30 junho 2022

"Pode o Homem Viver sem Deus?", de Ravi Zacharias

 



Jorge F. Isah


Ravi Zacharias é um dos maiores apologistas da atualidade; mesmo falecido em 2020, seus vídeos e livros persistente em levar a todos tipos de leitores a sua cosmovisão cristã, e o Evangelho ao qual tanto se empenhou em divulgar. Por todo o mundo, ele ministrou palestras e debates defendendo a existência de Deus e os princípios cristãos.
Neste livro, em sua primeira parte, ele faz uma defesa da “ideia” de Deus a partir de analogias morais e filosóficas. Há de se reconhecer o seu esforço, seu vasto conhecimento e erudição, seus pressupostos filosóficos (a maioria baseada em Aristóteles), e a defesa apaixonada de Deus.

Apesar de haver alguns "buracos", no conjunto ele é convincente, porém, nem tanto eficiente, já que o viés racional ou intelectual, obstante ser necessário, credencia o convencido a postulante da regeneração, sem, contudo, ser aspecto suficiente para torná-lo em um.

Pode parecer que estou contra Zacharias, o que não é verdade. Mas a questão é que não creio em apologética sem Cristo e seu Evangelho. Ideais filosóficos e estéticos são bons para se promover debates, para a discussão acadêmica, para inflar egos, mas nunca conversões; ao menos em sua plenitude de efeitos e finalidade. Conheci, e conheço, muitas pessoas que têm uma compreensão clara e inequívoca quanto à obra de Cristo, sua missão e o resultado dela na vida do crente, da igreja e no mundo, mas jamais se submeteram verdadeiramente a ele, não se arrependeram de seus pecados, e permanecem tal como sempre foram, levando a vida da mesma forma que sempre levaram, indispostos a abandoná-la, ainda que reconhecendo a necessidade. Existem acadêmicos e estudiosos (entre leigos, também) que conhecem todos os detalhes históricos, culturais, religiosos e relacionais das Escrituras, mas jamais se converteram, e os têm para satisfazer seus desejos por conhecimento, talvez o ego ou condição profissional.

Alguns dirão que Paulo demonstra conhecimento dos filósofos e poetas gregos em suas pregações. Concordo. Provavelmente, o apóstolo, como um homem extremamente culto, um douto em sua época, conhecia profundamente os filósofos e poetas gregos, como os judeus e outros tantos. Mas não vejo Paulo usando "sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo se não faça vã" (1Co 1.17), pelo contrário, como ele mesmo disse, a única coisa que lhe interessava era pregar a Cristo, e este crucificado, visto que Ele era escândalo para os judeus e loucura para os gregos (1Co 1.23).

O fato de Paulo conhecer filosofia e citá-la parcamente (e ainda assim, de forma indireta) não nos autoriza a substituir a pregação do Evangelho por ciências antropocêntricas, amoldando e acondicionando a Palavra a conceitos e teses humanas. Isso é pecado, esvazia a mensagem de Cristo, torna-a refém de nossa mente caída, e ineficiente diante dos homens. Com isso, mais uma vez, não desprezo o estudo, a análise, o escrutínio social, político, filosófico, artístico, cultural, ou outro elemento qualquer a validar e revelar o Criador, sua palavra, sua ação individual e entre as nações. Mas ater-se apenas a eles, sem entrar no cerne, no âmago da Revelação, ou seja, que Cristo encarnou, morreu e ressuscitou para resgatar para si um povo, a noiva, seus eleitos, ou a igreja, se assim julgar melhor, é um grave erro.

Paulo, como Pedro, João, Tiago e todos os apóstolos eram apologistas. Mas o eram com a mente de Cristo, e não com suas mentes imperfeitas; evangelizavam pela pregação da Palavra e o poder que somente ela tem; pois, se não há pregação, como crerão aqueles que não creem? (Rm 10.14-15).

Por isso, quase desisti de continuar a primeira parte de "Pode o Homem viver sem Deus?"... Por mais convincente que Ravi fosse em sua argumentação, não via muitas possibilidades de que alguém pudesse crer diante da sua exposição; crer no sentido em que já expliquei, para redenção. Pelo fato de não ser o Evangelho, seus pressupostos filosóficos eram passíveis de refutação. E ao revelar a verdade, como um conceito filosófico, tornava-a contra argumentável. Evidente que o Evangelho também pode ser refutado, negado ou distorcido, mas ao menos não se ficará iludido por uma simples acolhida ou receptividade intelectual discutível. E esse é, para mim, o principal problema dos cristãos racionalistas, o de acreditarem no convencimento pela razão à conversão; ainda que não excluam a ação do Espírito Santo, em sua maioria, ela se dá quase ou apenas no campo intelectual, e de que tudo pode e deve ser explicado racionalmente. Ora, a Queda afetou todos os aspectos humanos, inclusive a razão, e pôr todas, ou quase todas as fichas nela, me parece arrogância, no mínimo prova da sua própria corrupção (da razão, no caso).

Contudo, na segunda parte do livro, o autor da "nome" à Verdade: Jesus Cristo, o Deus Filho! E começa a expor a Verdade através do Evangelho. Então, fica evidente e patente a solidez de suas argumentações, e como torna-se impossível contradizê-las (apesar do quê, para os escandalizados e loucos com a cruz, somente há oposição na loucura e soberba do homem caído, abandonado por Deus)... Somente através da ação do Espírito Santo pela ministração da Palavra, ateus e todos os tipos de incrédulos se curvarão diante de Cristo, reconhecendo-o como Deus, Senhor e Salvador de suas almas.

Há alguns inconvenientes nos postulados filosóficos/psicológicos com os quais Ravi sustenta a existência de Deus, e Cristo como a única solução para o homem. Nitidamente, ele não quer expor o Evangelho em sua totalidade, e acaba por delinear Cristo com tintas suaves demais.

O Evangelho parte de um único fato: que Deus é santo e o homem pecador, e que esse homem está debaixo da ira de Deus, a qual somente Cristo pode aplacar, e sem Cristo o homem está e será condenado eternamente. O problema é que Ravi toca no assunto, mas de uma forma leve, tentando atenuar ao máximo o impacto que a revelação da verdade pode gerar no leitor. Entendo a sua cautela, afinal não deseja afugentar o leitor, e deseja retê-lo até estar diante de todos os seus argumentos e, assim, convencê-lo da sua irracionalidade em não crer no Cristo.

Ele não se omite em revelar a sua fé, nem em quem crê, mas, aparentemente, fica-se com a ideia de que essa é a sua opção, e de que pode haver outra (não digo que Zacharias frauda a sua fé, fazendo-a parecer descartável ou moldável. Não é isso. Ele refuta qualquer ideia de Deus contrária ao Evangelho de Cristo. Mas, talvez, o tom conciliatório e o apelo excessivamente intelectual o distancie muito de uma exposição pastoral e evangelística).

Ao citar os casos de "conversão", emite este sentido, passando uma noção de transformação ou mesmo de adequação do homem às mudanças que Deus opera nele. Novamente, Ravi não quer impactar o leitor com algo "primitivo" como uma conversão.

Abordando a questão da corrupção do homem e sua natureza pecaminosa, Zacharias acerta, ainda que não se aprofunde no conceito bíblico da queda e do pecado.

O livro daria uma boa discussão numa sala de bate-papo virtual ou não, mas não sei se levaria um incrédulo (ateu ou não) à conversão.

Oro, para estar errado!

________________________________

P.S.: Recebi a seguinte mensagem de um irmão, que não quis se identificar:

"Existe algo que não foi observado aqui na análise da obra em questão e eu gostaria de lembrar os leitores.

Estive vivendo na Europa por alguns anos e como estudo Apologética Cristã pude ver um problema típico de livros traduzidos sem ter o mesmo contexto / público. Vou explicar o que quero dizer: Para uma sociedade europeia, cínica quanto a fé cristã, alérgica a apelos e a sutis referências da Bíblia e a qualquer palavra que a lembre - a abordagem filosófica faz-se necessário. A lógica tem sido a melhor maneira até o presente momento para dar a liberdade aos europeus e apelar a eles de uma coerência na fé cristã.

Alemães e Ingleses por exemplo gostam de tomar a decisão por si mesmos, e apelos como fazemos no Brasil não são coerentes na realidade deles.

Bem simples - Ao falar com chineses e japoneses, europeus, hindus, budistas e principalmente muçulmanos, nossa abordagem precisa ser adaptada” (Anônimo)


Entendo a necessidade de se utilizar de meios, sejam culturais ou outros, para se levar o Evangelho. Não é uma crítica a isso, pura e simples. Apenas que, concomitante a essas ferramentas, não se pode diluir ou amenizar a mensagem da cruz, tão viva e necessária à época de Cristo e dos apóstolos quanto o é hoje; e, sem a qual, ninguém será regenerado, nem verá a Deus. Como está escrito: um pouco de fermento leveda toda a massa... e um pouco, um pouquinho apenas de jactância faz de incrédulos religiosos formais e pirrônicos.

 


____________________________________ 
Avaliação: (***)
Título: Pode o homem viver sem Deus?
Autor: Ravi Zacharias
Páginas: 296
Editora: Mundo Cristão

2 comentários:

  1. Graça e paz Jorge.
    Eu tenho esse livro e tentei lê-lo umas três vezes, mas ainda não consegui rs.

    ResponderExcluir
  2. Meu amigo e irmão, pr. Silas!
    Como vai?
    Espero que tudo esteja bem, na graça de Deus!
    É, tem livros que levamos anos guardando na estante, sem a "coragem" necessária para lê-lo. Alguns, começamos mas não nos empolgamos, e largamos de lado.
    Este, do Ravi, foi quase largado, mas insisti e o terminei. É um bom livro para fazer incrédulos, em geral, ao menos se darem ao trabalho de entender que a fé e a existência de Deus não são coisas "primitivas" e de pessoas ignorantes, quase bárbaras... E se forem acuradas e se dedicarem à leitura sem preconceitos, entenderão que a irracionalidade não é crer em Deus, mas não crer nele. Neste aspecto, o livro cumpre o que se propõe. Mas sabemos que a razão, por si só, não é suficiente para levar uma pessoa a Cristo, ainda que necessária. Mas isso, falei na resenha, não é!
    Bem, muito bom tê-lo por aqui!
    Um grande e forte abraço, meu amigo!
    PS: Ah, se puder, quando puder, leia o livro!

    ResponderExcluir