07 setembro 2009

VELHOS E NOVOS FARISEUS [Comentário a Mateus 23.1-12]












Por Jorge Fernandes Isah

A Bíblia esteve nas mãos dos judeus e, ainda que a estudassem diligentemente, não compreendiam os reais propósitos divinos; escutavam muitas vozes, muitas sugestões, muitas interpretações, mas a voz do Espírito Santo era-lhes por silêncio. De forma diabólica, os escribas e sacerdotes ouviam apenas a si mesmos e aos seus pares, corrompendo e acrescentando à palavra de Deus seus próprios conceitos, insuflando o povo a segui-los como se fosse o conselho divino. É o que está escrito: “Na cadeira de Moises estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem. Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com seu dedo querem move-los” (Mt 23.1-4).
Ao sentarem-se na cadeira de Moisés, os líderes do templo liam as Escrituras, tanto a Lei como os Profetas, explicavam-nas e ensinavam-nas, de forma que cumpriam o trabalho honrado de preservar e propagar a palavra escrita. Contudo, a despeito da autoridade investida (eram também juízes no tribunal onde a Lei Mosaica era a lei civil), suas atitudes não eram compatíveis com aquilo que proferiam. Eles eram “atores”, interpretavam o papel de alguém que não é, não pode ser, ou não quer ser. O hipócrita encontra-se no mais miserável de todos os estados, o de guiar os outros quando está completamente perdido; e de ser incapaz de ver a própria ruína e inutilidade. Por isso, Cristo exortou o povo a ouvi-los, mas não a segui-los (1).
Por diversas vezes, Ele os chamou de hipócritas, insensatos, cegos, assassinos, raças de víboras. Há os que vêem nas palavras do Senhor uma admoestação branda, um apelo amoroso para que os fariseus e escribas se convertessem da sua disposição ao pecado e a oposição a Deus. Porém, em Mateus 23, Jesus os censura duramente através de uma série de “ais” e em descrições pormenorizadas das suas atitudes pecaminosas. Não vejo, na contundência de Suas afirmações, nenhuma demonstração de amor para com o alvo do Seu ataque. Antes, em Suas palavras, é visível a sentença condenatória.
A forma como os “ais” são proferidos, mostram a nítida ira do Senhor para com aqueles homens; e não há porque ser diferente, visto que a Bíblia revela a soberana autoridade de Cristo para salvar e também para condenar. E é esse o caso. Cristo está a julgar os principais. Aqui Ele não se refere a eles como amigos, mas como a inimigos. Parece que, de certa forma, para alguns, se Ele está julgando-os, está agindo injustamente. Mas, lembremo-nos de três coisas:
1-Cristo é Deus. A segunda pessoa da Trindade Santa; o Filho eterno; nosso Senhor e Salvador, cuja morte na cruz propiciou a libertação e vida a muitos; Aquele pelo qual todas as coisas foram feitas; e pelo qual o mundo será julgado. Portanto, se há alguém com autoridade, justiça, santidade e retidão para julgar qualquer pessoa ou evento no universo, esse alguém é o Verbo encarnado: Jesus Cristo.
2-A ira divina é santa. Ela é o reflexo da Sua justiça. Portanto, dizer que Cristo, ao mesmo tempo em que se ira e condena, o faz em amor ao objeto da Sua ira e condenação é, no mínimo, uma contradição. O problema é que se espalhou pelo mundo que Deus ama a todos, quando, na verdade, Deus ama aquele que o obedece, aquele que cumpre os Seus mandamentos, aquele que foi regenerado e lavado no sangue do Seu Filho amado, os eleitos, pelo qual morreu e se entregou para que fossem salvos. Quem se atreverá a rogar por aquele que Deus condena? Ao fazê-lo, não estará questionando a Sua justiça e a santidade? E se fazendo como ele? O “ai” de Cristo é uma acertiva inexorável, do qual não se pode escapar.
3-Deus é justo, e não pode ser questionado por ninguém. Foi o que Ele disse a Jó: “Porventura também tornarás tu vão o meu juízo, ou tu me condenarás, para te justificares?” (40.8).
O que não quer dizer que Cristo não tenha outro objetivo em mente. O alvo do Seu amor está implícito na maneira com que os condena, e desta forma, todos os eleitos lerão e ouvirão aqueles exemplos como alerta para não repeti-los, para afastarem-se deles, para condená-los igualmente, e assim, buscarem fazer exatamente o oposto do que os líderes de Israel faziam. Em outras palavras, Cristo revela-nos toda a sordidez e vilania dos fariseus e escribas, condenando-as e a eles, para que nós visualizemos o erro, saibamos do desagravo de Deus a quem os comete, e nos afastemos de suas práticas. O alvo da Sua ira é a liderança judaica e seus seguidores, o alvo do Seu amor, os eleitos (podendo ser mesmo alguns desses líderes e seguidores).
E, hoje, as coisas são diferentes? Não há milhares de estudiosos mundo afora, Bíblias em mãos, examinando-a, assim como os fariseus e escribas faziam? E, igualmente, não são guiados por suas mentes pervertidas a rebelar-se contra aquilo que dizem acreditar?
Vejamos alguns pontos:
1-Os fariseus e escribas tinham o conhecimento das Escrituras, e sabiam da chegada do Messias.
2-Cristo veio ao mundo, e os fariseus e escribas odiavam-no exatamente porque Ele se opunha a tudo o que faziam e era contrário as Escrituras.
3-Os fariseus e escribas eram “obreiros fraudulentos” (2Co 11.13) e, por isso, combatiam declaradamente o Evangelho de Cristo.
4-Eles se diziam servos de Deus, mas na verdade eram idólatras, pois faziam “todas as obras a fim de serem vistos pelos homens” (v. 5). Faziam ídolos de si mesmos.
5-Não eram humildes; usurparam e usavam o título que não lhes pertencia (Rabi), considerando-se mestres, quando “um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos” (v. 8).
O quadro dos “principais” descrito pelo Senhor, em nada lhes é favorável, ao contrário, é totalmente adverso, desventurado. E muitos discípulos dos fariseus e escribas estão a andar por aí, cheios de vaidade, exibindo-se como pavões na cópula, a fim de serem vistos e engrandecidos como se fossem deuses. A ferida na qual Cristo colocou o dedo é a vergonha exposta por muitos crentes. Não apenas pastores, presbíteros e diáconos, mas muitos de nós estão inchados por todo o tipo de cobiça, de vanglória, de louvor, de adoração, ostentando títulos e honrarias usurpadas de Deus. Como aqueles à época de Jesus queriam ocupar o lugar que somente o Filho de Deus pode ocupar, muitos se iludem com as falsas promessas de que podem ser rabis modernos, mestres de uma legião de tolos e incautos.
Quem lhe deu olhos para ler? A mente para entender? O espírito para discernir? E a vontade para obedecer? Quem lhe revelou o pecado? E a salvação? Quem lhe deu a vida? Ou será que foi você que se entregou na cruz por seus pecados? Ou, onde estava quando Deus fundou a terra? (Jó 38.4).
Se atentarmos, veremos que nada do que temos é fruto do nosso esforço, ou pode ser determinado por nossa vontade, ou aconteceu por mérito. Provavelmente, haverá no mundo pessoas muito melhores do que eu, muito mais inteligentes, sábias, talentosas e dispostas, mas de uma forma inexplicável, Deus escolheu-me para Si e não eles. Por isso, ninguém será justificado por obra de justiça que houver feito (Tt 3.5-6), "para que nenhuma carne se glorie perante ele" (1Co 1.29), e "aquele que se gloria glorie-se no Senhor” (1Co 1.31). Paulo está nos dizendo que tudo é pela graça e misericórdia de Deus, que nada do que somos ou temos é fruto nosso, mas gerado em nós por Cristo. Então, por melhor que eu seja, por mais bem situado social e financeiramente, por mais poder e prestígio que tenha, nada disso foi-me dado por mérito, mas por graça; o que me torna duplamente responsável pela forma como decido usar o que me foi entregue por Deus. Fazendo-o sabiamente, guiado pelo Espírito, serei instrumento de justiça, do contrário, de injustiça. E toda injustiça será castigada, condenada, parafraseando Nelson Rodrigues.
Vem à mente a advertência:
“Portanto, pelos seus frutos os conhecereis. Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade” (Mt 7.20-23).
Sem entrar na análise profunda deste trecho, o que fica evidenciado é que, mesmo muitos sendo usados para a obra de Deus, não são de Deus. Fazem-na, estão nela, cumprem uma obrigação específica determinada por Deus, como todos no mundo, crentes ou não fazem, mas não estão entre os escolhidos. O que revela, mais uma vez, o poder divino de fazer o que quer, como bem quer, com quem quer, porque Ele é o padrão máximo de soberania, justiça e santidade, e para que em tudo o Seu nome seja glorificado. Ninguém pode enganá-lo, ou rir-se dEle, antes é Ele quem ri do tolo, porque “o tolo não tem prazer na sabedoria, mas só em que se manifeste aquilo que agrada o seu coração” (Pv 18.2).
No fundo, os antigos e os novos fariseus orgulham-se tanto das suas obras, como uma espécie de manifestação das suas bondades pessoais, como o fruto da aplicação e esmero de uma vida voltada para o serviço religioso e, com isso, esperando serem justificados perante Deus, corrompem todo o bom ensinamento doutrinário que porventura venham a realizar. Ele está tão seguro de si mesmo, tão cheio de si, que mesmo desejando glorificar a Deus o que consegue é glorificar-se, revelando todo o caráter vaidoso e soberbo que possui (dissimuladamente), e o desprezo para com tudo o que não seja ele mesmo (Lc 18.11-12). Ele é um fraudador da fé cristã, um embuste, uma vergonha para a igreja, pois diz o que está em conformidade com as Escrituras, mas age diametralmente oposta a elas (2). Está tão orgulhoso de suas obras (apontar os erros alheios), ensimesmado com seus dotes e atributos, com o destaque e proeminência alcançados, que é incapaz de acusar em si mesmo os pecados que acusa nos outros. Em suma, é o desobediente crônico; finge que é, mas não é; faz o que não deve quando devia fazer o que diz fazer; é odioso ao criticar o pecado de outrem, talvez por se ver nele e no seu pecado. Ele é um obstinado; perseverante na teimosia.
Paulo o descreve assim: “Tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? Tu, que abominas os ídolos, cometes sacrilégio? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei?” (Rm 2.21-23). Esse é o pior inimigo da verdade, porque ainda que a proclame e muitas vezes aceite-a intelectualmente, é incapaz de praticá-la, prefere viver a mentira deslavada, e terminar por blasfemar, com suas atitudes, o nome de Deus entre os incrédulos (Rm 2.24).
Como diz o pregador: “vaidade de vaidades! Tudo é vaidade” (Ecl 1.2).
Mas ao que “a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado” (Mt 23.12). Porque quando tivermos a mente e o sentimento que houve também em Cristo, o qual se humilhou a si mesmo, e esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, achado na forma de homem, e foi obediente até a morte na cruz (Fl 2.5-8), então seremos “irrepreensíveis e sinceros filhos de Deus inculpáveis, no meio de uma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no mundo” (Fl 2.15).
Retendo a palavra da verdade (o fariseu não consegue fazê-lo), humilhar-se significa considerar os outros superiores a si mesmo, não atentar para o que é propriamente seu, mas também para o que é dos outros (Fl 2.3-4). Para que isso aconteça, é necessário que Cristo cresça em nós, enquanto diminuímos e finalmente morremos para nós mesmos (Jo 3.30; Gl 2.20); pois o nosso velho homem foi crucificado com Ele, para desfazer o corpo do pecado, a fim de que não sirvamos mais ao pecado (Rm 6.6).
Cristo nos deu o exemplo: o maior se fez menor para ser exaltado soberanamente.
Notas: (1) Ainda que não diretamente, aqui encontramos o princípio da autoridade. Os líderes, mesmo afundados em suas corrupções, foram instituídos por Deus, e, portanto, não haveria por que os judeus desprezá-los naquilo em que falavam. O Senhor não mandou que o povo se rebelesse contra eles, que os destituíssem dos seus cargos, e colocassem outros mais honrados para exercê-los. Logo, o crente não é chamado à revolução. Não há componentes revolucionários no Evangelho, no sentido de algo afrontoso, insubordinado, desrespeitoso e injusto. O fato dEle ordenar que não praticassem os mesmos atos dos líderes, demonstrava a necessidade de se ter sabedoria, discernimento, santidade, a fim de não se contaminar com o pecado. Em nada nos autoriza ao desrespeito à lei, às normas que somente existem porque cumprem o propósito soberano de Deus; a menos que se oponham à expressa vontade divina. Como Pedro disse, "mais importa obedecer a Deus do que os homens" (At 5.29).
(2) Note-se que estou a falar de um fariseu moderno em um ambiente doutrinariamente ortodoxo, onde os princípios bíblicos estão preservados; já que qualquer tentativa de revelar esse erro em um ambiente corrompido doutrinariamente não surtiria nenhum efeito.

29 agosto 2009

o evangelho caquético do deus defeituoso






















Por Jorge Fernandes Isah

Por que as pessoas querem excluir da natureza divina a ira e a justiça? Por que os textos bíblicos onde esses atributos são manifestados encontram-se reclusos, como se não fizessem parte do Evangelho e fosse proibido exibi-los? Por que limitar Deus àquilo que mais agrada o coração do homem, de forma que lhe traga um falso consolo? Por que Cristo é muitas vezes estigmatizado como se fosse um molenga, não-viril, um “maria-vai-com-as-outras” que aceita tudo de todos? Por que querem que Ele negue-se a Si mesmo em favor do homem? Por quê? Por quê?... Compartimentá-lO, desagregá-lO de Si mesmo é uma tática maligna de desprezar e rejeitar aquilo que Ele é. Infelizmente, entre os cristãos, não parece haver uma unidade quanto ao verdadeiro Deus, quanto ao entendimento da sua natureza, quanto ao que nos foi revelado na Escritura; e a maioria se sente constrangida quando tem de dar explicação a uma passagem em que Deus pune, disciplina, condena.

É como se tivéssemos arrancado páginas e mais páginas da Bíblia a fim de não sermos incomodados com situações violentas, mas que revelam o poder soberano e justo dEle. Não é essa atitude uma violação à natureza divina? O arrogante desprezo de não reconhecer a superioridade da Sua revelação em detrimento da nossa reles concepção? Acontece que cristãos fracos têm pregado doutrinas fracas em que um deus fraco é incapaz de atitudes soberanas; ao contrário, esses cristãos raquíticos proclamam um evangelho caquético de um deus defeituoso e imperfeito que não ultrapassa a extensão da mente obliterada pelas trevas.

Como Marcião e tantos outros heréticos, os pseudocristãos estão mais preocupados em não se envolverem em dificuldades, em facilitarem o seu trabalho, em adequarem a mensagem do evangelho ao estado servil, ao utilitarismo em que muitos ministérios reduziram a Escritura, como o meio de se atingir os seus objetivos iníquos e fraudulentos. No fundo, é um evangelho covarde e bajulador, seguido por uma turba de tolos e impenitentes que, não ingenuamente, estão preocupados em atender os seus próprios interesses, crendo que a pregação espúria de um falso cristianismo será a sua “taboa de salvação” financeira, emocional e espiritual. São cegos guiando cegos até o precipício mais tenebroso da ignorância, da desfaçatez, da estupidez, e da malícia diabólica. Não há inocentes, são todos culpados dos piores pecados contra Deus, enquanto mantêm bilhões manietados por uma discursividade cativa ao impudor satânico.

O objetivo é um só: glorificar o homem, e usar o nome do Senhor como uma espécie de muleta na qual os seus infames propósitos de poder, glória e riquezas realizar-se-ão. Não há nada de espiritual neles, apenas a carne gritando como louca, seduzindo a si mesma, na manifestação mais doentiamente possível da corrupção, rebeldia e irregeneração mental do homem caído.

Mesmo servos fiéis, mentes brilhantes, teólogos, pastores, missionários e outros trabalhadores dedicados à seara de Cristo, são apanhados na teia maligna de distinguir os atributos divinos em dois grupos: os facilmente detectáveis, e com os quais se tornará menos difícil manter um discurso agradável aos ouvidos impuros (questões como o amor, a bondade e benignidade divinas são reciclados de maneira tão antagônicas à revelação escriturística que se tornam em distorções da Sua natureza), e aqueles com os quais se deve manter distância, quando muito citá-los rapidamente a fim de não serem notados pelo ouvinte, e nem seja necessário dar explicações que denunciarão a inclinação viciosa da pregação. Poder-se-ia chamar de negligência, omissão, se não fosse um estratagema maroto e cínico de se ocultar a verdade.

É por isso que se está a criar uma geração de crentes fracos, incapazes de responder ao mundo a razão da fé cristã. Assim, se limitam a ecoar os ditames seculares da tolerância, da contemporização, quando a sociedade é completamente intolerante e intransigente quanto a Cristo e Sua palavra.

Por isso, eles não aceitam Cristo como a única verdade, como o único caminho, como a única vida. Por isso, não aceitam o Cristo irado, vingador, que julgará e condenará os pecadores impenitentes. Por isso, não aceitam Cristo como único Rei, Senhor e Salvador, porque, desta forma, teriam de se sujeitar ao Seu reinado e senhorio. Por isso, se criou uma imagem de um Cristo subserviente, adocicado, meigo até ao nível da mais pavorosa demência. Por isso, não querem ser confrontados pela Palavra, mas criarem a sua própria interpretação falaciosa, conduzindo-a até aquele cantinho onde o homem jaz morto; onde a última pá de terra é jogada sobre o seu cadáver.

Alguns gnósticos retrataram Cristo assim, como um ser espiritual neutro, inofensivo, abestalhado. Católicos e espíritas descrevem-no quase como se fosse uma donzela indefesa; outros, como um lunático. Há os que O pintam como um homem comum, sujeito às fraquezas e passível de erros. Há os que ainda O vêem como um perigoso potencial, um revolucionário temível. Há os que simplesmente O ignoram, e ainda aqueles que O desdenham. Contudo, Paulo alerta: "Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará" (Gl 6.7); mas os tolos não ouvem avisos nem os consideram. São rebeldes obstinados, aos quais está destinada a condenação eterna, e, ainda assim, mesmo no inferno, considerar-se-ão certos em sua inútil revolta.

A verdade é que Cristo é o Senhor de todas as coisas, o Deus Vivo em que “habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9); o Senhor dos Exércitos (Sl 84.3), o Guerreiro (Ap 19.13-16) , o Justo (Tg 5.6), o Unigênito Filho Amado de Deus (Jo 1.18), o Criador de todas as coisas sem o qual nada existiria (Jo 1.3), o Salvador (Tt 3.6) e Juiz (At 10.42). Será que estas qualidades anulam o Seu amor, bondade, benignidade, santidade e retidão? NÃO! Todas elas são atributos divinos, e não podem ser repartidas como se possível fosse setorizá-lO. Qualquer tentativa de separar a unidade divina, puxando-a para um lado ou outro, é desqualificá-lO, reduzi-lO a um arremedo daquilo que Ele mesmo revelou-nos. É o pecado supremo de não glorificá-lO; de esquecer, não temer, nem servi-lO como Deus zeloso, cuja ira se acende contra todo o rebelde. Nenhum profeta ou apóstolo teve a audácia e insolência de minimizá-lO, antes foram guiados pelo Espírito Santo na coragem e obediência em descrevê-lO assim como Ele é, assim como se deixou mostrar e quis se revelar.

Como sempre digo, a verdade não precisa ser defendida, mas proclamada (porque anunciar a verdade é a forma de melhor defendê-la do embuste, ao revelar-lhe a artimanha e o seu artificioso ardil). Deus não precisa que o defendamos de supostos ataques humanistas e das investidas diabólicas, mas Ele precisa ser proclamado como a Bíblia O revela: Deus Todo-Poderoso, soberano e Senhor de tudo e todos, não uma bijuteria sobre a mesa da qual nos lembramos apenas quando se vai tirar o pó. De outra forma, como os eleitos serão regenerados e abandonarão as falsas doutrinas? E como os santos serão feitos à imagem perfeita de Cristo?

Ocultar ou rejeitar partes da revelação divina em nada afeta a Sua natureza e glória, mas nos coloca em “maus-lençóis”, ao tornar-nos odiosos diante dEle, que não tem por inocente aquele que tomar o seu nome em vão (Ex 20.7).

Que se pregue o Evangelho da verdade, em sua totalidade, não aquilo que pode ser conveniente e falsamente interpretado como a completude da revelação, quando não passa de um fragmento descontextualizado em que uma mínima parte verdadeira é reunida a uma maioria mentirosa e, assim, utilizada para construir e validar um complexo falacioso.

Deus é Todo-Poderoso, e não há nada nEle que O envergonhe, porque é santo, justo e o único Senhor. Da mesma forma, não pode haver nada que nos escandalize na Escritura (refiro-me a Deus, Sua natureza, propósitos e ações, pois, o diabo, seus anjos e os homens são completamente reprováveis e escândalosos), antes rendamos honra e glória ao Deus que está diante de nós, e pelo qual somos chamados a confiar no Evangelho como a Sua fiel revelação.

E livremo-nos definitivamente do evangelho capenga do deus falseado, para se viver a verdade santa e objetiva da Palavra do Deus Vivo.

23 agosto 2009

AMOR & VERDADE
















Por Jorge Fernandes Isah

Primeiro, vamos definir alguns termos segundo o dicionário Priberan:

Amor(1) - 1.Sentimento que induz a obter ou a conservar a pessoa ou a coisa pela qual se sente afeição ou !atração.
2. Paixão atrativa entre duas pessoas.
3. Afeição forte por outra pessoa.
4. O próprio ser que se ama. (Usado também no plural)
Verdade(2) - 1. Conformidade da ideia com o objeto, do dito com o feito, do discurso com a realidade.
2. Qualidade do que é verdadeiro; realidade; !exatidão; coisa certa e verdadeira.
3. Por ext. Sinceridade, boa-fé.
4. Princípio certo; axioma.

Agora, pense um pouco: é possível haver amor sem verdade?... A maioria, certamente, dirá que não. É impossível conciliar o amor em meio à mentira, a hipocrisia, ao engano. Intelectualmente a resposta é bem mais fácil de obter. Mas, e na prática? Será que vivemos a verdade quando dizemos andar em amor?

Hoje em dia, é muito comum se ouvir dizer: irmão, deixa de ser crítico, o importante é o amor. Ou, devemos amar os nossos irmãos ainda que estejam no erro. Ou, Deus amou o mundo, por que não podemos amá-lo também? Ou, julgar é pecado!... E segue-se uma lista de expressões tão fúteis quanto incoerentes quanto mentirosas, no sentido de que se é possível caminhar em amor com alguém que transita no erro sem apontar-lhe o erro, ou pior, fazendo “vistas grossas” ao engano, como se ele não existisse, ou fosse irrelevante.

O amor, por si só, é inclusivo. Posso amar uma pessoa ainda que ela não me ame, e posso ser amado por alguém sem que eu o ame. Porém, a verdade é exclusiva, ela não se juntará ao erro ou engano, mas o revelará, a expor-lhe o falso caminho. Por isso satanás se empenhou em destruir a verdade no coração do homem. Desde o Éden, o seu trabalho incessante é com o objetivo de desqualificar, relativizar e descontextualizar a verdade, ao ponto em que ela seja desfigurada, descaracterizada e, por fim, inexista como um princípio racional e moral; sendo removida e substituída pela irracionalidade e pela má-fé ardilosamente tramada. Por isso o mundo não quer saber de absoluto, nem de verdade, pois, onde ela estiver a fraude ficará evidenciada, e será desmascarada; e a mentira se torna a opção mais servil, favorável e multifacetária aos intentos do seu autor.

Biblicamente o que é o amor? Segundo Paulo, “O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem. Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros” (Rm 12.9-10)... "O amor... não folga com a injustiça, mas folga com a verdade” (1Co 13.6).

Segundo Cristo, “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim... Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama” (Jo 14.6, 21).

Segundo João, O amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos. Este é o mandamento, como já desde o princípio ouvistes, que andeis nele" (2Jo 1.6).

Antes de definir o amor como os dicionários fazem a Bíblia revela-o na manifestação dos atos divinos. Mais do que explicar, ela demonstra-o. Mais do que classificá-lo, ela exprimi-o não somente por palavras, mas por gestos. Ao invés de ser um simples postulado, ela o comprova factualmente; e a prova maior é que Deus entregou o Seu Filho Amado por amor dos eleitos. Da mesma forma, a vida cristã não se resume a um emaranhado de teorias desconectadas da realidade, a vida cristã está voltada para a prática muito mais do que para as especulações. Não que a teoria ou doutrina seja irrelevante. Não é isso. Sem uma base doutrinária sólida e biblicamente fundamentada, a vida cristã se revestirá de múltiplos subjetivismos, e qualquer um fará o que lhe der “na telha”, segundo aquilo que julgar melhor. Mas esse julgamento em nada terá a ver com a verdade, logo, não é objetivo, nem santo, nem justo, pois não procede de Deus. A verdade não admite metades, nem tons cinza, nem possibilidades, nem pode ser amoldada ou ter a sua ordem transigida. Como disse várias vezes, não há muros onde subir e no qual se encontre a verdade. Ela é única, monopolizadora, polarizadora, opondo-se e suprimindo toda a mentira.

Cristo é a verdade, “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32) de todo engano, do pecado, que é a mentira impossível de que se pode opor a Deus impunemente; de que a desobediência não será castigada; de que pouco importa a maneira como irei servi-lO, desde que o faça piedosamente, ainda que essa piedade não passe de um erro em si mesma, quando ela se disfarça de devoção, mas uma devoção cujos fins, ainda que aparentemente bíblicos, não são justificados nem se enquadram nos padrões determinados por Deus. Há uma expressão, “pia fraude”, que indica exatamente uma mentira ou engano para um fim piedoso. Portanto, o padrão de obediência a Deus não está na piedade, mas na verdade que levará à piedade. Qualquer forma de amor será vazia se não estiver firmada na verdade. Posso dizer que amo uma pessoa e vê-la caminhar seguramente para o inferno sem admoestá-la quanto ao caminho que a levará à perdição. Posso dizer que a amo e ainda assim não me sentir incomodado por seus pecados. Isso, invariavelmente, indicará que não estou na verdade, ou ela em mim, pois, se estivesse, não me conformaria com a hipótese de alguém infringir deliberadamente a santidade divina pela dissolução. Se não me importo com o pecado alheio, não me importo com os que pecam, nem com Deus que abomina o pecado e o pecador. Então, o pseudo-amor não passará de um artifício para justificar a omissão e o conluio com o pecado do próximo (o que significa pecar conjuntamente com o outro pecador); e o crente condescendente não passará de um traidor, um escândalo para tudo o que é um cristão bíblico. O amor implicará no desejo de que as pessoas andem na verdade, amem-na, arrependam-se dos seus pecados, odiando-os com o que há de mais santo em seu íntimo, assim como Cristo (Hb 1.9).

Tentar justificar qualquer atitude ou postura com base naquilo que não é bíblico, é uma tentativa de sustentá-lo através do engano. A mente humana é prodigiosa em se autovalidar, e o que muitos de nós têm feito é exatamente isso, dar chancela a algo que não procede da vontade de Deus, mas unicamente tem por significado nos justificar diante de nós mesmos e, de certa forma, diante da Igreja e de Deus. Usar o argumento de que tal procedimento não está proibido expressamente na Escritura, não quer dizer que ele seja autorizado. Nós ainda não nos acostumamos completamente com a subserviência, o sujeitar-se ao nosso Senhor, e queremos propagar uma liberdade que não temos. Onde está escrito que o escravo tem alguma liberdade? Cristo nos comprou com o Seu sangue para nos libertar do pecado e da maldição do inferno, para habitarmos o seu Reino de glória, e para que tivéssemos uma íntima comunhão com Deus. Mas, em momento algum, ouve-se dizer que temos liberdade para fazer isso ou aquilo à revelia da Escritura. A menos que não a consideremos nossa regra de fé. A menos que a desprezemos, não a julgando como a fidedigna palavra de Deus. A menos que falemos da boca pra fora, porque não recebemos o amor da verdade para a salvação (2Ts 2.10). A menos que o nosso coração esteja tão arraigado às coisas do mundo, que a melhor das atitudes é a negligência e a desobediência. Seria isso uma prova de amor ou de desamor? Não seria o mesmo que buscar justiça na injustiça? Cristo em Belial? Fidelidade na infidelidade? Deus entre os ídolos? (2Co 6.14-16). Ou, para ser mais claro ainda, verdade na mentira? Contudo, fomos gerados pela palavra da verdade, para não errarmos, porque toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação (Tg 1.16-18).

Mas julgamos que Deus é mutável, e se é, não se importará em que alteremos um pouquinho aqui e acolá o que nos revelou expressamente, ou mesmo com aquilo que está implícito, mas que pode ser entendido como a Sua manifesta vontade. Algo definitivamente reprovável é quando se quer adaptar a Escritura, o padrão máximo e perfeito da vontade divina, ao padrão mínimo e sedicioso da vontade humana. Em nome das possíveis brechas que acreditam haver na Bíblia (outra corrupção de suas mentes), querem preencher as supostas lacunas com o que de mais desonesto e mesquinho podem gerar.

E gritam a plenos pulmões: “Amor! Amor! Amor!”, enquanto o verdadeiro amor será manifestado na obediência a quem se ama, na forma como se sujeitará e honra-lO-á. Palavras como edificar, crescer, santificar e glorificar só significarão alguma coisa se estiverem em acordo com a obediência. Sem obediência serão apenas expressões “ao léu” que, de fato, nada representam, nem têm sentido.

Sem o menor pudor, de uma forma maligna, tem-se abandonado qualquer disposição de obediência à Palavra, revelando o nosso desprezo; envolvendo-nos em uma falácia espiritual em que se camufla amorosa, piedosa, e não mentirosamente a verdade, quando se tem especializado no mais sórdido padrão de desobediência, e a verdade se tornou em um mero detalhe, onde, dizem, o que vale é o amor. Mas não é essa uma forma dos homens deterem a verdade em injustiça? (Rm 1.18).

O salmista escreveu: "A tua palavra é a verdade desde o princípio, e cada um dos teus juízos dura para sempre... A tua palavra é muito pura, portanto, o teu servo a ama" (Sl 119.160, 140).
O amor, como Paulo diz, é o maior de todos os dons. Usá-lo como escudo para a desobediência além de desamor é pecado. O amor verdadeiro não é inimigo da verdade, nem a verdade inimiga do amor. Eles se complementam, são indissociáveis, não andam separados. Quem espera ou acredita na desagregação entre o amor e a verdade é o crédulo no impossível: crer na mentira do Evangelho.

Mas aquele que está na verdade não teme nem precisa temer o amor, porque o amor perfeito lança fora todo o temor (1Jo 4.18); "de sorte que o cumprimento da lei é o amor" (Rm 13.10).

Nota: (1) O principal verbo hebraico para amor é “aheb”, enquanto para o grego há várias palavras: “agapao”, “phileo”, “eros”, “philadelphia”, etc. Resumindo, do ponto de vista bíblico, a palavra amor significa “a comunhão entre as pessoas baseadas em atos de auto-sacrifício. Tal amor é a bondade voluntária e deliberada, estendo-se até mesmo aos inimigos por quem não se tem qualquer afeto pessoal” (Dic. Bíblico Wycliffe).
(2) Do heb. "emuna", e do grego "aletheia".

11 agosto 2009

SUA BÍBLIA MERECE CONFIANÇA?



 Por Jorge Fernandes Isah

Há algo que realmente não entendo, e do qual não li, até agora, nenhuma explicação plausível para o sua veracidade. Os exegetas e hermeneutas reformados(1) sempre afirmam que a Escritura é inerrante, divinamente inspirada e infalível, contudo, esse conceito não é corroborado em relação às cópias e às traduções. Algumas simples perguntas: 

Primeiro, se as cópias e traduções não são infalíveis, como saber se o original é?... Talvez, respondam: o texto bíblico afirma que a Escritura é infalível... Tudo bem, concordo. A Escritura diz isso de si mesma. Mas se o que temos são cópias e traduções do original, o qual já não existe, é possível inferir então que nem tudo que está escrito na Bíblia é correto, certo? Já que elas (as cópias) não são infalíveis, inerrantes e divinamente inspiradas, como saber se o que está escrito é certo ou errado? 

Segundo, outros diriam: O volume de cópias contendo um mesmo princípio e texto revela que ele é verdadeiro... Mas se as cópias não são infalíveis, não é possível ao erro ser copiado inúmeras vezes e constar de inúmeras cópias, permanecendo como erro, a despeito da quantidade de provas da sua existência? 

Terceiro, Deus, o qual garantiu a infalibilidade, inerrância e inspiração da Bíblia não seria poderoso o suficiente para "garantir" que as cópias(2) também permanecessem tal como os originais, e fossem fielmente transmitidas nos séculos vindouros? Por qual motivo Ele não preservaria essas qualidades às cópías, visto que elas chegariam ao Seu povo, no futuro, como a expressão da Sua revelação ao homem? 

Muitos teólogos e estudiosos dizem que apenas os originais ou autógrafos são inerrantes, infalíveis e divinamente inspirados. Porém, como é possível que se saibam inerrantes, infalíves e divinamente inspirados se não existe um só autógrafo na atualidade para comprová-lo? Existindo apenas cópias desses originais, as quais, para eles, não detém as características dos autógrafos, o que teríamos seria a Palavra fiel de Deus? Em outras palavras, o que eles defendem é a impossibilidade de se crer naquilo que as cópias dizem, ainda que o digam dissimuladamente; enquanto outros, descaradamente, confirmam essa falsa premissa. 

Pelo que consta, apenas o pr. Paulo Anglada(3) entre os reformados, sustenta a fidelidade das cópias, as quais mantêm as mesmas virtudes dos originais. E junto-me a ele em coro. Não é possível eu pegar a minha Bíblia e lê-la, acreditando ser a Palavra de Deus, sem que ela seja inspirada, inerrante e a infalível revelação do próprio Deus. Do contrário, seria um livro qualquer, e não a regra de fé e vida do cristão. Como os liberais e emergentes asseguram: seria apenas um livro moral entre tantos livros morais existentes. 

Portanto, para mim, permanece um enigma essa declaração dos exegetas reformados (pelo menos, parte deles), e os seus argumentos levam-nos a apenas uma constatação: a Bíblia que lemos pode não ser a Palavra de Deus. E isso, no mínimo, é um absurdo, visto que eles mesmos são guiados e orientam outros a guiarem-se por ela. 

Pode as cópias conterem algo que o texto original não contém? Não. A própria palavra de Deus garante que a Bíblia é a expressão da revelação divina, e de que Ele preservá-la-ia fielmente contra qualquer corrupção (Dt 4.2, Jr 1.12, Sl 119.160, Mt 24.35,1Pe 1.23-25).
Desde a igreja primitiva, por exemplo, sabe-se que as cartas paulinas eram copiadas e lidas em várias igrejas em continentes diferentes (circulavam entre as inúmeras igrejas), e nem por isso pairou qualquer dúvida quanto à sua legitimidade. 

Para mim, é apenas mais uma contradição humana entre tantas que os religiosos evangélicos têm. E o que fica, ao fim, é a Escritura infalível, inerrante, poderosa e inspirada divinamente: a palavra do bom e gracioso Deus(4).

Notas: (1)Não é uma crítica exclusiva aos reformados, nem um tom de criticar os reformados. É que o crente, reformado ou não, no intuito de, muitas vezes, garantir a veracidade de algum dogma ou conceito, se cerca de "garantias" humanísticas provenientes em sua maioria da ciência, em especial da metodologia, arqueologia e filosofia que, ao invés de assegurar, confunde aquilo que é explícito na revelação escriturística. Os reformados acertam na maioria dos seus princípios, mas não dá para concordar naquilo em que erram. É pouco, mas ainda assim, são erros. E o que falar dos batistas (e sou um batista), dos pentecostais e neo-evangélicos?
(2)Interessante que os textos utilizados para as diversas traduções até o séc XIX foram o Texto Massorético hebraico e o Textus Receptus grego (Texto Majoritário; nas língua originais), os quais perfazem mais de 98% das cópias preservadas ainda hoje; onde há uma impressionante uniformidade textual e, historicamente, foram desde o princípio recebidos pela igreja como cópias fiéis do texto original.
A partir da metodologia "crítica" adotada por Westcott e Hort, cuja base é simplesmente a de “confiar” na cópia mais antiga, na cópia mais próxima do original, mormente os códices Sinaítico e Vaticano (texto eclético; menos de 2% das cópias), o espírito cientificista e racional tem procurado levar ao descrédito o Texto Majoritário.
Somente entre os textos ecléticos há mais de 3.000 diferenças entre si, e muito mais em relação ao Texto Majoritário (o qual, como já disse, tem uma uniformidade maravilhosamente admirável).
(3)O pr. Paulo Anglada é pastor presbiteriano da Igreja Presbiteriana Central do Pará, proprietário da Knox Editora, e autor de vários livros. Em especial, abordando a questão escriturística, indico o ótimo livro “Sola Scriptura” (leia o meu comentário ao livro AQUI), Editora Os Puritanos, onde ele defende a suficiência da Bíblia a despeito da descrença liberal (e às vezes ortodoxa) dos defensores do texto crítico, também conhecido como movimento da Crítica-Textual ou Alta Crítica.
(4)Entendo que, como as cópias, Deus preservou as traduções que se baseiam nas cópias igualmente preservadas. O texto eclético, de onde se originou a Almeida Atualizada, Almeida Século XXI, NVI, e a aberração chamada NTLH, mostra a sua “fragilidade” pela quantidade de erros (p.ex., o papiro P66 apresenta uma média de dois erros por versículo), pelo número reduzido de cópias (demonstrando sua pouca ou nenhuma utilização pelas igrejas), e o próprio descrédito com que a igreja o tratou (o Códice Sinaítico foi "salvo" por pesquisadores russos quando estava prestes a ser incinerado no mosteiro ao sopé do Monte Sinai em 1859). 
Sabemos também que muitos heréticos dos primeiros séculos corromperam e “reescreveram” parte da Bíblia, como Marcião, por exemplo; os quais, bem como suas doutrinas, foram rejeitados pela Igreja Primitiva, assim como os textos apócrifos. Fica a pergunta: não é estranho que após dezenas de séculos no ostracismo, somente pouco mais de cem anos atrás o texto eclético ganhou “status” de palavra de Deus?.
Assim, creio que a tradução fiel ao Texto Majoritário é a realizada por João Ferreira de Almeida, disponível no Brasil como ACF (Almeida Corrigida e Fiel, editada pela SBTB); e, desta forma, Deus preservou infalivelmente a Sua palavra em língua portuguesa. 

02 agosto 2009

HUMILHAI-VOS!



















Por Jorge Fernandes
Isah

Tenho meditado e escrito sobre a necessidade da separação entre luz e trevas. Ela ocorrerá a despeito da nossa disposição em tentar conciliá-las. Novamente, fui confrontado pela Palavra de Deus; a bendita palavra revelada pelo Senhor, dada-nos para que, por meio dela e da ação do Espírito Santo, sejamos santificados, e cada dia mais semelhantes a Cristo. Ao final, esse é o principal e, porque não, único objetivo dos crentes nesta vida: ser como é o Senhor. Não por algum mérito que haja em nós, nem por algum esforço nosso, mas unicamente pelo poder e a graça de Deus de nos transformar de miseráveis pecadores em santos redimidos por Seu Filho Amado.

O verso ao qual me referi está em Tiago 4.9:
"Senti as vossas misérias, e lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em tristeza".

O impacto ao lê-lo foi o de cair e rolar escada abaixo vinte andares até o fosso; foi o de pular do avião sem pára-quedas; foi como se mil floretes perfurassem-me ao mesmo tempo; senti-me tão miserável em toda a minha pecaminosidade que os olhos marejaram, e lágrimas rolaram pelo rosto. A reação foi a de ter os ossos quebrados, esmagados, então, curvei-me, quedei-me contrito, em silêncio, diante da santidade divina, e da minha iniquidade.

Foi quando lembrei-me de Davi: "Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim. Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista... Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe" (Sl 51.3-5).

Foi quando lembrei-me de Paulo: "Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço... Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?" (Rm 7.18-19;24).

Estendido por toda a Escritura, a leitura do verso colocou-me no devido lugar: de inimigo de Deus; porque a inclinação da carne é morte, e inimizade contra Ele; não podendo agradá-lO, pois não está sujeito à Sua lei, nem, em verdade, o pode ser (Rm 8.6-8). A amizade do mundo é inimizade contra Deus, e quem "quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus" (Tg 4.4).

Como disse outras vezes, não há tons cinzas na Escritura. Ela é preta e branca. Não há como subir no muro e tentar contemporizá-la, nem mesmo ficar alheio a ela. A verdade, mais cedo ou mais tarde, estará diante de nós; se em Cristo, nesta vida, será para salvação; se no Dia do Senhor, quando julgará a humanidade, na vida eterna, será para a condenação de todo aquele que não crê no Filho como a verdade. Ali não haverá chance de reconciliação. A oportunidade é agora, o dia se chama Hoje, "para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado" (Hb 3.13).

As relações escusas que temos com o mundo e o pecado são as nossas misérias. Ainda que ríamos da manhã à noite; ainda que gozemos todas as benesses que o mundo nos proporciona; ainda que finjamos ser o que não somos, usando o nome de Cristo para a dissolução, para pecar livremente como sinal de blasfêmia; ainda que a nossa loucura nos leve a acreditar em uma eternidade isenta de punição, um mundo em que o deus complacente, criado a nossa imagem e semelhança, perdoará todas as nossas iniquidades sem que haja contrição, como se ele estivesse obrigado, forçado a fazê-lo, sujeitado ao poderio humano; ainda que vivamos um delírio contínuo e continuado, gastando energia, recursos e tempo em nossos constantes deleites; ainda que o sonho nos mantenha entorpecidos, e o medo de acordar nos faça supor que o pesadelo pode ser adiado indefinidamente, contudo, virá inexorável; ainda que se acredite na salvação sem regeneração; tudo isso é motivo de lamento e choro, o qual nos colocará frente a frente com o Deus santo, e toda a nossa imundícia ser-nos-á exibida. Se ao contrário, gastar-nos ainda mais em nossos deleites, o lamento e o choro serão eternos, no fogo inextinguível do inferno. É melhor chorar e lamentar agora, enquanto há tempo, enquanto o dia do Juízo ainda não chegou.

Bem-aventurado quem tem o seu pecado revelado por Deus, se arrepende, e humilha-se diante do Senhor, pois, agindo assim, Ele o exaltará (Tg 4.10). É algo que venho meditando e escrevendo há tempos: o princípio da santidade é a obediência. E obediência significa sujeição, rebaixar-nos diante de Deus. Muitos dirão: mas isso é indigno! Não se deve rebaixar, pois a vontade de Deus é nos exaltar. Essa visão é o resultado do autonomismo. O homem quer ser exaltado sem ser rebaixado, sem ser preciso descair em seu orgulho. Mas não é o que o Senhor nos diz: "Porquanto qualquer que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado" (Lc 14.11); e ainda: "Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que a seu tempo vos exalte" (1Pe 5.6).

A desobediência, e mais do que ela, a insistência em manter-se rebelde e em oposição a Deus, revelando a arrogância do homem, somente trar-lhe-á uma única consequência: "Deus resiste aos soberbos". Em contrapartida, Ele "dá graça aos humildes" (Tg 4.6). Aos que querem e acreditam possível servir a Deus e agradá-lO sem sujeitar-se, sem obedecê-lO, sem conformar-se à Sua vontade, alerto: não se engane, nem se deixe enganar, "se alguém cuida ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo" (Gl 6.3) e, "não erreis: Deus não se deixa escarnecer", e tudo o que o homem plantar, também colherá (Gl 6.7).

Quase tão imediatamente quanto constatar minha condição iníqua, Deus revelou-Se, colocando-me no lugar em que quis dispor-me: o de amigo, e filho adotivo em Cristo. A tristeza e o choro anteriores do pecador se converteram no gozo e alegria do salvo. Pela graça e misericórdia divina, pelo amor com que amou, compreendi toda a obra de redenção, de transformação, a qual Cristo fez e fazia em minha vida.

Foi quando lembrei-me de Davi: "Purifica-me com hissopo, e ficarei puro; lava-me, e ficarei mais branco do que a neve. Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que gozem os ossos que tu quebraste... Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto" (Sl 51.7-8;10).
Foi quando lembrei-me de Paulo: "Agora, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito" (Rm 8.1).

Foi quando lembrei-me de Cristo: "Pai justo, o mundo não te conheceu; mas eu te conheci, e estes conheceram que tu me enviaste a mim. E eu lhes fiz conhecer o teu nome, e lho farei conhecer mais, para que o amor com que me tens amado esteja neles, e eu neles esteja" (Jo 17.25-26).

Ainda que eu pudesse chorar todas as lágrimas do mundo, nada pode-se comparar com o júbilo e, sobretudo, a gratidão a Deus por ter-me amado tanto, sem que houvesse qualquer coisa em mim digna do Seu amor. Se havia alguma dúvida quanto ao entender o que é a graça divina, ela se dissipou completamente. Foi-me possível entender que toda a vida tem de estar em constante reverência a Ele, e a obediência é o melhor sinal de reverência. Obedecê-lO significa não conformar-se com o pecado, mas odiá-lo com todas as forças; obedecê-lO significa servi-lO, e não servir ao pecado; obedecê-lO significa mortificar os nossos membros da fornicação, impureza, afeição desordenada, da vil concupiscência, e da avareza, que é idolatria; "pelas quais coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência... mas agora, despojai-vos também de tudo... e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou", porque Cristo é tudo, e em todos nós (Cl 3.5-6; 8; 10-11).

Por fim, lembrei-me de Pedro: "Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém administrar, administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a glória e poder para todo o sempre" (1Pe 4.11).

Amém!

27 julho 2009

AUTONOMIA DO HOMEM: REJEIÇÃO AO EVANGELHO

















Por Jorge Fernandes Isah

Vejo pessoas saindo da igreja, trocando-as como se mudam peças de roupas. Vejo pessoas difamando outras pessoas quando, há pouco tempo, eram elogiadas. Vejo pastores cairem da semideidade (na visão de muitas ovelhas) para a completa demoniedade (na visão das mesmas ovelhas). Vejo amizades ruirem. Comunhão desfeita. Mas afinal, por que abandonar uma igreja local por outra?
Primeiro, quero dizer que nem todo o que se diz crente tem compromisso com o Corpo de Cristo. A igreja é instituição do próprio Senhor, não é algo meramente humano, ainda que seja composta por homens. Foi por ela que Cristo morreu na cruz do Calvário, resgatando-a "com seu próprio sangue" (At 20.28, Ef 5.25, 1Pe 1.18-19). Deve-se ater que a cabeça é Cristo (Ef 1.22), o Filho de Deus (Mt 14.33, Mc 1.1, Jo 3.18), a 2a. Pessoa da Trindade Santa (Jo 1.1-4, 1Jo 5.7) , "sendo ele próprio o salvador do corpo" (Ef 5.23). Portanto, desprezar a igreja é fazer o Senhor indigno.
Segundo, quais motivos podem conduzir o crente a abandonar uma igreja? Poderia citar vários que têm levado irmãos a afastarem-se do Corpo, mas não é esse o meu objetivo. De qualquer forma, indicarei dois casos (poderia ser apenas um, dada a sua correlatividade), os quais parecem mais rotineiros:
1- Pregação: muitos irmãos se sentem incomodados quando são alvos da pregação. Quando digo alvos, não quero dizer que o pastor, deliberadamente, prega especificamente para um ou mais irmãos (existem os que assim agem). Se é-se filho de Deus, então, o filho é o alvo da correção do Pai, o qual usará seus ministros para exortar, repreender, disciplinar, como está escrito: "o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho" (Hb 12.6). A pregação é o instrumento divino para que o pecador seja confrontado pela santidade de Deus e, assim, abandone o espírito de iniquidade. Porém, o que acontece na maioria dos casos? O crente arrepende-se? Desvia-se do mal? Infelizmente, muitos estão inchados pelo orgulho e vaidade, e o que ocorre é que, ao invés de se ouvir a voz de Deus, o crente irá, se não tirar satisfação com o pastor, simplesmente, abandonar a igreja em favor de outra menos "legalista" (cuja palavra tem adquirido significados que podem abranger uma gama espetacular de sentidos, quase sempre, improcedentes).
2- Disciplina: Diretamente ligada ao item 1, as igrejas que aplicam a disciplina bíblica são também alvos dos vários sentidos contradizentes da palavra "legalismo". Novamente, ao invés do crente entender que o objetivo da disciplina é, primeiramente, o arrependimento do pecador e sua reconciliação com Deus (Mt 18.15-17), ele vê a igreja como um organismo tirânico, despótico, destituído de amor fraternal. Mas é exatamente o contrário. A igreja, por amor a Deus e ao membro, tem o dever e a autoridade divinas para corrigi-lo. Porém, o disciplinado vê, unicamente, o seu orgulho ferido, e insuflado pela vaidade, tem "cauterizada a sua própria consciência" (1Tm 4.2). Contudo, "se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos" (Hb 12.7-8).
Interessante como Paulo co-relaciona os que cometem heresia/pecado com os que defendem a fé: "Porque antes de tudo ouço que, quando vos ajuntais na igreja, há entre vós dissensões; e em parte o creio. E até importa que haja entre vós heresias, para que os que são sinceros se manifestem entre vós" (1Co 11.18-19). Deus não escolheu plantar na igreja apenas o trigo, há também o jóio; não somente as ovelhas, mas também os bodes; para que, através dos bodes e do jóio fique manifesto quem é trigo e ovelha. Ora, se não há os defensores da verdade, se não há vozes que se levantem contra a injustiça, todos são mentirosos e injustos; se não são, mas apenas consentem com os que são, e conhecendo o juízo de Deus, igualmente são dignos de morte (1Rm 1.32).
Quanto ao incrédulo na disciplina bíblica, como autoridade investida por Deus para o arrependimento e o retorno à verdade, basta consultar os seguintes textos, dentre muitos, além dos já indicados: 1Co 5.4-5, 13; 2Ts 3.6, 14; Tt 3.10.

AUTONOMIA: CADA UM POR SI
Estes dois exemplos refletem claramente a quantas anda a vida cristã. O secularismo injetou o veneno da autonomia humana na igreja, e o que se vê, são cristãos completamente livres de qualquer autoridade, insubordinados, fazendo o que lhes dá na telha, donos do próprio nariz. Essa é, por acaso, uma atitude cristã? Ou não passa de uma simples impostura mundana aplicada à uma pretensa vida cristã? Paulo diz: "Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus" (1Co 6.10). O apóstolo diz, inconfundível, que o nosso corpo não mais nos pertence, do qual não somos donos (na verdade, nunca fomos, pois, antes, éramos servos do pecado [Jo 8.34]), logo, somos servos, escravos, d´Aquele que pagou alto preço por nossas almas. Aos que se julgam independentes, saibam que não existe independência, ou o homem é escravo de Deus, ou é escravo do diabo. Não há meio-termo, não se pode estar de um lado e do outro ao mesmo tempo, nem servir a dois senhores, "porque, ou há de odiar um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro"(Lc 16.13).
Qualquer atitude que não seja para a glória de Deus, que vise exclusivamente manter-nos no estado de autopiedade, autobajulação, autovitimação... um estado que nos coloque no centro de nossas decisões à margem da revelação escriturística, não passará de pecado, desobediência, e reflexo da inconversão ou da imaturidade espiritual. Naquele caso, é necessário Deus resgatá-lo das trevas, dar-lhe o novo-nascimento, justificá-lo. Nesse, o crente ainda é um menino, independente de quantos anos esteja convertido, criado com leite, não com carne, "porque ainda sois carnais" (1Co 3.3), e não se pode falar com eles como se fala a espirituais, "mas como a carnais, como a meninos em Cristo" (1Co 3.1).
A doutrina da igreja nunca se perdeu em meio aos delírios filosóficos invidualistas, onde, cada um por si determina como deve ser a administração da sua vida. Pelo contrário, Deus estabeleceu a igreja como o local onde os santos se reunem para, conjuntamente, louvar, reverenciar e bendizer ao Senhor; para, conjuntamente, edificarem a igreja através dos dons que Deus pôs a cada um dos membros (1Co 12.28; 14.12); "para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível" (Ef 5.7); para, amando uns aos outros, o amor de Deus ser revelado em nós (1Jo 4.7); para que cada membro sujeite-se à cabeça, Cristo. Sendo assim, não devemos pensar de nós mesmos além do que convém; "antes pense com moderação, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um" (Rm 12.3), sendo diariamente renovados pela "boa, agradável, e perfeita vontade de Deus" (Rm 12.2); ou seja, a minha vontade será verdadeira quando ela estiver resignada e em conformidade com a vontade divina. O autônomo estará sempre contrário, em rejeição à vontade de Deus; na condição de incrédulo, a sua vida refletirá as características do homem natural, sem Deus, inconverso. Nele, não há o abandono da verdade, mas o desconhecimento da verdade, típico de quem está envolto em trevas, preso à vontade de satanás, carente da graça e libertação divinas. Esse homem finge-se crente, quando, na verdade, é descrente.

QUANDO SAIR DA IGREJA
Então, chega-se à pergunta inevitável: quando e por quê sair da igreja?
Primeiro, vimos que a maioria dos crentes que se afastam da igreja local o fazem por abandonar os princípios bíblicos em favor do pecado do orgulho e da vaidade. Porém, será que todos os casos enquadram-se nesse perfil? Não. Muitos saem da igreja porque mudaram de lugar (bairro, cidade ou país), o que é correto, nenhum crente deve ficar sem congregar, sem unir-se a outros santos. Contudo, outros apegam-se a fundamentos não-cristãos, antibíblicos e eivados:
1-Motivados pela supertição de que se pode conseguir uma "bênção" em tal igreja ou pelas mãos de tal pastor, fica-se a pular de galho em galho, sem qualquer sinal de pertencer ao Corpo, egoisticamente buscando somente "o que é seu, e não o que é de Cristo Jesus" (Fp 2.21) .
2-Porque certa igreja é mais acolhedora, tem atividades sociais intensas, o louvor é mais "quente", está na moda, ou ela dá ao frequentador um "status" maior do que a pequena igreja do bairro.
3-Porque, simplesmente, poderão continuar vivendo a vida que sempre viveram, no pecado e afastados de Deus.
Especialmente nesses casos, tratamos com incrédulos, não com crentes. Mas, e estes? Quando sair? "Retirai-vos, retirai-vos, saí daí, não toqueis coisa imunda; saí do meio dela, purificai-vos" (Is. 52.11). A ordem do Senhor é imperativa: sair do meio dela! Paulo reverbera essa ordem: "Por isso saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor" (2Co 6.17). Há o mandato, mas quando ele se dá? Quando a doutrina da igreja não está fundamentada no Evangelho de Cristo. Quando a mentira contaminou a pregação. Quando a santidade deu lugar à impostura humana. Quando Deus é substituído pelos ídolos humanos. Quando se prega algo que, mesmo parecendo com o cristianismo, afronta a Cristo e Sua mensagem. Quando subterfúgios e artimanhas são iscas para pescar os néscios, e mantê-los à margem da verdade, imersos na ignorância, como cegos conduzidos por cegos em direção à cova (Mt 15.14). Em resumo: quando Deus e Sua palavra são desprezados, e o homem está subordinado à própria mente caída e pecaminosa, o que sobra é um arremedo de cristianismo, no qual não há salvação, tropeçando "ao meio-dia como nas trevas, e nos lugares escuros como mortos" (Is 59.10).
Divergências doutrinárias e de opiniões (desde que a base do Evangelho: a divindade de Cristo, Sua expiação e ressurreição, não sejam rejeitados) não são suficientes para o crente sair da igreja. É preciso algo realmente forte: aquela igreja não ser mais uma igreja, mas um local destruído pelo pecado, a ante-sala do inferno, gerenciada pelo diabo e seus demônios. Onde a Bíblia é relegada, não há igreja. Onde Cristo é ignorado, não há igreja. Onde Deus é diminuido, não há igreja. Onde a própria igreja não se vê como tal, é possível haver igreja? Onde o homem é alçado ao trono, como aquele pelo qual Deus deve se adaptar, ali não há igreja. Não no sentido bíblico, não como um projeto divino, nem a reunião dos santos. Saí pois do meio deles, porque Deus não os tem por filhos e filhas, nem é-lhes Pai.

CONCLUSÃO
Há de se entender que a mais pura igreja não está isenta de erros, pois, como disse, ela é formada por homens imperfeitos e falhos, e nem todos são ovelhas do Bom Pastor. Então, não pode ser um problema insignificante, nem a discordância em pontos menores, ou a vontade carnal e infundada, que moverá o crente para outro lugar. É-se necessário orar; considerar atentamente a Escritura; buscar o conselho de cristãos maduros, homens tementes, humildes e reverentes a Deus, para não haver imprudência, precipitação e prejuízo para o corpo local.
Faz-se necessário também o alerta quanto aos erros, primeiro, à liderança da igreja, depois aos demais irmãos. A omissão jamais deve ser uma característica cristã. Deve-se fazer o possível (sempre em estado de oração) para que a igreja volte ao caminho do Evangelho, sujeitando-se a Cristo.
A saída não pode ser uma simples opção, mas algo inevitável. Não deve ser sorrateira, como se fosse uma fuga, mas motivada consistentemente. E a igreja deve saber detalhadamente quais são as causas da saída do membro.
Da mesma forma, ao se escolher outra igreja, tem-se o dever de explicar os reais motivos da transferência; e cada igreja cuide para não dar guarita, abrigo, a "lobos cruéis" que visam dissipar o rebanho, não o poupando (At 20.29). Cada igreja é responsável por si, e se há o amor de Cristo em seu meio, ela honra-lO-á, zelando pelo Seu corpo.*
Sejamos todos sujeitos uns aos outros, revestindo-nos de humildade, "porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes" (1Pe 5.5).

* 1- Há de censurar-se o descuido e o pouco caso com que muitas igrejas recebem membros de outras igrejas, sem ao menos questionar o motivo da transferência, sem buscar informações sobre a vida do novo membro junto ao antigo corpo local. E, essa atitude é puro desleixo, desamor para com Cristo e a Igreja. Invariavelmente, ou quase, porque há exceções, ao acolher-se um estranho, está-se a acobertar rebeldes autônomos, dissidentes. Seria o mesmo que, guardadas as devidas proporções, dar asilo político a terroristas assumidamente censuráveis. Por isso, muitas igrejas trazem para a comunhão pessoas não-convertidas, impostores, espiões do maligno, dispostos a servi-lo diligentemente; por pura falta de vigilância. Como soa o alerta do Senhor: "Vigiai e orai, porque não sabeis quando chegará o tempo". (Mc 13.33).
2- Não tenho pretensão de ser exaustivo quanto ao tema, pois nem todos os casos enquadrar-se-ão aqui, apenas abordei alguns pontos que considero fundamentais à questão.