. Por isso, a rejeição pura e simples não ao projeto do PRTC, mas ao próprio Deus, ao recusarem a sua Palavra. Ou alguém duvida que Deus é santo, perfeito e justo? E que a sua Lei é santa, perfeita e justa? Quer replicar a Deus, ó homem?, já dizia Paulo aos insubordinados e insensatos murmuradores e detratores da verdade. Leia a Escritura, e verá que Cristo e os apóstolos não revogaram a Lei, mas declararam o seu caráter divino e perene. O homem é que se corrompeu ao ponto de não mais ouvi-la, fez-se surdo, e cavou para si mesmo um enorme abismo que o mantém preso ao pecado, à rebelião, e distante da obediência e santidade.

Não percebem a implicação prática do que estão negando, e das conseqüências letais para o homem. Não ao criminoso, não ao imoral, não àquele que vive por e para combater os princípios bíblicos, mas para aquele que se diz defensor do Cristianismo e se opõe exatamente por estar com a mente contaminada pelo “deus” deste século. Os reflexos estão aí para todos verem: somos reféns do crime, da bandidagem, da imoralidade, da perversão, e de tudo o que Deus abomina; mas parece que é mais apropriado defender o mundo que o Evangelho, as trevas ao invés da luz.

Esse tipo de atitude seria normal para um não-cristão, mas cristãos se mostrarem tão desatinadamente contrários à ordem e obediência aos princípios bíblicos, faz-me questionar que tipo de cristãos somos. Cristãos que pregam uma autonomia humana e o desprezo à autoridade divina? Cristãos que se escondem ou escondem seus reais interesses por trás da desobediência? Cristãos que dizem amar e defender a fé cristã mas cerram fileiras com os inimigos de Cristo, e combatem a Palavra? Somos mesmos cristãos? Ou estamos brincando de sê-los, enganando a nós mesmos?

Realmente, não sei onde isso vai dar, mas alegra-me que o Tiago Knox do Internautas Cristãos esteja bancando a idéia, na qual tem o meu apoio. Posso não concordar com um ou outro ponto defendido por ele [e nem mesmo sei se não concordo. Primeiro terei de meditar no que me é aparentemente discordante], mas é essa coragem cristã que devíamos ter, a coragem de lutar pelos valores, pelos princípios, pela moral e ética cristã. De outra forma, para que estamos aqui? Deus não nos chamou para a covardia, para a omissão, para sermos cristãos relapsos e desinteressados. Ele nos chamou para a luta, e nossa luta não é contra a carne, mas contra as hostes demoníacas, as forças das trevas que têm enganado, cegados e feito discípulos em todas as áreas e esferas da sociedade, e o que é pior, dentro da própria igreja, diante da aceitação passiva daqueles que se dizem soldados de Cristo, mas são espiões inimigos. Com isso, quero dizer que por trás de todas as propostas anti-cristãs estarão as forças do mal, materializada em seus servos e discípulos, e em suas corrupções e leviandades. Foi o que o Senhor Jesus disse aos faríseus: "Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira.Mas, porque vos digo a verdade, não me credes" [Jo 8.44].

Porém, sei que tudo está debaixo da autoridade e do controle ativo de Deus, e que nada do que está acontecendo agora é sem propósito. Talvez Ele esteja levantando um povo que o reverencie, glorifique e seja obediente. Talvez esteja separando o joio do trigo. Talvez esteja trazendo sobre nós, os seus santos, as lutas, perseguições e mortes que os primeiros irmãos e muitos outros depois sofreram por amor do seu nome. Realmente não sei, nem é importante saber. Na verdade o que importa é cada um de nós assumir a sua responsabilidade, tomar a decisão correta e deixar de brincar com o que temos de mais importante: o Evangelho, o qual deveria ser a palavra derradeira e final em nossas vidas, e tem se tornado num mero adereço, um “patch” colado à pele que de nada serve para lançar em nossos corações o amor, o zelo e o interesse pela mensagem de Cristo.

Bastam as promessas do mundo. Que jamais serão cumpridas, que forjam uma falsa esperança, em que o objetivo é a destruição e a morte, por que o seu mentor é assassino e mentiroso... e puxa, como ele engana e mata... e você ainda quer permanecer ao seu lado? Não se engane, pois não é possível servir a dois senhores, "porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro" [Mt 6.24]. Não há muro para se subir na vida. Ou se está de um lado ou do outro. Como o Senhor disse: "quem comigo não ajunta, espalha" [MT 12.30].

Deixo a pergunta: você ajunta com o Senhor? Ou está a espalhar o antievangelho?

A resposta dirá de que lado está. Se não quiser responder, não precisa. A não-resposta já é uma resposta... de que o inimigo, em sua vida, venceu.

Nota: 1- Esta postagem, originalmente, seria um comentário na página do PRTC, mas como ficou extensa; considerei melhor postá-la aqui, colocando o link para as discussões lá.

23 agosto 2010

Quanto à parousia e a verdade







Por Jorge Fernandes Isah

Ultimamente, tenho sido desafiado por alguns irmãos a responder sobre o fato de Cristo dizer que não sabia quando seria a parousia [Mt 24.36]. Confesso que tem me tirado o sono, e cada vez mais me sinto encurralado diante da questão. Por que? Porque, de certa forma, não consegui visualizar Cristo fatiado, dividido ou segmentado em suas naturezas, assim como a Bíblia também não o revela dessa maneira. Mas as atitudes temporais e humanas do Senhor em confronto com sua natureza divina, eterna e imutável, leva-nos a meditar e inquerir em como se dá a comunicação entre elas, de tal forma que Cristo permaneça um só, ainda que tendo duas naturezas; como o Deus-homem permanece uma Pessoa, em que habitam duas vontades e duas mentalidades [1].

Não me furtaria a aceitá-lo como um mistério. Paulo, em várias passagens, nos diz que Cristo é o grande mistério, porém não fala como se fosse oculto, como se não pudéssemos compreendê-lo, mas como algo revelado e tangível pela encarnação do Verbo. Algo que transcende o simples entendimento intelectual, e se acomoda na fé que nos foi dada por Deus. Ou seja, nem tudo quanto à pessoa do Redentor talvez seja explicado e alcançado pela mente, porém ela será convencida pela fé de que os princípios postos na Escritura são verdadeiros, e de que Cristo é real e fielmente descrito por ela.

O que não nos impede de debruçar sobre a Palavra e empreender todos os esforços, esgotando-os, para se chegar ao entendimento do que nos foi revelado por Deus.

Assim não tenho dúvida alguma de que Cristo é tanto Deus como homem, porque esta é a revelação, certamente a mais importante em toda a Escritura. Pela fé, aceito o que não compreendo, mas o que ainda não compreendo busco compreender; se não for possível, pela vontade divina, recebo-o com agrado, como oferta de Deus, porque a minha limitação, incapacidade e imperfeição não podem jamais tornar a verdade em mentira, nem mudá-la ou negá-la. A verdade permanece, mesmo quando não estou apto a interpretá-la.

Parece uma fuga, ou a maneira de se anular a razão, mas não é isso. Simplesmente há coisas que me são por demais intricadas e maravilhosas, e mesmo que eu tenha muita vontade e disposição, não as alcançarei até o dia em que me forem reveladas. É o que nos foi dito: “Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos” [Is 55.9]; pois, “naquele dia nada me perguntareis” [Jo 16.23]. O fato é que a minha ignorância não é desculpa nem argumento para não crer na Palavra, nem minha limitação pode desqualificá-la ou restringi-la. Antes, somente é-me possível sair da prisão, das trevas em que o pecado tem-me trancafiado, pela revelação de Cristo: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida” [Jo 8.12].

Então, há princípios claramente bíblicos que não posso rejeitar, nem me esquivar, pois assim fazendo-o, estarei pondo em risco não somente a minha fé, mas a minha própria vida. Por isso, somos alertados à prudência, à diligência, ao orar e vigiar, ao buscar em Deus as respostas para as nossas inquietações, ao invés de buscá-las em nós mesmos, em nossa pretensa suficiência. O espírito da auto-suficiência apenas manterá o crente recluso em sua insuficiência, numa espécie de auto-anulação, em que as qualidades requeridas para o amadurecimento espiritual estarão suspensas, tornando a vida cristã um sem-sentido, ou quando muito, um sentido incompleto. É o que Paulo diz: “Com leite vos criei, e não com carne, porque ainda não podíeis, nem tampouco ainda agora podeis; porque ainda sois carnais” [1Co 3.2-3], e ainda: “porquanto vos fizestes negligentes para ouvir. Porque, devendo já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite, e não de sólido mantimento. Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino” [Hb 5.11-13].

Há um exemplo que tipifica bem o que estou dizendo, ou tentando dizer. Cristo foi aprisionado e levado para diante de Pilatos. O governador queria entender porque os judeus desejavam matá-lo. Então, fez-lhe algumas perguntas, as quais o Senhor respondeu, deixando Pilatos ainda mais intrigado. Em dado momento, perguntou:

“Logo tu és Rei?”

Ao que o Senhor respondeu: “Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”.

Pilatos retrucou: “Que é a verdade?”.

Então saiu e foi ter com os judeus [Jo 18.37-38].

Interessante como a incredulidade de Pilatos era tamanha que sequer esperou uma resposta. Provavelmente, porque não acreditava, assim como hoje, que exista a verdade; não uma, duas ou três “verdades” que se conflitam e se anulam, exatamente por serem falsas; como o pensamento nos tempos pós-modernos parece levar a uma realidade fora da realidade. Ele não reconheceu a verdade indubitável, infalível, inquestionável: Cristo.

Pilatos não esperou a resposta; disse, “o que é a verdade?” como o maior de todos os arrogantes e tolos, com desdém, rejeitando não somente a afirmação de Cristo, mas o próprio Cristo. Ali encontramos evidenciado todo o pensamento antropocêntrico, em que o homem, por ser incapaz de compreender e entender a realidade, apenas a despreza por não ser digno de aceitá-la. E se lança do abismo, a espera de um chão que não seja duro, inexpugnável, mas que amorteça a sua queda e acolha-o cuidadosamente. Esse homem já está morto, mesmo antes de chegar ao fundo. É apenas questão de tempo. Por isso o Senhor disse: “porque vos digo a verdade, não me credes” [Jo 8.45].

Como o governador, muitos não querem ouvir. Contentam-se com uma suposta verdade que se revelará aniquiladora; contentam-se consigo mesmos; com o tudo que são e podem fazer, sem perceber que estão não-sendo e não-fazendo, ou se são e o fazem, é para a perdição; pois sem Deus, o que há, é o homem incompleto, abandonado e autoprivado pela humanidade; entregue ao castigo e ao sofrimento autoinfligido. Está escrito: “Como o cão torna ao seu vômito, assim o tolo repete a sua estultícia” [Pv 26.11].

Cristo é a verdade, opondo-se à mentira. Cristo é real, opondo-se à ilusão e irrealidade. Cristo é vivo, opondo-se à morte. Cristo é fiel, opondo-se à traição. Cristo é certo, indubitável, opondo-se ao engano e à dúvida. Cristo é, sem jamais poder não ser.

Quanto à parousia, deixarei para outro dia.


Nota: [1] Relutei muito em colocar esse trecho no texto, exatamente porque ele dá a entender a idéia de que Cristo tenha duas mentes, duas personalidades, etc, o que é falso.  Como não encontrei um termo melhor, seria preferível tê-lo excluído, mas mantive-o por me dar a oportunidade de explicá-lo melhor. 
Por duas mentalidades reconheço duas disposições, dois temperamentos, duas intenções diferentes, distintas uma da outra, ainda que não opostas, não conflituosas, não rivalizantes. Com isso não quero dizer que Cristo tenha duas mentes, duas personalidades ou duas pessoas em um só corpo; mas cada "mentalidade" aqui significa uma disposição, um estado de cada natureza.

16 agosto 2010

O Eterno e Perfeito não pode mudar

















 Por Jorge Fernandes Isah


Deus é imutável. E Cristo?...


Do ponto de vista divino, posso afirmar peremptoriamente que Cristo é imutável; como Deus, Ele não muda [Ml 3.6]. E sua humanidade, também? Muitos dirão que não; Cristo é mutável, porque chorou, riu, entristeceu-se, alegrou-se, angustiou-se, morreu e ressuscitou. Mas, o que isso prova mesmo? Que Ele é mutável? Em qual condição? Por quais motivos?

Definamos o que vem a ser imutabilidade, segundo o dicionário Priberam:

Imutabilidade: s. f. qualidade de imutável.

Imutável: adj. 2 gén. 1. Que não é mudável. 2. Permanente. 3. Inalterável, fixo. 4. Constante.

Em linhas gerais, imutável é aquilo que é; em que não se pode acrescentar nem tirar nada; que não está afeito ao tempo nem a variações; que permanece como sempre esteve; que é em si mesmo, sempre o mesmo. Este conceito está diretamente ligado à eternidade e a perfeição, pois o imutável não pode melhorar ou piorar em sua condição perfeita e eterna.

Portanto, Deus é imutável exatamente porque é eterno e perfeito; Ele existe em si mesmo, e foi quem disse: “Eu sou o que sou” [Ex 3.14].

Sabemos que Deus decretou todas as coisas e a sua vontade se realizará irrevogavelmente: “Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras” [At 15.18]. Assim, entendendo-se que as duas naturezas de Cristo não se conflitam, mas colaboram uma com a outra, estando a natureza divina em preeminência em relação à humana, podemos dizer que a humana está subordinada, condicionada, e à serviço da divina. Mas, e se a natureza humana de Cristo não for derivada do homem, ao contrário, a natureza do homem é que for derivada de Cristo? Ou seja, eternamente Ele é Deus e homem, de tal forma que aquilo que nos foi dado através de Adão, no Éden, foi-nos entregue como parte da essência de Deus para nós. Essa é uma conjectura com a qual a maioria dos cristãos, para não dizer a unanimidade, não aceitaria, porém, não vejo onde a Escritura poderia negá-lo, a priori.

Mas voltemos ao decreto eterno. Deus, ao pensá-lo uma única e decisiva vez, preordenou os atos, sentimentos e decisões de Cristo-homem. Portanto, como nós, Cristo tem seus pensamentos, vontade e ações sujeitos a Deus. Nem Ele, nem nós, nem nenhum aspecto da criação são mutáveis, do ponto de vista divino. Explico: o homem é imutável, pois realizará e será exatamente aquilo que Deus planejou que fosse, ainda que no tempo esteja sujeito a mudanças, contudo, elas não são imprevisíveis, surpreendentes, desconhecidas de Deus; nem tampouco acontecem aparte dEle, autonomamente ou decorrentes de uma vontade independente, livre de Deus. Para Ele, cada fio negro da minha cabeça que se torna branco cumpre rigorosamente o seu decreto eterno, da maneira como planejou. Uma ruga nova, um quilo a mais ou a menos, ou qualquer outra alteração física, emocional e espiritual jamais ocorrem livremente, sem que Deus haja ativamente para que se realizem. Assim, não é impossível dizer que o homem, em seu caráter mutável, cumpre rigorosa e meticulosamente a imutabilidade preordenada e determinada pelo Criador.

Para Deus, as mudanças são eternas e imutáveis.

Com isso, não estou colocando Cristo, mesmo a sua parte humana, como elemento da criação. Posso garantir que a sua parte material, o corpo, foi criada: ele nasceu, cresceu e morreu. Quanto à essência humana, a sua humanidade [1], deixá-la-ei em aberto, por enquanto.

De Cristo, podemos dizer que é verdadeiramente imutável; ao contrário de nós, não teve quem o sujeitasse a torná-lo no que é, porque Ele é, sempre! Como disse de si mesmo: “Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou” [Jo 8.58]; e ainda: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso” [Ap 1.8]. Ele é eterno, mesmo na possibilidade de sua natureza humana ser herdada de Maria, sua mãe; mesmo que seja da carne e do sangue de Davi; mesmo como descendente de Adão. Pois quem determinou que assim fosse? Não foi a pessoa do Cristo, em unidade com a pessoa do Pai e do Espírito Santo? É como Paulo diz, referindo-se a Ele: “Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo” [2Tm 1.13]. Infelizmente, há quem tente negá-lo, fazendo-o meramente homem, ou um super-homem, com poderes concedidos pelo Pai; um Cristo bem ao gosto dos monarquianistas [2], apenas uma manifestação de Deus, não uma Pessoa divina, autosuficiente e consubstancial com as demais pessoas da Trindade.

Para Deus não há mutabilidade nas coisas, há mobilidade, no sentido de que elas correrão para um lado ou para outro, numa ou noutra direção, sempre segundo a sua imutável vontade. Acontece que, por sermos finitos e imperfeitos, e estarmos no tempo, vemos o andamento e o desenrolar dos fatos em sua progressão, e até mesmo em sua regressão. Como já disse em algum lugar, a realidade para Deus é móvel, mas imutável, não se arredando uma fração de milímetro do seu plano determinado; enquanto, para nós, é móvel e mutável. Deus a vê completa e infalivelmente acontecendo por sua vontade. Nós estamos nela, sem saber o que ocorrerá um segundo depois, sem explicar como aconteceu um segundo antes. Enquanto falíveis, a realidade é infalível, porém, ambos são inevitáveis, realidade e o homem, porque Deus assim quis; como manifestação da sua vontade imutável. As mudanças, ao acontecerem, não indicam que Deus mudou, porque Ele não muda, nem seu plano muda, nem há nele "mudança nem sombra de variação" [Tg 1.17]; mas simplesmente o curso dos acontecimentos mudou, dentro do plano eterno e imutável, cumprindo-se por sua autoridade e poder.

Então, a criação, como um todo, seja inanimada, animada ou espiritual, é imutável em todos os seus aspectos aos olhos do Senhor, o responsável por dar-lhes existência, conduzindo-as aos termos por Ele organizados. A realidade é de que tanto o planejamento, como a execução, causas, conseqüências, e os fins alcançados, somente são possíveis pelo controle pessoal e autoritativo de Deus ao estabelecê-los.

É impossível dizer que Cristo apenas “recebeu” a natureza humana ou dela se apropriou; na verdade, foi planejada e cumpriu-se eternamente por sua própria vontade, em si mesmo. Desta forma, ao encarnar-se, assumindo a forma humana, no tempo, o seu nascimento, crescimento, emoções e sentimentos, não podem jamais ser prova da sua mutabilidade, pois o que é, sempre foi, no sentido de que sempre soube o que seria, e levou a termo realizá-lo temporalmente, ainda que exista antes da fundação do mundo: “Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai” [Jo 10.17-18].

O eterno e perfeito, não pode mudar.

Cristo, em sua eternidade e perfeição, é imutável.


Notas: [1] Por essência humana, entendo ser aquilo que faz com que o homem seja o que é; aquilo que constitui a sua natureza e o diferencia das demais criaturas, tanto físicas como espirituais, sem o que ele não seria o que é.
[2] Monarquianismo e suas variantes, como o sabelianismo, em linhas gerais, afirmam que Cristo era apenas humano, podendo ser revestido pelo Espírito Santo, ou apenas o "invólucro" no qual o Pai se projetava, se revelava, como o Filho.

08 agosto 2010

Cristo não-dual
















Por Jorge Fernandes Isah

Em nenhuma passagem da Escritura temos a apresentação de Cristo como um ser dualista, onde duas personalidades se apresentam de maneira conflitante, quase a se digladiaram entre si, disputando a primazia, o controle do mesmo corpo. Infelizmente, muitos acreditam ser Cristo um ser dual, onde uma de suas naturezas, ao se manifestar, encobre, isola ou anula a outra. Não há nada que nos leve a essa compreensão. Pois seria possível o Deus ser anulado pelo homem? Ou isolado por ele? Ou Deus estaria simplesmente usando a matéria para manifestar-se humanamente? Quando Paulo nos diz para ter a mente de Cristo, a quem se refere? Quando chamados a ser santos como Ele, a quem se deve imitar? Ao adorá-lo, bendizê-lo, glorificá-lo, estamos separando-o, de tal forma que apenas uma parte será o alvo do louvor? Na eternidade, seremos chamados à glória de quem? E mais, quem nos resgatou? A própria idéia de uma parte de Cristo, a fragmentação de sua Pessoa, por si só deve ser prontamente rejeitada, como um absurdo; e mais do que isso, uma perversão da verdade. Acontecer de se olhar para determinada atitude do Senhor e considerá-la como sendo do homem, enquanto outra é de Deus, faz-nos defender, ainda que inconscientemente um “Cristo” não-Cristo e jamais revelado, posto estar em flagrante oposição a tudo o que a Palavra declara de si mesma [1].

Há de se entender que a nossa imperfeição e má-interpretação nos levará a segmentá-lo como se estivéssemos diante de dois seres, como se dois “Cristos” habitassem o mesmo corpo; como irmãos siameses a espera de serem separados. Porém, é-se impossível dividi-lo, mesmo que alguns se esforcem em fazê-lo. A Bíblia não o trata assim, antes reafirma a sua unidade, como ser indiviso, uma só personalidade, um Cristo apenas; Deus e homem é verdade, mas coexistindo harmoniosamente, sem conflitos, sem disputas, sem incoerências, sem dualismos. Parece-me inadequado, impróprio e leviano dizer que certa ação é do Cristo-homem, enquanto outra é do Cristo-Deus. Cristo é um, e age segundo a sua unidade pessoal, não segundo uma suposta divisibilidade em si mesmo. Ao se dizer que isso é do homem, e isso é de Deus, fazemo-lo um ser duplo, com dupla personalidade, com dupla pessoalidade, duas mentes, dois seres vivendo no mesmo físico, o que, por si só, seria indicativo de imperfeição; quando não do ser esquizofrênico, da Palavra que falha em não se referir a nada ou alguém parecido com ele.

Os apóstolos e os discípulos do Senhor viam-no como homem mas também como Deus em cada uma de suas atitudes, ainda que algumas delas pendessem mais para um lado do que para o outro, sob o nosso olhar limitado e imperfeito, a partir de uma compreensão reducionista. Contudo, pelo testemunho bíblico, não há sequer a alusão de que fosse duas pessoas, nem mesmo distinguiam suas ações. Também para Cristo, ele era tanto um como  outro, o que até mesmo os seus inimigos perceberam e admitiram, ao ponto em que planejaram e executaram a sua morte na cruz. Com isso, não quero dizer que eles creram nele, mas reconheciam que ele se proclamava Deus, sendo homem.

Certa vez, Ele disse, respondendo a uma acusação dos fariseus: “Ainda que eu testifico de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro, porque sei de onde vim, e para onde vou; mas vós não sabeis de onde venho, nem para onde vou” [Jo 8.14].

Claro que Cristo não está a falar apenas como homem, nem apenas como Deus, nem se referindo a qual parte dele veio do céu ou para lá voltaria, nem qual parte testemunhava de si mesmo ou não; nem qual parte era verdadeira ou não. Temos a nítida idéia de unidade, de que as suas duas naturezas não são distintas nem distinguidas [de que não as distinguia], nem ele fala de uma como se não falasse da outra. Para ser mais especifico, Cristo não faz qualquer alusão a um lado divino e outro lado humano, dissociado da sua pessoalidade.  Ele era um, e se proclamava legitimamente como sendo um. Não o vemos dizer: “Eu, como Deus, vou para o Pai”, ou: “Eu, como homem, não vim do céu”, ou ainda: “Eu como Deus não morrerei por vocês, mas apenas como homem”. Ele se assume tanto homem como Deus, em unidade. Com isso, não quero dizer que Deus morra, porque a morte é impossível para Deus; não há como ele se separar de si mesmo, enquanto, para nós, a morte significa a separação de Deus. Da mesma forma que acontecerá conosco, aconteceu ao Senhor, que se separou do corpo, da parte material, ressurgindo com novo corpo, glorificado. Desta forma, ascendeu aos céus, e está sentado  à direita do Pai. 

Assim, também nós, os salvos em Cristo, unidos a Deus, jamais seremos separados dele; haverá apenas a morte do corpo, cuja terra haverá de dar conta, o qual será glorificado, assim como o foi o do Senhor. Em todos os aspectos, tanto o humano quanto o divino não se separaram, pois não podem se separar sem que Cristo deixasse de ser Cristo. E assim como Deus não pode deixar de ser Deus, também Cristo não pode deixar de ser o que é. Quando alguém diz que a humanidade morreu na cruz, dizemos que houve separação, e se houve, Cristo não é mais o mesmo. Ainda que seja unido novamente na ressurreição, em algum momento e aspecto deixou de ser o que era. Portanto, defendo que, na cruz, houve a separação do imaterial e do material na morte; sendo sepultado o corpo; sendo ungido com bálsamos o corpo; o que esteve três dias no sepulcro foi o corpo; o que ressuscitou foi o corpo. Cristo esteve sempre uno, Deus e homem, inseparáveis. Senão, como poderia dizer: “Eu sou”? E isso nos leva à questão da imutabilidade, mas essa é outra história. Para outra hora, quem sabe...

O certo é que, qualquer tentativa de dividi-lo, representará em teologia fragmentada e não-cristã, por conseguinte, não-bíblica. E à conclusões que, se não inviabilizam o Cristo, o tornam em um quase-Cristo, ou seja, em um não-Cristo. E Cristo é, sem jamais deixar de ser, porque é eternamente, ontem, hoje, sempre.


Nota: [1] Cristo também é chamado de a Palavra, conforme 1João 5.7; porque o Evangelho é de Cristo, e podemos dizer que o Evangelho é o próprio Cristo.