30 setembro 2011

O labirinto do eterno cativeiro








Por Jorge Fernandes Isah

Cristo me converteu em 12 de Outubro de 2004 [1]. Na verdade fui convertido eternamente, pois ele me escolheu antes da fundação do mundo, quando nem mesmo ainda surgira a criação, a qual trouxe à existência pelo seu exclusivo poder, do nada, ainda que o nada não existisse formalmente, pois Deus sempre é e subsiste; o Deus pessoal ainda que espiritual, o Deus vivo ainda que intocado, o Deus presente ainda que imperceptível; o Deus sem o qual o impossível jamais seria possível. Por isso, para que as riquezas da sua glória fossem conhecidas e a sua ira manifestada, ele criou o homem, preparando de antemão uns para a glória, os quais são os eleitos, e preparando outros para a perdição, os quais são os réprobos, dignos de morte [Rm 9.22-24]. Mas tudo isso se tornou notório no tempo, de forma que as suas criaturas imperfeitas e limitadas conhecessem o que sua mente planejou e determinou, e assim viessem a reconhecer todo o seu poder [2].
Para nós, o seu povo, todo o seu amor foi evidenciado no novo-nascimento, quando ainda éramos seus inimigos [mesmo que ele não fosse nosso inimigo], e nos chamou e capacitou ao arrependimento de nossas obras más, de nossa natureza má, de nossa mente má, dos frutos podres que produzíamos na forma dos pecados e dos delitos em que andávamos conforme o curso deste mundo, cumprindo a vontade da carne e do pensamento, nos quais vivíamos como filhos da desobediência [Ef 2.1-3]. O que equivale dizer que todos os salvos, como propósito pelo qual o Senhor laborou desde sempre de forma que não pudesse não acontecer, conhecerão a Deus ainda em vida, reconhecerão o seu poder em vida, provarão da sua misericórdia e graça em vida, e saberão a quem pertencem, e o alto preço com que foram comprados pelo Senhor das suas almas.
Enquanto isso, os réprobos, ainda que reconheçam o poder de Deus, não o glorificaram como a Deus, nem deram graças; antes, se enfatuaram nas suas especulações, e ficou em trevas o seu coração insensato. Dizendo-se sábios, tornaram-se estultos, e abandonaram a glória do Deus incorruptível por uma semelhança de figuras incorruptíveis [Rm 1.18-23]
De forma terrível, o homem afastou-se da verdade para viver uma aparente doce ilusão, uma mentira que o impelia cada vez mais para longe da realidade, de forma que ele se contentava em se entregar à adoração de qualquer coisa, seja outro homem ou a si mesmo, animais, seres imaginários e míticos, forças e fenômenos da natureza, como se pudesse com eles se comunicar, transferindo-lhes a glória que não lhes pertenciam e lhes era dado receber ou almejar. Como um embusteiro, um fraudador, acreditavam ter e poder distribuir aquilo que não tinham nem podiam entregar. Criou-se um mundo paralelo, irreal, em que o homem acreditava existir sem existência; viver sem vida; disposto a perpetuar o seu estado de morte, de tal forma que recebessem em si mesmos a devida recompensa pelo seu desvio [Rm 1.27]. Como parte daquilo que produziam, o homem criou um ser imaginário que é a personificação daquilo que se tornou, um zumbi, o reflexo daquilo que ele não pode reconhecer mas que inconscientemente foi-lhe dado representar-se: o corpo completamente dominado pela ideia fixa, dolorosa e perversa de se conservar morto enquanto se morre sucessivas e consecutivas vezes, num estado de findar-se perpetuamente.
Em todo esse processo de alucinação e desconstrução da realidade, o homem produziu apenas uma coisa verdadeira: a própria morte, como consequência de todos os seus intentos em permanecer distante e desejar ardentemente sofrer a antecipação da condenação iminente, experimentar em doses diárias o malograr extraordinário que desde o início não se materializou num futuro repentino, mas no presente anunciado de que esse homem sem Deus é muito menos que nada, e de que somente é possível no desterro eterno, o inferno, do qual não teme, mas zomba; o qual rejeita mas caminha célere; que diz desconhecer mas o reconhecerá como se ali estivesse nascido e fosse criado; o qual odeia mas o cultiva diligentemente como um jardineiro a tratar enciumado os canteiros de ervas daninhas crescerem desordenados. Ainda que o pecado nasça em nós espontaneamente, ainda que seja algumas vezes indesejado, há uma atração natural em sua negatividade, de forma que não vemos os seus danos, não os reconhecemos como possíveis, apropriamo-nos de todo os seu mal considerando-o um bem, sorvemos todo o seu amargor como se fosse mel; e reputamos alegria ao que não serve nem mesmo como tristeza; e em honra o que é ultrajante e ofensivo. 
Esse homem não conhece limites; anda à beira do precipício, caminha entre minas terrestres, não tem gosto pela vida, desconhece-a completamente, porque seu estado habitual é reservar-se na companhia dos restos putrefatos e decompostos; suas partes nunca estiveram no todo, são como páginas em branco e soltas na ventania que nunca formaram nem formarão um livro. 
Esse homem é autodestrutivo em sua capacidade de pecar; de se mutilar; de perder de vista toda a esperança e viver numa constante guerra consigo mesmo, ainda que cogite haver paz entre uma profusão de agressões, entre muito sangue derramado, entre tiros e explosões, entre corpos inertes e o cheiro mórbido de peste. 
Esse homem tenciona roubar o que não pode sequer alcançar; ele vislumbra o que não pode ver; espera matar a sede insaciável sem água; e a dor insuportável sem analgésicos. Como a história do ratinho que queria comer a lua por acreditá-la um grande queijo, o homem espera em vão alimentar-se do pecado de forma que seja possível estar com Deus, como se o veneno trouxesse saúde e força eternas. Mas sabemos, porque a Bíblia o afirma, que tal coisa é impossível. Que homem algum pode achegar-se a Deus por si mesmo, ainda mais porque está contaminado, tal qual um cadáver radioativo. 
Esse homem é fracionado, algo inacabado, pronto a permanecer inconcluído, na persuasão incrédula de suas próprias palavras; surdo a ouvir o silêncio da sua voz interior; cego a vislumbrar a escuridão de sua alma; louco em busca da razão na insanidade: "Pois o coração deste povo se fez pesado, e os seus ouvidos se fizeram tardos,  eles fecharam os olhos, para não suceder que, vendo com os olhos e ouvindo com os ouvidos, entendam no coração e se convertam, e eu os sare" [At 28.27].
Esse homem é impossível na fé, sendo possível apenas na descrença. A paz tomada como guerra, e a guerra como paz. O sofrimento como alívio, o alívio como dor lancinante. A buscar incessante à inutilidade, assim como o velho busca a jovialidade e frescor dos tempos remotos, enquanto se aproxima cada vez mais da senilidade.
Esse homem vive aquém ou além da realidade. Como Adão e Eva, no Éden, quis o impossível, desejou o que não lhe era lícito, buscou alcançar o inatingível e, mesmo caindo, chafurdando na lama, continuou lutando contra tudo, intentando contra si mesmo, ao não reconhecer humildemente a derrota, nem o fracasso: a impossibilidade de ser por si mesmo aquilo que jamais poderia não ser; pois somente Cristo pode fazer-nos novos, e tornar-nos no que não somos pelo poder de nos fazer como ele é, aquilo que seremos. Assim o homem se rebelou contra tudo, contra a verdade, contra a realidade, como se ele fosse supra-verdadeiro ou supra-real. Mas o que pode constatar é que toda a sua vida se transformara na miséria que não imaginou, pois era-lhe impossível cogitar, no paraíso, que houvesse uma realidade diminuta, pobre e vergonhosa como resultado daquilo que desejou mas não conseguiu, porque não percebeu que a verdade não pode ser recriada a não ser por aquele que a criou. E a verdade estava lá, diante dele, que não a quis reconhecer, antes se contentou em desprezá-la, em ignorá-la, como se houvesse a chance de tudo ser diferente apenas porque queria, e a sentença pudesse ser modificada sem que fosse reprovada: "De toda a árvore do jardim comerás livremente. Mas da árvores do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás... a alma que pecar, essa morrerá" [Gn 2.16-17, Ez 18.4]
É possível ver como o homem fugiu da ordem para o caos, da realidade para o ilusório, sem ter onde nem como se esconder de seu desarranjo mental, onde a cobiça e o orgulho afetaram-no profundamente, ainda que ele não se desse conta do que estava acontecendo, e tentasse criar uma outra maneira de escapar e se refugiar fora da realidade [Gn 3.12]. Na verdade, o homem vive em constante fuga, tentando se livrar de tudo o que é para refugiar-se no que não é. Há um claro desajuste entre a imagem, aquilo que o homem é, e a ideia que o homem tem de si mesmo; o que Deus é, e aquilo que o homem considera que ele seja. De forma que, para aquele homem, assim como para qualquer homem, a realidade não pode ser recriada, nem a verdade modificada; não dá para substituí-las pela ilusão e a mentira, pois não há espaço para elas. Apenas a mente doentia do homem pode inutilmente tentar criá-las num mundo de "faz-de-contas", ao alimentá-las com a estúpida rebeldia, a perpetuá-las como o fedor a espalhar-se em todas as direções. Como uma força a estrangulá-lo, de cujas garras não pode escapar, ele se tornou e é o algoz de si mesmo, ao rejeitar a verdade, ao cogitar a possibilidade de haver vida fora da vida, quando está latente que apenas a morte pode existir fora dela; e ao buscá-la, acalentá-la, e laborar ferrenhamente para possuí-la, o homem, ainda que não reconheça investir nesse propósito, se silencia antes mesmo de dar um último suspiro. E nesse círculo claustrofóbico não há como escapar, pois não há saída, apenas o labirinto angustiante do eterno cativeiro [3].

Nota: [1] Leia o relato da minha conversão em "O dia em que Cristo me fez"
[2] Ainda que eu seja supralapsariano, não estou a discutir a questão da ordem do decreto, pois o foco desta postagem não é este, mas outro.
[3] Mas o que isto tem a ver com a minha conversão em 2004? Tudo. E se Deus quiser, voltarei a este assunto em breve.

INSCREVA-SE E PARTICIPE NO SORTEIO DESTE MÊS!

18 comentários:

  1. Olá Jorge, eis-me aqui em seu mundo particular...

    Gostei muito do seu novo texto! Os paralelos e contrastes deram um toque poético e a leitura ficou ainda mais saborosa.

    Louvo a Deus por sua vida e fico emocionada com a maneira tão bela que o senhor se revelou a você.

    Grande abraço, paz!

    ResponderExcluir
  2. Oi, Joelma!

    Muito legal tê-la novamente por aqui!

    Sobre o texto, essa não era a ideia quando comecei a escrevê-lo, mas acabou saindo assim, meio cadenciado, como se fosse uma melodia sussurrada, ainda que uma melodia triste, pois falar do pecado e do distanciamento do homem de Deus é sempre trágico.
    Interessante que este não era o tema inicial também [iria fazer uma comparação entre batismo, vida e conversão, o que comecei, mas acabou tomando outro rumo], e até o palavreado me deixou meio surpreso quando terminei e li-o na íntegra... nem parecia que tinha sido eu a escrevê-lo [rsrs].

    Fico feliz que tenha gostado, e o fato da leitura não ter ficado "pesada".

    Grande e forte abraço, minha irmã!

    Cristo a abençoe!

    ResponderExcluir
  3. Então no dia da criança (12 de outubro?) você foi feito criança novamente e nasceu novamente.

    Parabéns.
    Também gostei do texto.

    Infelizmente, mesmo após o novo nascimento, o pecado ainda está presente, não mais como hábito, mas volta e meia ele mostra sua garra e nos atinge.

    Todavia Deus é fiel, e a nós compete (falo como homem) esconder a Sua Palavra no nosso coração para não pecar contra Ele.

    Grande abraço!

    Sou eu, o único anônimo que tem postado comentários por estes lados... risos...

    ResponderExcluir
  4. Jorge, chorei, me emocionei demais com este texto.

    Posso publicá-lo amanhã no nosso blog?

    Abraços sempre afetuosos.

    ResponderExcluir
  5. Fábio [acho que é esta metade do Casal 20 que comentou],

    é uma grande honra você reproduzir o texto. Fique à vontade, tanto quanto a este texto como a qualquer outro escrito por mim.

    A distância do homem em relação a Deus, e sua insistência em ainda assim acreditar possível aproximar-se dele quando se está indo para mais longe é realmente uma tragédia, que nos entristece muito.

    Grande abraço, meu irmão!

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir
  6. Natan, o anônimo,

    sim, ainda vivemos o pecado, mas com a viva esperança de que, naquele glorioso dia, diante do nosso Senhor, ele não mais existirá, nem nos afligirá, e seremos santos como todos nós ansiamos e desejamos ser.

    E essa esperança não morre jamais em nossos corações, pois foi colocada ali pelo supremo e bendito Senhor.

    Grande abraço, meu irmão!

    Cristo o abençoe!

    PS: Mande-me novidades pelo email, sobre aqueles assuntos que conversamos na última vez.

    ResponderExcluir
  7. Jorge,

    Gostei muito do texto. Só aumenta minha convicção de que não temos vontade própria, ou estamos sujeitos ao Senhor, ou ao pecado, cada qual com suas consequências. Lembro de várias passagens em que Spurgeon agradece a Deus por tê-lo remido de seus pecados, pois do contrário ele amaria cada vez mais a distância entre si e seu Senhor e Salvador ainda que no fim das contas terminasse afastado dele para sempre.
    Deus nos dê graça para confirmar nossa salvação em Cristo Jesus todos os dias.

    Abraço,

    Marcus

    ResponderExcluir
  8. Marcus [seria o Marcus Paolo?],

    Sim, esta é a realidade: o homem está separado e distante de Deus, de maneira que ele quer duas coisas impossíveis: aproximar-se de Deus e manter uma vida de pecados e de rejeição ao senhorio do próprio Deus. O que vale dizer que no fim-das-contas ele quer mesmo é manter uma vida de pecados, de devassidão, de rebeldia, e tenta aplacar a sua consciência dizendo amar a Deus e servi-lo quando a verdade é outra, pois ele serve ao pecado e está cada vez mais aprisionado por ele e distante de Deus, como se estivesse numa eterna prisão.

    Grande abraço!

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir
  9. Sim, sou eu, o Marcus Paolo :).

    ResponderExcluir
  10. Sim, é o Fábio (rsrsrs).

    Obrigado, meu irmão, por compartilhar conosco tua benção!

    Abraços sempre afetuosos.

    ResponderExcluir
  11. Irmão Jorge muito bom o texto, como de costume. heheh. Sinto falta das conversas com o irmão e amigo.. meus parabens e como ja havia dito, este vai para meu arquivo. rsrs abraço. Cristo nos abençoe

    ResponderExcluir
  12. Grande Adilson!

    Rapaz, também estou com saudades das nossas conversas, mas é que o tempo não tem dado. Sempre que entro no facebook pela manhã você não está on line. Mudou o horário de trabalho?

    Grande abraço!

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir
  13. Graça e paz Jorge.
    Mais um texto maravilhoso que precisa ser repassado, mais pessoas precisam ler essa preciosidade. Esse texto revela mais uma vez que somos salvos mediante a graça do nosso bom Deus e somente por ela. Que o Senhor o abençoe cada dia mais.
    Fque na Paz!
    Pr.Silas Figueira

    ResponderExcluir
  14. Pr. Silas,

    obrigado pela visita e comentário.

    O bom Senhor o abençoe, aos seus queridos e ministério abundantemente.

    Grande abraço!

    ResponderExcluir
  15. Irmão Jorge.. chego em casa por volta de 08:50.. Cristo nos abençoe

    ResponderExcluir
  16. Jorge,

    Texto magnífico, maravilhoso. Quem sabe tecer algo em adição a ele poderá ser uma tola, ainda que inconsciente tentativa de subestimar a clareza com a qual você o revestiu.

    Deus o abençoe!

    Mizael

    ResponderExcluir
  17. Mizael,

    obrigado, mais uma vez!

    Abração!

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir
  18. Dizendo-se sábios, tornaram-se estultos, e abandonaram a glória do Deus incorruptível por uma semelhança de figuras incorruptíveis [Rm 1.18-23]. Nesse trecho o irmão quis dizer "figuras incorruptíveis" mesmo ou o prefixo "in" entrou sem querer? Só para esclarecimento mesmo. Deus o abençoe.

    ResponderExcluir