Jorge Fernandes Isah
Outro
fato relevante, e que pode passar
desapercebido diante do objetivo principal da exortação de Judas é, após
relatar que se introduziram alguns, escrever “que já antes estavam escritos para este mesmo juízo, homens ímpios”. Mas,
por que escreveu isto? Com qual objetivo? Este trecho não parece deslocar-se do
restante do verso, como algo a acrescentar pouco ou nada?
É
inevitável observar que, para Deus, nada acontece sem o seu consentimento, sem
a sua vontade estar manifesta, não podendo pegá-lo desprevenido, sem souber ou
antever o acontecido. Não estou a defender a ideia de o Criador apenas
vislumbrar, ver ao longe, todos os fatos e processos históricos para, somente
então, decretá-los ou predestiná-los. Deus não é assim, contra-atacando ou
reagindo a uma ação prévia. Antes ele é a causa primeira e última de todas as
coisas, aquele pelo qual tudo se realiza, ou então nada viria a se conceber.
Ele não é um espectador assistindo, com passividade, os personagens da história
(toda a criação) agindo e interagindo como bem entenderem. Não, porque dois dos
seus atributos são a soberania e todo-poder, de ser o agente da história, o seu
construtor, motivado exclusivamente pela sua vontade, sem nos esquecer dos
demais atributos, os quais se comunicam de forma inseparável em seu ser, a
união de toda a sabedoria, toda a santidade, todo o amor, e tudo o mais a
constituir o caráter e o ser divino.
Deus
não vislumbra os acontecimentos, como se algo houvesse escapado ao seu
controle, realizando-se à sua revelia, onde os fatos estariam à margem da sua
vontade e poder, envolvendo-o caoticamente, como um bombeiro sem água diante de
um incêndio. Ele não é inepto, omisso ou desinteressado, negligente ou incapaz
de cuidar de toda a sua criação, nos mínimos e mais insignificantes detalhes,
para que tudo esteja sujeito à sua ordem, à sua vontade soberana, como está
escrito:
“E não temais os que matam o corpo e não
podem matar a alma: temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma
e o corpo. Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? E nenhum deles cairá
em terra sem a vontade vosso Pai. ” (Mt 10.28-29)
Ora,
se nem um passarinho, por menor que seja, cai sem se manifestar se forma
objetiva e direta a vontade divina, podemos dizer o mesmo daqueles homens
iníquos a invadirem a igreja primitiva, intentando destruí-la? Estaria o Senhor
agindo como um omisso, leviano? Ao ponto de ser surpreendido? Quanto isto, o
autor nega com vigor e veemência, pois eles haviam sido antes escritos para esse
fim.
Mas,
qual seria esse fim?
Ele
usa a expressão “juízo”, designando uma sentença, uma condenação, punição; ou seja,
aqueles homens, antes determinados ou escolhidos para adentrarem à igreja e
praticarem suas impiedades, também foram feitos réus antes mesmo de nascerem,
antes de praticarem o mal inevitavelmente praticado. Na mente divina, há um
nítido objetivo para estarem ali, ou um leque de objetivos a fim de cumprirem
um propósito específico. Poderia citar, por exemplo, a finalidade de purificar,
amadurecer e fortalecer, a igreja contra combates ainda piores a serem enfrentados no futuro. O certo
é haver Deus escolhido aqueles homens maus para fazerem uma determinada obra na
igreja, com um fim definido, e, por terem-no realizado, seriam
irremediavelmente condenados.
O
verso está a ressaltar a soberania divina e o seu caráter cuidadoso para com a
igreja, mesmo trazendo sobre ela lutas e sofrimentos, algo que não podemos
aquilatar em detalhes por causa da nossa pequenez e incapacidade de alcançar
perfeitamente a mente de Deus (como pode a mente limitada, imperfeita e
pecaminosa do homem compreender totalmente a mente infinita, perfeita e santa
do Senhor?), mas podemos aceitar, como verdadeira, visto ser um dos pontos mais
relatados nas Escrituras, revelando-nos um Senhor definido, necessário, e de
deliberada resolução; o Deus a mover todas as coisas para um fim, as quais não acontecem
pela aleatoriedade ou casualidade, mas pela determinação ou conselho divino. Em
outras palavras, o autor está a falar-nos de uma doutrina estigmatizada e
demonizada pela maior parte da igreja na atualidade, a doutrina da
predestinação; Deus predestinando a igreja a passar por essas provações, assim
como predestinou aqueles homens iníquos para afligirem-na.
Considero por bem ressaltar, mais uma vez, este
ponto: a ação divina não é passiva, do tipo, Deus viu que o homem se salvaria,
se santificaria, se esforçaria em entrar no Reino, aceitá-lo-ia e, então,
somente então, Deus o predestinaria e o elegeria. Mas que eleição é essa onde o
eleito é quem se auto predestina? Onde o escolhido se auto escolhe e impõe a
sua escolha por seus próprios méritos para aquele que o predestinou? O que vem
primeiro: a predestinação, ou o esforço do eleito em satisfazê-la e, por fim,
ser predestinado? Seria o mesmo que dizer que alguém se afogou antes de entrar
na água.
Nota: Excerto do Capítulo 3, do meu livro sobre o comentário à Carta de Judas, a ser lançado em breve.