Jorge F. Isah
O que motivou uma geração de escritores americanos a
mudar-se para Paris? A “Cidade Luz” ofereceria algo que a “Big Apple”, ou
qualquer outra, não poderia? Qual o estímulo para atravessar o Atlântico e
adentrar uma nação ainda devastada pela Primeira Guerra Mundial? Esta é a
proposta de Ralph Schor em “Paris dos Escritores Americanos 1920-1939”:
elucidar as causas que levaram tantos estrangeiros ilustres a residir, ou ao
menos passar temporadas, em terras francesas.
A maioria pertencia à “Geração Perdida”, nascida
entre 1880 e 1890, que na década de 1920 não ultrapassava os 40 anos. Dentre
eles, talvez os mais brilhantes sejam Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway,
Thomas Wolfe, John Dos Passos, T. S. Eliot e Ezra Pound. Outros famosos, como
Sherwood Anderson, Henry Miller, Gertrude Stein, Dorothy Parker e Sinclair
Lewis, também se integravam ao grupo de “exilados”.
A “Geração Perdida” não era composta apenas por
escritores; incluía pintores, músicos, compositores, críticos, atores e
jornalistas. A obra em questão, porém, abrange exclusivamente autores
literários.
Os motivos eram variados, mas focaremos nos mais
comuns. Entretanto, não havia um consenso absoluto; nem todos os interesses os
despertavam em comum.
Após o fim da guerra, vários decidiram permanecer na
Europa. Alguns, ao retornarem à pátria, sentiram-se estrangeiros em sua própria
terra, e o regresso a Paris tornava-se inevitável. Alegavam que a América não
possuía uma cultura sólida e milenar como a francesa — era um país jovem
demais, ainda em seus cueiros, incapaz de oferecer um clima favorável ao
crescimento intelectual.
“Djuna Barnes, tendo voltado ao seu país em 1931, revelou sua impressão de haver voltado à infância, uma infância sem relação com a riqueza cultural da velha Europa.”
Aliada à questão cultural, havia a percepção de que
a sociedade americana se preocupava excessivamente com a materialidade: lucros,
máquinas, ascensão social e consumismo. Muitos a viam como um corpo sem alma.
“Scott Fitzgerald levava um de seus personagens,
orgulhoso de ser americano, a declarar: ‘O dinheiro é o poder [...], o dinheiro
fez este país’”(“Éclats du Paradis”; em português, “Pedaços do Paraíso”).
A ideia de que as obras de arte só tinham valor pelo aspecto mercadológico — quanto venderiam e lucrariam — era abominada pela maioria. Caso os autores não fossem hábeis em monetizar suas criações, eram considerados fracassos. Obviamente, autores populares e com grandes tiragens não revelavam, necessariamente, falta de talento. Mas a reverência ao número de exemplares vendidos como indicativo único de sucesso também era uma falácia. Para a maioria da “Geração Perdida”, o americano médio era medíocre em suas escolhas, e as editoras especializavam-se em publicar autores igualmente medianos e sem apelo criativo. Era um exagero, pois os mesmos proponentes dessa crítica foram descobertos e publicados por esses veículos.
O homem sempre está disposto a valorizar seus
desejos e negar virtudes quando não quer algo. Enquanto levas de imigrantes
partiam para os Estados Unidos em busca de oportunidades — muitas vezes fugindo
da miséria, guerras civis, perseguição e, não raro, escravidão —, a
intelectualidade americana rejeitava suas origens para viver em outras
paragens. Enquanto a maioria dos estrangeiros buscava usufruir do conforto e da
modernidade, construindo uma vida longe da penúria natal ou sistemas a
aprisioná-los, a elite negava os esforços sociais para gerar riqueza e
bem-estar àqueles dispostos a sacrifícios e muito, muito trabalho.
A elite abastada, com todas as facilidades modernas
ao toque dos dedos, frequentando as maiores e melhores universidades,
usufruindo das regalias fornecidas pela sociedade que tanto desprezava,
herdeira de bens, dotes, prestígio e status — coisas que o cidadão comum jamais
imaginaria possuir —, era hipócrita ao denunciar a hipocrisia alheia. Mas não
parecia disposta a tirar a trave dos próprios olhos enquanto apontava o cisco de
outrem. Sim, entediados em casa e deslumbrados em Paris, não precisavam “suar a
camisa” pelo pão de cada dia.
Havia exceções, claro. Hemingway, por exemplo, não
provinha de família rica; foi à Europa combater na guerra e conseguiu
instalar-se na França. Escrevia para um jornal alemão enquanto seus textos eram
rejeitados nos veículos americanos. Thomas Wolfe é um caso semelhante, mas suas
investidas no exterior eram temporárias; sempre voltava para casa, assim como
Scott Fitzgerald, o menos “deslumbrado com Paris”, ainda que aproveitasse todas
as suas facilidades.
Deve-se levar em conta também o fator monetário. O
custo de vida na América era três vezes maior do que em Paris, além de o dólar
ser muito mais valorizado que o franco. Na França, podia-se ter um padrão de
vida com ainda mais luxo, regalias e glamour, pagando quase uma ninharia.
