Jorge F. Isah
Jorge F. Isah
Jorge F. Isah
Este romance
estava no aguardo de uma brecha em minhas leituras já há algum tempo. Para ser
sincero, comprei o livro há uns cinco anos, mas somente agora, em meio a Santo
Agostinho, Murilo Rubião, Santo Atanásio e J.M. Coetzee, pude me debruçar sobre
o volume. E qual não foi a minha surpresa com o tom farsesco, cínico e
debochado da narrativa de Pirandello? Humor refinado e reflexivo, permeado por
uma escrita ágil, límpida e agradável, que me fez concluir a leitura em menos
de três dias.
Mas, de que se
trata? Bem, não farei uma sinopse ou resumo, pois sabe que não é minha maneira
de resenhar qualquer leitura. Existem, contudo, algumas perguntas que podemos
fazer:
1)
É possível deixar de ser quem se é? E
transformar-se em outra pessoa?
2)
Quais as implicações em assumir outra
identidade?
3)
Qual o custo para se construir uma nova história
de vida e caráter?
4)
Por que se quer abandonar uma vida/identidade e
assumir outra?
5)
O fracasso é individual? Ou pode ser colocado na
conta de outro?
Essas são
algumas perguntas que o autor se dispõe a responder (sem necessariamente
respondê-las), com uma porção de ironia e troça que transforma o protagonista
em motivo de boas risadas, em meio as análises e impressões de sua conduta como
fugitivo de si mesmo. Não é um livro escrachado, pelo contrário. A escrita de
Luigi é elaborada, afiada, esmerada, mesmo diante da aparência de simplicidade,
e atinge em cheio os objetivos propostos: o questionamento moral, ético e
filosófico do que é a vida, a individualidade e sociabilidade. Em alguns momentos, ela resvala no estilo
folhetinesco, sem contudo adentrá-lo. É um namoro que não se concretiza.
A partir da
futilidade e indolência com que trata a própria vida e as relações sociais, Mattia
se vê na encruzilhada de assumir a culpa ou reputá-la a outrem, no caso, a
sogra e o casamento. A ruína financeira, a mediocridade intelectual, a perda do
estilo de vida hedonista, e a busca pelo sustento, são fatores com os quais ele
não pode conviver. Para um jovem capaz de liquidar o patrimônio familiar com
vulgaridades e desperdício, ociosa e levianamente, o trabalho era um dos piores
dos seus temores. E o assédio de credores, e as ininterruptas censuras da sogra,
tornava tudo ainda mais insuportável e claustrofóbico. A vida lhe era uma
prisão, de forma a não ver qualquer possibilidade de se libertar.
Entretanto, em
um golpe de sorte, Mattia recebe uma grande soma, uma fortuna capaz de
dispensar-lhe uma existência tranquila, sem excesso de conforto, mas capaz de
conservá-lo distante do trabalho e responsabilidades. Para isso, seria
necessário abdicar da antiga vida, fugir e esconder-se em outra personalidade.
Em nova reviravolta, é dado como morto, facilitando, e acelerando, os planos da
nova estratégia: abandonar quem era para tornar-se em quem quisesse. Não é esse
o desejo da maioria? Mesmo que apenas em algum momento da vida? Não nos
escondemos nas histórias alheias para sonhar um novo roteiro existencial? Não é
este o papel dos livros, filmes, novelas? Criar um mundo virtual ao qual nos
apegar? E assim arrastar-nos, com algum frescor, no curso própria da vida?
Na verdade, a fuga de Pascal é interior, muito
mais do que qualquer fator exterior possa representar. Ao pensar nos seus
problemas como oriundos dos credores, da fortuna dilapidada, do casamento
corriqueiro, da esposa controlada pela sogra, ele preservava a si mesmo de
qualquer responsabilidade e dever de mudança. Para isso, nada melhor do que
deixar “morrer” o velho Pascal, e das suas cinzas nascer o Meis, certo?...
Talvez. Por que o novo homem seria mesmo novo? E não incorreria nos velhos
erros e vacilos do velho homem? Haveria nele a capacidade de levar até o limite
a sua nova figura? E manter intocada a nova reputação? Ou tudo estaria, como
antes, sob a ameaça do seu caráter sucumbir à vontade? E desta não ser
suficiente para encobrir aquela?
Em uma
reviravolta na reviravolta, Meis se vê acuado; e a solução é outra senão ... a
morte! Matar o novo homem para que o velho sobreviva, reviva. Porque o novo se
mostrou tão ou mais insuficiente e medíocre do que o antigo. E, se no fim das
contas, viver a fantasia ou o sonho de uma nova vida se mostrou ineficiente e
aflitiva, o retorno à personalidade original, com todos os elementos de uma
história real, ainda que inexpressiva, se configurou em única saída. Talvez não
seja possível apagar ou destruir aquilo que se é ou se fez; e entre o sonho e a
realidade, encarar a segunda seja um passo para o amadurecimento, alívio e
antídoto para a mentira.
Pois, nem
mesmo a paixão pela sóbria, frágil e doce Adriana foi suficiente para adequá-lo
à nova vida, e fazer de Meis um vivo entre tantos mortos. De alguma maneira, o
bem que Adriana merecia era-lhe impossível dá-lo, então, por que subsistir a
farsa se ele mesmo não se convencia do seu sucesso? Melhor era reviver o morto
e torná-lo vivo entre tantos outros, vivos e mortos; e não fugir como um cão do
que fora, e ainda era, e de quem não podia se desvencilhar.
O fato é que
nem mesmo uma ou outra vida foram capazes de satisfazer e trazer paz ao angustiante
e atribulado Mattia, que feito novo, preferiu mesmo as agruras do velho, em meio
às estripulias de um sátiro.
Este livro,
certamente, aguçou-me a conhecer melhor a obra de Pirandello. E espero, com a
graça de Deus, fazê-lo!
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Avaliação: (***)
Título: O Falecido Mattia Pascal
Autor: Luigi Pirandello
No. Páginas: 320
Editora: Abril Cultural
Sinopse: "Maldito seja Copérnico!”. Assim o personagem Mattia Pascal resume e define o sentimento de irremediável solidão do ser humano quando toma consciência de si mesmo e da sua pequenez diante do universo. Obra-prima de humor peculiar, O falecido Mattia Pascal (1904) é o mais célebre romance de Luigi Pirandello (1867-1936), no qual o autor, ao abandonar definitivamente os esquemas narrativos tradicionais, denuncia a miséria das relações humanas e a angústia existencial que acompanha o início do século XX. Mattia Pascal é um homem que, por uma maquinação do acaso, vê a possibilidade de assumir uma nova vida, fugindo de uma existência medíocre e humilhante. Nessa nova vida, ele é outra vez envolvido pelas convenções e regras das quais tentou escapar. No retorno à sua cidade natal, descobre-se enredado em uma situação paradoxal da qual é possível sair somente com a autoexclusão da vida. Autor do igualmente consagrado texto teatral Seis personagens em busca de um autor e Prêmio Nobel de Literatura em 1934, Luigi Pirandello criou uma das obras mais originais do início do século passado, marcada por buscar uma reflexão sobre a fragilidade da condição humana diante da espiral sem saída que é a vida. No momento mais crítico de sua vida – desprezado pela família, acossado por credores, com um trabalho medíocre –, um golpe do acaso muda a vida do jovem Pascal, que ganha uma pequena fortuna num cassino e, ao mesmo tempo, é dado como morto, pois o confundem com um cadáver achado em sua cidade natal. Decide, então, assumir uma nova identidade e parte em viagem pela Europa, de modo aventureiro, envolvendo-se em contínuos contratempos"
Jorge F. Isah
Não é o primeiro livro de
Chandler que leio, mas “O Sono Eterno” tem todos os elementos que fariam de
Raymond Chandler o expoente dos romances policiais “noir” (para quem não sabe,
a palavra francesa significa escuro, preto); até mais do que o seu
“mestre”, Dashiell Hammett (“O Falcão
Maltês”, entre outros), provavelmente o “pai” do estilo. Ao contrário dos
clássicos policiais de Poe, Chesterton, Christie, Conan Doyle, entre outros,
Phillip Marlowe e San Spade (o antecessor daquele) diferem-se dos protagonistas
tradicionais ao assumirem um estilo menos nobre, culto, intelectual. Parecem
tropeçar nas pistas a desvendarem os crimes, ao invés de engendrar, com cuidado
meticuloso, os caminhos que os levarão aos criminosos e à solução dos dilemas. Marlowe,
assim como Spade, é mulherengo, etilista, circunspecto, rude, sem muitas
ambições. A despeito do caráter moral, a impedi-lo de se confundir com os
bandidos, suporta uma linha tênue entre o bem e o mal sem ultrapassá-la, ao
menos no que concerne mantê-lo no escopo do “herói”, mesmo utilizando-se de
métodos pouco ortodoxos e alguns censuráveis. Não é uma mente brilhante como a
do Padre Brown ou Poirot, mas, como eles, é obstinado em resolver dilemas
criminais e capturar malfeitores. Em suma, a luta entre o bem e o mal está
presente, e, podemos dizer, sempre aquele prevalecerá, no final, sobre esse.
O estilo de
Chandler é linear sem rupturas na narrativa, idas e voltas, mas com
reviravoltas e surpresas no enredo. É uma característica corrente em sua obra,
e aqui também se faz presente. A
construção dos personagem não busca o aprofundamento psicológico, muito menos
conhecer-lhes o íntimo, suas perplexidades e índole. Em princípio, elas são
“peças” em um tabuleiro cujo objetivo é demonstrar que todos estão dispostos,
em maior ou menor grau, a cometer pecados. E isso não é uma crítica, mas um
acerto de Chandler. Entretanto, não sabemos a motivação ou circunstâncias que
levaram os personagens a agir de maneira delituosa. Basta saber o necessário
para o desenrolar da trama; tendo-se a certeza de ninguém, nem mesmo o “caçador
de culpados”, estar imune aos deslizes e pequenos delitos. Esses são tratados
com condescendência, como o “mal menor” e, em alguns casos, justificáveis. Da
jovem fisicamente frágil e psicologicamente perturbada até ao velho, inválido e
doente terminal, nenhum deles escapa à natureza humana, seja o egoísmo a
mover-lhes, seja o exibicionismo, sejam os vícios, a megalomania, a ganância,
etc. Todos compartilham da porção de pecado, e ninguém é inocente, mesmo se
provando o contrário. Até mesmo a mulher que não tem qualquer impulso desonesto
é acusada e condenada, por sua beleza atordoante.
Um ponto que
me incomodou bastante durante a leitura, foi o excesso de comparações,
metáforas, a cada página, tornando a escrita artificial e forçosamente
engraçadinha. Chandler é irônico, e nesses momentos ele conseguia manter o
fascínio do texto. Ao contrário, quando o desejo era o de ser “espirituoso”, o
efeito fazia-se contrário, causando tédio e desagrado. Particularmente,
resultava na ideia de um trecho mal escrito, descuidado, e por demais rijo (no
sentido de engessado). P. Ex: “Então o general falou de novo, lentamente,
utilizando sua força com extremo cuidado, do mesmo modo que uma atriz
desempregada usa seu último par de meias boas.” (grifo meu). O recurso,
se não fosse utilizado de forma compulsiva e inapropriada muitas vezes, alcançaria êxito, mas, ao nos deparar com
constantes metáforas, como se fossem jogadas no texto, o intuito torna-se tíbio
e, não poucas vezes, ridículo. Utilizá-lo de maneira equilibrada traria ao
texto mais polimento.
Chandler
influenciou gerações de autores. Um exemplo é Charles Bukowski que, a despeito
dele dar mais crédito a Dostoievski, Céline, e, especialmente Fante, inspirou-se
naquele quanto à forma rude, seca e objetiva de escrever, sem floreios,
elegância e a complexidade de outros autores. Quanto ao humor, ou à maneira de
rir de si mesmo e dos outros, Chandler não alcança grande sucesso, ao passo que
o “velho safado” tem esse como um dos pontos altos da sua escrita; talvez o
melhor em toda a sua linguagem.
Não é um livro
para se desprezar; e pode ser lido em um final-de-semana. Tenho por base ler
livros menos “complexos” enquanto me debruço sobre outros mais “solenes”; e
sempre recorro a Chandler ou Hammett, Ágata Christie, Simenon, para
“descansar”. E entre todos eles, Chandler é um dos meus preferidos. Pena não
ter escrito muito (se perdeu, quero dizer, perdeu tempo com roteiros de cinema,
em Hollywood), mas sempre existe a chance de reler os seus clássicos.
Em suma, “O
sono eterno” é um exemplar típico da literatura noir, e um dos seus expoentes.
Não é uma obra-prima; mas não é preciso sê-lo para cumprir ao que se propõe:
ser literatura de qualidade.
E o é!
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Avaliação: (***)
Título: O Sono Eterno
Autor: Raymond Chandler
Editora: Brasiliense
No. de Páginas: 243
Sinopse: "Philip Marlowe, detetive particular em Los Angeles, é chamado à mansão do velho General Sternwood para investigar um caso de chantagem, aparentemente banal, envolvendo uma de suas filhas. Em pouco tempo, Marlowe percebe que algo se esconde atrás desse pedido, e que as duas filhas do General, Vivian e Carmen Sternwood, podem ser mais perigosas do que aparentam. Em uma cidade chuvosa e enevoada, ele aos poucos se envolve com a pornografia ilegal e a máfia dos jogos. Nesta primeira aventura de Marlowe, publicada originalmente em 1939, Raymond Chandler deu nova vida ao romance policial, mesclando uma trama envolvente a um estilo inigualável - corrosivo, cômico e extremamente original."
Jorge F. Isah
Este é um
livro com algumas histórias do Padre Brown, o alterego de Chesterton, dada a
baixa estatura e a rotundidade, transformando-o em uma figura comum e sem
atrativos, ou destaque, significando, até mesmo, a falta de personalidade marcante.
Contudo, a despeito da sua insignificância física, ele se sobressaí por seu
intelecto e a capacidade de desvendar os crimes mais intricados e que, muitas
vezes, fez o seu amigo, o detetive Flambeau, alto e de boa aparência, parecer
um idiota ou um homem sem qualquer preparo investigativo.
O livro tem
as sutilezas estilísticas de Chesterton, uma narrativa bem costurada (necessária
em livros do gênero), mas alguns componentes o tornam diferente da maioria dos
autores do gênero: Padre Brown não procurava apenas desvendar mais um crime,
como um desafio à sua inteligência e argúcia. Não é o simples caso do detetive
à caça do bandido. A sua capacidade de ver os detalhes mais desprezíveis e que
nenhum outro vislumbrava, ou o raciocínio capaz de ligar fatos aparentemente
dissociados que, contudo, faziam parte da "teia" tecida pelo
criminoso, pode se parecer com o estilo de outros grandes personagens da
literatura policial.
Entretanto, mais
do que um desafio mental, uma disputa intelectual e arguta, o calmo e tranquilo
religioso buscava a redenção do criminoso (em outras palavras, realizar o seu
ministério sacerdotal, sua missão primeira), que poderia alcançá-la a partir da
confissão do crime. E isso, se não se desse pelos meios judiciosos, que o
levassem à condenação, bastava-lhe, como padre (e como tal ele estava
impossibilitado de acusar o réu confesso por direito inalienável de sacerdócio),
ouvir a confissão, o arrependimento do criminoso, e ter concluída mais uma
etapa da sua missão. Satisfazia-o não apenas vencer o criminoso, em seu próprio
campo; antes levá-lo à compunção, a reconhecer-se pecador, um transgressor, e
alcançar a liberdade da alma, do espírito, pela graça.
Mais do que a
preocupação com as questões policiais (o que não negligenciava), elas o
levariam ao encontro da alma necessitada, desesperadamente, de perdão; atormentada
pela culpa (ainda que não o soubesse claramente), e mesmo na condição de recluso
encontraria finalmente a paz.
Pode parecer incoerência
o fato do sacerdote, para quem a defesa da moral é um princípio caro, desprezar
a prisão e punição do infrator, em algum aspecto no curso da história. No
entanto, transparece nele o desejo de que, após a confissão, o criminoso, em
paz consigo e com Deus, se entregue voluntariamente à justiça, provando assim o
seu arrependimento sincero e verdadeiro. Ou seja, a redenção somente é possível
se houver a voluntariedade do aflito na busca libertação e a definitiva
liberdade.
Para alguém
pouco versado em teologia talvez esse aspecto passe desapercebido. Entretanto,
ele está lá, a apontar para um redentor e salvador, para a graça, única capaz
de trazer ao homem caído, em sua condição de humanidade perfeita, a harmonia, a
paz definitiva e o fim da inimizade com Deus.
Ler Chesterton é sempre agradável e instigante. Mesmo em histórias aparentemente banais como as policiais.
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Avaliação: (****)
Título: A Inocência do Padre Brown
Autor: G. K. Chesterton
Editora: L&PM
No. Páginas: 256
Sinopse:
"Esta obra traz doze histórias. Uma delas, 'A cruz azul', na qual o personagem, Padre Brown, faz sua primeira aparição, o clérigo de Essex precisa lançar mão de métodos excêntricos para impedir o roubo de um valioso artefato religioso."
Em mais uma promoção conjunta com a Amazon, a Kálamos Editora disponibiliza o livro "O Morto Inacabado", para download gratuito, em promoção até o dia 27 próximo.
Para baixar, basta ter uma conta "Amazon", preencher o nome do livro na caixa de pesquisas, fazer o download, e pronto! Agora resta apenas lê-lo.
Por isso, disponibilizo o prefácio do livro, escrito por Michel Salomão, como instigador, uma inspiração, para adquirir a obra. Espero, realmente, que se sinta motivado a fazê-lo, bem como à sua leitura.
Abraço.
Jorge F. Isah
Jorge F. Isah
Nesta semana, de 16 a 20 de Novembro, a Amazon disponibilizou o meu segundo livro de poesias, "Arpeggios Insulares", aos interessados em baixá-lo no formato ebook/kindle.
Publicado em 2018, reúne quarenta e seis poesias escritas entre meados de 2017 e o primeiro semestre de 2018, que tratam de temas variados, extraídos do mais profundo da alma, com tudo de bom e ruim derivado da natureza humana.
Entretanto, talvez o sentimento mais presente em toda a obra seja o de gratidão a Cristo, pelo seu eterno e infinito amor, capaz de tornar as trevas interiores em um dia intensamente ensolarado, e da mesma penumbra tocar os mais doces e consoladores acordes; um bálsamo a aliviar e curar qualquer espécie de dor, angústia e sofrimento.
Deixo o "prólogo" do livro, abaixo, para a sua apreciação; e caso se sinta instigado, vá até a amazon.com.br, digite na barra de pesquisas o título "Arpeggios Insulares" e baixe a sua cópia. E, talvez, entenda o que não fui capaz de descrever por aqui.
Um fraterno abraço!
Jorge F. Isah
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O
tempo passa...
Iniciei
a escrita deste livro logo após a publicação do meu primeiro, “A palavra não
escrita”, em formato ebook. Transcorridos pouco mais de um ano e meio,
apresento ao leitor o trabalho demorado em dias, e exíguo em linhas. São
quarenta e seis poemas que tratam de vários temas, mas que têm a mesma visão
central: a fé cristã como cosmovisão, essência e fundamento da minha vida, ao
menos nos últimos quatorze anos.
Por
isso, em quase tudo, não é difícil perceber a orientação dos versos e a
sujeição deles à pessoa de Cristo. Ainda que não seja citado diretamente, a
inferência ao seu governo é recorrente e está nas entrelinhas e subliminarmente.
Não podia ser de outra maneira, visto a excelência da sua Pessoa e a minha
completa dependência dEle.
Alguém
pode dizer que a minha impressão, estilo e imaginação, é excessivamente
pessimista em relação à vida, às pessoas e o futuro. Realmente, não posso ser
considerado um otimista quanto a este mundo. Não nutro qualquer esperança no
homem, nas ideologias, nos sistemas, no intelectualismo, ou nas ciências; de
alguma forma, muito menos nas religiões. Entretanto, não sou um pessimista
completo e incorrigível, pois nutro a esperança viva de que, naquele glorioso
dia, o dia do Senhor, o verei face a face, e nenhuma tristeza, angústia, dor, e
dúvidas se farão presentes na vida.
O cristianismo
somente vive na pessoa de Jesus e sua Igreja (a verdadeira, aquela resgatada
pelo seu sangue), e ainda que possa ser interpretado por várias correntes, a
verdade existe e subsiste nele e por ele. Então, se o pessimismo exagerado
quanto ao mundo em si se sobressai no meu pensamento, em contrapartida existe uma
esperança viva, otimista, exultante, em relação ao Porvir, naquele que é o Senhor
do tempo, do passado, presente e futuro, mas também da eternidade.
Com
isso, alguns podem sugerir que haja uma visão dicotômica da vida e que eu seja
incoerente. A verdade, contudo, é que o homem sem Deus não me inspira qualquer
confiança (ainda que eu tenha compaixão, assim como também necessitei de
piedade), e mesmo a bondade possível nele, somente se realiza por meio dAquele
que é, em si mesmo, o Bem por atributo; a natureza que o torna quem é, e da
qual não pode prescindir, nem ser anulada.
E é
nesse Bem que deposito a esperança, a expectação de uma existência em que, mais
do que eu mesmo, serei mais dele, ao ponto em que nele serei encontrado. Como o
apóstolo Paulo escreveu aos Gálatas, este é o meu mais puro e ansiado desejo, o
de proferir sinceramente: “Já não sou eu
quem vive, mas Cristo vive em mim!”[1].
Essa
é a glória a se buscar, a “cobiça” maior à qual o homem deveria se entregar, perseguindo-a
como o bem mais precioso e enlevado, e na qual, desde algum tempo, tem sido o
anelo da minha vontade. E que ela, como todo o meu ser, esteja cativa e
submetida à perfeição, santidade e graça do Filho.
Se
eu conseguir, de alguma maneira, que você leitor veja-o assim como o vejo, já
me darei por satisfeito, e em plena alegria. Porque a vida, sem dar a glória e
o louvor devidos a Cristo, é como uma sinfonia tocada à perfeição para uma
plateia de surdos.
Por Jorge F Isah
Jorge F. Isah
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Jorge F. Isah
Nos últimos
meses, me aventurei pela leitura da ficção mineira, algo negligenciado há
muito; e me fazia sentir um senso de injustiça quanto à minha própria terra.
Por isso, comecei com Fernando Sabino e o seu “Encontro Marcado” (concluído, e
cuja resenha pode ser lida aqui mesmo), ando às voltas com “Crônica da Casa
Assassinada”, de Lúcio Cardoso (a conclusão desse demandará ainda um bom tempo)
, “Obra Completa”, de Murilo Rubião (em fase de leitura), e “Ópera dos Mortos”.
Ah, não posso me esquecer de Luiz Ruffato e o seu “Flores Artificiais” (resenha
por aqui, também), e a próxima leitura, já adquirida, de “Verão Tardio”, do mesmo autor.
“Opera dos
Mortos” é considerado o maior romance de Autran Dourado, que é comparado a
Guimarães Rosa, de quem ainda não consegui concluir nenhuma leitura, e me é, em
algum aspecto, um escritor intragável. Espero mudar de ideia, pois pretendo
novas tentativas de leitura dos seus principais livros, e talvez ele se torne
digerível. Mas entendo a comparação, já que Rosa é considerado o maior prosista
mineiro e, ao lado de Machado de Assis, do Brasil. Mostra a envergadura de
Autran Dourado, e um pouco de quem estamos a falar. Escrito em 1967, o livro é
o primeiro volume da trilogia cuja sequência se dá com “Lucas Procópio” e “Um
Cavalheiro de Antigamente”.
A história se
passa no interior mineiro, e tem como principal personagem um “Casarão”, isso
mesmo, onde se desenrolam os conflitos, intrigas e a solidão dos demais
personagens. Esses são como vultos, fantasmas, a assombrarem com seus desvios e
pecados as paredes, tetos e pisos da construção, numa sequência interminável de
feridas expostas e das quais é impossível se esquecer; sem alívio, uma dor
interminável. O ressentimento, o orgulho, a amargura áspera, permeia a vida dos
ocupantes e o restante da cidade, em um sentimento de culpa sem qualquer
perdão. Tudo porque, no passado, a cidade traiu a confiança e boa-fé do
patriarca da família Honório Cota, pai de Rosalina, moça que conserva a
tradição familiar de isolar-se em casa e evitar, a todo custo, o contato com os
demais habitantes da cidade. Do avô, Lucas Procópio, odioso em seu
comportamento desumano, frio e egoísta, Rosalina parece herdar a loucura, uma
loucura melancólica, trágica, quase inofensiva (a não ser a si mesma), enquanto
o ancestral impregnou-se de uma demência maligna, perversa.
Moram no
casarão a empregada Quiquina, uma descendente de escravos e que criou
Rosalina, tendo-a por filha, após a morte da patroa. E a chegada do maledicente e preguiçoso e errante
Juca Passarinho, exímio caçador, a despeito de ter apenas um olho bom; o outro,
era uma névoa branca. Ele se apaixona pela figura nobre, circunspecta e altiva
de Rosalina. Com o tempo, angaria alguma simpatia dela e a aversão de
Quiquina. Com o tempo também, as coisas mudam; se de dia o aspecto geral da
casa e suas relações é austera, formal e corriqueira, a solidão de Rosalina,
que não tem com quem conversar, já que Quiquinha é muda, acaba por “ceder” à
bisbilhotice atrevida de Juca; e este passava as tardes ouvindo as resenhas da
patroa, atropelando-a vez ou outra com os seus palpites despropositados e
perguntas indelicadas. À noite, o convívio tomava ares completamente distinto,
fazendo lembrar ao narrador (indistinguível) as diatribes do velho Procópio.
O Casarão
contém, em seu espaço, duas realidades diferentes, em que as vidas se encontram
no limiar de uma tragédia grega. E acaba por consumar-se.
É impossível
não relacionar o título da obra com o enredo, no qual se vislumbra a realidade
em que os mortos de verdade estão vivos, e tão vivos que impregnam os
habitantes da casa com a própria morte; como se a resistência estivesse no
estigma de leva-los, os ainda vivos, à morte, de forma a unirem-se a eles. E se
os ainda vivos agem como mortos, e os mortos como vivos, nas lembranças,
objetos, e condução da vida na velha mansão, ali se enterram, e são enterradas,
as esperanças, os desejos, as almas dos moradores. Nem mesmo quando a casa é
aberta e os habitantes da cidade têm a oportunidade de invadirem os seus cômodos,
a tortura, o martírio permanecem como presenças graves em cada parte, cada
detalhe, cada som, sem que ninguém se sinta ou esteja livre da mancha a gravar
o vestígio da condenação e a clausura de todo o povo, dentro ou fora do Casarão.
Ele é o centro da sociedade, da atividade, da vida pregressa e futura da
cidadezinha.
Ópera dos
Mortos é uma grata surpresa. Um livro em que Autran Dourado traça a ponte entre
o passado e o presente, e um futuro tão embebido neles que se transforma em
“amanhã póstumo”, onde a morte traz da vida outros defuntos.
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Avaliação: (****)
Título: Ópera dos Mortos
Autor: Autran Dourado
No. Páginas: 212
Editora: Civilização Brasileira