31 janeiro 2022

Prefácio ao livro "Debaixo de um carvalho em Ofra", de Luiz Guilherme Libório

 




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Foi com muita alegria, logo após concluir “Debaixo de um carvalho em Ofra”, saber da disposição do poeta e irmão, Luiz Libório, em ler e prefaceá-lo.

Tomei conhecimento desse nobre e talentoso escritor pelos meios mais triviais possíveis, em nosso tempo: as redes sociais. Por um daqueles “milagres”, raras vezes disponibilizados pelo Facebook, tive acesso às suas poesias, diga-se de passagem, são lavras da melhor estirpe (aconselho, a quem ainda não leu, fazê-lo sem perda de tempo); então, primeiramente conheci a obra, e depois o seu autor.

Para não deixar esta introdução longa, resumirei a minha sensação e reação ao receber o prefácio, disponibilizado abaixo: senti-me honrado, feliz e, sobretudo, penhorado, pela generosidade, beleza e sensibilidade com a qual analisou o livro. Como costumo dizer aos amigos mais íntimos, tenho certeza de, muitas vezes, a melhor parte dos meus livros serem de “terceiros”, sem nenhuma falsa modéstia. E este é o sentimento ao ler o preâmbulo de Libório. Portanto, sem mais delongas, dou-lhe as suas palavras , antes me dadas, mas que agora são também de você, doadas pela sublimidade de alguém que ama a arte, e tira dela algo não apenas melhor, mas esplêndido.   

 

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O tempo e seu contrário, a poesia

  

O que em nós está fora do tempo? Não sei o que um dicionário diria, se algo ele pudesse dizer, mas lendo “Debaixo de um Carvalho de Ofra”, livro do caro irmão Jorge F. Isah, e lendo-o à luz do livro universal de toda a criação incalculável, o que em nós está fora do tempo é a poesia (isto é: a eternidade).

Digo isso porque os poemas que neste livro são temporais apresentam-se tanto ao relatar algumas personagens sem nome (como a garota de "Suplício de uma saudade") como outras personagens nomeadas (Rita Hayworth em "tempo das amoras silvestres", por exemplo). Assim, haver nome, não haver, são referências que cabem apenas ao lapso de cada momento: à poesia importa que todos que passam se chamem eternidade.

E, como se também fosse um nome de personagem, “Debaixo de um Carvalho de Ofra” relata-nos a ambiguidade de estar no tempo e falar do que está fora. O carvalho, como sabemos, é uma árvore longeva (pode atingir um milênio de vida) e sentar-se sob sua sombra para guardar-se do sol forte ao meio-dia é sentar-se à sombra da eternidade para não ser queimado pelo sol dos dias que passam.

O posfácio, como integrante da obra, revela-nos outro movimento coerente com a temporalidade que marca a pele destes poemas: Jorge esteve internado por 36 dias logo antes de terminar este livro, 36 dias esteve separado dos seus amigos e familiares por conta da proibição de visitas durante a pandemia de Covid-19. Estar, durante tanto tempo, longe das referências amorosas da vida pode enlouquecer o tino espiritual de uma pessoa. A não ser que esteja sob a sombra de um carvalho em Ofra, isto é, sentado à sombra da eternidade.

“Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará. Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei. Porque ele te livrará do laço do passarinheiro, e da peste perniciosa. Ele te cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas te confiarás; a sua verdade será o teu escudo e broquel. Não terás medo do terror de noite nem da seta que voa de dia, nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia.”  (Salmos 91:1-6)

Desta forma, o tempo de angústia trouxe à luz este livro que evidencia, mais do que a tristeza passada, o cuidado de Deus no momento triste; como se uma saciedade infinita só pudesse vir de uma necessidade maior, porque conhecemos o valor daquele que cuida no momento que precisamos desse cuidado.

Se nunca ficássemos com sede, por exemplo, não conheceríamos o prazer de beber água depois de horas caminhando. Do mesmo modo, se não tivéssemos problemas, não conheceríamos o prazer da solução deles e nem a saciedade que há em agradecer a Deus por isso.

Assim, esta obra atesta o valor de reconhecermos a grande importância do alimento no tempo da fome – ou, como dito no poema "O Liame do Regalo",  “que é a comida, senão o prato vazio?”

Há tempos de alegria, há tempos de tristeza; mas a vida, em Cristo, é eterna.

“Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida.” (João 5:24)

 

                                  Luiz Guilherme Libório Alves da Silva*

 

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*Página do autor: https://www.facebook.com/luizliborioalves 


24 janeiro 2022

Anna Kariênina - Leon Tolstói: Em busca de sentido

 



Jorge F. Isah


Depois de tantos anos, somente agora decidi-me a ler um livro de Tolstói. E não comecei pelo mais famoso, “Guerra e Paz”, mas pelo não menos famoso “Ana Kariênina”. Algo que sempre me desmotivou a lê-lo foram dois "entraves". O primeiro, não sei por que isto sempre me veio à cabeça, imaginei que ele fosse um "rival" literário de Dostoievski, assim como o Piquet foi rival do Senna na F1 (sic), e por aí afora (de alguma maneira, a juventude tem em mente dividir tudo em disputas; uma pena, já que a vida vai muito além do reducionismo tolo, em qualquer idade). Leio o "Dosty" desde a adolescência, e nutri durante anos um certo desprezo por Tolstói; o que acabou por agravar-se a partir da descoberta de Charles Bukowiski que também não gostava do Leon, e reputava o “Fiodor” o maior entre todos os escritores em todos os tempos, esse é o segundo motivo. Parecendo confirmar minhas suspeitas de "rivalidade" entre os dois gigantes da literatura russa; e a me isolar, por décadas, de Liev (um tipo de privação literária...). 

O fato é que esquivei-me o quanto pude daquele, até o derradeiro momento. Penso que, hoje, certos autores não são "ilegíveis", e não há como fugir da necessidade, e por que não o prazer, de lê-los. Tolstói é um deles, clássico, como o é Balzac ou Dickens, por exemplo, e para citar apenas dois contemporâneos do russo.

Falando de Anna Kariênina, a narrativa é fluída e de leitura agradável. No início, pensei, logo após as primeiras páginas: é continuar e esperar para ver o que o russo tem guardado na manga... E tem de ser coisa muito boa, pois mais de 800 páginas de “enrolação”, somente o “Dosty” consegue fazer com maestria. Contudo, a despeito da imensa habilidade do autor, há momentos em que a trama parece-se muito com as novelas românticas dos escritores de best-sellers (é claro, estou hiperbolizando, pois não é possível, nem de longe comparar um e outros), onde há ingredientes para todos os gostos. Há excessos de palavreado e descrições em profusão, algumas desnecessárias, em situações que poderiam ser resumidas. Entendo que ele queira deixar mais claro do que água, de maneira inapelável, o caráter de suas personagens e dos eventos nos quais participam; existe, porém, uma forma excessiva, quase repetitiva, em repisar e asseverar essas informações. O grande número de personagens secundários deixá-a delongada, encompridada, não diria arrastada, mas o leitor comum pode, certamente, ficar um pouco impaciente.

Não direi que os tais “excessos” tornam a leitura pouco proveitosa, de uma forma geral, posto a familiaridade e o interesse para com os personagens diminuir sensivelmente essa sensação. Talvez, e apenas talvez, um corte de 10% no volume final do texto representaria maior fluidez, diretamente ligada a uma objetividade igualmente maior; mas quem sou eu para ensinar escrita a um dos maiores gênios literários de todos os tempos?... É apenas a reflexão de um leitor preocupado com a sonegação desta geração, e das futuras, em se privar de experiências tão marcantes e profundas ao negar-se ler um dos clássicos.

Tostói tem muitos méritos, inclusive da descrição e apresentação minuciosa de suas personagens, o que nos possibilita conhecê-las profundamente e, até mesmo, manter certa intimidade e cumplicidade com elas. Esse é, com certeza, um dos maiores méritos das grandes obras, nos tornar em parceiros, quase comparsas, da trama. Ocorre um pequeno “problema”, não sei dizer se posso chamar de problema, no desenrolar do livro: não há surpresas, já que muito do que acontece pode ser vislumbrado pelo leitor atento, a revelar a universalidade da história, ou histórias, em suas mais triviais particularidades, e mostrar o quão humana são as vidas das personagens, em suas tragédias, dramas, vivacidades e sutilezas.

Outro virtude é apresentar-nos várias discussões iniciadas naquele século e a perdurar até os nosso dias, revelando o quão é previsível o homem em sua tolice, excepcionalmente quando se considera imprevisível. Temas de cunho filosófico, teológico, moral, político, cultural são pontuados com boas análises e conclusões, ainda que sejam apenas o mote para se avaliar o caráter de uma e outra personagem.

Penso haver dicotomias sem a menor razão de ser, como a disputa “religião x ciência”, onde a verdadeira religião e a verdadeira ciência não se digladiam, mas se complementam; mas o que para mim pode ser líquido e certo, para Tolstói e outros leitores é motivo de dúvidas e especulações, algo sincero e em nada desabonador, mesmo, no fim das contas, não existindo oposição.

Como em todo livro temos aqueles homens e mulheres de que gostamos e os de que não gostamos. Especialmente, nutro uma simpatia por Kitty e Levine (mesmo este considerando-se ateu), enquanto não posso afirmar o mesmo de Ana e Vroski... Interessante que a mentalidade revolucionária/alienada, via marxismo, já se disseminava rapidamente mesmo em uma sociedade ainda não desenvolvida como a russa (praticamente rural), onde Tolstói já vislumbrava o que haveria de acontecer décadas depois com Lenin, Trotsky e os bolcheviques.

Tolstói não chega a ser um Dostoievski (espera lá, caro leitor, não vá apedrejar-me; entenda existir um quê de “torcida” a favor deste, sem necessariamente haver demérito àquele; algo momentâneo e que pode mudar no futuro), mas é um grande escritor, que sabe pegar o leitor não com um espalhafatoso início, mas com o desenrolar da narrativa, em uma crescente de emoções, considerações e descobertas, pela qual somos seduzidos e "hipnotizados" em sua arte superlativa.

Um trecho que exemplifica em parte o dito acima, sobre o vislumbre do mundo atual a partir da realidade russa, o qual selecionei e copiei abaixo: acontecia na Rússia do sec. XIX o que está hegemonicamente disseminado no Brasil do sec. XXI. Tostói não era profeta (apesar da aparência negar), mas vislumbrou a massificação da ignorância no mundo, em progressão geométrica, a despeito dos avanços tecnológicos; senão, vejamos a fala de um marchand a respeito de um pintor em ascensão, Mikailov:

"Filho, segundo ouvi dizer, de um mordomo moscovita, não sabe o que seja educação. Depois de frequentar a Escola de Belas Artes e de ter adquirido certa reputação, quis instruir se, pois não é nenhum tolo. Para isso recorreu àquilo que se lhe afigurou a fonte de toda a ciência, isto é, aos jornais e às revistas. Outrora, quando alguém queria instruir se, por exemplo, um francês, que fazia ele? Estudava os clássicos, os teólogos, os dramaturgos, os historiadores, os filósofos. Estão a ver o trabalho que o esperava. No nosso país é tudo muito mais simples: basta uma pessoa atirar-se à literatura subversiva para muito rapidamente assimilar um extracto completo de tal ciência. Há uns vinte anos, ainda esta literatura mostrava vestígios da sua luta contra as tradições seculares, o quanto bastava para ensinar que tais coisas existiam, mas agora nem mesmo se dá ao trabalho de combater o passado, contenta se em negar francamente: tudo é evolution, selecção, luta pela vida".

É ou não é um retrato fiel dos nossos tempos?

Tolstoi aborda uma boa gama de problemas e dilemas que afligem a humanidade desde sempre. Temas como amor, traição, fidelidade, honradez, malícia, hipocrisia, ingenuidade, fé, etc, são ingredientes do palco de Anna Kariênina. Como já disse (e não canso de repetir), ele delineia minuciosamente as suas personagens, de maneira que as conhecemos profundamente. Muitas discussões iniciadas no sex XIX perduram até os nossos dias, como também já disse, mas algo evidente, e merece ser reforçada é a reflexão sobre a queda intelectual e moral da sua época, o emburrecimento daqueles que deveriam defender e perpetuar a alta cultura e os princípios judaico-cristãos na sociedade. De forma que entre os aristocratas e letrados é-se possível perceber o que seria "regra": o desprezo ao conhecimento e à moral, e a exaltação dos instintos ao nível do irracional. Anna é um bom exemplo disso: viveu e morreu pelos seus prazeres e sensações (uma hedonista empedernida, viciada ao ponto da loucura e desespero), muitos equivocados, muitos a exaltar-lhe o egoísmo e o narcisismo, muitos falsos e irreais, que culminaram numa segunda realidade, existindo apenas em sua mente.

Mesmo sendo rejeitada pela sociedade, de maneira geral, seus pecados eram amenizados ou esquecidos por conta da sua beleza e sensualidade, onde os homens adoravam-na enquanto as mulheres desprezavam e invejavam-na (nisso há uma semelhança entre Karenina e “Nastasya Filippovna”, de Dostoievski – preciso mesmo reler o Idiota, em breve). Pouquíssimos são os exemplos morais num mundo infestado pela imoralidade, mas até mesmo estes reconheciam sua condição miserável e indigna, como a amante do irmão de Levine. A própria Anna reconhece a desgraça em que se lançara, mas a idéia de uma felicidade amorosa e verdadeira e duradoura com Vroski era uma espécie de recompensa a todo o mal que ela havia produzido (o fetiche e suas prisões da alma). Temos as figuras dos ídolos, aqueles pelos quais se manifestam o desejo humano de deificação, seja o amor proibido ou qualquer forma de rebelião ao natural; pois, como criaturas imperfeitas e necessitadas poderiam gerar relações perfeitas e suficientes?

Interessante notar que o senso moral está presente, é reconhecido mas não aceito, como se acatá-lo significasse algum tipo de escravidão, e a sua rejeição consciente uma liberdade. Ao contrário dos nossos dias, onde a moral, ética e os valores nobres do homem são desprezados por não serem reconhecidos como tais (o relativismo torna impossível qualquer verdade absoluta, entregando-se a irrealidade e contradição da verdade relativa); lá, ao tempo de Tostói, o homem se entregava ao erro pela impossibilidade de não vivê-lo, mesmo sendo reconhecido como tal, como erro; não havia a exaltação dos pecados e vícios; era simplesmente o inevitável, algo de que não se conseguia fugir, sem ser contudo objeto de caça. Esta é, via de regra, a condição natural do homem, o bem e o mal e a escolha entre eles; ao passo que, atualmente, a ideia do mal estar misturada de tal forma à do bem, que o mal se faz bem e o bem mal, para a desgraça completa de boa parte da humanidade.

Tostói é conservador nesse aspecto, e dá ao seu livro um caráter nitidamente existencial (ainda que o termo não existisse ao seu tempo com o conceito de hoje) e metafísico no desfecho final. Interessante as implicações metafísicas serem respostas diretamente tiradas da realidade, como atestam as reflexões finais de Levine.

O livro é um achado, e sua leitura pode surpreender, não como estamos acostumados a ser surpreendidos: o espanto e o susto gratuitos, ou reviravoltas malabarísticas (próprias de boa parte dos autores modernos; a maioria "sem pé nem cabeça"), levando-nos a meditar sobre questões cruciais ao ser humano, como a vida e a morte, por exemplo, e sempre.

Leitura recomendadíssima.


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Avaliação: (****)

Título: Anna Kariênina

Autor: Liev Tosltói

Página: 808


Sinopse:
                "Toda a diversidade, todo o encanto, toda a beleza da vida é feita de sombra e de luz”, escreve Liev Tolstói no romance que Fiódor Dostoiévski definiu como “impecável”. Publicado originalmente em forma de fascículos entre 1875 e 1877, antes de finalmente ganhar corpo de livro em 1877, Anna Kariênina continua a causar espanto. Como pode uma obra de arte se parecer tanto com a vida? Com absoluta maestria, Tolstói conduz o leitor por um salão repleto de música, perfumes, vestidos de renda, num ambiente de imagens vívidas e quase palpáveis que têm como pano de fundo a Rússia czarista. Nessa galeria de personagens excessivamente humanos, ninguém está inteiramente a salvo de julgamento..."

03 janeiro 2022

A vida policromática em "Ruído Branco", de Don DeLillo

 



Jorge F. Isah




Este é o segundo livro de Don DeLillo que leio; o primeiro foi "Os Nomes", ainda na década de 90. "Os Nomes" é um livro muito mais introspectivo, mais intimista, quase uma confissão do personagem principal. Pelo menos, é o que apreendi da leitura, passados mais de 20 anos, e, durante esse período, acalentei ter outra de suas obras em mãos, mas, por uma série de contingências, somente agora foi possível. Ainda espero, se Deus quiser, reler “Os Nomes” e fazer uma leitura mais acurada e madura.

Quanto a "Ruído Branco", o tema principal, em um universo de muitas personagens, é a morte. Sim, a morte; a começar pelo autor principal, Jack Gladney, um professor universitário especializado em "Hitler" ou, mais especificamente, na matéria Hitlerologia. Haverá melhor forma de começar um livro sobre o tema da morte do que informar a profissão/função da personagem principal? Só se ele fosse também um "Stalinorologista", "Leninologista", "Maologista", "Castrologista", ou um patologista forense. Chega a ser "sui generis" que essa matéria tenha ganhado uma cadeira universitária, mesmo em uma faculdade minúscula, no interior dos EUA. A despeito disso, parece-me que a matéria, e o seu professor, ser a expoente daquele ambiente, mais pela bizarrice do que propriamente pela sua relevância. Seria o mesmo que um acadêmico brasileiro criasse a cátedra de "Getuliologia" ou "Lulologia", guardadas as devidas proporções, claro (espero que ninguém se aventure e copie a ideia).

Bem, posto isso, como não sou de descrever enredo e situações, e resumir a trama dos livros, vou-me ater aos pontos que me parecem necessários, sem tirar a graça do futuro leitor, que deseja se embrenhar na narrativa de DeLillo.

Primeiro, a leitura é fluente, a despeito de alguns detalhes e tramas prescindíveis. Não digo que sejam desnecessárias, mas o livro poderia ter sido reduzido em, pelo menos, umas duas dezenas de páginas, sem perder em nada a essência narrativa.

Segundo, a maioria dos personagens são paranoicos, neuróticos, obsessivos, quando não lisérgicos ou desinteressados ao extremo. Não sabia a data em que foi escrito, até iniciá-lo. Em princípio, situava-o por volta dos fins dos anos 60 e início dos 70. À medida que o enredo se desenrolava, percebi que se ambientava no início dos anos 80, o que confirmei hoje, lendo uma pequena biografia do autor (normalmente faço antes da leitura, não sei por que, cargas d'água, somente fiz agora, após o desfecho final).

Na primeira parte, ele se parece com um “dejavu” dos anos 60, em meio aos anos 80, ou seja, pessoas que cresceram na época da revolta e libertarianismo (o famoso clichê “sexo, drogas e rock’roll"), estavam entregues a uma vida estável, na meia-idade, em seus empregos seguros, lares seguros, famílias constituídas ou em vias de se constituírem, estabilidade e continuísmo social; ainda que a confusão iniciada lá, na década de 1960, esteja presente e vívida vinte anos depois; e a tão pretendida revolução apenas se tornou em nova tradição: egoísta, pragmática, viciosa, cética. Na ânsia de destruir-se o passado construiu-se uma alfurja estereotipada de futilidades (desculpe-me a redundância); e o homem se viu em busca de si mesmo, quando estava irremediavelmente perdido em sua pretensa autossuficiência e ausência de futuro.

Terceiro, após algumas peripécias: um desastre ambiental, controle e manipulação sociais, traições conjugais, experimentos químicos/psíquicos, e críticas desferidas a todos os lados, em especial à vida americana acadêmica e familiar (muitas irônicas, outras ácidas), é-se possível perceber o quanto o homem moderno está perdido, sem rumo, e ainda tem de conviver diariamente com a ideia da morte, da fragilidade, da impotência diante de algo muito maior que a própria existência. Foi preciso uma catástrofe para a maioria sair do seu “mundinho”, das posições e opções descomplicadas e imediatas para uma realidade inesperada, perturbadora, imperativa; sem escolhas ou declinações.

Quarto, o livro é uma sátira; pode-se considerá-lo, até mesmo, uma paródia. Mas não deixa de ser instigante a maneira como o autor aborda uma série de questões, que mesmo parecendo apenas “nonsense” e “hiperbólicas”, nos dão a impressão de DeLillo estar a rir de si mesmo e de nós, o tempo todo.

A algumas páginas do fim (um livro que estava na minha estante há uns dois anos, aguardando ser aberto), posso dizer que a ficção de DeLillo é, no mínimo, provocativa, incitadora. Ainda que ele não apresente nenhuma solução ou coloque todas as “cartas” sobre a mesa (e diga-se, não é necessário), está no rol dos autores capazes de fazerem com que o leitor adentre ao texto e se impregne dele; e torna-se cada vez mais raridade em nossos dias, em tempos onde a literatura, de maneira geral, está diluída pela própria incapacidade, e acaba por se tornar em arremedo do arremedo do arremedo do...

Certamente é uma leitura que vale a pena, muito a pena. Ainda que você seja assombrado pela ideia da morte; pois ela lhe parecerá ainda mais real e inexpugnável na vida dos personagens de DeLillo.



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Avaliação: (***)

Título: Ruído Branco

Autor: Don DeLillo


Páginas: 320

Sinopse:  "Ruído branco, o oitavo romance de DeLillo, é a história de um professor universitário que vive com a família no Meio-oeste americano, numa cidadezinha que é evacuada depois de um acidente industrial. À luz de desastres como o da Union Carbide na Índia, que matou mais de duas mil pessoas e feriu outras milhares (e que acabara de ocorrer quando o livro foi publicado), Ruído branco mantém seu sentido atual e aterrorizante"



13 dezembro 2021

O Éden Perdido, em "Este Lado do Paraíso", de F. Scott Fitzgerald

 



Por Jorge F. Isah


         “Este Lado do Paraíso” é um livro com o qual tinha grandes expectativas. Primeiro, porque Fitzgerald escreve de maneira fluída, envolvente e num ritmo quase que embalado pelo Jazz nos salões dançantes da “geração perdida”, entre passos frenéticos e quadris requebrados na velocidade de 24 quadros por segundo. O seu estilo está ali, já desde o primeiro livro, e por esse motivo, as expectativas se cumpriram.

     Entretanto, a história me pareceu um emaranhado de pequenas histórias conectadas pela presença de Amory, o personagem principal. Não raro é possível se perder em meio à narrativa, e dispersar-se, pois não existe uma “continuidade”, ou melhor, sequência na temática apresentada. Mas é um livro inovador ainda hoje, imagina em sua época; com poesias, diálogos teatrais, cartas e formas de escrita que se mostram ousadas e entremeiam o texto (para alguns apenas experimentais sem muito controle), quase que jogadas aleatoriamente; eu disse “quase” e não quero dizer que foram. A impressão é de o autor possuir trechos diversos e os juntou no livro, criando uma ligação a partir do protagonista e uma narrativa central. Mas isso significa que o livro é ruim?... Longe disso! 

     O relato se baseia na vida de Amory Blaise, do nascimento até os seus vinte e poucos anos. É o retrato da geração dos anos 1920, em que a aristocracia rural dava lugar aos grandes industriais e investidores metropolitanos, onde a tradição perdia fôlego e as pessoas, de maneira geral, se viam desnorteadas em meio aos dilemas existenciais que se apresentavam. Pois sim, se se quer tirar algo de um lugar e não deixá-lo vazio é necessário substituí-lo por “outro algo”, e nem sempre este “outro algo” significa aperfeiçoamento ou melhoria, muito menos progresso. As crenças, a fé, a esperança, se perdem em meio ao niilismo e ao absurdo de uma vida a desaparecer diante dos olhos e a necessidade de se enquadrar ou deslocar-se para outro padrão ou conceito, muitas vezes insuficiente para a paz e o alívio da alma, nem mesmo para a satisfação dos desejos.

     Amory, como todo jovem idealista, cheio de vida e energia, é presunçoso, arrogante, cheio de si, disposto a deixar clara a sua superioridade intelectual e humana, sobrepujar os menos dotados e dominá-los, seja pelo discurso, seja pela posição social, seja pela autoridade e coragem de se impor, como um “iluminado” do seu tempo. Isso vai se arrefecendo à medida que o texto se desenrola, e temos, na parte final, um Amory confuso com o seu lugar na sociedade americana, mas certo de que as coisas, a partir daquele momento, não seriam mais as mesmas; ainda que não soubesse ao certo como se sucederia. Para quem nasceu na alvorada do séc. XX, viu o crescimento econômico americano, os costumes e a tradição se exaurirem diante do poder industrial e financeiro, do “modernismo” e quebra dos padrões morais e sociais (sem ser hipócrita, mas o homem que considera-se “livre” por beber até cambalear ou fazer sexo a torto e a direito, não reconheceu as correntes a apertarem seus pulsos); o domínio social sair das mãos dos intelectuais e das abastadas famílias tradicionais na direção de gente iletrada, ignorante, mas criativa o suficiente para mudar a direção e dar novos rumos à sociedade; o próprio fracasso e a incapacidade de produzir algo que justifique e sinalize para a sua genialidade, torna-o frustrado, amargo, cético, e um quase revolucionário. Ideias como as do socialismo, antes rechaçadas e vistas com desconfiança, assomam-lhe a mente a fim de encontrar no mundo a justiça incapaz dele próprio produzir. O que dizer dos amores desiludidos, de ver a sua amada trocá-lo pela segurança de um casamento conveniente e financeiramente vantajoso? Restar-lhe- ia, apenas e tão somente, lamuriar-se e odiar tudo e todos ao seu redor; e nada melhor do que autoproclamar-se “uma vítima da sua geração”.

     “Este Lado do Paraíso” traz muitas reflexões; mas há quem as veja apenas para aquele tempo, como se o homem pudesse, ao pular gerações, fugir da própria fragilidade, da incapacidade de conduzir-se ao bem, encontrar a paz e a consciência por si mesmo. Não é o melhor Fitzgerald, mas está longe, léguas de distância, de ser um livro mediano e ruim, como muitos apontam. Também não é um livro para “se divertir”, gastar as horas como se estivesse assistindo um Masterchef ou The Voice. É um livro reflexivo, quase autobiográfico, no qual Scott desnuda e expõe as dúvidas, angústias e frivolidades do ser humano, em suma, a desgraça mesmo quando se supõe em triunfo e cheio de graça; com uma técnica ainda a ser burilada, mas suficiente para colocá-lo, já no longínquo 1920, entre os maiores escritores de sempre.


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Avaliação: (***)

Título: Este Lado do Paraíso

Autor: F. Scott Fitzgerald

Editora: BestBolso/Record

Páginas: 352 

Sinopse: "Romance de estreia de Fitzgerald, Este lado do paraíso alcançou sucesso imediato quando foi publicado originalmente em 1920. Este livro é o retrato de uma geração jovem desiludida com a guerra, conhecida como Geração Perdida. Fitzgerald foi o porta-voz de sua época, identificando-se com a juventude americana elegante e irreverente. O livro reserva para Amory Blaine, o jovem bem-nascido que protagoniza a história, uma vida de conforto e privilégios. Obcecado por prestígio social e com aspirações literárias, Amory inscreve-se na Universidade de Princeton às vésperas da Primeira Guerra Mundial e passa o tempo entre festas, namoros e clubes. Com uma narrativa vibrante, um tom fortemente autobiográfico e sua ironia típica, o autor nos revela a imaturidade e a insensatez dos jovens deslumbrados pelo progresso. Um dos maiores escritores americanos do século XX, Francis Scott Fitzgerald publicou, além de contos e ensaios, os romances Os belos e malditos (1922), O grande Gatsby (1925), Suave é a noite (1934) e O último magnata (1941), todos disponíveis pela BestBolso"

09 dezembro 2021

Bate-papo com Helvécio Santos, em seu canal no Youtube - Parte 1


 

                Bate- papo com o amigo de longa data, Helvécio Santos, o qual, gentilmente, me convidou para uma entrevista em seu canal. Falamos de amizade, literatura, artes em geral, editoriação, conversão, fé, cristianismo, entre outros assuntos. 

                 Como somos "marinheiros de primeira viagem", por problemas técnicos o diálogo se tornou em monólogo, mas, de forma geral, gostei da experiência e do resultado. 

                 Esta é a primeira parte da nossa conversa de quase quatro horas. Espero que gostem, e o conteúdo seja agradável e edificante. 

                 Um grande abraço!

                  Cristo o(a) abençoe!

                  P.S: Assista, curta, comente e divulgue com amigos e em suas redes sociais. 



29 novembro 2021

Moby Dick, ou a Baleia, de Herman Melville

 



Jorge F. Isah


Em meio a outras leituras, quase no final de "A Baleia"; e o que dizer do calhamaço de Herman Melville? 

Muitos acham se tratar de um livro de aventuras, o que não é mentira; mas considerá-lo apenas como tal é não compreender toda a trama intricada e, muitas vezes, trabalhosa que é decifrar a escrita de Melville. Não tenho nada contra livros de aventura, pelo contrário, gosto de muitos, e creio que a literatura tem entre suas várias finalidades a diversão, o vislumbrar mundos desconhecidos, pessoas imaginárias, cenários paradisíacos, e situações mágicas e sobrenaturais. O fato de existir, desde a antiguidade, as lendas, não as impossibilita de transmitir verdades e aspectos reais da vida, em seus símbolos e personagens. Portanto, não me entenda mal. 

De volta a Moby Dick, ele transcende em muito essa ideia, a de pura e simples diversão. Existem mesmo aqueles que a consideram própria para adolescentes, como já ouvi dizer, e não se tratar de um livro “sério”. Ora, Hermann pode ter escrito tudo, mas nada está tão distante dessa suposição, provavelmente emitida por alguém que não lerá, nem quer ler, e ainda tem raiva de quem leu. Existe uma profusão tão grande de detalhes nas descrições dos personagens, dos cenários, da vida marinha e das manobras e comércio naval que surpreenderia o mais empolgado diletante dessas curiosidades; e uma profusão de descrições em pormenores minuciosíssimos.

Como disse, há de tudo um pouco no livro, desde metafísica, religião, psicologia, história, biologia, ódio, vingança, amizade, e tantas outras qualidades que tornam este livro um grande romance, uma tragédia com todos os elementos reais e imaginários, a lançá-lo no panteão das obras imortais.

É um livraço; mas não é leitura para todos. Há momentos em que, não raro, se pensa em desistir ou pular trechos inteiros (como as descrições sobre a natureza dos cachalotes ou barcos). Muitas vezes percebi-me perguntando: por que o autor está dando essas descrições? O que pode haver de indispensável nas minúcias de um golfinho (cetáceo), por exemplo, para a narrativa? E, um pouco mais adiante, compreender que era necessário, pois Melville queria que "víssemos" claramente tudo o que ele via, e não escapássemos ao seu realismo e à verdade da sua narrativa, entrando nela como um partícipe, a flutuar nas águas turbulentas e perigosas dos mares mundo afora, perseguindo os fantasmas a assombrarem desde o capitão até o mais reles marinheiro. Seja a cobiça, o ódio, a frustração ou a loucura, Melville relata as angústias, esperanças e incertezas da tribulação do navio Pequod, na saga do Capitão Ahab de encontrar a cachalote branca de qualquer maneira, e vingar-se da catástrofe ocorrida no último embate entre eles.

 De certa forma, o domínio e o conhecimento de cada particularidade da história, por menor que seja, confere-lhe autoridade e factualidade, e nos faz cúmplices da narrativa. Não sei se foi essa exatamente a intenção do autor, mas pareceu-me claro como objetivo, em suas mais de 600 páginas. Mais uma vez, não darei nenhum spoiler, a fim de instigá-lo, caro leitor, a aventurar-se nessa notável narrativa.

Certo é que abandonar livro tão precioso será um dissabor para o bom leitor, ainda que ele não o perceba, se optar pela interrupção. Nesse caso, a persistência e insistência serão fundamentais, e vencer cada frase, cada página, resultará certamente no alcance da recompensa; o “ouro” que jamais esquecerá e o auxiliará, particularmente, na escolha de outras obras tão ou mais “difíceis” e trabalhosas.

E o prêmio não tarda em chegar; e chegará, para deleite e satisfação daqueles que não querem apenas uma aventura marítima, mas um mergulho na alma humana.


_______________________ 

Avaliação: (****)

Título: Moby Dick

Autor: Herman Melville

Editora: 34

Páginas: 648

Sinopse: "Herman Melville nasceu em Nova York, em 1º de agosto de 1819. Em 1830 muda-se com a família para Albany, NY, onde frequenta a Albany Academy. Após a bancarrota e a morte do pai, embarca em 1839 como auxiliar no navio mercante St. Lawrence, rumo a Liverpool. No início de 1841 embarca em New Bedford no baleeiro Acushnet. Chega à Polinésia em junho de 1842, e no mês seguinte abandona o navio para viver junto aos nativos. Em agosto embarca no Lucy Ann. Após apoiar um motim é preso no Taiti, mas foge em outubro para Moorea. Embarca então no baleeiro Charles & Henry, chegando ao Havaí em abril de 1843. Após um período trabalhando na ilha, entra na marinha em agosto e viaja com a fragata United States por mais de um ano até voltar a seu país em outubro de 1844. Seus primeiros livros são baseados em suas viagens marítimas: Typee (1846), Omoo (1847), ambos sucessos de vendas, Mardi (1849), Redburn (1849) e White-Jacket (1850). Após mudar-se com a esposa para um casarão rural em Pittsfield, Massachusetts, escreve Moby Dick (1851), Pierre (1852), Israel Potter (1855), a coletânea Piazza Tales (1956, que trazia "Bartleby, the Scrivener", "The Encantadas" e "Benito Cereno") e The Confidence-Man (1857). Abandona então a prosa e lança os poemas de Battle-Pieces and Aspects of the War (1866), o épico Clarel (1876) e as coletâneas John Marr and Other Sailors (1888) e Timoleon (1891), período em que também trabalha como fiscal aduaneiro em Nova York. Quando volta a se dedicar a um romance (o inacabado Billy Budd, só publicado em 1924), falece de um ataque cardíaco em 28 de setembro de 1891."




12 novembro 2021

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08 novembro 2021

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28 outubro 2021

Cristo venceu!









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"Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a destra da minha justiça" (Isaias 41.10)

                                                      _________


Ontem, comemorei o meu aniversário, agradecido a Deus por mais um ano de vida. Por isso, decidi republicar o texto abaixo, escrito em 06.05.2020, exatos 15 dias após uma internação de 36 dias. Para muitos foi apenas um drama com final feliz. Para outros, nada além das contingências da vida. Entretanto, para mim e aqueles mais próximos que acompanharam dia a dia o desenrolar daquele "drama", foi um milagre; por todas as expectativas e diagnósticos médicos, eu tinha uma doença terrivelmente mortal. Então, nada melhor do que, no momento de festividade, relembrar o quanto Deus foi e tem sido misericordioso comigo e meus queridos; de uma bondade e graça inexplicáveis, que não mereço, mas me deleito e aproveitarei, louvando ao meu Senhor por cada minuto aqui, e pelo tempo incontável na eternidade, fruto do amor incondicional do Filho, Jesus Cristo. 
A Ele, glória, honra e louvor!

Por fim, que esta leitura seja-lhe abençoada e abençoadora!

Um abraço fraterno.


Jorge F. Isah


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Foram 36 dias internado em três hospitais diferente: Odilon Behrens, Metropolitano e São Francisco. Internei-me no dia 15 de Março com suspeitas de problemas na vesícula biliar, tendo em vista uma icterícia que me acometeu de uma hora para outra, deixando-me igual a um dos personagens dos Simpson, completamente amarelo. Muitos exames, antibióticos, jejuns e litros de soro, descobriu-se que eu estava com um nódulo no pâncreas, e este comprimia a vesícula, impedindo que a bílis fluísse para o intestino, causando o amarelão. Havia a suspeita de neoplasia, de ser um tumor. 

Sempre soube que tumores no pâncreas eram os mais difíceis de serem tratados, e os que ocasionavam maior mortalidade. Ainda assim, o Senhor manteve-me calmo, esperançoso, confortando e fortalecendo-me em meio às dúvidas e incertezas médicas. Como testificou o apóstolo: “Não estejais inquietos por coisa alguma; antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus” (Fp 4.6-7). 

Havia ainda um agravante: por causa do Coronavírus, estava isolado, distante da família, sem visitas ou acompanhamento. Mas Deus, em sua infinita misericórdia e amor, fez com que os médicos, enfermeiros, auxiliares, atendentes, copeiras e faxineiras cuidassem de mim de uma maneira tão especial que me sentia parte de suas famílias. Nesse ponto, pude testemunhar o cuidado divino, o seu amor gracioso e bondoso me envolvendo por todos os lados, de forma que não me encontrei abandonado um único instante; pelo contrário, o Senhor me carregou como a um recém-nascido, protegido, aquecido, alimentado, nos braços do Pai amoroso. 

Mesmo nos momentos de fome, senti-me alimentado; de frio, senti-me aquecido; cansado, repousado; fraco, fortalecido; preocupado, tranquilo... A maior parte do tempo estive em paz, não uma paz brotada da minha alma, mas a paz que somente o nosso Senhor pode dar, e ma deu. Em todos os momentos, a presença de Deus era diretamente viva, e, indiretamente, demostrada pelo cuidado, atenção, carinho e dedicação das diversas equipes dos hospitais. 

Também pude, durante a internação, aprender muitas coisas ensinadas pelo Senhor, como a humildade (dependia completamente de todos; e não havia nada que pudesse fazer por mim mesmo) e o amor ao próximo. Pude não somente me compadecer dos doentes com os quais convivi, mas a amá-los de uma maneira que o evangelho de Cristo nos ensina e o Espírito nos capacita a fazê-lo. Orei com alguns deles, falei de Jesus, e testemunhei a minha completa dependência dEle. 

Louvo a Deus por aqueles 36 dias, em que o Senhor se aproximou mais e mais de mim, e pude senti-lo como não O sentia há tempos. Entendi que havia um propósito claro e evidente para tudo aquilo, e dei graças ao bom Deus pelo que estava realizando em mim, para o meu aperfeiçoamento. 

A cirurgia, de grande porte, realizou-se na Sexta-feira da Paixão, 10 de Abril, e o nódulo não pode ser completamente retirado por causa da sua localização. Foram colhidas 5 amostras para análise; e quando fiquei sabendo da notícia, um certo abatimento me sobreveio. Novamente, o Senhor usou as pessoas ao meu redor para me animarem, e dois médicos em especial, do Hospital São Francisco, foram fundamentais: o Dr. Juan Soria e o Dr. Paulo Carvalho Goes, membros da equipe do Dr. Igor Michalick. 

Fiquei apenas 2 dias no C.T.I., indo para a enfermaria, mas tive a estadia prolongada por causa de uma infecção intestinal, que me debilitou bastante. 

Pois bem, após 15 dias de alta médica, ontem fui ao oncologista para saber o resultado da biopsia e o meu estado geral. E contra todos os prognósticos, suspeitas e afirmativas médicas, o nódulo era benigno, e não precisarei passar por nenhum outro procedimento. Terei consultas médicas a cada 3 meses, para acompanhamento. Mais uma vez, pude experimentar o amor de Cristo me envolvendo de maneira maravilhosa, inexplicável. Percebi que a bondade do Senhor se estendeu aos meus familiares e amigos e irmãos que estavam aflitos, agoniados, e puderam respirar aliviados, e agradecer a Deus pelo milagre e graça recebida. 

Quero agradecer a todos que oraram e pediram por minha cura e vida: sou-lhes eternamente devedor. Peço que continuem orando, pois ainda estou em convalescença, e para Deus extirpar o restante do nódulo que não pode ser retirado. Ele é o Deus único e verdadeiro, o Deus dos milagres e do impossível, e me rendo completamente ao Seu senhorio, sabendo que, em todas as minhas fraquezas, dúvidas e temores, Ele é a força, a certeza, esperança e o destemor com o qual me conduzirá na caminhada cristã, ou seja, no aperfeiçoamento, na obra de santificação, moldando-me à semelhança do Seu Amado Filho. 

Como o salmista escreveu: “O SENHOR é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? O Senhor é a força da minha vida; de quem me recearei?” (Salmos 27.1) 

Para terminar, gostaria de deixar um trecho das “Confissões”, de Santo Agostinho, que muito melhor do que eu, soube expressar o seu amor por Deus: 

“Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora! Eu, disforme, lançava-me sobre as belas formas das tuas criaturas. Estavas comigo, mas eu não estava contigo. Tinham-me longe de ti as tuas criaturas, que não existiriam se em ti não existissem. Tu me chamaste, e teu grito rompeu a minha surdez. Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tu me tocaste, e agora estou ardendo no desejo de tua paz” 

- Santo Agostinho, Confissões, livro X, 27, “Tarde te amei!...” - 


Cristo é a vida, mesmo na morte... E a vida venceu!

Glória somente a Deus!

26 outubro 2021

A vida de David Brainerd: A vida realmente com propósito

 


Jorge F. Isah


    Estou relendo este livro pela terceira vez. 

    A primeira, foi logo no início da minha conversão, em 2004. Talvez dois anos após. Causou-me um grande impacto descobrir o quanto David Brainerd fora um servo humilde, dedicado e confiante no Senhor. Durante o seu ministério, findo aos 29 anos, ele buscou com todas as poucas forças físicas que lhe restavam cumprir a vontade divina, fazendo-a com o seu melhor. Ainda que debilitado pela tuberculose, não se esquivou a fazer aquilo que era o foco e o alvo da sua vida: pregar o evangelho a fim de salvar as almas perdidas. 

    Foi estabelecer-se na divisa dos EUA com o Canadá, passando pelas agruras de uma vida sem conforto e sujeita às intempéries climáticas. Para uma pessoa que tem pulmões fracos, nada pior do que o frio congelante daquelas paragens. Estávamos em pleno século XVIII. 

    Mas nada o demoveria do seu objetivo, de seu divino chamado. Nem mesmo a iminente morte (basta lembrar que, à sua época, a tuberculose equivalia a um câncer terminal). A sentença de morte era uma realidade fustigante e assídua. 

    Em seu diário temos os seus pensamentos a respeito de si mesmo, um pecador miserável como se identificava; entregava-se a longos momentos de oração e na leitura das Escrituras; clamando pelas almas pagãs, especialmente dos índios. 

    O livro relata em detalhes as aflições, dúvidas, insegurança em relação ao seu ministério, mas a certeza de ter sido separado por Deus para levar o Evangelho de Cristo a quem o ouvisse. De maneira geral, não se considerava um bom pregador, nem um bom pastor, depositando todas as suas fraquezas no poder do Espírito a fim de ser utilizado como instrumento para conversões e bênçãos aos indígenas, em especial. 

    Ao ler as páginas escritas por David Brainerd, que quase foi genro de Jonathan Edwards (estava prometido a sua filha), nos deparamos com uma mente moldada por Cristo, disposta a sofrer injustiças, tribulações, dores, solidão e desprezo para servir a Deus. Para amar o próximo. E servi-lo também. 

    Ao nos defrontar com o relato, sentirmo-nos ainda mais miseráveis e inúteis não é escolha, mas uma certeza. Aquele homem, ainda que sendo chamado para a glória jovem (morreu aos 29 anos, vítima da tuberculose, como já disse), teve momentos tão intensos com o Espírito de Deus, e serviu-o tão abnegadamente, sem a esperança de qualquer recompensa terrestre, que sentir-nos desgraçadamente improdutivos, fúteis e presunçosos em nosso orgulho, é inevitável. 

    Não sei o porquê de os cristãos não lerem mais biografias, especialmente daqueles homens que viveram e morreram para servir a Deus naquilo em que tinham de melhor: vasos para a glória de Cristo, e a missão de levar as “boas novas” até onde o Senhor desejasse. Uma geração de crentes que nunca leu ou ouviu falar de Brainerd, Edwards, Pink, Bunyam, Spurgeon, Livingstone, Carey, entre outros, é uma geração que desconhece o passado e, certamente, compromete o próprio futuro. O futuro da igreja e o pessoal. Esses homens, e tantos outros, devem servir de exemplo; e suas histórias nos mover a ser mais servos e menos “senhores”, inclusive de nossas vidas. Eles amaram, se dedicaram, viveram e morreram para glorificar o nome do nosso Senhor. 

    O Diário de David Brainerd é um livro fundamental. E, não atoa, foi publicado após a sua morte, pelo seu futuro (e agora ex) sogro, o pr. Jonathan Edwards. E tem sido instrumento, ainda hoje, para mover jovens e adultos ao desejo sincero de servir e dedicar-se a Deus de todo o coração. E à sua obra com fervor. 

    Livro imprescindível!


______________________ 
Avaliação: (*****)

Livro: A Vida de David Brainerd

Autor: Jonathan Edwards

Editora: Fiel

No. Páginas: 328 

Edição: 2a

Sinopse: "Quando voltei a ler este livro, depois de 40 anos no campo missionário, pude ver por que a sua leitura teve tão grande influência em minha vida como jovem. No mundo onde existem poucos a seguir, tenho encontrado em Brainerd uma luz nas trevas. - Pr. Ricardo Denham, fundador e diretor da Editora Fiel. Ao ler o diário de Brainerd, compreendi melhor o valor da biografia de um cristão. Gozei de muita doçura (usando a linguagem de Brainerd) lendo sobre os últimos meses de sua vida... Senti-me muito encorajado ao refletir sobre uma vida de santidade, à luz da possibilidade de uma morte precoce. - Jim Elliot, um dos cinco jovens missionários martirizados pelos índios Aucas, no Equador. Que cada pregador leia atentamente sobre a vida de Brainerd. Que sejamos seus imitadores, assim como ele o era de Cristo, em absoluta devoção pessoal, sem dar ouvidos ao mundo e em fervente amor a Deus e aos homens. - John Wesley, fundador do Metodismo."




11 outubro 2021

Paris é uma Festa - Ernest Hemingway

 



Por Jorge F. Isah


Este é um livro nostálgico, por dois motivos: o primeiro, havia muito que não lia nada do autor, desde a adolescência e a fase posterior e, se não me equivoco, o último foi por volta dos 23 anos, e a obra era O Velho e o Mar. Apesar de ser uma novela e quase basicamente relatar a “vitória dos caçadores”, a sensação atual é de não ter gostado dele à época, sem saber muito bem o porquê, deixando-me o desejo de revisitá-lo novamente.

                Segundo, já na primeira página sou arrebatado pela escrita fluída e memorialista de Hemingway, levando-me à compulsão de concluir a leitura em 3 dias. E a nostalgia em que tece as peripécias na Paris dos anos 1920 são feitas de maneira delicada porém direta, como é o seu estilo. É um livro crepuscular, não no sentido da escrita, mas do autor, às portas de completar 60 anos e mais interessado ou conectado ao passado do que ao presente, a se lhe afigurar distendido da alma, corrosivo. Muitos afirmam ter ele perdido a genialidade após os anos 30, e de lá até a sua morte, escreveu obras apenas medianas, sem a criatividade e engenho das anteriores. Apesar de ser um livro longo, meio distante dos padrões “hernestinianos”, Por quem os Sinos Dobram parece-me o título mais próximo de uma obra-prima que algo possa chegar; e escrito no final dos anos 30.

                Alguns apontam Paris é uma Festa como um livro de memórias. Outros, crônicas. Ainda outros, ficção. Para mim, é um livro indefinível pois todos os elementos dos três estilos encontram-se presentes. Não exclusivamente memorialista, ainda que seja. Nem ficcional, ainda que também o seja. Há um pouco de tudo e, talvez, esse seja um dos atrativos da publicação. Outro chamariz é o fato dele tratar de literatura, seja no trabalho e na vida da famosa “geração perdida” (título que Ernest detestava por considerá-lo reducionista e injusto) ou em discussões sobre autores do passado (no caso, não tão no passado), como Tostói, Tchekhov, Turgueniev, Dostoieviski entre outros. Portanto, é um livro sobre literatura, sobre literatos; um prato cheio, ao menos, para mim.  

                Hemingway descreve os loucos anos 20, estabelecendo-se juntamente com a esposa, Hadley, e o filho na Cidade Luz. Vive basicamente de contos publicados em revistas alemãs, levando uma vida quase miserável. Existe o charme e o glamour da cidade, mas ele precisava colocar comida à mesa; e mesmo tendo o seu gênio reconhecido, não era suficiente para garantir sempre o sustento familiar. Ele cita a proprietária de uma livraria, Sylvia Beach, que além de fornecer-lhe gratuitamente livros, fazia também empréstimos (pode-se dizer, doações) nos momentos mais difíceis. Travou-se uma amizade que garantiu-lhe prazer e subsistência. E aí temos algo interessante: como a providência garantiu-lhe meios de viver apenas da literatura ou, ao menos, poder dedicar-se integralmente a ela até que os frutos pudessem ser colhidos.

                Nesse ínterim, travou conhecimento com vários nomes famosos da época e que permanecem até hoje, como T. S. Eliot, James Joyce e Picasso. Alguns, nem tanto, os quais nunca ouvira falar e descobri durante a leitura: Harold Stearns, Katherine Mansfield,  Evan Shipman, Pascin e outros que são apenas citados ou têm descrições a partir de impressões iniciais do autor; poucos como Madox Ford e Ralph Dunning receberam mais do que citações.

                Entrementes, três do seu círculo particular, Gertrude Stein, Ezra Pound e Scott Fitzgerald (este considerado por Hemingway seu grande amigo) ganham ares de protagonistas ainda que a literatura seja, a meu ver, a grande personagem do livro; nem mesmo Hem é páreo a ela.  Não serei estraga prazeres a descrever as impressões e análises sobre o temperamento, comportamento e o relacionamento deles com Hem; a leitura se encarregará de satisfazer a curiosidade do leitor. Posso, contudo, assegurar que são análises e descrições a cativar até mesmo aquele pouco afeito a desbravar as qualidades e defeitos de autores renomados, ou seja, o caráter humano para além ou aquém do bem e do mal. Ele gasta boa parte do terço final em detalhar a sua amizade com Scott Fitzgerald e a relação tempestuosa e destrutiva dele com a sua esposa Zelda, segundo Hemingway uma bêbada enciumada com o talento e sucesso de Francis, e se esforça em afastá-lo diariamente para festas intermináveis, noite após noite.

                Ao mesmo tempo em que critica com acidez algumas personalidades, descreve outras com compaixão, carinho e gratidão, com aquele espírito “másculo”, meio seco, quase obrigatório, sem deixar contudo as entrelinhas falarem por si.

                Realmente, como disse anteriormente, o livro foi uma grata surpresa. O estilo franco, sincero, faz-se presente, mas é possível vislumbrar uma sensibilidade quase emotiva, em alguns momentos quase calorosa, perto de um quebrantamento. Sim, Paris é uma Festa, mas para Hem, entre foguetório, egos inflados e vozerio, existe apenas barulho; e como outro escritor disse: é “muito barulho por nada”!


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Avaliação: (****)

Título: Paris é uma Festa

Autor: Ernest Hemingway

Páginas: 178

Editora: Círculo do Livro

Sinopse: 

"Ernest Hemingway foi sempre contrário ao sentimentalismo. Seus contos e romances mostram o homem em busca de si próprio, descobrindo-se nos momentos de dor, perigo ou derrota. Nenhum idealismo diante da vida: ela deve ser enfrentada como um desafio, e vencida sem arrogância ou perdida sem lamúrias. Paris é uma festa mostra-nos um Hemingway diferente, o escritor e o homem fazendo uma viagem sentimental à década de 1920, quando o mundo se abria diante dele e seus companheiros eram a gente anônima das ruas e gente famosa como Gertrude Stein, James Joyce, Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald."