09 março 2008
RENOVO
Por Jorge Fernandes
I
A folia em noite de sábado,
Bulha disforme no ônibus,
Risos destoantes,
Como lamúrias espasmódicas;
Mulheres à beira de um ataque de nervos,
Homens de saias cobiçando outros homens,
Ainda que pareça galhofa,
Eles nas calçadas zombam-nas através das janelas de vidro,
O impudor,
Disparado como uma chuva de balas,
Exibe-se no malévolo mal do fim-de-semana,
Um dia depois, volta-se ao ostracismo.
Ruas abarrotadas,
Carros desgovernados,
Bêbados e drogados pelo chão,
É uma guerra,
Onde as vidas subjugam-se na dor,
Desistiram da esperança,
Confiantes em suas premissas,
Não vêem o vácuo debaixo dos pés,
Em queda livre, arrazoam pretextos,
Como se pássaros, voassem.
O alarido a perpassar,
Nada intermitente,
Como água a descer da cachoeira,
As luzes piscam,
Pneus fremem,
O caos acomoda-se, inflama-se,
E o vento não dissipa o fedor.
II
Cinco anos atrás,
Eram meus quinze minutos no coletivo,
Quase ouvia a minha própria voz,
Quase via meus próprios gestos,
O som como o chio do porco abatido,
Igual náufrago na procela,
O hífen de muitos gritos,
Antes de soçobrar.
Fui pior que eles,
No egoísmo a alardear-se,
Ascendi muitos degraus no estupor,
Era o rato a acrisolar o monturo,
Como um regato de dejetos,
A desaguar na sentina.
III
Quis orar por eles... Não consegui.
Quis que Deus os perdoasse... Mas se fosse por mim...
Quis que se calassem... Voltassem escondidos pra casa,
E as ruas livres,
Como numa madrugada fria e chuvosa.
O enlevo de outros gritos,
Retorna-me ao tempo,
E não foi difícil ver que entre eles e eu havia a única diferença.
Se fui perdoado,
Ainda que monstruoso,
Se redimido,
Ainda que imerecido,
Se santificado,
Ainda que o inferno fosse o destino,
Se amado,
Quando o ódio era-me escudo e lança,
Se feito filho,
Quando o matei,
Nascido sem choro,
Só sobrou-me arrepender,
Por não os tê-lo abraçado,
Beijado-lhes a face,
E dito: sou como vocês!
Mas somente pelo sangue derramado no Calvário
Fui feito novo,
Criatura em ser,
Firme na Rocha inabalável,
Erguido pelo santo amor do Filho de Deus,
Que me elegeu por toda a eternidade,
Na Sua graça perfeita,
E absoluta misericórdia;
Por Ele, unicamente Ele,
Sou renovo.
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