Outro aspecto motivador era a rigidez moral
anglo-saxônica. O código de princípios de conduta regido por valores cristãos
fazia-os torcer o nariz e ansiar por novas experiências e um estilo de vida
mais, digamos, flexível. E, convenhamos, Paris era o destino certo. Em um
período em que a Lei Seca vigorou de 1920 a 1933, e apesar da ilegalidade, o
álcool proliferava clandestinamente por todo o território americano. Nos bares
e cafés parisienses, estavam à disposição uma variedade de bebidas da melhor
qualidade, a nata mundial, sem contar outros vícios menos comuns: ópio e
cocaína, por exemplo, eram comercializados livremente, já que não havia
proibição legal, embora existissem leis de contenção. Nomes célebres como Freud
e Klaus Mann sucumbiram aos efeitos nocivos dos opiáceos e alcaloides.
Considerados grandes amantes, o sexo em Paris era
algo mais “criativo”, menos escandaloso e sem a censura de olhares públicos. A
liberdade era algo que não teriam na América provinciana, ao ver deles.
“Natalie
Barney, muito revoltada contra o puritanismo de seu país natal, dizia que as
mulheres americanas haviam todas engolido uma bíblia ao nascerem.”
Obviamente, houve escritores dispostos a
estabelecer-se na Europa não devido às constantes festas, orgias, bebidas e
drogas utilizadas sem comedimento, mas porque Paris era o centro cultural do
mundo e, como tal, fervilhava com uma profusão de ideias, discussões, novidades
e um solo fértil para investigação artística. Simpatizantes de várias correntes
literárias e estilos intercambiavam-se; era normal e salutar. Por mais que
houvesse divergências, por vezes acaloradas, as amizades não se rompiam, o ódio
não se manifestava, e “matar” o adversário era puramente metafórico.
“Os escritores americanos de Paris ponderavam que
viviam num local de criação único no mundo: conservatório de todas as artes e,
ao mesmo tempo, laboratório onde nascia uma cultura nova. Por isso, Gertrude
Stein podia assegurar que Paris e a França constituíam o ‘pano de fundo natural
para a arte e a literatura do século XX’”.
Se é justo dizer que existiam facilidades e um
estilo de vida muito diferente dos padrões aos quais estavam habituados, não é
exagero afirmar que buscavam um ambiente considerado mais propício ao encontro
— ou reencontro — com a arte incipiente ou perdida. Alguns a encontraram,
outros não. Alguns se ressignificaram. Outros, não.
“Ezra Pound se dirigira a Paris justamente para
encontrar ali valores literários, morais e políticos que ele procurara em vão
nos Estados Unidos e na Inglaterra. Seu objetivo era claramente o de desarrumar
tudo o que existia.”
Porém, nem tudo eram flores. À medida que
reconheciam as vantagens parisienses, os americanos não eram queridos; pelo
contrário, os franceses não se mostravam simpáticos e acolhedores. Para eles,
aqueles intrusos tinham apenas dinheiro e estavam destruindo a cidade,
aumentando o custo de vida e tornando quase impossível ao cidadão comum dispor
de benefícios que, agora, eram inexequíveis aos seus bolsos.
Por outro lado, os americanos também tinham suas
ressalvas e consideravam-se mais parisienses que os próprios parisienses, já
que os acusavam de renegar a própria identidade:
“De fato, os estrangeiros destacavam os defeitos
dos parisienses, sua estreiteza, sua frieza às vezes depreciativa, sua
mentalidade rotineira, seu frequente desdém pelo conforto e pela higiene, seu
gosto excessivo pelo lucro.”
Diferente de outros refugiados europeus — russos,
alemães, armênios e espanhóis, fugitivos por perseguição política, que não
podiam retornar às suas pátrias —, os americanos poderiam fazê-lo quando bem
entendessem.
Esse foi, provavelmente, o último grande período
artístico parisiense, onde alguns gênios amadureceram e forjaram seus estilos
literários, conquistando lugar no panteão dos grandes autores do século XX.
Ali, fomentou-se uma nova cultura, nova arte, a ganhar o mundo, alterar hábitos
e estabelecer mudanças profundas, acentuadas nas décadas seguintes. Não é o
objetivo discutir se essas ideias, muitas sedimentadas no espírito do século
XXI, são legítimas, virtuosas ou meros efeitos da rebeldia humana. Fato é que
Paris jamais será o que foi há 100 anos; hoje, é um espectro da caudalosa
proficiência de ideias florescidas nos vários campos da cultura de então.
Ralph Schor, apesar da extensa bibliografia,
construiu uma obra simples e objetiva, delineando a motivação e as
consequências do êxodo intelectual americano no início do século passado. Para
quem gosta de literatura, e de algumas fofocas, é um prato cheio.
*Nota: Todos os trechos pinçados entre aspas (“”) e itálico
foram retirados do livro.
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Avaliação:(***)
Título: “Paris dos Escritores Americanos 1919–1939”
Autor: Ralph Schor
Editora: L&PM
Páginas: 232
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