11 setembro 2023

Avaliação e análise do Estudo da C.F.B de 1689 - Aula 18


Por Jorge F. Isah


Hoje, teremos uma aula diferente. Darei uma parada no estudo da Confissão de Fé Batista de 1689, ainda que o assunto seja ela, de certa forma. Decidi solicitar, aos queridos irmãos, uma avaliação do rumo em que as aulas estão se realizando, de forma que eu pudesse ter uma impressão do que deve ser mantido e do que pode ser modificado. O objetivo é, na verdade, ter um feedback dos que participam da E.B.D, para que o estudo da C.F.B. possa ser aprimorado. Como sou “marinheiro de primeira viagem”, e nunca lecionei antes, acho importante a contribuição dos irmãos além da assistência, como observadores. Mas, por quê? Insegurança e dúvidas quanto ao conteúdo apresentado? Ou quanto ao método de exposição? Bem, um pouco disso tudo também, mas principalmente porque vejo como prioritário não apenas o acúmulo de conhecimentos e informações mas, a partir dele, a aplicação prática, no dia-a-dia, daquilo que aprendemos e foi-nos ensinado. Com isso não estou apelando para o pragmatismo, em que os resultados ditarão o ensino; mas uma reflexão sobre a validade do ensino, no sentido de nos fazer cristãos melhores e nos ajudar com a tarefa de testemunhar o Evangelho de Cristo às pessoas com as quais nos relacionamos diariamente.

Fiz um esboço de algumas questões a serem abordadas, mas não o segui “ipsis litteris”, à medida em que dialogava com os irmãos. Eles foram abordados em maior ou menos grau e, penso que, no fim das contas, esta aula serviu para colocar alguns pontos que considerei importante, e os irmãos também colocaram pontos igualmente importantes.

Assim a aula foi dividida em duas etapas:


PRIMEIRA: AVALIAÇÃO

Primeiro, gostaria de saber a opinião dos irmãos em relação ao nosso estudo. O que têm achado? [Aponte os pontos favoráveis e os desfavoráveis].

Segundo, em quê o presente estudo tem contribuído para a melhoria da sua vida cristã?

Terceiro, aponte o que foi que melhorou, caso tenha melhorado.

Quarto, o estudo deve trazer conhecimento, informação. Mas também uma aplicação prática. Você pode apontar em quais pontos este estudo contribuiu no seu dia-a-dia?

Quinto, você acredita, realmente que o estudo da Confissão de Fé Batista pode torná-lo(a) em um cristão melhor? Por quê?


SEGUNDA: TEXTO PARA MEDITAÇÃO

Recebi de um amigo e irmão, que é missionário, o seguinte relato, algo acontecido no seu dia-a-dia, o qual transcreverei abaixo, resguardando os nomes de locais e pessoas, por motivos mais do que óbvios:

“Médico de índio, médico de branco

- Alô, Luiz? Sou eu...
- Ah, Professor! Que bom que o senhor ligou. Eu não estou bem. De repente, a boca começou a sair sangue e das fezes também. Aí, o médico não deixou eu voltar para aí.
- Luiz, em qual hospital você está?
- Eu estou aqui no hospital... Eu vou operar...
- Já está marcada a cirurgia?
- Não, o médico disse que as plaquetas estão fracas. Eu não posso operar agora. Tenho que ficar bom. Aí, eles me operam... Eu acho que ainda vou demorar para voltar...
- Luiz, qualquer coisa que você precisar pode pedir...
- Professor, eu preciso mesmo. O meu filho está aí sozinho. Fiquei sabendo que a minha família foi toda embora hoje de manhã para a aldeia, mas o meu filho ficou na casa da cidade sozinho. Ele está com a família do meu sobrinho, mas ele está sem a gente. O senhor pode comprar cem reais de comida e levar para ele? Depois eu pago o senhor.
- Claro, Luiz. Não se preocupe. Descanse e se recupere. Aqui, a gente vai cuidar dele. Eu estou pedindo para Jesus te fortalecer para que você volte logo...
- Ah, Professor, pede sim.

Desliguei o telefone com o peito apertado. Luiz já ouvira sobre Jesus, mas tínhamos planos de começarmos a compartilhar as histórias bíblicas com ele. Seria uma oportunidade para ele aprender, mas essa parada dele no hospital nos pegou de surpresa.

O filho do Luiz deve ter uns dez anos de idade... Ele ficou, mas não ficou sozinho. Está com um dos tantos sobrinhos do Luiz. Peguei o carro e fui fazer as compras determinadas pelo Luiz. Já havia suspeitado de que havia algo por trás dessa história toda, mas só confirmei minhas suspeitas quando parei o carro na frente da casa do Luiz e ele veio ao meu encontro: o Feiticeiro. Já escrevi diversas vezes sobre ele... Além disso ele também ficou conhecido aqui na região como o “índio que cura em nome de Jesus, Maria e José”. Ano passado, escrevi uma série de dez histórias sobre ele e sobre o maior perigo que assola o trabalho missionário no confronto com a cosmovisão animista: o perigo real do sincretismo.
- Professor, tudo bem?
- Sim, chegamos tem uma semana.
- Eu estou aqui com a minha família há um mês.
- E o filho do Luiz? Está aí?
- Está.
- É porque o Luiz pediu que eu trouxesse umas compras para ele.
- O que o Luiz te falou?
- Para fazer umas compras para o filho... Ele vai demorar a voltar.
- Eu sei. Eu estou aqui fazendo pajelança para descobrir quem tem inveja dele e curá-lo desse mal.
- Então, você está fazendo pajelança para ele?
- Sim. E a próxima vez que você falar com ele no telefone, lembre para ele que ele tem uns amigos brancos lá em São Paulo que com certeza vão poder ajudá-lo também, assim como você está ajudando...

Este é o desfecho da história: o Feiticeiro está fazendo pajelança para o Luiz. E, assim como o médico do branco é caro, o médico do índio também é muito, mas muito caro. As compras não eram bem para o filho, mas o Luiz está endividado com o Feiticeiro por causa das pajelanças que ele está fazendo. E o Feiticeiro deve estar cobrando muito caro, porque está pressionando o Luiz a arranjar outros amigos para cobrir a dívida. O próprio fato de o Feiticeiro estar aqui na cidade morando na casa do Luiz já faz parte do pagamento dessa dívida.

O Pajé e o Feiticeiro cobram um preço muito alto por suas consultas e curas, pois na cultura dos povos daqui nada é de graça: nenhum presente, nenhuma oferta, nenhuma ajuda ou benefício. Seja na relação com os seres espirituais, seja na relação entre os seres humanos, todos estão sempre em dívida uns com os outros.

Ore para que a Graça de Deus seja revelada a esses povos!”
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Esta história me tocou por vários motivos, e me fez questionar várias coisas, entre elas, a mais importante, é o nosso [meu, quero dizer] envolvimento com a obra de proclamação do Evangelho. Sei que nem todos são chamados para evangelizar, mas a responsabilidade de testemunhar a Cristo é obrigação e dever de todos. Se não sou capacitado por Deus a evangelizar as pessoas [proclamar verbalmente a fé], sou obrigado a ter uma vida cristã na qual as pessoas, mesmo sem ouvir uma única palavra evangelizadora, “vejam” o Evangelho. Muitos negam o que dizem com o seu testemunho pessoal, enquanto outros afirmam o que não disseram com o seu testemunho pessoal. A nossa trajetória neste mundo tem por objetivo nos fazer, cada dia mais, semelhantes ao Filho de Deus, Jesus Cristo. O que refletirá na proclamação do Evangelho, seja por meios verbais, seja por atitudes. O ideal é que ambos os meios sejam igualmente santificados e se assemelhem com aquilo que Cristo disse e fez.

O certo é que ninguém poderá viver o que diz se não for resgatado e regenerado por Cristo, mas muitos não precisarão dizer o que são, pois suas vidas resultam em louvor e glória para o bom Deus, na medida em que testemunham que Cristo vive nelas assim como vive no que fazem.

Então, pergunto: Em quê esse relato pode se relacionar com o nosso estudo? Ou melhor, com o foco do nosso estudo?

Com a resposta, cada um dos eleitos, regenerados e salvos pelo sangue do nosso Senhor, derramado na cruz.

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Nota: 1-Aula realizada na E.B.D, do Tabernáculo Batista Bíblico;
2-Tenho recebido "feedbacks" de alguns irmãos sobre as aulas, aqui, através do meu email, e pessoalmente. Se você ainda não o fez, por favor, gostaria da sua opinião. Se não quiser torná-la pública, envie uma mensagem para o meu endereço pessoal: jorgefisah@gmail.com Ser-lhe-ei grato. Ah... valem tanto elogios como censuras, mas as que trazem algum crescimento e aprimoramento são as que apontam acertos e falhas. 
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ÁUDIO DA AULA 18

09 setembro 2023

O Menor espetáculo da Terra

 





Guido Malaparte¹


        Quase ninguém da grande mídia noticiou o esquema bizarro, vil e criminoso envolvendo uma ong de direito dos animais. Por mais estranho que pareça, quase imediatamente após a prisão da principal acusada de arquitetar e executar hedionda barbárie, uma decisão judicial impediu qualquer alusão à ONG, sua diretiva e, por conseguinte, dos incriminados, sob pena de prisão e multas progressivas, sem que houvesse em toda a decisão forense um único argumento plausível e legal, restando ao magistrado justificar-se com o ditério: preservar a democracia e impedir atos antidemocráticos.

        Talvez, por isso, mas não somente por isso, houve um silêncio perverso em noticiários, noticiosos e ordinários, somente quebrado por eminente portal que imediatamente, após veicular a manchete, teve bloqueadas as suas contas bancárias, receitas e multada em U$ 1.404.040.404,40, valor tão sugestivo como a própria multa; e o boca-a-boca tratou logo de associá-la a certa história das mil e uma noites, e a chamá-lo, o incidente, de “fecha-te-sésamo” .

        O referido Portal (tornou-se proibido citar, mencionar ou se referir nominalmente a ele), em um último estertor, publicou na edição seguinte denúncias contra o cercear da imprensa, o fim da democracia, o acoitamento de bandidos e a injustiça com os cidadãos de bem, além de manipular fatos, dados e omitir a realidade em favor de fábulas corporativistas.

     A verdade é: se não fosse o tal portal, ninguém, hoje, amanhã ou depois, saberia do ocorrido. E mesmo com as ameaças, punições e reclusão de quase todo o corpo jornalístico, enquanto foi possível manifestaram-se veementemente contra o fim da liberdade. Durante isso, os demais periódicos especializaram-se em abarrotar páginas e telas com receitas culinárias, moda outono-inverno, o mais novo escândalo das apostas esportivas e o esmiuçar-se dos detalhes mais sebentos e frívolos dos reality-shows e novelas.

    Estou aqui como um jornalista independente, mesmo trabalhando como escravo para a Revista Bulunga, o que não me torna independente nem escravo, talvez as duas coisas ou nenhuma... se considerar entre uma e outra, pode ser provável o escravo trabalhar independente do dono, mesmo sendo ele o seu próprio dono e, até mesmo dono do dono que lhe paga, independente de quanto paga e quanto se recebe... Ah, importa mesmo dizer que este textículo não tem nada de elucidativo ou interpelativo, e seja de fato tão somente apelativo à ignorância do leitor e de quem vos escreve... Ao meu editor, não tenho nada a dizer, já que ele não me deixou dizer o que devia quanto mais deixará que eu diga o que queria, mas se me chamar para um churrasco ou chimarrão, estarei disposto ao sacrifício e a passar por cima de tudo. Isso não o isenta de culpa, mas ao menos me fará ser sempre indolente e contemporizador e, como vingança, comerei até estourar as presilhas da cinta abdominal...

    A verdade, nua e crua, é que ele não me permitiu citar o ocorrido, dar nome aos bois e vacas, e cumprir a minha vocação profissional. Entendo as necessidades do veículo, de ainda não ser grande o suficiente para peitar o mainstream pusilânime e intransigente. Reconheço: não é tarefa para muitos; e até mesmo os maiores grupos editoriais colocaram a violinha no saco. De qualquer maneira, pelo menos, posso dizer o que não quero dizer e não dizer o que quero dizer, sem perder o emprego e ir parar em um gulag equatorial.

    Então, nada mais justo do que terminar este texto falando do que todo mundo anda alardeando como a notícia do ano, não, da década, talvez, do século: o casamento da Mulher Jaca com Zangão, um dos anões do circo Catatau, autodenominado “o menor espetáculo da terra”; não tão pequeno a ponto de o país inteiro poder assistir a essas e muitas outras gabolices... Ao mesmo tempo em que me preparo para dormir às três da tarde...

    Bons sonhos!

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1) Guido Malaparte é jornalista e redator na Revista Bulunga
2) Texto publicado na Revista Bulunga e republicado aqui sob autorização do autor e editor

06 setembro 2023

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 17: Os Atributos Incomunicáveis de Deus






Jorge F. Isah


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CAPÍTULO 2: DEUS E A SANTÍSSIMA TRINDADE

1. O Senhor nosso Deus é somente um, o Deus vivo e verdadeiro, [1] cuja subsistência está em si mesmo e provém de si mesmo; [2] infinito em seu ser e perfeição, cuja essência por ninguém pode ser compreendida, senão por Ele mesmo. [3] Ele é um espírito puríssimo, [4] invisível, sem corpo, membros ou paixões; o único que possui imortalidade, habitando em luz inacessível, a qual nenhum homem é capaz de ver; [5] imutável, 6 imenso, 7 eterno, [8] incompreensível, todo-poderoso; [9] em tudo infinito, santíssimo, 10 sapientíssimo; completamente livre e absoluto, operando todas as coisas segundo o conselho da sua própria vontade, 11 que é justíssima e imutável, e para a sua própria glória; 12 amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo; abundante em verdade e benignidade, perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado; o recompensador daqueles que o buscam diligentemente; 13 contudo justíssimo e terrível em seus julgamentos, 14 odiando todo pecado, 15 e que de modo nenhum inocentará o culpado. 16 Deus tem em si mesmo e de si mesmo toda a vida, 17 glória, 18 bondade 19 e bem-aventurança. Somente ele é auto-suficiente, em si e para si mesmo; e não precisa de nenhuma das criaturas que fez, nem delas deriva glória alguma; 20 mas somente manifesta, nelas, por elas, para elas e sobre elas a sua própria glória. Ele, somente, é a fonte de toda existência: de quem, através de quem e para quem são todas as coisas, 21 tendo o mais soberano domínio sobre todas as criaturas, para fazer por meio delas, para elas e sobre elas tudo quanto lhe agrade. 22 Todas as coisas estão abertas e manifestas perante Ele; 23 o seu conhecimento é infinito, infalível e independe da criatura, de maneira que para Ele nada é contingente ou incerto. 24 Ele é santíssimo em todos os seus pensamentos, em todas as suas obras, 25 e em todos os seus mandamentos. A Ele são devidos, da parte de anjos e de homens, toda adoração, 26 todo serviço, e toda obediência que, como criaturas, eles devem a criador; e tudo mais que Ele se agrade em requerer de suas criaturas. Neste ser divino e infinito há três pessoas: o Pai, a Palavra (ou Filho) e o Espirito Santo; 27 de uma mesma substância, igual poder e eternidade, possuindo cada uma inteira essência divina, que é indivisível. 28 O Pai, de ninguém é gerado ou procedente; o Filho é gerado eternamente do Pai; 29 o Espirito Santo procede do Pai e do Filho, eternamente; 30 todos infinitos e sem princípio de existência. Portanto, um só Deus; que não deve ser divido em seu ser ou natureza, mas, sim, distinguido pelas diversas propriedades peculiares e relativas, e relações pessoais. Essa doutrina da Trindade é o fundamento de toda a nossa comunhão com Deus e confortável dependência dEle.

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INTRODUÇÃO

Primeiro, uma correção. Na aula passada eu disse que iríamos estudar quatro atributos incomunicáveis, e enumerei-os: a autoexistência, independência, unidade e imutabilidade. Contudo, eu me equivoquei ao relacionar a independência como um atributo distinto da autoexistência, sendo que os dois representam um mesmo atributo. Em seu lugar, o correto seria eu dizer infinidade ao invés de independência. Assim, a relação correta dos atributos ficaria, corrigido o erro: autoexistência ou independência, unidade, infinitude e imutabilidade.

Então, agora, começaremos o estudo dos atributos incomunicáveis, cujo termo foi definido na aula passada. Contudo quero reafirmar algo que disse anteriormente, ou seja, o de que não entendo os atributos incomunicáveis como não sendo comunicáveis, de alguma forma, ao homem. Com isso, não quero dizer que Deus os comunica aos homens, no sentido de que o homem poderá refleti-los de alguma maneira, reproduzindo-os; não é isso. Porém, se fossem realmente incomunicáveis não seria possível que os compreendêssemos, ainda que limitadamente, e, por eles, Deus nos revelasse algo do seu ser. O próprio fato deles estarem descritos na Bíblia transmite-nos a ideia de que Deus os está comunicando aos homens, em linguagem humana, racional, mas ainda que parcialmente, o seu entendimento pode ser apreendido pelo homem, de forma a revelar a majestade, esplendor e glória divinas, tornando-se possível ao homem compreender o quanto ele é incomparável.

Desta forma, Deus se faz conhecido, e o glorificamos naquilo que conhecemos, sabendo que, por mais bem definidos que sejam esses atributos, teremos a compreensão parcial, fragmentária, insuficiente do seu ser infinito, eterno e perfeito.

Outro ponto que ressaltarei é de que a enumeração ou enunciação dos atributos divinos não os tornam separados do todo, e o nosso entendimento somente poderá ser correto se entendermos que todos os atributos estão intrinsecamente relacionados, de forma que a autoexistência depende completamente e é completadora da infinitude, da eternidade, da independência e da unidade de Deus; pois, sendo perfeito, todos os atributos que compõem a sua essência, natureza e caráter não se manifestam separadamente, nem há proeminência de um sobre o outro [o que, caso acontecesse, implicaria na superioridade de um ou mais atributos sobre os demais, tornando-o um ser partidário e fragmentado], de forma que não poderemos dizer jamais que ele é mais eterno do que infinito ou independente, exatamente porque não há graus de infinitude ou eternidade ou unidade ou independência em Deus, mas de totalidade absoluta em suas virtudes.

A forma como entendemos e compartimentamos as qualidades divinas é que nos fazem imaginar divisões do seu ser, visto ser impossível para nós compreendê-lo em sua totalidade. Por isso a Escritura, utilizando-se da linguagem humana, nos apresenta o Senhor de maneira progressiva, ressaltando ora uma de suas qualidades, ora outra, e ainda outra. Senão, ser-nos-ia impossível a compreensão mínima, ou até mesmo qualquer nível de compreensão do ser divino. Com isso, ficam evidenciados outros de seus atributos: a bondade e a misericórdia de se fazer conhecer, ainda que não completa mas suficientemente, para que percebamos o amor com que cuidou se revelar em um nível muito abaixo de todo o seu ser. Penso que Deus esculpiu maravilhosamente, através das palavras e imagens, a realidade que, por causa do pecado, nos escapou, e nos seria impossível apreender, se ele cuidadosamente não as elaborasse como o artesão máximo, em inúmeros detalhes, tão profundamente reais que nos atordoam em sua absoluta verdade.

Por que Deus fez assim? Por que não nos deu uma mente superior para melhor apreendê-lo? Por que não inibiu em nós os efeitos noéticos do pecado? Por quê? Não sei, nem tenho respostas. Porém posso afirmar que, em sua perfeição, esta não foi uma entre muitas opções, mas a única decisão possível, pois sendo perfeita, não poderia disputar com outras opções, na impossibilidade de Deus cogitar algo imperfeito. Sendo a sua obra a realização da sua vontade, essa vontade é única, sem variantes, e sua obra perfeita, o plano sem defeitos, revelando outro dos seus atributos, a imutabilidade, que como os demais encontram-se em harmonia, não havendo qualquer variação. Com isso não quero dizer que todos os elementos da obra divina sejam perfeitos, pois, caso fossem, seriam uma recriação de si mesmo. A obra é perfeita, e na sua perfeição, mesmo o pecado, os anjos e homens caídos, e o mal, são elementos negativos mas que cumprem no todo a vontade perfeita de Deus.

Também não sei como isso se dá, mas o certo é que todos os aspectos da obra divina cumprem precisamente tudo aquilo que Deus determinou e estabeleceu eternamente, e que, como tal, no tempo, revela-nos distintamente o seu caráter, a sabedoria suprema com que conduz todas as coisas, sem que nenhuma delas escape-lhe ou aconteça à revelia da sua vontade.

Creio que, somente por este ponto, já temos a mostra de como é incompreensível para nós, numa forma geral e absoluta, entender todos os aspectos que envolvem o ser de Deus. Porém temos a obrigação de aceitá-los assim como nos revelou, para que dessa forma o nosso entendimento seja renovado, e experimentemos “qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade Deus” [Rm 12.2]. E ele, em nossas mentes e corações, sempre seja verdadeiro.

A AUTOEXISTÊNCIA DE DEUS

Somos seres temporais, que têm início e fim; mas ainda que nossa alma seja imortal, a forma como somos e nos conhecemos hoje, terá um fim, pois assim como nascemos um dia, também morreremos em algum lugar no tempo. Esta ideia está presente em nossas vidas, assim como a de espaço, o que nos torna em seres essencialmente temporais, limitados pelo tempo e espaço. Por isso a dificuldade em entender e muitas vezes aceitar a complexidade do ser divino. Para nós é sempre mais difícil, pois nossos parâmetros encontram-se em oposição ao eterno, pois estamos sempre dispostos a olhar ao que está de contíguo a nós, ao redor, ao alcance das mãos. Com isso, raciocinar sobre a autoexistência divina nos coloca na situação de compreender algo que vai muito além do nosso entendimento e da nossa realidade. O que não quer dizer que Deus seja irreal, mas ele habita numa realidade impossível para nós, e que nos revela a sua singularidade, e a distância que existe entre a perfeição do seu ser e a nossa humanidade imperfeita.

Deus existe em si mesmo, ou seja, ele não necessita nem precisa de nada para existir. Ao contrário do homem que depende de Deus para a sua existência, não somente na criação mas na manutenção da vida, tanto física como espiritual, Deus é independente em seu ser, e independente em tudo o mais. A sua própria perfeição imanente, a de não ter sido causado, é a razão da sua existência. Por ser Deus eterno, não há uma causa para a sua existência, logo Deus não é a causa de si mesmo. Ele é! [alguns dirão não ser uma resposta que explique Deus]. Mas haverá respostas para o ser eterno, perfeito e infinito além da sua eternidade, perfeição e infinitude? Logo Deus não é a origem de si mesmo, posto não ter origem. Deus não é o início de si mesmo, pois não tem princípio. Nem mesmo é o fim de si mesmo, pois não tem fim. Se há causas para a existência de Deus, elas estão ocultas nele, pois a sua vida não vem de fontes externas. De forma que ele permanecerá sempre o mesmo, imutável. Deus é incomparável [Is 40.18] e independente em todas as coisas, seja na sua vontade [Rm 9.19. Ef 1.5], poder [Sl 115.3], conselhos e intentos [Sl 33.11].

Vejam bem que, apenas para definir a autoexistência divina, utilizei de alguns dos seus atributos que se encontram interrelacionados: eternidade e imutabilidade, por exemplo. É impossível se tratar de um atributo e entendê-lo isoladamente como se estivesse à parte do todo, seccionado, e fosse independente dos demais. Deus é unidade, e como tal, nada pode ser separado ou distinguido, como já disse.

Assim a autoexistência de Deus nos remete à perfeição do seu ser, o qual é autossuficiente em si mesmo, sem que nada possa afetar a sua existência. Antes da Criação, Deus estava em plena satisfação e felicidade em si, e assim continua após ter iniciado a sua obra. Ele é a vida, e por ele tudo existe, vive e se move [At 17.28]. Somente ele sabe como é que existe, por que existe, e porque sempre existirá. Esse é um mistério que o homem provavelmente jamais entenderá, dada a sua complexidade, profundidade, a qual a mente humana é insuficiente para abarcá-la. Por mais que imaginemos possibilidades, elas não passarão de possibilidades, de capacidade imaginativa e especulativa, em que a dúvida é a convicção, sem que sejamos impedidos, contudo, de reconhecer, crer e aceitar como a mais verdadeira, evidente e fundamental base da realidade do ser de Deus a sua autoexistência. E ela está mais do que viva nas palavras de Cristo: “Porque, como o Pai tem a vida em si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em si mesmo” [Jo. 5.26].

Aqui, farei um aparte. Muitos podem entender que Cristo tem vida em si mesmo dada pelo Pai. Mas o que ele está dizendo não é nada disso. O que ele diz é que o Pai tem a vida em si mesmo, e assim como o Pai, o Filho também tem a vida em si mesmo. Seguindo esta afirmação, podemos dizer, acertadamente, que o Espírito Santo também tem a vida em si mesmo. Não é possível que o Pai tenha dado ao Filho a condição de ter vida em si mesmo. Ou o Filho tem a vida em si, ou o Pai é quem lhe deu a vida. As duas proposições são irreconciliáveis, e se autoanulam. Se entendemos que o Pai deu a vida ao Filho, como os unitaristas acreditam, como o Filho poderia ter a vida em si mesmo? Ela não depende dele, mas do Pai. Logo, não há vida no Filho, no sentido de ele tê-la em si, mas apenas como doação do Pai. Da mesma forma que nós temos vida em nós mesmos, sem que, contudo, tenhamos controle sobre ela, pois não depende de nós vivermos ou morrermos. Porém, em relação a Cristo, a Escritura claramente indica que a vida estava nele, assim como ele estava com Deus e era Deus [Jo 1.1- 4].

Alguns poderão dizer que a vida a qual o Senhor se refere é a vida humana, a sua natureza humana, mas como o homem Jesus poderia ter vida em si mesmo? Não poderia. Para tê-la, ele teria de ser eterno, e sabemos que o homem Jesus não é eterno, posto ter nascido, crescido e morrido. Este é apenas um preâmbulo sobre a eternidade do Filho, que será mais bem estudada quando falarmos da Segunda Pessoa da Triunidade.

Outro ponto a ser ventilado é o de que o homem, em sua rebeldia e pecado, imagina-se independente de Deus. Ele crê erroneamente que é um ser autônomo, que sua vida é ditada exclusivamente por sua vontade, e de que Deus nada tem a ver com ela. Essa atitude está ligada ao desejo do homem de ser como Deus. Foi assim no Éden e ainda é hoje. Por isso o homem se considera “livre” de Deus, mas se ele é o Senhor do universo e de todas as coisas, como pode o homem ser livre de Deus? Em Dn 4.35 lemos: “E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?”. Nabucodonosor reconhece que Deus pode utilizar os meios que quiser para cumprir os seus propósitos, tantos os anjos no céu, como os homens na terra. Ele faz todas as coisas conforme a sua vontade independente, sem qualquer interferência externa a ele, exatamente porque também o seu poder é independente e opera conforme a sua vontade independente. Ou seja, Deus não precisa de ninguém para elaborar os seus planos eternos, e de nenhuma força que o auxilie na execução desses intentos. Ele pode tudo, e nós nada podemos sem ele [Is 40.28-29].

Tem-se claramente que a independência não é um atributo que Deus compartilha com o homem. Apenas a soberba, a arrogância e o desconhecimento do ser divino podem levar o homem a imaginar-se independente de Deus, como se possível fosse ser como ele é. A autoexistência e independência divinas deveria nos fazer humildes, e buscar incessantemente um relacionamento de sujeição e adoração a ele, que em sua bondade e misericórdia se deu a relacionar com suas criaturas; visto que todas as coisas, até mesmo as mais insignificantes e desapercebidas, procedem dele e são obras das suas mãos; para reconhecermos a sua grandeza e majestade, submetendo-nos ao seu senhorio, com gratidão.

Portanto, Deus existe e sempre existiu em si mesmo, e para sempre o seu nome será o “Eu Sou”. E o ser sempiterno é um dos seus atributos essenciais, pelo qual devemos reverenciá-lo. 

Nota: 1- Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico 

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    ÁUDIO DA AULA 17 

29 agosto 2023

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 16: Os Atributos de Deus



Por Jorge F. Isah



INTRODUÇÃO:

Finalmente, depois de muitas promessas, entraremos no que chamamos do estudo sobre os atributos divinos. Já pontuei algo sobre o assunto em outras aulas, e evitarei repetir-me. Contudo, para situarmo-nos quanto ao tema, farei um pequeno resumo do que já foi dito.

Primeiro, o significado da palavra atributo. O dicionário Michaelis diz que a palavra origina-se do latim “attributu” e indica aquilo que é próprio ou peculiar de alguém ou de alguma coisa. No caso específico de Deus, os seus atributos são aquelas características que o revelam como Deus. Algo que somente ele tem ou possuí e que o distingue de tudo o mais, fazendo-o único e incomparável. Podemos dizer que eles são as suas virtudes ou propriedades, de forma que compõem o ser divino; indicando o que lhe é próprio e que somente ele tem. Assim, eles não são algo que nós atribuímos ou damos a ele, mas aquilo que ele tem em si mesmo como essência e que nos de a conhecer, para que soubéssemos.

Segundo, sabemos que não podemos conhecer a Deus completamente, mas somente naquilo em que ele se revelou. Portanto os seus atributos nos revelam aquilo que ele é, não exaustivamente, pois não podemos conhecê-lo exaustivamente, sendo Deus perfeito e absoluto; mas ele nos deu a conhecer no que nos revelou, de forma que são visíveis em suas obras de criação, providência e redenção. Logo os atributos não são algo que se acrescenta a Deus, mas aquilo que ele revelou de si mesmo.

Terceiro, Deus não pode ser precisado com exatidão por ninguém, a não ser por si mesmo, como se autodefiniu: “Eu sou o que Sou”. E também não pode ser conhecido perfeitamente, mas é-nos possível dar uma descrição, uma descrição parcial, baseada naquilo que conhecemos dele, e que pode ser conhecido. Portanto, Deus é incompreensível, mas é cognoscível. 

Quarto, Deus é uma unidade em seu ser, e os seus atributos não são partes na sua composição, porque ele não é composto de partes como nós. Os atributos de Deus são o próprio Deus, são a sua essência, o que o torna Deus. 

Quinto, os atributos nos revelam o caráter divino, revelando-nos quem ele é, como age, e como se relaciona com a criação. Mas nunca à margem da Escritura, a única fonte pela qual são-nos dadas informações corretas e verdadeiras a seu respeito.


CLASSIFICAÇÃO DOS ATRIBUTOS DE DEUS

Até mesmo na classificação dos atributos divinos conhecidos, e por ele revelados, o homem encontra dificuldades. Não há consenso sobre a melhor forma de divisões, e alguns termos são inadequados em si mesmos, revelando as dificuldades inerentes à imperfeição humana, revelando a nossa incapacidade, mesmo naquilo que está diante dos olhos, mas que é incrivelmente maravilhoso, muito acima do que podemos descrever e entender. 

Foram formuladas várias classes na história da igreja, e as principais são:

a) Atributos Naturais e Morais – Há uma aparente distinção entre um e outro, mas, o fato é que todos os atributos são naturais em Deus. Tanto a sua autoexistência, infinitude e perfeição quanto sua misericórdia, bondade e justiça são compõem o seu ser.

b) Atributos Absolutos e Relativos – Segundo Berkhof “Os primeiros pertencem à essência de Deus, considerada em si mesma, ao passo que os últimos pertencem à essência divina, considerada em relação à Sua criação”. Parece que há uma ideia neste conceito de que se possa conhecer a Deus à parte da sua relação com a criação. Embora existindo eternamente em Deus, fazendo parte do seu ser, todas as suas qualidades têm a ver com o mundo que ele criou, em algum aspecto ou modo. Exemplos da primeira categoria: autoexistência, eternidade e imensidão. Da segunda, onipresença e onisciência.

c) Atributos Imanentes [intransitivos] e Emanentes [transitivos] – Os primeiros são aqueles que não operam nem se projetam fora da essência divina [eternidade, p.ex], enquanto os segundos expõem e produzem efeitos externos [justiça, p. ex]. Porém se os atributos fossem estritamente imanentes, o seu conhecimento seria impossível, o que leva a crer que eles são, ao mesmo tempo, imanentes e transitivos.

d) Atributos Comunicáveis e Incomunicáveis – A classificação mais comumente utilizada e aceita é esta. Já falamos dela anteriormente, e a detalharemos mais a partir desta aula. Os incomunicáveis revelam Deus como o ser absoluto, onde não se encontram qualquer analogia no ser humano, portanto, não podem ser-nos comunicados. Os primeiros são aqueles que, de alguma forma, foram-nos transmitidos por Deus, e têm a ver com a sua pessoalidade, com a forma como ele se relaciona com a criação, apontando para o Deus revelado, que se deu a conhecer na Escritura. Contudo, entendo que todos os atributos divinos, a despeito das classificações, são-nos sempre reveladas, e, portanto, possíveis de se conhecer, mesmo as que não participam e não nos foram transmitidas por Deus.

OPINIÃO

Penso que no decorrer da história da Igreja muitos irmãos tentaram e, ainda tentam, descrever satisfatoriamente o ser de Deus. Contudo, esbarramos na nossa imperfeição e incapacidade, diante da majestade, poder, glória e sabedoria do Senhor. Alguns equívocos e erros acabam originando-se dessa empreitada humana, o que é normal; mas creio que o maior de todos os erros, o qual pode comprometer completamente a aproximação [ainda que nos mantenhamos “anos-luz” do ser divino] é buscarmos explicações à parte de Deus. Somente nele encontraremos a verdade. Somente nele encontraremos as respostas às perguntas que sequer formulamos ainda. Nele, há a realidade, o fato, de forma que qualquer tentativa de entendimento à margem da sua revelação nos colocará em uma posição de frustração, muitas vezes, e de tropeços e desvios, na maioria delas. Apenas Deus pode nos mostrar quem ele é, como é, e age no universo. 

O homem, em sua miserável condição, não pode crer-se mais inteligente do que aquele que criou a inteligência humana; nem mais sábio do que o criador da sabedoria humana; ou mais racional do que quem criou a razão humana. Em todos os aspectos, o homem é muito, mas muito [numa proporção abissal], inferior a Deus. Portanto, temos de compreender que há uma limitação natural do homem [penso, determinada e estabelecida pelo próprio Deus] que o incapacita de, até mesmo naquilo em que Deus se fez revelar, chegar ao entendimento exaustivo do Absoluto. 

Mas em momento algum é-nos dado o direito de desanimar ou desfalecer. Antes temos o dever de buscá-lo e entendê-lo, ou falharemos em nossa missão a qual é glorificá-lo e honrá-lo com a nossa mente e vida. Devemos, sobretudo, viver o que dele conhecemos para não sermos acusados de omissão ou desobediência. 

E ainda que a questão dos atributos divinos seja uma discussão em que há elementos contradizentes, o fato é que Deus nos revelou algo de si mesmo, e nos capacitou a entender o que revelou, ainda que a “perfeição limitada” [1] do que se deu a conhecer seja quase intransponível para o homem. Mas mesmo o pouco pode ser muito, se aplicado conforme o Espírito Santo tem nos mostrado e, que, às vezes, insistimos em não seguir, buscando um caminho próprio, pessoal e autônomo, que nos levará cada vez mais a uma distância insegura. A nos afastar perigosamente dele; quando reputamos nos relacionar com Deus, e estamos a relacionarmos solitária e inutilmente conosco mesmo, ou quando muito, com outros de nossos pares. 


ATRIBUTOS INCOMUNICÁVEIS

São os que distinguem Deus, salientando o ser absoluto de Deus, tanto no que ele é como no que ele faz ou em sua forma de agir. Esses aspectos são a sua marca distintiva, tornando-o inigualável, não havendo ninguém como ele; o que o faz o possuidor exclusivo desses atributos e, por isso, eles não podem ser transferidos aos seres humanos, pois, como seres finitos e imperfeitos podem possuir a infinitude e perfeição? Ou seja, em nossas personalidades não há qualquer traço deles e, portanto, eles acabam por nos distinguir de Deus, revelando-o como tal, e revelando a nossa humanidade.

Um ponto que eu gostaria de tocar é de que mesmo Deus sendo absoluto, e, em princípio, podendo fazer qualquer coisa, pois é autossuficiente em si mesmo, independente em si mesmo, e Senhor de si mesmo, estando livre de todas as imperfeições, contudo, não livre para realizar qualquer coisa que vá de encontro à sua natureza. Deus não pode negar a si mesmo, logo, não pode fazer algo que vá contra a sua natureza. Por exemplo, Deus não pode pecar, pois é santo. Nem pode ser finito ou temporal, pois é infinito e eterno. 

Na próxima aula estudaremos quatro atributos incomunicáveis de Deus: a autoexistência, independência, unidade e imutabilidade. 

Até lá!
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Notas: [1] Uso a expressão “perfeição limitada” referindo-me à Escritura Sagrada, pois a mesma é perfeita no sentido de não conter erros, incongruências e incoerências, mas limitada diante da vastidão infinita do ser divino.
[2] Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico 

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ÁUDIO DA AULA 16:

22 agosto 2023

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 15: Os Nomes de Deus - Parte 2




















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CAPÍTULO 2: DEUS E A SANTÍSSIMA TRINDADE

1. O Senhor nosso Deus é somente um, o Deus vivo e verdadeiro, [1] cuja subsistência está em si mesmo e provém de si mesmo; [2] infinito em seu ser e perfeição, cuja essência por ninguém pode ser compreendida, senão por Ele mesmo. [3] Ele é um espírito puríssimo, [4] invisível, sem corpo, membros ou paixões; o único que possui imortalidade, habitando em luz inacessível, a qual nenhum homem é capaz de ver; [5] imutável, 6 imenso, 7 eterno, [8] incompreensível, todo-poderoso; [9] em tudo infinito, santíssimo, 10 sapientíssimo; completamente livre e absoluto, operando todas as coisas segundo o conselho da sua própria vontade, 11 que é justíssima e imutável, e para a sua própria glória; 12 amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo; abundante em verdade e benignidade, perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado; o recompensador daqueles que o buscam diligentemente; 13 contudo justíssimo e terrível em seus julgamentos, 14 odiando todo pecado, 15 e que de modo nenhum inocentará o culpado. 16 Deus tem em si mesmo e de si mesmo toda a vida, 17 glória, 18 bondade 19 e bem-aventurança. Somente ele é auto-suficiente, em si e para si mesmo; e não precisa de nenhuma das criaturas que fez, nem delas deriva glória alguma; 20 mas somente manifesta, nelas, por elas, para elas e sobre elas a sua própria glória. Ele, somente, é a fonte de toda existência: de quem, através de quem e para quem são todas as coisas, 21 tendo o mais soberano domínio sobre todas as criaturas, para fazer por meio delas, para elas e sobre elas tudo quanto lhe agrade. 22 Todas as coisas estão abertas e manifestas perante Ele; 23 o seu conhecimento é infinito, infalível e independe da criatura, de maneira que para Ele nada é contingente ou incerto. 24 Ele é santíssimo em todos os seus pensamentos, em todas as suas obras, 25 e em todos os seus mandamentos. A Ele são devidos, da parte de anjos e de homens, toda adoração, 26 todo serviço, e toda obediência que, como criaturas, eles devem a criador; e tudo mais que Ele se agrade em requerer de suas criaturas. Neste ser divino e infinito há três pessoas: o Pai, a Palavra (ou Filho) e o Espirito Santo; 27 de uma mesma substância, igual poder e eternidade, possuindo cada uma inteira essência divina, que é indivisível. 28 O Pai, de ninguém é gerado ou procedente; o Filho é gerado eternamente do Pai; 29 o Espirito Santo procede do Pai e do Filho, eternamente; 30 todos infinitos e sem princípio de existência. Portanto, um só Deus; que não deve ser divido em seu ser ou natureza, mas, sim, distinguido pelas diversas propriedades peculiares e relativas, e relações pessoais. Essa doutrina da Trindade é o fundamento de toda a nossa comunhão com Deus e confortável dependência dEle.


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Jorge F. Isah




OS NOMES DE DEUS NO NOVO-TESTAMENTO



THEÓS
Esta é a palavra grega que designa o nome deus, de uma forma genérica, podendo referir-se ao Deus bíblico como aos deuses pagãos. Ainda podendo se referir a toda pessoa que detém algum tipo de autoridade. Como o Senhor nos diz em João 10.34, referindo-se ao Salmo 82.6, em que Deus chama a "deuses" os juízes de Israel, aqueles que foram escolhidos para julgar retamente, mas o faziam injustamente, por isso, Deus os repreende.

Esta palavra abrange os designativos de Deus do Antigo Testamento, porém, faz-se necessário uni-la a outras palavras para definir corretamente o sentido que os autores do Novo Testamento quiseram atribuir ao termo, ou seja, ela sempre terá de estar acompanhada de uma outra palavra que a qualifique. Mas ela sempre trará em si as atribuições que os nomes do Antigo Testamento davam a Deus, no sentido em que foram escritas, como Todo-Poderoso, Governador e Redentor.

KYRIOS
Este título é atribuído a Deus no Antigo Testamento e significa "Senhor". É um título que Théos recebe, qualificando-o; de forma que ele se relaciona com os nomes Adon e Yahweh do Antigo Testamento, indicando que Deus é governador, possuidor de todas as coisas, cujo poder é inigualável, mas também é aquele que promete a redenção ao seu povo, o salvador.

Kyrios é o título tanto do Pai como do Filho, como do Espírito Santo. Interessa-me, porém, estudá-lo, especificamente, em relação ao Filho. Em Filipenses 2, lemos que Deus exaltou a Cristo dando-lhe um nome acima de todos os nomes. Ao cumprir fielmente a obra pela qual foi enviado ao mundo, a morte na cruz para remir, e dar a vida eterna àqueles que o Pai lhe deu [Jo 17.2] e que foram predestinados antes da fundação do mundo [Ef 1.4-5]. Ressurreto, Paulo nos diz que diante dele todos os joelhos se dobrarão e todas as línguas proclamarão que Jesus Cristo é o Kyrios. Este é, certamente, o nome que está acima de todos os nomes, apresentando o senhorio universal e inquestionável de Cristo, diante do qual todos estão sujeitos. Com isso, não estou a dizer que Cristo irá reinar, mas que ele já reina, não apenas nos salvos, mas em todas as esferas do universo físico e espiritual.

O mais fantástico é que bastaria apenas a análise deste nome para se ter a certeza de que Cristo tem a mesma essência e natureza divinas que o Pai e o Espírito Santo têm. Diante da afirmação de que Cristo é o Kyrios, nenhum homem poderia reconhecer a falsa doutrina unitarista. Mas como aprouve a Deus destruir a sabedoria dos sábios e aniquilar a inteligência dos inteligentes [1Co 1.19], há muitos grupos religiosos que se autodenominam "cristãos" mas que não reconhecem que o Filho é "a imagem do Deus invisível", em quem toda a plenitude habita [Cl 1.15,19].

Sendo a Bíblia a palavra de Deus, a verdade proclamada pelo próprio Deus, não há porque não crer no que ela expressa claramente. E o que ela nos diz a respeito de Jesus é que ele é um com o Pai, "o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa" [Hb 1.3].

Então, há grupos, entre nós, que acreditam possível crer em Cristo como Redentor mas não crer que ele seja Senhor. Infelizmente eles estão mais preocupados com o que poderá acontecer-lhes no futuro, do que com suas vidas presentes. Há muitos que afirmam não ser necessário nenhum tipo de regeneração, de santificação, pois a salvação é exclusivamente pela graça. Acontece que o sentido de graça por eles defendida é distorcido, implicando na negação de uma série de textos que afirmam ser necessário nascer de novo, ter a mente de Cristo, estar em um constante processo de santificação, a fim de se tornar a imagem e semelhança do nosso Senhor. 

Sem Cristo, como Senhor, é impossível se falar em graça e redenção. Não podemos compartilhá-lo e escolher apenas um dos seus aspectos. Afinal, não somos nós que o escolhemos, mas ele é quem nos escolheu. Portanto, se não o temos como Senhor de nossas vidas, também não o temos como Redentor. Não há como seccioná-lo; Cristo é uno em si e na união com a Trindade. Sem tê-lo não se tem nada. Se não se é servo, também não se é salvo. Quando se tenta anular um único ponto de sua essência e obra, não há graça nem perdão divinos, mas apenas uma fé morta em si mesma, como Tiago inspiradamente definiu [Tg 2.17].

O título Kyrios vem derrubar tanto a tese dos unitaristas como dos adeptos do não-senhorio de Cristo, pois ele reina sobre tudo e todos; pior para quem não reconhece o seu poder, glória, majestade e divindade, pois esses são súditos rebeldes, que não querem servi-lo, os quais estão destinados à condenação e ao fogo eternos. Ao contrário de nós, que fomos feitos servos e reconhecemo-nos como tais, dispostos a honrar e servir ainda que inutilmente ao nosso Senhor.

PATER
Outro título de Deus, e que nos foi dado conhecer por Cristo, é o de Pai. Ainda que Deus seja chamado de Pai da nação de Israel no Antigo Testamento, apenas através de Cristo pudemos nos reconhecer como filhos adotivos, de que temos um Pai. No Salmos 103.13, o salmista usa a analogia do pai que se compadece dos seus filhos para indicar que Deus se compadece dos que o temem. Não há uma alusão direta sobre a nossa paternidade, pois muitas vezes ela nos é transmitida por outros homens, como Abraão, Isaque e Jacó, que são os patriarcas, os quais são chamados de "pai" de muitos, de incontáveis indivíduos, aos quais Deus constituiria o seu povo.

Apenas no Novo Testamento, através do relacionamento do Pai com o Filho, é que tomamos o real conhecimento e entendimento da nossa filiação a Deus; não por nossos méritos ou por nossa vontade, mas pela vontade de Deus que nos constituiu filhos pelo seu poder e graça, por intermédio de Cristo [Jo 1.12-13].

E, maravilhosamente, este foi o desejo do Senhor Jesus que nos ensinou a chamar o Seu Pai de Pai, fazendo-nos também filhos como ele é. No Sermão do Monte somos exortados a orar assim: "Pai nosso...". Bendito o Filho que nos deu o Pai, e bendito o Pai que nos deu o Filho, e assim, formemos uma família baseada na relação eterna que eles têm entre si; e pela qual saímos da escravidão, do jugo do pecado, para sermos feitos filhos por adoção, e podermos clamar: "Aba Pai". Paulo utilizou essa expressão em Gálatas 4.6, juntando o nome grego Páter à palavra aramaica Abba [ambas têm o mesmo sentido de "pai", o que traduzindo seria "pai querido ou papai"] dando a ideia terna de proximidade entre o pai e seus filhos, de que participamos também  das coisas que o Pai reservou para o Seu Filho, Cristo, pelo qual somos herdeiros.

Reconhecer que Deus é Todo-Poderoso, Altíssimo, Soberano, Senhor, Governador, é fundamental, pois eles nos remetem aos atributos de Deus, à forma como ele se fez conhecer através da revelação especial. Mas, reconhecer que somos filhos, quando não há nada em nós que nos possa levar a sê-lo, apenas a graça, misericórdia e amor infinitos e eternos de Deus para com nós, deve nos encher de uma alegria também infinita e eterna; na certeza de que não há nada que nos possa fazer conhecê-lo mais intimamente do que a sua condição de Pai. De forma que reconheceremos tudo o que ele nos deu, e propiciou-nos ter, pelo amor com que nos amou e que excede todo o entendimento. Sejamos gratos, tendo em nós os mesmos sentimentos de Cristo [Fp 2.5], para que ele esteja em nós, assim como o amor com que é amado pelo Pai também esteja em nós [Jo 17.25-26]. E assim, através do Filho Amado, sejamos um com Deus, o Pai.
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Notas: [1] Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico 
[2] Por favor, se houver algum erro na inscrição em grego e latim no topo desta postagem, avise-me.

ÁUDIO DA AULA 15:

19 agosto 2023

David Copperfield, de Charles Dickens

 








Jorge F. Isah


David Copperfield é daqueles livros que não dá para esquecer. Um tanto pelo volume, em suas mais de 1.000 páginas, outro tanto pela história monumental escrita por Dickens, cheia de detalhes, nuances, e uma variedade de personagens que desnudam a alma humana, revelando todas as contradições que carregamos em nós mesmos, e que em alguns se acentuam, enquanto em outros é possível descobrir uma alma a caminhar linearmente por entre as trevas (ao exemplo do personagem "Uriah Heep", um dissimulado onde estivesse, com quem estivesse, independente da situação). Há ainda aqueles que emanam luz, a qual brota tão intensamente que não há escuridão que os impeça, pelo contrário, elas a dissipam, como é o caso da personagem Agnes.

Dickens é um poeta a fazer prosa; é como se no decorrer do livro estivéssemos lendo uma partitura sinfônica e pudéssemos extrair o som de suas páginas, ora trágicas, ora românticas, ora aventurescas... mas sempre geniais. 

Não entendo o torcer de nariz de alguns críticos e leitores, ao considerar o autor prolixo, assim como muitos fazem com Dostoieviski, Tolstoi e Mann. Os mais extremados chegam as raias de dizer que não eram bons escritores, que serviam à época mas jamais para os dias atuais. Ora, esses "monstros" da literatura, no melhor sentido do termo, foram cronistas de seu tempo, mas com apelo universal e nunca restritos a uma porção temporal. Eles tratavam essencialmente de homens e suas relações; e os homens, via de regra, são sempre os mesmos, seja há dois mil anos, uma década, ou ainda hoje. Desprezá-los ou diminuí-los é não reconhecer a capacidade genial que tiveram em retratar, esmiuçar, apontar e investigar as matizes dos flagelos, alegria, sofrimento, miseria e fortuna, temores, dúvidas e outros tantos atributos aos quais a humanidade compartilha, seja aqui, no Japão, na Nigéria, América, antes e depois de Cristo, pois os tempos apenas revelam mais do que já sabemos de nós. Então, se você desistiu ou torceu o nariz para esses e outros autores clássicos, reexamine-se, e desfrute as novas descobertas. 

David Copperfield é um romance completo, e um desafio para quem quiser descortiná-lo, não somente pelas centenas de páginas, próximas do milhar, mas pelas sutilezas, ironia e um humor refinado com que o autor as imprimiu. É um grandíssimo livro, do qual, como disse inicialmente, não se pode esquecer.

Como não gosto de resumos de histórias, e quem se aventura em meu minifundio conhece, não o farei. Aos interessados, leia o livro, o qual, por sinal, é obrigatório. Tenham apenas cuidado com as edições, pois a maioria delas não tem o texto escrito por Dickens, mas são condensações e, em muitos casos, o texto é reescrito em uma linguagem que perde totalmente a magia original. Se o seu exemplar não tiver ao menos 900 páginas (variações quanto ao tipo e tamanho de letras) não se aventure. Procure o texto integral, tal qual concebido pelo autor. Fuja, portanto, de condensações que reduzem a 30 ou 40% e descaracterizam a obra, impedindo de se beneficar, e se deliciar, em seus meandros. Também é indicativo de você estar a ler sobre David Copperfield, como estou a fazê-lo, mas não David Copperfield.

Ainda há tempo... Mãos a obra!

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Avaliação: (*****)

Título: David Copperfield

Autor: Carles Dickens

Páginas: 1.312

Editora: Cosac & Naife

Sinopse: "Publicado originalmente na forma de folhetim entre 1849 e 1850, David Copperfield é o romance mais autobiográfico de Charles Dickens. Mas não só: nas palavras do grande escritor, que inspirou outros gigantes da literatura ocidental como Tolstói, Kafka, Woolf, Nabokov e Cortázar, este é seu "filho predileto".



14 agosto 2023

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 14: Os Nomes de Deus - Parte 1







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CAPÍTULO 2: DEUS E A SANTÍSSIMA TRINDADE

1. O Senhor nosso Deus é somente um, o Deus vivo e verdadeiro, [1] cuja subsistência está em si mesmo e provém de si mesmo; [2] infinito em seu ser e perfeição, cuja essência por ninguém pode ser compreendida, senão por Ele mesmo. [3] Ele é um espírito puríssimo, [4] invisível, sem corpo, membros ou paixões; o único que possui imortalidade, habitando em luz inacessível, a qual nenhum homem é capaz de ver; [5] imutável, 6 imenso, 7 eterno, [8] incompreensível, todo-poderoso; [9] em tudo infinito, santíssimo, 10 sapientíssimo; completamente livre e absoluto, operando todas as coisas segundo o conselho da sua própria vontade, 11 que é justíssima e imutável, e para a sua própria glória; 12 amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo; abundante em verdade e benignidade, perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado; o recompensador daqueles que o buscam diligentemente; 13 contudo justíssimo e terrível em seus julgamentos, 14 odiando todo pecado, 15 e que de modo nenhum inocentará o culpado. 16 Deus tem em si mesmo e de si mesmo toda a vida, 17 glória, 18 bondade 19 e bem-aventurança. Somente ele é auto-suficiente, em si e para si mesmo; e não precisa de nenhuma das criaturas que fez, nem delas deriva glória alguma; 20 mas somente manifesta, nelas, por elas, para elas e sobre elas a sua própria glória. Ele, somente, é a fonte de toda existência: de quem, através de quem e para quem são todas as coisas, 21 tendo o mais soberano domínio sobre todas as criaturas, para fazer por meio delas, para elas e sobre elas tudo quanto lhe agrade. 22 Todas as coisas estão abertas e manifestas perante Ele; 23 o seu conhecimento é infinito, infalível e independe da criatura, de maneira que para Ele nada é contingente ou incerto. 24 Ele é santíssimo em todos os seus pensamentos, em todas as suas obras, 25 e em todos os seus mandamentos. A Ele são devidos, da parte de anjos e de homens, toda adoração, 26 todo serviço, e toda obediência que, como criaturas, eles devem a criador; e tudo mais que Ele se agrade em requerer de suas criaturas. Neste ser divino e infinito há três pessoas: o Pai, a Palavra (ou Filho) e o Espirito Santo; 27 de uma mesma substância, igual poder e eternidade, possuindo cada uma inteira essência divina, que é indivisível. 28 O Pai, de ninguém é gerado ou procedente; o Filho é gerado eternamente do Pai; 29 o Espirito Santo procede do Pai e do Filho, eternamente; 30 todos infinitos e sem princípio de existência. Portanto, um só Deus; que não deve ser divido em seu ser ou natureza, mas, sim, distinguido pelas diversas propriedades peculiares e relativas, e relações pessoais. Essa doutrina da Trindade é o fundamento de toda a nossa comunhão com Deus e confortável dependência dEle.

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por Jorge F. Isah



INTRODUÇÃO

Dando sequência ao estudo do Capítulo 2, falarei sobre os nomes de Deus. Ainda adiando a entrada direta, propriamente dita, na questão dos atributos divinos. Acontece que, inicialmente, pensei em não tocar neste assunto, que trata dos nomes de Deus, pois o considerei pouco relevante, fruto da  ignorância e do desejo de apressar o andamento das aulas, tocando apenas naquilo que considerava essencial. Mas estudando-o mais detidamente, convenci-me da sua necessidade e propriedade em nosso estudo da C.F.B, de que era um ponto fundamental e não poderia ser negligenciado; por alguns motivos:

Primeiro, porque a própria palavra de Deus se refere a ele com vários nomes, logo, como poderia rejeitar ou negar a sua importância e fundamento? Se o próprio Deus fez questão de que assim fosse conhecido?

Segundo, vivemos a era de um "Deus" genérico, em que este nome é utilizado de muitas maneiras e intenções, menos a de honrar e glorificar o Deus verdadeiro e vivo. Por isso, desde os primórdios, ele se fez revelar ao mundo de forma particular, para não se misturar a outros deuses nem cultos que nada têm a ver com ele, e que são o reflexo da face idólatra do homem em seu permanente estado de rebeldia. Hoje, o nome "Deus" se tornou um penduricalho que qualquer um pode ostentar ou não, podendo ser nada além de um nome que, supersticiosamente, traga alguma espécie de sorte ou bom fluído, ou mesmo a chave para o pensamento positivo, alguma espécie de triunfalismo pela autoajuda.

Terceiro, os nomes refletem características e particulares de Deus [e mesmo um conjunto de atributos], de forma que eles revelarão e nos ajudarão a compreender um pouco mais do seu caráter e pessoalidade, fugindo da generalização que revela, tão somente, o desconhecimento de Deus; e, desta forma, podermos responder mais consistentemente à pergunta inicial: “Quem é Deus?”.

Quarto, Deus se revela através dos nomes, como aquele que age ativamente na história da humanidade, não um "deus-espectador", imóvel, inoperante, desinteressado; mas o único criador e sustentador de todas as coisas; o ser pessoal, o Senhor e juiz supremo de tudo, de forma que qualquer outra divindade torna-se nula diante dele. Assim, Deus se mostra verdadeiro, e o reconhecemos como o único Deus, em meio a uma miscelânea de falsos deuses.

Os nomes de Deus também nos revelam muito do seu modo de agir e do seu relacionamento com os homens. Não farei um estudo exaustivo em relação a eles, citarei e definirei alguns dos mais comuns, pelos quais Deus foi conhecido, tanto no Antigo como no Novo Testamento, mas me aterei a analisar, especificamente, dois deles.

Outro ponto interessante ao estudar o assunto é que ele nos apresenta Deus como o Ser pessoal, o que tem sido asseverado constantemente em nosso estudo, e também é abordado frequentemente na C.F.B. Além de os nomes serem uma maneira de Deus se autorrevelar aos homens, pois sendo a Escritura a sua própria palavra, nela encontramos designativos de Deus que nos foram dados por ele mesmo.

Assim, temos muitos nomes para Deus, mas todos derivados do seu nome, revelando a multiformidade do seu ser. Usando da linguagem humana para se fazer conhecer aos homens, os nomes de Deus têm origem divina, portanto não são criações humanas.

Vale também ressaltar que Deus não pode ser nominado, definido por um nome, mas são muitos que ele tem, parecendo, até certo ponto, uma questão inexplicável ou até mesmo contraditória. Mas se pensarmos que os nomes pelos quais Deus é conhecido não são invenções humanas mas contêm, de certa forma e em certa medida, atributos que nos revelam o caráter divino, e pelos quais ele se faz revelar, entenderemos que houve uma “concessão” de Deus de se acomodar à limitada e finita capacidade humana de conhecimento. Como tudo que foi criado é limitado e temporal e finito, os nomes de Deus não são abrangentes nem exaustivos, pois não podem sê-lo, visto serem objetivados a suprir demandas do pensamento estrito do homem, o qual está impossibilitado, inclusive pelos efeitos noéticos do pecado, de compreender totalmente o Absoluto.


OS NOMES DE DEUS NO ANTIGO TESTAMENTO

ELOHIM: "O DEUS PODEROSO"
O primeiro nome pelo qual Deus é reconhecido na Escritura é Elohim, que quer dizer “O Deus Poderoso”. Elohim é o plural de “Eloah”, que significa “aquele que é forte”. O fato de estar no plural remete-nos à Trindade Santa, de que Deus é uma unidade na qual há três pessoas com a mesma essência e natureza, igualmente poderosas. Mas este será um assunto do qual falaremos mais à frente, quando estudarmos a doutrina da Trindade. Este nome é usado quando se quer enfatizar a majestade divina, em seu caráter soberano, tanto no que se refere à obra de criação [Gn 1.1; Is 45.18] quanto à de salvar Israel [Is 54.5; Jr 32.27]; e é, também, o nome pelo qual Deus é mais representado no Antigo Testamento, aparecendo mais de 2.200 vezes. Ele deriva de "el", o nome mais simples pelo qual Deus é designado, no sentido de ser primeiro, ser senhor, indicando, mais especificamente, plenitude de poder.

O fato de “El” ser um nome genérico, sendo atribuído também aos falsos deuses, não dá a Deus um sentido "nomina propria" [nome próprio], fez com que ele aparecesse na Escritura combinado com outros nomes para ajudar a distinguir o Deus verdadeiro e vivo dos falsos e mortos deuses das religiões pagãs. Podemos citar, como exemplos:

a) El-Shaddai: “Deus Todo-Poderoso”.
Este foi o nome que Deus usou para se revelar a Abraão, quando do estabelecimento formal do pacto de Deus com o patriarca [Gn 17.1-2]. Em princípio, "Shaddai" designa que Deus tem todo o poder, seja no céu ou na terra, indicando-o como Senhor e Soberano sobre tudo e todos, mas no sentido de ter o poder de proteção divina ao povo do pacto, apontando para o cumprimento fiel de suas promessas, e também como fonte de bem-aventurança e consolação. 
Também foi com este nome que o Senhor se revelou a Moisés, anunciando-lhe as pragas que sobrevieram sobre o Faraó e o Egito.

b) El Elyon: "O Deus Altíssimo"
Ainda que como El-Shaddai, este nome indique o poder e majestade de Deus, ele o descreve como o possuidor de todas as coisas, o Altíssimo, aquele que está elevado acima de toda a criação, reinando absoluto sobre ela; ele é o mais alto e exaltado ser, sendo todos os demais seres sujeitos a ele. A primeira vez em que ela aparece é em Gênesis 14.18-24, quando Abraão resgata o seu sobrinho Ló e recupera os bens tomados pelo inimigo. 

ADONAI: "O DEUS GOVERNADOR"
Este nome significa "Senhor, mestre, possuidor" e, relaciona-se com os anteriores, quanto ao seu significado. Deriva de "dun" ou de "Adon", ambas significando julgar, governar, em posição de autoridade, de senhorio ou domínio. Especialmente ela se aplica a Deus como o Senhor, o Governador Todo-Poderoso, a quem tudo está sujeito e com quem o homem se relaciona como servo. Mas também mostra a superioridade do Deus de Israel sobre os demais deuses; sendo ele o governador último de todas as coisas e a autoridade máxima sobre todos os reinos. Não há ninguém ou nada como ele, nem capaz de desafiá-lo ou enfrentá-lo [Dt 10.17]. Era o nome pelo qual Israel se dirigia a Deus costumeiramente. Com o tempo, perdeu força e prestígio para o nome Jeová [Yahweh]. 

Assim como Deus é absoluto, o seu governo também o é. De forma que todos os demais poderes, naturais ou sobrenaturais estão debaixo de sua autoridade, sendo ele o possuidor legítimo de tudo, sem se excluir nada. 

YAHWEH: "O DEUS REDENTOR"
Gradativamente, na história do povo de Israel, e, à medida em que Deus se revelava ao seu povo, os demais nomes foram sendo abandonados e substituídos por "Yahweh", como o Deus da graça. Este passou a ser o nome pessoal divino, revelando o seu caráter redentor, como o libertador do povo hebreu do cativeiro, por isso foi revelado a Moisés. Sempre foi reconhecido como o nome incomunicável, pelos quais os judeus temiam pronunciá-lo, em razão da leitura equivocada que faziam de Levítico 24.16. Por isso, ao lerem os trechos sagrados onde aparecia, substituíram-no por "Adonai" ou por "Elohim". Ele deriva do verbo "hayah", que significa "ser", indicando a presença e existência constante de Deus, em seu caráter imutável [Ex 3.14]. Revela-nos também que Deus está permanentemente presente na redenção do seu povo, e de que ele cumpre e cumprirá todas as promessas do pacto realizado com os heróis da fé. Sendo o "Eu Sou", eterno, perfeito, santo, e imutável, suas promessas de salvação também são eternas e imutáveis. Também é o nome empregado exclusivamente para Deus, não sendo empregado em relação a mais ninguém, indicando uma relação infalível entre Deus e seu povo, como aquele que o libertará e o redimirá dos seus pecados e transgressões.

Há, ainda, nomes compostos de Yahweh, como, por exemplo, Yahweh Jireh ["O Senhor proverá", Gn 22.14], Yahweh Nissi ["O Senhor é minha bandeira", Ex 17.15], e Yahweh Shalom ["O Senhor é paz", Jz 6.24].

A partir dos massoretas, os quais acrescentaram vogais entre as consoantes, o tetragrama Yhwh, passou-se a grafar da forma como o usamos aqui.

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Nota: 1- Na próxima aula, concluiremos este estudo sobre os Nomes de Deus a partir do Novo Testamento.
2 - Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico 

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  ÁUDIO DA AULA 14: