16 agosto 2021

A Doutrina Cristã - Santo Agostinho

 



Jorge F. Isah



Leio Santo Agostinho já há algum tempo, e muitas vezes não o compreendi adequadamente. Em especial, quando confrontava o “meu calvinismo” às afirmações equilibradas e bíblicas do bispo de Hipona. Demorou um tempo para eu entender que, mesmo Calvino, mesmo Lutero, Pink, Gill ou Clark, mesmo qualquer um que se considere a si mesmo fiel à tradição cristã, ou melhor, fiel ao Evangelho de Cristo, não existiria sem as reflexões, meditações e ensino de Agostinho. Veja bem, não estou a afirmar que eles não existiram, ou que não existiriam como existiram, mas de que haveria uma certa dificuldade para ser o que foram. Por isso, penso claramente que o mestre africano foi instrumento de Deus não somente na edificação desses homens, mas na de muitas e muitas gerações e multidões com os seus escritos.

Isso posto, não estou afirmando também concordar com tudo o que ele se propõe. Na verdade, não li nem 1/10 da sua vasta obra. Gastarei um bom tempo em fazê-lo, se assim o bom Senhor permitir. E tenciono fazê-lo, dada a riqueza espiritual e literária a emanar dos seus textos. O fato, contudo, de haver divergências em alguns pontos, não significa dizer que ele não deva ser lido, não preste, ou simplesmente não tem nada a ensinar. Esses, certamente, seriam erros indesculpáveis e do qual nenhum cristão ou leitor sairia ileso. Acima de tudo, Agostinho escreve como poucos. Chego a pensar que, entre os muitos autores lidos, ele é disparado o que mais admiro, seja pela maneira poética em que redige, seja por compreender aquilo ainda incompreendido, seja em explicar o inexplicável, a partir de uma comunhão íntima com o Espírito, de uma vida devotada a se deixar aperfeiçoar por esse relacionamento.

Entrando propriamente em “A Doutrina Cristã”, como o título pressupõe, ele disserta sobre os fundamentos da fé: a Trindade, o relacionamento com Deus, a salvação vicária e exclusiva de Cristo, as relações entre cristãos, o amor aos inimigos, etc. Terminada a leitura da obra, a profusão de temas e elementos remete-nos a uma exposição reverencial, paciente e devotada com o fim de esclarecer os princípios e enunciados do texto sagrado. Não há como não se apaixonar. E ainda descobrir como a nossa fé pode ser aprimorada e alcançar níveis de verdade aos quais não estávamos expostos.

Alguém pode dizer que estou a “idolatrar” o santo, mas nada mais longe da verdade. Reconhecer a sua capacidade de entender e interpretar as Escrituras de forma coerente, espiritual e reverente não significa idolatria, mas constatar o quanto o autor foi conduzido pelo Espírito de Cristo à compreensão, e o quanto o amor do Filho pode ser apreendido em suas linhas e nas entrelinhas. Pode existir, mas, além dos autores bíblicos, não conheço nenhum escritor que expresse tão nitidamente o seu amor pelo Pai, o Filho e o Espírito Santo. Por meio de uma beleza ímpar, outro dom concedido por Deus.

Todavia, entre tantos assuntos versados, dois me chamaram a atenção em especial. O primeiro, foi a ideia de Agostinho sobre o significado de “Pátria”. Não como um lugar onde habitaremos, o local em si, onde estaremos com Deus, o Paraíso ou Céu, mas de que Pátria tem, para ele, um sentido ainda mais amplo e veraz: pátria é o próprio Deus. Ou seja, não é apenas um lugar de destino, o destino para com quem estaremos por toda a eternidade. Nesse sentido, não é impossível dizer que, mesmo aqui neste mundo, ainda sobre os efeitos do pecado e em processo de transformação, podemos não somente almejar mas viver na “Pátria”, como se fosse celestial. Bastando o relacionamento intrínseco, verdadeiro e profuso com o Espírito de Deus. Ou seja, não iremos para a pátria, mas pelos méritos do próprio Deus, sendo pátria, já estamos inseridos e vivendo nela. Por isso a afirmação de sermos forasteiros, tanto nas Escrituras, como nos escritos de Agostinho, identificam que é possível estar neste mundo já estando no outro. Ou fazer deste, aquele. E gozar aquele, vivendo neste.

Não sei se deixei clara essa assertiva do bispo, espero que sim, mas o desdobramento dessa descoberta tem me trazido uma paz e um gozo antes não sentido, porque não entendido, ainda não havia penetrado no coração de maneira ampla e avassaladora.

Por falar em gozo, este é o segundo ponto a ser identificado. Para Santo Agostinho havia duas categorias de coisas: para fruir e usar. Não se deve fruir ou gozar das coisas que se usam. O gozo e alegria somente podem se direcionar a Deus exclusivamente (desculpe-me a redundância). E mesmo que gozemos de certas coisas do uso, elas jamais podem, ou devem, ser um fim em si mesmas, mas apontar para Aquele que é a fonte eterna e infinita do Bem. O homem sem Deus, sem a real consciência e conversão, põe sua alegria e consolo naquilo que deve estar a seu serviço, e não ao que deve servir. Inclusive, a si mesmo.

Nesse sentido, todas as coisas devem estar sujeitas a Deus, o doador final de todas elas, e por quem nos são entregues, para o bom uso, mas para que, sobretudo, nos alegremos no Senhor. Por isso, o sexo, o dinheiro, o trabalho, a diversão e tudo o mais que o homem almeja, não pode ser a fonte da alegria em si, mas entendê-las como bem-aventuranças, dádivas que nos são destinadas para atingirmos a plenitude do gozo, somente possível nEle. Ainda que nos tragam alegria, estão a apontar, direcionando-nos, para a fonte da verdadeira alegria, Aquele que tudo criou para manifestar a sua bondade, e fruirmos nEle. E assim, usando essas coisas, alcançamos o gozo e a alegria em Deus.

Outro aspecto importante é que, ao reconhecermos a suficiência apenas em Deus, temos mais dEle e crescemos em ser. Não em ser o que somos ou o que fomos, mas naquilo que seremos: a exata imagem de Cristo. É óbvio que Agostinho, e nem eu, está a falar quanto à divindade do Filho, mas quanto à sua perfeita e santa humanidade. E assim, gozando nEle seremos cada vez mais dEle e com Ele, e com Ele identificados seremos um: Senhor e servos em unidade.

Há uma gama de elementos apontados por Santo Agostinho neste livro, mas, em especial, chamou-me a atenção os pontos que abordei, que mais me impregnaram a alma até o momento, e me fizeram agradecer a Deus pela sua vida, e por desfrutar da sua sabedoria, vinda dos céus; e mesmo depois de quase dois mil anos é possível a qualquer um se deleitar nos seus ensinamentos, mas mais do que isso, aprender a viver em Deus e para Ele, assim como o mestre viveu.


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Avaliação: (****)

Título: A Doutrina Cristã

Autor: Santo Agostinho

Páginas: 288

Editora: Paulus

Sinopse: 

"Esta obra é a carta magna de Santo Agostinho sobre a maneira de entender e pregar a Sagrada Escritura. Nela podemos sentir o imenso amor e conhecimento profundo de Agostinho pela Bíblia. De fato, ele deixou-se impregnar por ela, tornou-a "seu sangue, a medula de seus ossos". Ninguém como ele explorou tão a fundo e com tanto empenho e sutileza os profundos e obscuros recônditos da Bíblia, e nunca houve alguém que trouxesse de suas explorações tal abundância de preciosos achados. A doutrina cristã é um manual de exegese e formação cultural com finalidade didática e pastoral dirigido aos cristãos de sua época. As diretivas dada pelo zelo pastoral do Bispo de Hipona são originais e penetrantes, válidas ainda, em grande parte, para nosso tempo, tão ávido de estudos exegéticos e hermenêuticos"

05 agosto 2021

Somos Todos Iguais - Resenha

 

Jorge F. Isah


Em um mundo cheio de barreiras, a verdade é que somos todos iguais, mesmo com diferenças sociais, culturais, étnicas etc. Mas nada disso pode nos tornar mais ou menos humanos; apenas humanos na essência, e diferentes quanto as coisas gerais. Tanto se fala em amor como nunca antes se falou, mas boa parte desse amor foi ideologizado, se tornando nada mais do que uma peça publicitária para o discurso e a retórica por trás de um sistema de ideias.

O próprio filme, num letreiro no refeitório, reproduz parcialmente os escritos do Apóstolo Paulo sobre o amor:


“E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca falha” (1 Coríntios 13:3-8)

E esta é a proposta do filme, falar do amor incondicional, colocar o próximo acima de si mesmo, dos seus obstáculos, e tratá-lo como superior a si mesmo; é abrir mão de fazer ou ser o que se quer para cuidar do outro; em suma, o amor é a única “afirmação” de que a humanidade precisa, o real e verdadeiro "empoderamento" humano; pois o restante é legitimar manobras e programas e interesses nada amorosos.

Com ótimas interpretações, um roteiro emocionante sem ser piegas, o filme é recomendado a todos aqueles que não somente queiram acender uma tocha (a luz, não a destruição), mas mantê-la acesa.

Disponível no NetFlix.



27 julho 2021

O Som e a Fúria - William Faulkner

 



Jorge F. Isah


Este é um livro que requer muito cuidado do leitor, que pode se perder em meio a uma narrativa não linear, cheia de digressões, mudanças de ambiente, atmosfera e protagonismo. Não é um livro fácil, pelo contrário, especialmente em sua metade inicial, quando ainda se tateia o texto em busca de contato com seus elementos e fundamentos. O autor se utiliza também de longos trechos sem pontuação, frases truncadas, linhas contínuas, ajudando a criar uma imagem “hermética” e complexa da obra. 

A história se divide em quatro partes, cada uma delas contada por um dos personagens centrais, exceção à última, cujo narrador é uma terceira pessoa, indeterminada. A primeira parte é narrada por Benjamim. A segunda, Quentin. A terceira, Jason. E a quarta, que trata diretamente da personagem Dilsey, por um desconhecido.

Basicamente, trata-se de uma família decadente sulista, que perdeu os seus dias de glória, em que controlava a região; e se vê exaurir financeira, moral e espiritualmente. Em meio às tradições e as mudanças advindas do novo século (XX), a maioria está despreparada para enfrentar as contingências e surpresas em que os novos tempos as arrastam.

Ganância, sexo, filhos ilegítimos, cobiça, incesto, furto, parecem, de alguma maneira, fazer dos “Compsons” o retrato de uma sociedade que caminha arrastada pelas correntes e o peso do passado.  O mal e o pecado apresentam-se definitivamente dispostos a conter qualquer resistência; nem mesmo as eventuais "aparências", a hipocrisia arraigada na alma de alguns, torna-se o desejo corrompido, doente e frágil, capaz de destruir e amaldiçoar as relações e indivíduos.

Há quem veja apenas uma sociedade altamente religiosa, puritana, inquisidora, retrógada a aniquilar vidas, o que é por demais reducionista. Contudo, seria tão somente a sociedade a fazê-lo, ou seriam consequências das escolhas pessoais? A rebelião da alma em êxtase, o relacionamento mecanicista e formal com Deus, a busca do amor no afastamento do verdadeiro amor, como se o homem, por si só, pudesse, ao exemplo de Adão, ser autossuficiente em si mesmo, desprezar o Bem, e sair incólume.

No fundo, o mal tem como premissa a negação não somente do bem, mas a origem do bem, entregando-se ao ardor da carne, leviana e obstinadamente.

Alguém poderá dizer que estou a replicar os erros que Faulkner aponta; mas, entrementes, ele está a desnudar o desejo, seja ele qual for, irresponsável em não reconhecer a sua legitimidade no amor. Sem este, qualquer desejo, por mais nobre ou elevado seja, é como o sino que não dobra ou o fogo que não aquece...

E a liberdade, tão propalada e banalizada nas bocas e mentes, surge como apenas outra forma de o homem descer às profundezas do calabouço não desejado, mas impossível de se safar, porque a luz que se acredita ver, está obliterada pelas trevas que se teima em não ver.  

Mas não somente a perfídia destilam as páginas; existe bondade, uma bondade ingênua, um tanto perigosa, as vezes confusa, de Benjamim, de Dilsey, de Caroline (a matriarca). E deles são os maiores sacrifícios, a verdadeira entrega, e aquele clamor à paz, ainda que não seja vislumbrada, pela proximidade das querelas e litígios, a assomá-los por todos os lados.

“O Som e a Fúria”, como toda a obra de Faulkner, é um livro imprescindível, daqueles clássicos que o tempo não apagará. E nele encontraremos o homem, sobretudo o homem que amamos e odiamos.


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Avaliação: (****)

Título: O Som e a Fúria

Autor: William Faulkner

Páginas: 320

Editora: Cosac & Naify

Sinopse: "Este romance, finalizado em 1929, marca o início da chamada "segunda fase" da carreira de William Faulkner (1897-1962) e é considerado sua obra mais importante. Vinte anos depois, o autor se consagraria definitivamente, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura. O ambiente da escritura de Faulkner é o sul dos Estados Unidos, escravocrata e derrotado na Guerra da Secessão. O som e a fúria narra a agonia de uma família da velha aristocracia sulista, os Compson, entre os dias 2 de julho de 1910 e 8 de abril de 1928. Um apêndice, acrescentado pelo escritor em 1946, fornece outras informações sobre a história dos Compson entre 1699 e 1945. Assim, é possível afirmar que o grande personagem desta obra-prima é o tempo, o que lhe confere interesse universal."




18 junho 2021

Trecho do Prólogo de Bartolomeu Salgado ao livro "A Viga Oca Sob o Teto"

 







Trecho do Prólogo de Bartolomeu Salgado ao livro 

"A Viga Oca Sob o Teto"



            “A Viga Oca...” tem uma suavidade e elegância distantes do antecessor; um esmero linguístico quase impossível de se ver na literatura, abandonada ao imediatismo e aos clichês de maneira geral. Cheio de reminiscências e diálogos atemporais, ao percorrer o livro encontramos um “fervor cósmico”, quero dizer, não somente dos antepassados e figuras a transporem a vida da protagonista e outros personagens; não apenas das imagens líricas, bucólicas de um passado a assomar da memória, exigindo um lugar marcante no presente, pois o passado é quase eterno; uma carga a tornar o que foi em ser; fazer o “existiu” reviver quantas vezes o grito interior de despertá-lo do sono; não só os conflitos, as amálgamas a cruzar almas; nem infortúnios ou vergonha; fatos ou mistérios; vida e morte; em que a palavra não é furtiva, nem escorregadia, ao assombro do sinal divino. Paira sobre as páginas o sobrenatural, o fantástico (especialmente no último terço), onde nem tudo pode ser explicado; porém, não pode também ser negado ou feito indiferente, sob pena de o homem ser desprovido de espírito, e ao mal produzido se juntar o mal não desejado, ou o mal agir por negligência. (...)

            “A Viga Oca Sob o Teto” é um livro admirável, pela sua linguagem não vulgar, pelo destemor de não cometer excessos, por não se deixar capturar à forma ou à carcaça de um modelo ou estrutura; por ser autoral sem as amarras de se fazer parecer inédito (muitas vezes, sinônimo de anômalo e estapafúrdio); reflexivo sem aborrecer. Por tudo isso, e atendendo aos anseios do autor em não produzir um prólogo que seja o resumo da história, espero ter aguçado o seu desejo de adentrar a estas páginas e aventurar-se pelo mundo (des)conhecido de Jorge F. Isah. O qual ele criou meticulosamente alinhavado por uma teia que certamente o capturará até o final, belo, profundo e acessível como todo fim deveria ser.


À venda em amazon.com.br 




15 junho 2021

Trecho do prefácio de Leandro R. de Souza ao livro "A Viga Oca Sob o Teto"

 






Trecho do prefácio de Leandro R. de Souza ao livro 

"A Viga Oca Sob o Teto"


           "Ao ler as páginas, os conflitos familiares, as dores vividas, os questionamentos em cada parágrafo, é nítido que você verá um pouco de si em cada uma delas. Talvez do vizinho, amigo, parente, aquele colega distante, ou até a pessoa não afetuosa, que trará à sua memória os dilemas humanos.     
            Se sofreu um pouco de rejeição, ou rejeitou a outrem. Se pensou a si mesmo como o defensor dos pobres, ou rejeitou a alguém. Se viu um morto com indiferença, ou sentiu medo da própria morte, pode sentir-se confortável em se assentar nas poltronas da viagem de trem, aquela vagarosa, por cujas histórias ele, Jorge, o conduzirá.   
            Se a viga está oca, o teto sucumbe. As relações modernas e frágeis estão aí implícitas, para que o leitor faça uma reflexão de si e veja as fragilidades nas relações humanas. Não perca esta oportunidade!       
            Seria muito comparar ao mestre das letras Dostoievski, mas há um pouco do estilo dele aqui. Se o autor negar, pode bater-lhe na face, pois ele estará a mentir (risos).      
            Espero que cada um seja induzido à reflexão e, principalmente, à percepção de que, em cada situação, o humano perde muito de si ao não olhar para o alto, o Criador."



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À venda em amazon.com.br



07 junho 2021

Lançamento: "A Viga Oca Sob o Teto"

 


        Em 15 de Junho, a Kálamos Editora lançará um novo livro. Chama-se "A Viga Oca Sob o Teto", e estará disponível na amazon.com.br

        Será disponibilizado em formato ebook e físico. 

        Nos próximos dias, darei mais detalhes da presente edição. Por hora, fique com um dos vídeos promocionais, ainda inédito em outras redes sociais: 





15 março 2021

Um pouco sobre o cristão, políticas sociais e salvação

 




Jorge F. Isah


    Li o seguinte comentário no facebook, cuja autoria foi apontada ao Ariovaldo Ramos (não há indicação da fonte; mas, como foi um comentário elogioso, não vejo motivos para duvidar da autoria. Entretanto, esquivar-me-ei de aludir ao seu nome como arquiteto do comentário, a fim de não fazer-lhe injustiça, caso não seja o seu mentor. O chamarei apenas de "Ideólogo").
    Farei um pequeno comentário ao final do texto copiado:
    Mateus 25.31-40:  O grande julgamento

    "Quando vier o Filho do Homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então, se assentará no trono da sua glória; e todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas; e porá as ovelhas à sua direita, mas os cabritos, à esquerda; então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me. Então, perguntarão os justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E quando te vimos forasteiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos? E quando te vimos enfermo ou preso e te fomos visitar? O Rei, respondendo, lhes dirá: Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes."
    Agora, o Ideólogo interpreta a exortação do Senhor Jesus à "luz" de Marx:
    "Somos salvos pela graça, logo, esse texto não se enquadra na perspectiva da salvação pessoal. Este texto é sobre o juízo das nações.
    O Senhor Jesus julgará as nações, e o critério será o que chamamos de políticas públicas.
    Será acolhida a nação que tiver desenvolvido políticas de socorro aos mais vulneráveis.
    As demandas divinas exigem contrapartida: tive fome - política de segurança alimentar; tive sede - política de saneamento; era forasteiro - política de direitos humanos; estava nu - política de moradia, transporte e educação; enfermo - política de saúde; preso - política penitenciária.
    O Senhor Jesus está atento aos movimentos em relação aos mais necessitados.
    Há uma demanda de Jesus por políticas que diminuam a desigualdade social, e que promovam um tratamento justo, e que promova recuperação do ser humano, inclusive aos que estão em estado prisional.
    Em tempo de voto, estes são elementos a serem levados em conta, diante da urna indevassável" (grifo em amarelo para acentuar o comentário do Ideólogo) .
    Bem, não me assusta tal discurso, demonstrando uma completa ignorância bíblica, na qual o Ideólogo distorce o Texto Sagrado para enquadrá-lo ideologicamente em suas convicções pessoais (algo que Pedro condenou como "particular interpretação"¹).
     Cristo está a falar de amor e piedade individuais, de cada crente para com o seu próximo, assim como ele também ensina na parábola do Bom Samaritano; mas o Ideólogo consegue colocar palavras na boca do Senhor que jamais disse, a favor de "políticas sociais" patrocinadas pelo estado (se não é essa a sua intenção, por que aludir ao julgamento de nações, como se o Brasil ou EUA ou Cuba pudessem ir para o Inferno; e ao "voto" em época de eleição?). Novamente, a mente marxista (e que nada tem de Cristo) remete a responsabilidade individual do cristão ao estado (um deus?!!), transferindo algo inalienável e sem o direito de fazê-lo a um terceiro que não é cristão nem pode sê-lo, não tem vontade própria nem pode tê-la.
    Outro aspecto a ser notado é que o Senhor Jesus está a falar de salvação, sim. Por "ovelhas" temos não um arranjo social/governamental/político ou algo que o valha. Por "ovelhas" temos aquelas pelas quais o sumo Pastor juntou para Si, pela sua morte expiatória e redentora na cruz. "Ovelhas" jamais podem ser nações, ongs, partidos políticos, embaixadas, cortes, parlamentos ou qualquer outra invenção humana. Assim como, por cabritos, está a falar daqueles pelos quais não morreu na cruz, nem levou sobre Si os pecados desses, e jamais teve o objetivo de ajuntá-los.
    Outrossim, o bem em ajudar o próximo é prerrogativa das "ovelhas", pois são as únicas capazes de cumprir adequadamente (em fé, propósito e meios necessários) a vontade de Deus. Cujo fim sempre é a glória do próprio Deus. O que sabem disso nações, estados, congressos ou repartições governamentais? Já que são eles, em sua maioria, os proponentes de mortes, miséria, torturas e injustiças? Muitas com a alegada falsa piedade de fazer justiça?². Mas ainda assim, não são as repartições e órgãos a serem responsabilizados, pois não haverá nações e países no Tribunal de Cristo, nos últimos dias. Serão os homens condenados pelo que fizeram ou deixaram de fazer, não como causa, mas consequência do desprezo e pouco caso com a obra redentora do nosso Senhor. Ou seja, em última instância, homens e mulheres sem a fé salvadora, e que jamais creram em Jesus como único e suficiente Salvador e Senhor. E o juízo, por mais que possa ser coletivo, no sentido de multidões serem lançadas no inferno ou mesmo sujeitas às desgraças mundanas, é sempre individual, mesmo estando muitas delas juntas ou agrupadas. Não serão as ações estatais, corporativas ou legais a salvar o homem do juízo vindouro; o estado apenas pode empurrá-lo um pouco mais para dentro do fogo.
   Então, mesmo o Ideólogo tentando, de todas as maneiras, fazer malabarismo e distorcendo vergonhosamente as palavras de Cristo, a ideia de justiça social nada mais é do que uma construção humana bem moderna, diga-se, e nada tem a ver com o Evangelho e a missão de resgatar vidas. Em outras palavras, o Ideólogo está estabelecendo dois tipos de salvação; equivalente a dois tipos de redenção; dois tipos de sacrifícios; indicando haver dois tipos de salvadores, cuja eficiência, se não é a mesma em termos sobrenaturais, é em termos práticos: absolver as pessoas da ira divina através de ações e justiça social, seja lá o que isso represente na mente confusa de pastores impregnados por ideologias, e que nada tem a ver com piedade, perdão e misericórdia, no fim das contas. É, quase sempre discurso para "boi dormir"; e fazer os adeptos dessa diabólica teologia presas da própria presunção, orgulho e pedantismo.
     A própria igreja institucional, cuja missão é reunir os crentes para realizar o obra de Deus, não pode salvar, muito menos aplacar a ira sobre aquele que, mesmo sendo membro local, não é eleito, não foi regenerado nem salvo, mas permanece morto em seus delitos e pecados, porque nunca teve o encontro pessoal com Cristo. Portanto, resta condenar a mentira descarada do Ideólogo, condenável em todos os aspectos, digno de ser colocado no rol dos falsos-mestres, daqueles que, caso Deus não os converta das trevas à luz, serão alvos da sua santa e justa ira, sem que possam apelar para o estado e seus pares, incapazes de lhe dar qualquer escudo ou proteção.
    
Notas: 1- II Pedro 1:20;
2-"Tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te." (2Tm 3.5)
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08 fevereiro 2021

As Mortes e Vidas de Mattia Pascal

 




Jorge F. Isah


Este romance estava no aguardo de uma brecha em minhas leituras já há algum tempo. Para ser sincero, comprei o livro há uns cinco anos, mas somente agora, em meio a Santo Agostinho, Murilo Rubião, Santo Atanásio e J.M. Coetzee, pude me debruçar sobre o volume. E qual não foi a minha surpresa com o tom farsesco, cínico e debochado da narrativa de Pirandello? Humor refinado e reflexivo, permeado por uma escrita ágil, límpida e agradável, que me fez concluir a leitura em menos de três dias.

Mas, de que se trata? Bem, não farei uma sinopse ou resumo, pois sabe que não é minha maneira de resenhar qualquer leitura. Existem, contudo, algumas perguntas que podemos fazer:

1)      É possível deixar de ser quem se é? E transformar-se em outra pessoa?

2)      Quais as implicações em assumir outra identidade?

3)      Qual o custo para se construir uma nova história de vida e caráter?

4)      Por que se quer abandonar uma vida/identidade e assumir outra?

5)      O fracasso é individual? Ou pode ser colocado na conta de outro?

Essas são algumas perguntas que o autor se dispõe a responder (sem necessariamente respondê-las), com uma porção de ironia e troça que transforma o protagonista em motivo de boas risadas, em meio as análises e impressões de sua conduta como fugitivo de si mesmo. Não é um livro escrachado, pelo contrário. A escrita de Luigi é elaborada, afiada, esmerada, mesmo diante da aparência de simplicidade, e atinge em cheio os objetivos propostos: o questionamento moral, ético e filosófico do que é a vida, a individualidade e sociabilidade.  Em alguns momentos, ela resvala no estilo folhetinesco, sem contudo adentrá-lo. É um namoro que não se concretiza.

A partir da futilidade e indolência com que trata a própria vida e as relações sociais, Mattia se vê na encruzilhada de assumir a culpa ou reputá-la a outrem, no caso, a sogra e o casamento. A ruína financeira, a mediocridade intelectual, a perda do estilo de vida hedonista, e a busca pelo sustento, são fatores com os quais ele não pode conviver. Para um jovem capaz de liquidar o patrimônio familiar com vulgaridades e desperdício, ociosa e levianamente, o trabalho era um dos piores dos seus temores. E o assédio de credores, e as ininterruptas censuras da sogra, tornava tudo ainda mais insuportável e claustrofóbico. A vida lhe era uma prisão, de forma a não ver qualquer possibilidade de se libertar.

Entretanto, em um golpe de sorte, Mattia recebe uma grande soma, uma fortuna capaz de dispensar-lhe uma existência tranquila, sem excesso de conforto, mas capaz de conservá-lo distante do trabalho e responsabilidades. Para isso, seria necessário abdicar da antiga vida, fugir e esconder-se em outra personalidade. Em nova reviravolta, é dado como morto, facilitando, e acelerando, os planos da nova estratégia: abandonar quem era para tornar-se em quem quisesse. Não é esse o desejo da maioria? Mesmo que apenas em algum momento da vida? Não nos escondemos nas histórias alheias para sonhar um novo roteiro existencial? Não é este o papel dos livros, filmes, novelas? Criar um mundo virtual ao qual nos apegar? E assim arrastar-nos, com algum frescor, no curso própria da vida?

 Na verdade, a fuga de Pascal é interior, muito mais do que qualquer fator exterior possa representar. Ao pensar nos seus problemas como oriundos dos credores, da fortuna dilapidada, do casamento corriqueiro, da esposa controlada pela sogra, ele preservava a si mesmo de qualquer responsabilidade e dever de mudança. Para isso, nada melhor do que deixar “morrer” o velho Pascal, e das suas cinzas nascer o Meis, certo?... Talvez. Por que o novo homem seria mesmo novo? E não incorreria nos velhos erros e vacilos do velho homem? Haveria nele a capacidade de levar até o limite a sua nova figura? E manter intocada a nova reputação? Ou tudo estaria, como antes, sob a ameaça do seu caráter sucumbir à vontade? E desta não ser suficiente para encobrir aquela?

Em uma reviravolta na reviravolta, Meis se vê acuado; e a solução é outra senão ... a morte! Matar o novo homem para que o velho sobreviva, reviva. Porque o novo se mostrou tão ou mais insuficiente e medíocre do que o antigo. E, se no fim das contas, viver a fantasia ou o sonho de uma nova vida se mostrou ineficiente e aflitiva, o retorno à personalidade original, com todos os elementos de uma história real, ainda que inexpressiva, se configurou em única saída. Talvez não seja possível apagar ou destruir aquilo que se é ou se fez; e entre o sonho e a realidade, encarar a segunda seja um passo para o amadurecimento, alívio e antídoto para a mentira.

Pois, nem mesmo a paixão pela sóbria, frágil e doce Adriana foi suficiente para adequá-lo à nova vida, e fazer de Meis um vivo entre tantos mortos. De alguma maneira, o bem que Adriana merecia era-lhe impossível dá-lo, então, por que subsistir a farsa se ele mesmo não se convencia do seu sucesso? Melhor era reviver o morto e torná-lo vivo entre tantos outros, vivos e mortos; e não fugir como um cão do que fora, e ainda era, e de quem não podia se desvencilhar.

O fato é que nem mesmo uma ou outra vida foram capazes de satisfazer e trazer paz ao angustiante e atribulado Mattia, que feito novo, preferiu mesmo as agruras do velho, em meio às estripulias de um sátiro.

Este livro, certamente, aguçou-me a conhecer melhor a obra de Pirandello. E espero, com a graça de Deus, fazê-lo!


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Avaliação: (***)

Título: O Falecido Mattia Pascal

Autor: Luigi Pirandello

No. Páginas: 320

Editora: Abril Cultural

Sinopse: "Maldito seja Copérnico!”. Assim o personagem Mattia Pascal resume e define o sentimento de irremediável solidão do ser humano quando toma consciência de si mesmo e da sua pequenez diante do universo. Obra-prima de humor peculiar, O falecido Mattia Pascal (1904) é o mais célebre romance de Luigi Pirandello (1867-1936), no qual o autor, ao abandonar definitivamente os esquemas narrativos tradicionais, denuncia a miséria das relações humanas e a angústia existencial que acompanha o início do século XX. Mattia Pascal é um homem que, por uma maquinação do acaso, vê a possibilidade de assumir uma nova vida, fugindo de uma existência medíocre e humilhante. Nessa nova vida, ele é outra vez envolvido pelas convenções e regras das quais tentou escapar. No retorno à sua cidade natal, descobre-se enredado em uma situação paradoxal da qual é possível sair somente com a autoexclusão da vida. Autor do igualmente consagrado texto teatral Seis personagens em busca de um autor e Prêmio Nobel de Literatura em 1934, Luigi Pirandello criou uma das obras mais originais do início do século passado, marcada por buscar uma reflexão sobre a fragilidade da condição humana diante da espiral sem saída que é a vida. No momento mais crítico de sua vida – desprezado pela família, acossado por credores, com um trabalho medíocre –, um golpe do acaso muda a vida do jovem Pascal, que ganha uma pequena fortuna num cassino e, ao mesmo tempo, é dado como morto, pois o confundem com um cadáver achado em sua cidade natal. Decide, então, assumir uma nova identidade e parte em viagem pela Europa, de modo aventureiro, envolvendo-se em contínuos contratempos"




21 janeiro 2021

Raymond Chandler: "O Sono Eterno" pode durar uma noite...

 



Jorge F. Isah


Não é o primeiro livro de Chandler que leio, mas “O Sono Eterno” tem todos os elementos que fariam de Raymond Chandler o expoente dos romances policiais “noir” (para quem não sabe, a palavra francesa significa escuro, preto); até mais do que o seu “mestre”,  Dashiell Hammett (“O Falcão Maltês”, entre outros), provavelmente o “pai” do estilo. Ao contrário dos clássicos policiais de Poe, Chesterton, Christie, Conan Doyle, entre outros, Phillip Marlowe e San Spade (o antecessor daquele) diferem-se dos protagonistas tradicionais ao assumirem um estilo menos nobre, culto, intelectual. Parecem tropeçar nas pistas a desvendarem os crimes, ao invés de engendrar, com cuidado meticuloso, os caminhos que os levarão aos criminosos e à solução dos dilemas. Marlowe, assim como Spade, é mulherengo, etilista, circunspecto, rude, sem muitas ambições. A despeito do caráter moral, a impedi-lo de se confundir com os bandidos, suporta uma linha tênue entre o bem e o mal sem ultrapassá-la, ao menos no que concerne mantê-lo no escopo do “herói”, mesmo utilizando-se de métodos pouco ortodoxos e alguns censuráveis. Não é uma mente brilhante como a do Padre Brown ou Poirot, mas, como eles, é obstinado em resolver dilemas criminais e capturar malfeitores. Em suma, a luta entre o bem e o mal está presente, e, podemos dizer, sempre aquele prevalecerá, no final, sobre esse.

O estilo de Chandler é linear sem rupturas na narrativa, idas e voltas, mas com reviravoltas e surpresas no enredo. É uma característica corrente em sua obra, e aqui também se faz presente.  A construção dos personagem não busca o aprofundamento psicológico, muito menos conhecer-lhes o íntimo, suas perplexidades e índole. Em princípio, elas são “peças” em um tabuleiro cujo objetivo é demonstrar que todos estão dispostos, em maior ou menor grau, a cometer pecados. E isso não é uma crítica, mas um acerto de Chandler. Entretanto, não sabemos a motivação ou circunstâncias que levaram os personagens a agir de maneira delituosa. Basta saber o necessário para o desenrolar da trama; tendo-se a certeza de ninguém, nem mesmo o “caçador de culpados”, estar imune aos deslizes e pequenos delitos. Esses são tratados com condescendência, como o “mal menor” e, em alguns casos, justificáveis. Da jovem fisicamente frágil e psicologicamente perturbada até ao velho, inválido e doente terminal, nenhum deles escapa à natureza humana, seja o egoísmo a mover-lhes, seja o exibicionismo, sejam os vícios, a megalomania, a ganância, etc. Todos compartilham da porção de pecado, e ninguém é inocente, mesmo se provando o contrário. Até mesmo a mulher que não tem qualquer impulso desonesto é acusada e condenada, por sua beleza atordoante.

Um ponto que me incomodou bastante durante a leitura, foi o excesso de comparações, metáforas, a cada página, tornando a escrita artificial e forçosamente engraçadinha. Chandler é irônico, e nesses momentos ele conseguia manter o fascínio do texto. Ao contrário, quando o desejo era o de ser “espirituoso”, o efeito fazia-se contrário, causando tédio e desagrado. Particularmente, resultava na ideia de um trecho mal escrito, descuidado, e por demais rijo (no sentido de engessado). P. Ex: “Então o general falou de novo, lentamente, utilizando sua força com extremo cuidado, do mesmo modo que uma atriz desempregada usa seu último par de meias boas.” (grifo meu). O recurso, se não fosse utilizado de forma compulsiva e inapropriada muitas vezes,  alcançaria êxito, mas, ao nos deparar com constantes metáforas, como se fossem jogadas no texto, o intuito torna-se tíbio e, não poucas vezes, ridículo. Utilizá-lo de maneira equilibrada traria ao texto mais polimento.

Chandler influenciou gerações de autores. Um exemplo é Charles Bukowski que, a despeito dele dar mais crédito a Dostoievski, Céline, e, especialmente Fante, inspirou-se naquele quanto à forma rude, seca e objetiva de escrever, sem floreios, elegância e a complexidade de outros autores. Quanto ao humor, ou à maneira de rir de si mesmo e dos outros, Chandler não alcança grande sucesso, ao passo que o “velho safado” tem esse como um dos pontos altos da sua escrita; talvez o melhor em toda a sua linguagem.

Não é um livro para se desprezar; e pode ser lido em um final-de-semana. Tenho por base ler livros menos “complexos” enquanto me debruço sobre outros mais “solenes”; e sempre recorro a Chandler ou Hammett, Ágata Christie, Simenon, para “descansar”. E entre todos eles, Chandler é um dos meus preferidos. Pena não ter escrito muito (se perdeu, quero dizer, perdeu tempo com roteiros de cinema, em Hollywood), mas sempre existe a chance de reler os seus clássicos.

Em suma, “O sono eterno” é um exemplar típico da literatura noir, e um dos seus expoentes. Não é uma obra-prima; mas não é preciso sê-lo para cumprir ao que se propõe: ser literatura de qualidade.

E o é!


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Avaliação: (***)

Título: O Sono Eterno

Autor: Raymond Chandler

Editora: Brasiliense

No. de Páginas: 243

Sinopse: "Philip Marlowe, detetive particular em Los Angeles, é chamado à mansão do velho General Sternwood para investigar um caso de chantagem, aparentemente banal, envolvendo uma de suas filhas. Em pouco tempo, Marlowe percebe que algo se esconde atrás desse pedido, e que as duas filhas do General, Vivian e Carmen Sternwood, podem ser mais perigosas do que aparentam. Em uma cidade chuvosa e enevoada, ele aos poucos se envolve com a pornografia ilegal e a máfia dos jogos. Nesta primeira aventura de Marlowe, publicada originalmente em 1939, Raymond Chandler deu nova vida ao romance policial, mesclando uma trama envolvente a um estilo inigualável - corrosivo, cômico e extremamente original."





09 dezembro 2020

Os Anelos Espírituais do Padre Brown

 




Jorge F. Isah


Este é um livro com algumas histórias do Padre Brown, o alterego de Chesterton, dada a baixa estatura e a rotundidade, transformando-o em uma figura comum e sem atrativos, ou destaque, significando, até mesmo, a falta de personalidade marcante. Contudo, a despeito da sua insignificância física, ele se sobressaí por seu intelecto e a capacidade de desvendar os crimes mais intricados e que, muitas vezes, fez o seu amigo, o detetive Flambeau, alto e de boa aparência, parecer um idiota ou um homem sem qualquer preparo investigativo.

O livro tem as sutilezas estilísticas de Chesterton, uma narrativa bem costurada (necessária em livros do gênero), mas alguns componentes o tornam diferente da maioria dos autores do gênero: Padre Brown não procurava apenas desvendar mais um crime, como um desafio à sua inteligência e argúcia. Não é o simples caso do detetive à caça do bandido. A sua capacidade de ver os detalhes mais desprezíveis e que nenhum outro vislumbrava, ou o raciocínio capaz de ligar fatos aparentemente dissociados que, contudo, faziam parte da "teia" tecida pelo criminoso, pode se parecer com o estilo de outros grandes personagens da literatura policial.

Entretanto, mais do que um desafio mental, uma disputa intelectual e arguta, o calmo e tranquilo religioso buscava a redenção do criminoso (em outras palavras, realizar o seu ministério sacerdotal, sua missão primeira), que poderia alcançá-la a partir da confissão do crime. E isso, se não se desse pelos meios judiciosos, que o levassem à condenação, bastava-lhe, como padre (e como tal ele estava impossibilitado de acusar o réu confesso por direito inalienável de sacerdócio), ouvir a confissão, o arrependimento do criminoso, e ter concluída mais uma etapa da sua missão. Satisfazia-o não apenas vencer o criminoso, em seu próprio campo; antes levá-lo à compunção, a reconhecer-se pecador, um transgressor, e alcançar a liberdade da alma, do espírito, pela graça.

Mais do que a preocupação com as questões policiais (o que não negligenciava), elas o levariam ao encontro da alma necessitada, desesperadamente, de perdão; atormentada pela culpa (ainda que não o soubesse claramente), e mesmo na condição de recluso encontraria finalmente a paz.

Pode parecer incoerência o fato do sacerdote, para quem a defesa da moral é um princípio caro, desprezar a prisão e punição do infrator, em algum aspecto no curso da história. No entanto, transparece nele o desejo de que, após a confissão, o criminoso, em paz consigo e com Deus, se entregue voluntariamente à justiça, provando assim o seu arrependimento sincero e verdadeiro. Ou seja, a redenção somente é possível se houver a voluntariedade do aflito na busca libertação e a definitiva liberdade.

Para alguém pouco versado em teologia talvez esse aspecto passe desapercebido. Entretanto, ele está lá, a apontar para um redentor e salvador, para a graça, única capaz de trazer ao homem caído, em sua condição de humanidade perfeita, a harmonia, a paz definitiva e o fim da inimizade com Deus.

Ler Chesterton é sempre agradável e instigante. Mesmo em histórias aparentemente banais como as policiais.


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Avaliação: (****)

Título: A Inocência do Padre Brown

Autor: G. K. Chesterton

Editora: L&PM

No. Páginas: 256

Sinopse: 

            "Esta obra traz doze histórias. Uma delas, 'A cruz azul', na qual o personagem, Padre Brown, faz sua primeira aparição, o clérigo de Essex precisa lançar mão de métodos excêntricos para impedir o roubo de um valioso artefato religioso."




25 novembro 2020

Promoção Amazon: Prefácio do livro "O Morto Inacabado".

 



        Em mais uma promoção conjunta com a Amazon, a Kálamos Editora disponibiliza o livro "O Morto Inacabado", para download gratuito, em promoção até o dia 27 próximo. 

        Para baixar, basta ter uma conta "Amazon", preencher o nome do livro na caixa de pesquisas, fazer o download, e pronto! Agora resta apenas lê-lo. 

        Por isso, disponibilizo o prefácio do livro, escrito por Michel Salomão, como instigador, uma inspiração, para adquirir a obra. Espero, realmente, que se sinta motivado a fazê-lo, bem como à sua leitura. 

        Abraço.

    Jorge F. Isah

        

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PREFÁCIO AO LIVRO "O MORTO INACABADO", 
POR MICHEL SALOMÃO



     A desolação e a dúvida da morte permeiam essa obra de Jorge F. Isah, que traz um personagem cheio de angústias, as mesmas que todos nós possuímos e procuramos ignorar, as incertezas da existência, as impressões acerca do pai agonizante, da mãe sofredora, de parentes e amigos que passam e deixaram suas marcas, os remorsos, os medos, o abandono, um futuro que não se concretizou, um amor rompido premeditadamente, filhos que não nasceram, entre outros sofrimentos que fazem de nós, humanos, tão parecidos. 

    Não, o livro não fala de zumbis, mas é quase isso: fala sobre o vivo quase morto, ou sobre o morto ainda vivo, condição que muitos de nós passamos a assumir por inconsciente negligência. Fala sobre as impressões de uma vida quase sempre entediante, bem diferente do que acontece na maioria dos filmes e livros. 

    Amigos há três décadas, aconteceu de conhecer o Jorge em uma sala de aula do curso de Direito, na Universidade Federal de Minas Gerais, quando vi aquele rapaz entediado, sentado no fundo da sala, olhando para o vazio através da janela. Eu tinha 17 anos à época, era um rebelde tímido, me aproximei e logo começamos a disparar sobre literatura. Daí começou a nossa amizade, que teve longos intervalos, pois cada um foi cuidar de sua vida, de sua família, da profissão, mas o laço permaneceu, mesmo que por longos telefonemas ou por intermináveis textos trocados pelas redes sociais, além de encontros esporádicos que quase sempre davam continuidade ao assunto interrompido no anterior; e não foi com surpresa que recebi este convite para fazer o prefácio de seu novo livro, “O Morto Inacabado”, quando alertei para o fato de que talvez não tivesse capacidade para tal, pois, sem falsa modéstia, considero-me um escritor “descompromissado”. Bem diferente do Jorge, que é muito técnico e dedicado. 

   Eu o aconselhei a dar títulos aos capítulos, para facilitar o entendimento dos leitores (entendo o porquê dele não ter aplicado a sugestão, mas não vem ao caso expô-la), pois não é uma leitura fácil, a não ser que você esteja acostumado a ler Dostoievski, na minha opinião, sua mais forte influência, pois ele entra com facilidade daqueles questionamentos existenciais entrecortados com pequenos diálogos triviais, possivelmente, apenas para comprovar que seus personagens estão mesmo vivos. 

  Também conheço seu incansável trabalho religioso, na tentativa de salvar as pessoas dessa “morte em vida”, e aprecio sua determinação, apesar de, nesse trabalho, não entrar tão profundamente nessas questões como em seus outros livros, talvez para despertar determinados questionamentos nas pessoas que passam por idêntica situação de seu personagem central, que vive essa aparente morte. 

   Uma aventura instigante e investigativa da alma de todos nós. 


   Michel Salomão


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18 novembro 2020

"Arpeggios Insulares" grátis na Amazon: Leia o Prólogo!

 






Jorge F. Isah



Nesta semana, de 16 a 20 de Novembro, a Amazon disponibilizou o meu segundo livro de poesias, "Arpeggios Insulares", aos interessados em baixá-lo no formato ebook/kindle. 

        Publicado em 2018, reúne quarenta e seis poesias escritas entre meados de 2017 e o primeiro semestre de 2018, que tratam de temas variados, extraídos do mais profundo da alma, com tudo de bom e ruim derivado da natureza humana. 

        Entretanto, talvez o sentimento mais presente em toda a obra seja o de gratidão a Cristo, pelo seu eterno e infinito amor, capaz de tornar as trevas interiores em um dia intensamente ensolarado, e da mesma penumbra tocar os mais doces e consoladores acordes; um bálsamo a aliviar e curar qualquer espécie de dor, angústia e sofrimento. 

       Deixo o "prólogo" do livro, abaixo, para a sua apreciação; e caso se sinta instigado, vá até a amazon.com.br, digite na barra de pesquisas o título "Arpeggios Insulares" e baixe a sua cópia. E, talvez, entenda o que não fui capaz de descrever por aqui. 

       Um fraterno abraço!

          Jorge F. Isah


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"PRÓLOGO DE ARPEGGIOS INSULARES"


        O tempo passa...

Iniciei a escrita deste livro logo após a publicação do meu primeiro, “A palavra não escrita”, em formato ebook. Transcorridos pouco mais de um ano e meio, apresento ao leitor o trabalho demorado em dias, e exíguo em linhas. São quarenta e seis poemas que tratam de vários temas, mas que têm a mesma visão central: a fé cristã como cosmovisão, essência e fundamento da minha vida, ao menos nos últimos quatorze anos.

Por isso, em quase tudo, não é difícil perceber a orientação dos versos e a sujeição deles à pessoa de Cristo. Ainda que não seja citado diretamente, a inferência ao seu governo é recorrente e está nas entrelinhas e subliminarmente. Não podia ser de outra maneira, visto a excelência da sua Pessoa e a minha completa dependência dEle.

Alguém pode dizer que a minha impressão, estilo e imaginação, é excessivamente pessimista em relação à vida, às pessoas e o futuro. Realmente, não posso ser considerado um otimista quanto a este mundo. Não nutro qualquer esperança no homem, nas ideologias, nos sistemas, no intelectualismo, ou nas ciências; de alguma forma, muito menos nas religiões. Entretanto, não sou um pessimista completo e incorrigível, pois nutro a esperança viva de que, naquele glorioso dia, o dia do Senhor, o verei face a face, e nenhuma tristeza, angústia, dor, e dúvidas se farão presentes na vida.

O cristianismo somente vive na pessoa de Jesus e sua Igreja (a verdadeira, aquela resgatada pelo seu sangue), e ainda que possa ser interpretado por várias correntes, a verdade existe e subsiste nele e por ele. Então, se o pessimismo exagerado quanto ao mundo em si se sobressai no meu pensamento, em contrapartida existe uma esperança viva, otimista, exultante, em relação ao Porvir, naquele que é o Senhor do tempo, do passado, presente e futuro, mas também da eternidade.

Com isso, alguns podem sugerir que haja uma visão dicotômica da vida e que eu seja incoerente. A verdade, contudo, é que o homem sem Deus não me inspira qualquer confiança (ainda que eu tenha compaixão, assim como também necessitei de piedade), e mesmo a bondade possível nele, somente se realiza por meio dAquele que é, em si mesmo, o Bem por atributo; a natureza que o torna quem é, e da qual não pode prescindir, nem ser anulada.

E é nesse Bem que deposito a esperança, a expectação de uma existência em que, mais do que eu mesmo, serei mais dele, ao ponto em que nele serei encontrado. Como o apóstolo Paulo escreveu aos Gálatas, este é o meu mais puro e ansiado desejo, o de proferir sinceramente: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim!”[1].

Essa é a glória a se buscar, a “cobiça” maior à qual o homem deveria se entregar, perseguindo-a como o bem mais precioso e enlevado, e na qual, desde algum tempo, tem sido o anelo da minha vontade. E que ela, como todo o meu ser, esteja cativa e submetida à perfeição, santidade e graça do Filho.

Se eu conseguir, de alguma maneira, que você leitor veja-o assim como o vejo, já me darei por satisfeito, e em plena alegria. Porque a vida, sem dar a glória e o louvor devidos a Cristo, é como uma sinfonia tocada à perfeição para uma plateia de surdos.



[1] Gálatas 2:20