Por Jorge Fernandes Isah
Há uma tese que defende a distinção extremada entre o Deus do AT e o Deus do NT, chamada Descontinuidade Radical, a qual despreza o AT como Escritura divinamente inspirada, a reputar Deus como um ser “irado” em contraste com o Deus do NT, o qual é “complacente”, quase um cúmplice do homem. Este é um conceito distorcido, herético e diabólico, que leva à incredulidade e a fé em um deus irreal, distorcido, utópico e feito à imagem do homem; e o grande problema é exatamente este: querer explicá-lO através dos nossos olhos, da nossa mente e dos nossos corações caídos e enganosos.
Desqualificar o AT como parte do Cânon, não crendo na sua inspiração divina, inerrância e infalibilidade, a fim de amoldar Deus segundo os conceitos e percepção errados do homem é excluir o que não se enquadra à mente, pensamentos e suposições nitidamente corrompidos. Portanto, parte das Escrituras (no caso o AT) devem ser negadas para que o homem e sua filosofia sejam confirmados. É uma impostura, um blefe, um sofisma que lança em densas trevas os seus defensores, afastando-os cada vez mais da verdade do Evangelho.
O AT é parte das Escrituras juntamente com o NT, e disso, ninguém pode duvidar sem incorrer em blasfêmia contra o Espírito Santo, que é o seu autor.
Numa clara inversão de valores o pecado do homem é transferido para Deus, lançando-se sobre Ele a culpa exclusivamente humana. É uma espécie de auto-absolvição-condenatória, em que os perfeitos desígnios de Deus são impossíveis de se realizar diante da “justiça” e do conceito erroneamente humano do bem e do mal. Se fossemos capazes de discernir entre o bem e o mal naturalmente, porque Deus nos daria a Lei Moral? Por ela, Ele estabeleceu o padrão de certo e errado, de justo e injusto, de bem e mal, de moral e imoral.
Ainda assim, com todos os alertas, baseados em uma falsa justiça, pecamos ao desobedecê-lO. Como então podemos questionar as ações de Deus? Ao que Paulo diz: "Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?" (Rm 9.20).
Baseiam o seu “deus” no amor que dizem Cristo ter, não o amor real e eterno que o Senhor tem, mas um amor conivente, condescendente, preso e afeito à vontade do homem. Este tipo de amor tão alardeado e propalado entre os cristãos em nossos dias não é o amor de Deus revelado nas Escrituras, antes é extra-bíblico e claramente enganoso, um artifício maligno de satanás, que o vem repetindo de tempos em tempos nas mentes e corações incautos. Pois afirmam que Deus seria incapaz de fomentar a destruição, a matança e o extermínio dos povos inimigos de Israel (por conseguinte, inimigos de Deus, visto que Israel era o Seu povo eleito), como fez com os cananeus, os amorreus, os amalequitas... Então, os relatos veterotestamentários não são condizentes com a “imagem” que fazem de Deus, logo, o AT não é parte do Cânon divino.
Por outro lado, apegam-se a um tipo de amor que as Escrituras não revelam. Cristo é corporalmente a plenitude, a completude de Deus (Cl 2.9), portanto, Ele é amor, mas é igualmente, santidade, justiça, retidão... Senão,vejamos:
1) Não foi com a autoridade e santidade de Deus que Jesus condenou Cafarnaum ao afirmar: "E tu, Cafarnaum, que te ergues até aos céus, serás abatida até aos infernos; porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje" (Mt 11.23)? E o que pode ser pior? O extermínio físico dos cananeus e outros povos, ou a condenação eterna ao inferno?
2) Paulo diz a Timóteo que Jesus julgará o mundo: “Conjuro-te, pois, diante de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino” (2Ti 4.1).
3) Quando necessário, Cristo usou de sua autoridade divina para julgar os fariseus e sacerdotes: “Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?” (Mt 23.33).
4) Igualmente, Ele agiu conforme os Seus atributos de santidade e justiça ao irar-se contra os mercadores no templo: “E entrou Jesus no templo de Deus, e expulsou todos os que vendiam e compravam no templo, e derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas” (Mt 21.12).
Dizer que Cristo revelou-se apenas em amor é mentira, é distorcer a Bíblia. Porque Cristo é a 2a. pessoa da Trindade Santa, e, portanto, igualmente justo, reto, santo e inimigo do pecado tanto quanto o Pai e o Espírito Santo. Quando voltar, Cristo não voltará como servo sofredor, mas como Juiz, Senhor, Rei e Guerreiro, o qual aniquilará definitivamente o mal, o pecado e todos os rebeldes que se utilizam indevidamente do amor de Cristo para tentar torná-lO cúmplice dos seus pecados.
Deus não age como o homem, nem tem as limitações do homem, portanto, ainda que não entendamos (muitas vezes porque queremos fazer Deus igual a nós), a Sua justiça e santidade podem ser percebidas ainda que na "aparente" injustiça do massacre dos povos inimigos de Israel (e porque não, no próprio sofrimento do povo de Israel). Afinal, não são elas conseqüências do pecado e da rebeldia contra o Todo-Poderoso? As quais faz-se necessário julgá-las? Pode o pecado ficar impune? Sem castigo? E o castigo ao pecador impenitente não denota a santidade e justiça de Deus, e o amor por Si mesmo e por Seus eleitos?
Por isso, Ele deu o Seu Filho Amado para expiação dos pecados do Seu povo, dos Seus eleitos, para que sobre eles não viesse a condenação.
Infelizmente, a visão distorcida do homem faz de Deus um ser suscetível, impotente, frágil diante do pecado, da desobediência, do diabo e da vontade humana. Segundo eles, Deus somente pode ir aonde o pecado, o diabo e a rebeldia do homem não chegaram. Ali, a Sua soberania pára, e dá lugar à ação dessas criaturas. Como explicar, então textos como Dt 32.39-43 e Is 45.7?
Jamais podemos olhar-nos e, através da nossa imagem, do que vemos em nós, de nós mesmos, explicar a Deus. Antes, é Ele quem nos define, explica, transforma, e um dia, nos manifestará como é em plenitude, em glória; porque, pela revelação das Escrituras, todos os atos de Deus são bons, justos, santos e retos, mesmo os que não entendemos, aceitamos ou julgamos maus, pois "quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos" (Rm 11.33).
A falta de humildade, de se reconhecer o quanto somos imperfeitos, e a necessidade de nos justificar perante Deus, cria esse "mar" de distorções, de enganos e mentiras. Bastaria ao homem reconhecer em Deus aquilo que Ele nos revelou de Si no Cânon. E se não o aceito, jamais conhecerei ao Deus Único, Vivo e Eterno.
A falta do conhecimento bíblico e de Deus leva o incauto a julgar que Deus não é "páreo" para as convicções humanistas e liberais, como se a filosofia pudesse anular o que Ele é; e ao invés de julgar o homem em sua pecaminosidade, volta-se contra Deus e sua Palavra, julgando-O a partir de falsas e frágeis premissas, sem reverenciá-lO e glorificá-lO como o Deus revelado nas Escrituras (e naquilo que Ele quis nos revelar).
O discurso é restritivo, pois apresenta apenas um dos atributos de Deus: o amor. Mas e a justiça, santidade, retidão...? E a aversão ao pecado? E a necessidade de se condenar o pecador?
Posso afirmar que o adepto da “descontinuidade radical” é alguém que flerta com a apostasia, a heresia; é um lobo em pele de cordeiro com sua pretensa bondade, pois, não há outro termo para se referir a quem questiona, despreza e incita vergonhosa e fraudulentamente a rejeição ao AT, à Palavra de Deus: "Por isso saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor" (2Co 6.17).
*Síntese dos meus comentários ao livro "Deus mandou matar?" em http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/08/deus-mandou-matar.html