Por Jorge F. Isah
Se há algo que tem me marcado ultimamente, e o qual tenho sido ensinado através das Escrituras, é Deus revelar-se em poder, glória e majestade na sua Criação; de que a revelação natural manifesta ao mundo todo o esplendor, infinitude, domínio, e intensidade do eterno poder divino [Rm 1.20], ao ponto do mais ignorante dos homens, e até mesmo os ainda mais ignorantes que ele [os ateus], não estarem livres de formular conceitos e ideias sobre Deus, numa disposição, o “sensus divinitatis” [1], de que existe o Criador. Ela perpassa todos os homens, crentes ou não; e o próprio fato do cético afirmar a sua descrença é a declaração de que, mesmo opondo-se a Deus, ele não pode se ver livre dele. Ao negá-lo, apenas revela a consciência, mesmo deturpada, caída, corrompida, de que ele possui a consciência de Deus.
Na verdade, o ateu, ao se debater e se bater para provar a não existência do Criador, dá o testemunho secreto da alma de que ele existe. A prova está em como essa rejeição toma-o de assalto, de tal forma que ela preenche a sua vida tornando-o indissociável da ideia de Deus, ainda que negativamente. O objetivo passará a ser opor-se-lhe, com o empenho, dedicação e esmero digno de um adorador, porém um adorador disposto a destruir o objeto de adoração. Pois, em sua ignorância, ao negá-lo, nega-se a si mesmo. Da mesma forma que ele não pode se cortar sem sentir dor, é impossível a vida sem Deus. Se a morte precisa da vida para existir; se o bem não houvesse, não existiria o mal; se o feio carece do belo para ser; a vida também depende de Deus para subsistir. Não uma antítese, como nos casos citados anteriormente, mas sem ele nada haveria ou poderia simplesmente existir ou ser feito [Jo 1.3].
Ninguém nasce ateu; o ateísmo é o ápice da rebeldia contra a autoridade divina, e acontece numa fase temporária, como se o homem estivesse em coma e perdesse a sua consciência. O ateu é um inconsciente, a autoministrar-se doses regulares de pecaminosidade, ao ponto de se considerar autônomo, sendo a sua independência irreal sustentada pelos anestésicos que o mantém em estado de torpor, e assim é-lhe incapaz ter a noção exata do que se passa em torno dele ou com ele. Julgando-se habilitado a desafiar a Deus, convencido de estar procedendo em coerência com a sua percepção geral, ele estaria na mesma condição de, por exemplo, alguém afirmar estar em terreno seco quando a água está-lhe a cobrir a cabeça. Quem nega a revelação natural e, por conseguinte, Deus, incorre em autoengano, quando a sublevação instala-se violentamente ao ponto de se auto-afirmar ser necessário repudiá-lo, renunciar à sua vontade, não admitir a sua existência a qualquer custo, e, então, ainda que seja pela vontade, uma vontade delineada pela injustiça, chegar ao estágio em que todo homem almeja, no íntimo, alcançar: autoproclamar-se deus. Com isso, o que consegue é apenas iludir-se com a idéia de que assentou definitivamente no trono quando nem mesmo ainda entrou nos limites do castelo: mudar a verdade em mentira [Rm 1.25].
Há o negar-se Deus para reafirmar o homem. Há o negar-se o conhecimento para se desconhecer. Há o negar-se a culpa para se viver impiamente. Há a não glorificação de Deus para se autogloriar na escuridão do coração insensato. Há o desprezo à sabedoria para o louvor da loucura... E, assim, diz “o néscio em seu coração: não há Deus” [Sl 14.1]. Somente o tolo pode não se aperceber disso, mas o simples fato de imbuir-se de uma cruzada contra o Criador, exclui qualquer possibilidade de não-consciência da realidade de que ele existe; apenas não quer aceitá-la; na recusa de confessar-se a imagem dele, ainda que esteja distorcida pela Queda e o pecado. Seria o mesmo que alguém visitasse uma “sala de espelhos”, onde as imagens de si mesmo são disformes, e dissesse: “como é possível eu me reconhecer nelas se não se parecem comigo? Se não se parecem comigo, não sou eu; e se não sou eu, como posso me reconhecer?”.
A lógica, ou a falta dela, é mais ou menos o que o homem pode apreender de si mesmo a partir de uma imagem deformada de si. E teimar em negar Deus a partir da imagem deformada que construiu, ou da sua destruição interior, e insistir em perguntar: como posso reconhecê-lo? Porém o Senhor nos deu não somente indícios, mas evidenciou todo o seu poder e glória através da Criação; que se pode considerar como o som produzido por ele para o deleite dos nossos ouvidos. Ocorre que há os surdos, os impossibilitados de ouvir [2], e pelo fato de não ouvirem, alardeiam aos quatro cantos que não existe som, de que ele é uma ficção ou apenas uma muleta para provar-se que a língua, cordas-vocais, palato e os lábios têm um significado e não são inúteis, assim como os ouvidos também têm de ter um propósito que justifique-lhes a vida. É o mesmo que se dispor a crer no poder do acaso e da aletoriedade, supondo que compreendem a realidade ou até a criaram, como se a "roleta-russa" [3] fosse capaz de projetar a arma, o projétil, o crânio e o sangue a jorrar-lhe, ou o simples estalido seco da câmara vazia do revólver.
Qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, pode se aperceber da verdade de que Deus é o Senhor do universo, porque "no princípio criou Deus os céus e a terra" [Gn 1.1]. Por onde andamos, para onde olhamos, no que tocamos, está evidenciado que o mundo é o lugar onde Deus diz muito de si, a gritar a sua sabedoria e poder; a ordenar aos homens que o adorem; porque “os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos... não há linguagem nem fala onde não se ouça a sua voz. A sua linha se estende por toda a terra, e as suas palavras até o fim do mundo. Neles pôs uma tenda para o sol” [Sl 19.1,3-4].
Mesmo se uma pessoa tivesse nascido em uma ilha deserta, sem qualquer contato humano, inclusive com os pais, somente pela obra das mãos divinas seria possível a esse homem vê-lo, pois além de serem feitas por ele, elas o revelam. Com isso, não estou a dizer que a revelação natural é suficiente para o homem conhecer a verdade, ainda que não houvesse o pecado e a Queda [4], mas seria suficiente para reconhecer o seu poder e glória, honrando-o como o Criador e Senhor de todas as coisas que vieram à existência por sua vontade.
Vale ressaltar que a revelação natural não pode salvar, nem trazer ao homem um relacionamento com Deus. Ela é suficiente para condenar o homem, para revelar que Deus existe, e de que é o Criador e legislador do universo. Ao se rebelar, o homem rejeita todas as evidências que ela lhe apresenta: a origem divina do Cosmos e das leis que o ordenam; a origem divina da lei moral, cuja consciência é-lhe inerente e na qual não quer se submeter. Por isso, Paulo diz que o homem é inescusável diante de Deus, por não querer entendê-las nem vê-las.
Portanto, Deus se revela na Criação, mas essa revelação não é capaz de levar o homem a vê-lo além do seu poder; pois outros atributos como o amor, bondade, misericórdia e graça somente podem ser conhecidos através da revelação especial. Assim, posso concluir esta parte com a seguinte afirmação: Deus revela através da natureza o seu poderio, mas o seu amor somente pode ser conhecido pela Palavra. E essa palavra é Cristo!
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Notas: [1] “Sensus Divinitatis”[encontrei também a grafia “divinitatis sensus”] é o conhecimento inato ou a disposição ao conhecimento de Deus inerente à mente humana, dada pelo próprio Deus. Paulo define-o assim: “Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou” [Rm 1.19].
[2] Analogia a Jo 12.40.
[3] É um jogo de azar onde os participantes colocam uma bala - tipicamente apenas uma - em uma das câmaras de um revólver. O tambor do revólver é girado e fechado, de modo que a localização da bala é desconhecida. Os participantes apontam a arma para suas cabeças e atiram, correndo o risco da provável morte caso a bala esteja na câmara engatilhada.
[4] Não acredito que fosse possível ao homem [mesmo Adão, antes da Queda], o conhecimento perfeito do Criador; porque encontramos na sua Criação uma parte dos seus atributos, ainda que se possa dizer que o amor e a bondade estão manifestos nela. Deus somente pode ser conhecido através da revelação especial, e mais detidamente através do Redentor, Jesus Cristo. Como esse ponto será abordado em outro texto, deixo apenas a minha convicção de que o pecado e Queda foram decretados por Deus para que o seu povo pudesse conhecê-lo verdadeiramente.
[5] Esta série que, se Deus quiser, publicarei, deve muito ao meu pastor Luiz Carlos Tibúrcio, o qual tem pregado sequencialmente o livro de Salmos; porém sem qualquer participação nos eventuais erros que eu venha a incorrer.
[5] Esta série que, se Deus quiser, publicarei, deve muito ao meu pastor Luiz Carlos Tibúrcio, o qual tem pregado sequencialmente o livro de Salmos; porém sem qualquer participação nos eventuais erros que eu venha a incorrer.