Jorge F. Isah
Tenho vários parentes e amigos que não gostam de
livros. E não gostam porque a leitura é algo chato. Então, os livros são
chatos. Silogismo à parte, seja irregular, regular ou outro qualquer, revela o quanto ler está fora de moda. Até
mesmo aqueles que reputam o hábito da leitura necessário e proveitoso não
leem. Conheço universitários que concluíram seus cursos e não se esquivaram de
afirmar jamais terem lido nada além de trechos dos vários tratados e manuais e
artigos e teses, e apenas esporadicamente. E se orgulham da façanha, balançando
o diploma no ar. É mais uma vitória do jeitinho brasileiro, aquele capaz de
desplugar qualquer possibilidade de luz enquanto se aventura a lutar junto às trevas.
Ao meu jeito, tento estimular um e outro,
aqui e acolá, a desenvolver algum tipo de leitura, desde crianças e
adolescentes até adultos e anciões. Mas, convenhamos, é uma tarefa árdua, dada
a concorrência dos TikToks da vida.
Bem, tentei uma última cartada com um
associado. Pensei: “é bem possível que a pessoa se interesse, já que tem
desenhos e a história se desenvolve também por imagens, não apenas textos”.
Pareceu-me brilhante. Depois da compra, falei com os meus botões: “talvez o meu consumismo tivesse me enganado e,
assim, ao invés de comprar o livro para presente, estava pondo mais um exemplar
na minha estante, já que as chances de sucesso não eram muitas, talvez uns 20%”.
Quando chegou, corri, e, após um breve
discurso, mostrei-lhe o exemplar: “Maus”, de Art Spiegelman.
— O que é isso?! — disse entre surpreso e
quase indignado — Pensei que fosse um par de meias ou o retrato emoldurado da vovó...
— Veja bem, pegue, vamos... tem muitos
desenhos... é uma história em quadrinhos e os textos são poucos... você vai
gostar... anda, pega!
Fez cara de nojo, como se estivesse a
colocar meleca ou santinho de candidato na mão. Relutante, recebeu o livro. E
balançou-o.
— Puxa, como é pesado!... Não, não quero.
Vou acabar tendo bursite ou tendinite.
A verdade é que deixei a Graphic Novel e
esperei alguns dias.
Na véspera do fim de semana, cheguei em
casa e “Maus” estava sobre a mesa, com a mensagem: “Tentei, mas não deu.”.
Peguei o volume, estava intacto, como se nunca fora manuseado. Não vou dizer
que não fiquei decepcionado. Mesmo com as chances mínimas, não esperava
fracassar.
Sentei-me desolado, o exemplar à frente, o
símbolo da derrocada da civilização. Nada me tirava da cabeça que, em breve, os
homens estariam gruindo pelas ruas e a lambuzar as paredes com os seus
excrementos... Ops! Isso já não era novidade... Os sinais, aterradores. E
Darwin estava completamente equivocado, ao menos quanto à humanidade: em franca
involução.
Abri o livro e comecei a ler. Não parei
até a última página. A história era, à primeira vista, sobre nazistas, judeus e
o holocausto. Era mais que uma denúncia. A história também tratava do
relacionamento entre pai e filho, Vladek e Art, e sobre o próprio livro.
Veio-me a parábola do Filho Pródigo; o que era mais curiosidade em saber sobre
a mãe, Anja, suicida quando Art tinha 20 anos, transformou-se em admiração e
respeito pelo pai, mesmo com todos os impulsos mesquinhos e avaros. Era também
uma história de amor entre Vladek e Anja, que não se extinguiu mesmo entre os
horrores. Era a história de perdas, e não foram poucas, e, após décadas, ganhou
contornos de vitória. Seja nos campos de concentração, nas vilas e cidades, no
pós-guerra, ou depois, quando até mesmo as memórias se desarraigavam.
Quantas pessoas se beneficiariam do livro,
caso se dispusessem a dedicar algumas horas? Quanto se pode ganhar? Conhecer? Entender?
Não sou afeito a HQ’s. Em décadas, esse
foi o primeiro. Havia um preconceito de não se fazer boa literatura a partir de
quadrinhos. Porém, agora, reconheço: a ignorância em conhecer o gênero e
manter-me distante foi a razão verdadeira. E assim como posso me privar de
outras experiências, sendo um leitor usual, imagino os que se abstêm por
completo.
Não sei se farei a resenha de “Maus”;
talvez sim, talvez não... Mas já não é mais por preconceito ou por
desconhecimento. A pergunta é: alguém lerá? Como o Fábio Ribas certa vez me
disse: “se você não fizer, quem o fará?”.
Então, farei e não farei... continuarei a
tentar, e ler, e escrever... Porque alguém só pode falar daquilo que o coração
está cheio[1], e o meu transborda
palavras.
_______________________________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário