07 outubro 2023

Aforismos de Karl Kraus

 





Jorge F. Isah


Karl Kraus nasceu na Áustria em 1874. Foi poeta, dramaturgo, ensaísta, jornalista e aforista. Sua pena era ferina e deixou muitos inimigos e desafetos, especialmente entre os do seu meio principal, o jornalismo. Duas vezes indicado ao Prêmio Nobel, foi um dos maiores escritores satíricos (senão o maior) do sec. XX, em língua alemã. Criticava veementemente a degradação e corrupção da língua, onde vislumbrava a causa de todos os males da sua época, acusando políticos, artistas e, especialmente a imprensa, de fomentá-los.

Para ele, a literatura estava se tornando algo vulgar e mal feita, ao ignorar a capacidade de expressão linguística, o despreparo e a desordem mental da maioria dos escritores (a adoção dos vulgarismos tem por objetivo camuflar e ocultar a inabilidade e incompetência de autores), acabavam por se tornar, muitas vezes, fator de glória e orgulho, ou seja, a ignorância e o despreparo deixaram de ser vícios e defeitos para se transmudarem em virtudes e qualidades.

Esse foi o século passado, e o estigma avança rapidamente, também, em nosso tempo. Haverá saída para gerações e gerações bombardeadas e expostas pelo banal, grosseiro e obsceno?...

Deixemos, portanto, Karl Kraus responder.

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"O aforismo jamais coincide com a verdade; ou é uma meia verdade ou uma verdade e meia."

“Escolho o meu inimigo pelo alcance da minha flecha.”

“O segredo do demagogo é de se fazer passar por tão estúpido quanto a sua plateia, para que esta imagine ser tão esperta quanto ele.”

“Existem imbecis superficiais e imbecis profundos.”

“Apenas no prazer da reprodução linguística nasce um mundo a partir do caos.”

“Os mais falsos argumentos podem mostrar um ódio correto.”

“A carreira é um cavalo que chega à porta da eternidade sem cavaleiro.”

“O mundo é uma prisão em que é preferível a cela de isolamento.”

“Os artistas têm o direito de serem modestos e o dever de serem vaidosos.”

“Dizer a verdade sem acreditar nela deveria ser considerado desonesto.”

“O mal nunca prospera melhor do que quando lhe põem um ideal à frente.”

“Um poema só é bom enquanto não sabemos quem foi que o escreveu.”

“A linguagem é a mãe, não a criada do pensamento.”

“O amor e a arte não abraçam o que é belo, mas o que justamente com esse abraço se torna belo.”

“Uma das causas mais comuns de todas as doenças é o diagnóstico.”

“O vício e a virtude são parentes como o carvão e o diamante.”

“Só é artista aquele que é capaz de transformar a solução num enigma.”

“Educação é aquilo que a maior parte das pessoas recebe, muitos transmitem e poucos possuem.”

“O fraco fica em dúvida antes de tomar uma decisão; o forte, depois.”

“O diabo é um optimista se acredita que pode piorar as pessoas.”


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Nota: Texto publicado, originalmente, na Revista Bulunga (No. 3)

02 outubro 2023

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - A imutabilidade de Deus - Introdução: Aula 20






Por Jorge F. Isah

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CAPÍTULO 2: DEUS E A SANTÍSSIMA TRINDADE

1. O Senhor nosso Deus é somente um, o Deus vivo e verdadeiro, [1] cuja subsistência está em si mesmo e provém de si mesmo; [2] infinito em seu ser e perfeição, cuja essência por ninguém pode ser compreendida, senão por Ele mesmo. [3] Ele é um espírito puríssimo, [4] invisível, sem corpo, membros ou paixões; o único que possui imortalidade, habitando em luz inacessível, a qual nenhum homem é capaz de ver; [5] imutável, 6 imenso, 7 eterno, [8] incompreensível, todo-poderoso; [9] em tudo infinito, santíssimo, 10 sapientíssimo; completamente livre e absoluto, operando todas as coisas segundo o conselho da sua própria vontade, 11 que é justíssima e imutável, e para a sua própria glória; 12 amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo; abundante em verdade e benignidade, perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado; o recompensador daqueles que o buscam diligentemente; 13 contudo justíssimo e terrível em seus julgamentos, 14 odiando todo pecado, 15 e que de modo nenhum inocentará o culpado. 16 Deus tem em si mesmo e de si mesmo toda a vida, 17 glória, 18 bondade 19 e bem-aventurança. Somente ele é auto-suficiente, em si e para si mesmo; e não precisa de nenhuma das criaturas que fez, nem delas deriva glória alguma; 20 mas somente manifesta, nelas, por elas, para elas e sobre elas a sua própria glória. Ele, somente, é a fonte de toda existência: de quem, através de quem e para quem são todas as coisas, 21 tendo o mais soberano domínio sobre todas as criaturas, para fazer por meio delas, para elas e sobre elas tudo quanto lhe agrade. 22 Todas as coisas estão abertas e manifestas perante Ele; 23 o seu conhecimento é infinito, infalível e independe da criatura, de maneira que para Ele nada é contingente ou incerto. 24 Ele é santíssimo em todos os seus pensamentos, em todas as suas obras, 25 e em todos os seus mandamentos. A Ele são devidos, da parte de anjos e de homens, toda adoração, 26 todo serviço, e toda obediência que, como criaturas, eles devem a criador; e tudo mais que Ele se agrade em requerer de suas criaturas. Neste ser divino e infinito há três pessoas: o Pai, a Palavra (ou Filho) e o Espirito Santo; 27 de uma mesma substância, igual poder e eternidade, possuindo cada uma inteira essência divina, que é indivisível. 28 O Pai, de ninguém é gerado ou procedente; o Filho é gerado eternamente do Pai; 29 o Espirito Santo procede do Pai e do Filho, eternamente; 30 todos infinitos e sem princípio de existência. Portanto, um só Deus; que não deve ser divido em seu ser ou natureza, mas, sim, distinguido pelas diversas propriedades peculiares e relativas, e relações pessoais. Essa doutrina da Trindade é o fundamento de toda a nossa comunhão com Deus e confortável dependência dEle.
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INTRODUÇÃO

             A imutabilidade divina quer dizer que Deus não muda.

        Mas ele não muda em quais aspectos? 

  A resposta é: em todos. 

    Deus é imutável em seu ser, em sua natureza, em seus atributos, de forma que ele sempre foi e sempre será o mesmo; não havendo possibilidade de variações em seu caráter ou em seus atos, nem o tornando melhor nem o piorando, visto ser Deus perfeito, infinitamente perfeito, e o perfeito não pode sofrer alterações. Se tal acontecesse a Deus, ele não seria perfeito, seria inconstante e sujeito as modificações, revelando-se dependente, subordinado a causações e motivações que alterariam o seu caráter, natureza e atitudes. E sabemos que as coisas finitas são em si mesmas limitadas e transitórias, passíveis de transformações ao longo do tempo, como as criaturas, por exemplo. 

     Certa vez, um filósofo, não sei se Heráclito ou Parmênides, disse: não se pode descer duas vezes no mesmo rio, porque novas águas sempre correm sobre você. Com isso, tem-se que a água, um elemento próprio em suas características, à medida em que corre no leito do rio vai-se alterando, perdendo e ganhando componentes que a modificam, impedindo-a de ser a mesma na nascente e continuar a mesma até chegar à foz. Vários fatores contribuirão para que a água não permaneça a mesma; águas de outros rios e da chuva, e com elas elementos provenientes de outros solos e da atmosfera, se incorporarão; dejetos químicos oriundos das indústrias e das residências se ligarão; enquanto o calor do sol evaporará alguns de seus componentes e, mesmo o homem, com suas técnicas de dragagem modificá-la-ão. 

    Mas sendo Deus absolutamente independente, eterno e infinito, tem-se que ele é também absolutamente imutável. E, assim, um atributo conduz a outros, os quais se relacionam entre si, conectando-se maravilhosamente, resultando no ser perfeito. Pois somente o ser perfeito, em sua natureza, impede e elimina toda alteração; porque as mudanças, invariavelmente, implicarão em imperfeição. É o que o salmista nos diz: “Mas tu, Senhor, permanecerás para sempre, a tua memória de geração em geração... Eles perecerão, mas tu permanecerás; todos eles se envelhecerão como um vestido; como roupa os mudarás, e ficarão mudados. Porém tu és o mesmo, e os teus anos nunca terão fim.” [Sl 102.12, 26-27]. No verso 11, lê-se: “Os meus dias são como a sombra que declina, e como a erva me vou secando”. O salmista se compara a uma sombra, e o que é uma sombra? É algo inconsistente, uma projeção, um espectro, efêmera, de pouca duração. Pode-se notar o quanto ela se faz diferente à medida em que se caminha, por exemplo. À medida que nos movemos, e o reflexo da luz altera-se quanto à posição do nosso corpo, a sombra se metamorfoseia, assumindo várias formas, ou desaparecendo. Ele também se compara a uma erva que se vai secando. Nasce vigorosa, cresce, e definha com o passar do tempo. Ao contrário dele, o Senhor é eterno; ano após ano, geração após geração, tudo muda, mas Deus é sempre o mesmo. Porque ele não está afeito ao tempo, nem sobre sua ação; e, como nós, não está preso a nenhuma contingência, incapaz de ser modificado através de quaisquer ações. Pelo contrário, é ele quem cria, muda e transforma tudo que existe. Assim, também, diz Tiago: “Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação” [Tg 1.17]. E novamente é-nos repetido quanto ao Senhor: “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente” [Hb 13.8]. De maneira que até Balaão não teve como não proferir: “Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa; porventura diria ele, e não o faria? Ou falaria, e não o confirmaria?” [Nm 23.19]

     Então, Deus diz de si: “Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos” [Ml 3.6]. A afirmação é muito clara: Deus não muda; não há alteração no seu ser, na sua natureza, em seus atributos. Mas, também, em seus propósitos, decretos e promessas. Mesmo diante da miséria e pecaminosidade humana, Deus não se deixou influenciar pela condição decaída do homem, permanecendo o mesmo também em suas promessas, em seu plano eterno. Isso porque, entre outras coisas, o amor de Deus pelos eleitos também é imutável. É o que o apóstolo confirma: “Por isso, querendo Deus mostrar mais abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da promessa, se interpôs com juramento; para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta” [Hb 6.17-18]. Este trecho está diretamente relacionado com o Salmo 110.4, que diz: “Jurou o Senhor, e não se arrependerá”, declarando que Deus, não tendo por quem jurar, jurou por si mesmo, pois ele não falha no que diz, não desiste do que resolveu, nem muda o que estabeleceu. Ao contrário do homem, que é inconstante em suas promessas e juramentos, quebrando-os, como prova da infidelidade em seus propósitos, Deus declara que a sua vontade é única, imutável, irrevogável. Os seus planos, eternamente traçados, não se alteram, porque Deus é imutável. Ele é infinitamente poderoso tanto para elaborá-los como para executá-los, infalivelmente. Com isso, não se quer dizer que Deus seja fiel aos homens, ainda que isso possa, de alguma forma, ser estabelecido como verdade. Mas entendo que a fidelidade de Deus é primeiramente a si mesmo, e ao que decretou. Ele é autocoerente consigo mesmo, não desistindo nem revogando aquilo que prometeu, conservando-se fiel a si e às suas promessas. Logo, temos a certeza do cumprimento das suas promessas, porque Deus prometeu e as cumprirá. Pelo poder que tem de fazer todas as coisas, segundo o propósito imutável do seu ser.

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Nota: Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico 
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ÁUDIO DA AULA 20:

23 setembro 2023

Caixa de Pássaros: A profecia de um filme

 





 Jorge F. Isah



Aproveitando o "oba-oba" do lançamento do filme "Caixa de Pássaros", no Netflix, reproduzo aqui a pequena resenha do livro homônimo, de Josh Malerman, lido em 2016. A previsão feita, há alguns anos, se concretizou: o livro virou filme, como já era de se esperar.

Então, se você ainda não leu o livro, nem viu o filme, leia os meus comentários, e sossegue, pois não darei spoiler do enredo, assim como outro colaborador da revista o faz descaradamente.

Deixo-lhes, portanto, as minhas impressões à época da leitura, o que, de certa forma, se confirmou novamente, ao assistir ao filme; vale para ambas as obras.

Boa leitura!

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DIVIRTA-SE, E ESQUEÇA!¹

Josh Malerman é compositor e músico de uma banda de rock desconhecida (ao menos para mim), que se chama "High Strung". Não é uma boa credencial, desde o seu início, para um escritor. Não li os escritos de todos os roqueiros, vivos e mortos (e nem o poderia, a fim de preservar a minha sanidade), mas, do que li, não posso dizer que o gênero musical colabore com a literatura. A despeito de Bob Dylan ter ganhado o Nobel (se há um absurdo, esse foi o maior; um letrista apenas bom, e nem sempre, ganhou o maior prêmio literário do mundo), ele não pode ser considerado "ipsis litteris" um rocker, pois a sua trajetória musical está mais ligada ao folk ou àquele tipo de música niilista e de protesto que os rockers "cabeça feita" gostam de ouvir e impingir aos outros. A escolha do Nobel poderia recair sobre Cormac McCarthy, Philip Roth ou Don DeLillo², por exemplo. Escritores infinitamente melhores do que o mediano letrista Dylan.

Bem, mas deixemos os músicos de lado.

O livro é um thriller de suspense, com altos e baixos. Vamos a eles:

1) Gostei do subtítulo: "Não abra os olhos"! Para o leitor voraz isso seria uma heresia, um castigo medonho, ou para quem aprecia as belezas e maravilhas criadas pelo bom Deus. Há um elemento subliminar de que, ao não abrir os olhos, o livro não será lido ou o filme não assistido. Seria uma advertência do autor ao leitor e espectador?... Brincadeirinha...

É claro que o objetivo da mensagem é revelar algo da narrativa, já instalar no leitor ou espectador o pânico ou a apreensão pelo que se segue após virar a capa ou passar o primeiro minuto. Sinceramente, chamou-me a atenção, e de alguma maneira, influenciou a minha decisão de comprá-lo.

2)Gostei da história. O seu mote é interessante. Em um mundo apocalíptico, quem vê se flagela e morre (a influência diabólica de levar a alma ao suicídio, à autoflagelação). Melhor, então, não ver, e se esconder do mundo exterior, ainda que suas ameaças estejam a cercar, pairando sobre os personagens. Não é original; a narrativa pós-apocalíptica tem sido muito utilizada na literatura, no cinema e nas artes em geral (a moda atual é a de filmes sobre um mundo dominado por zumbis, Ets e figuras fantasmagóricas. O que antes acontecia em privado, em particular, com um ou outro personagem, se disseminou, e cidades, países inteiros, são dominadas por seres não-humanos). O suspense sempre vendeu e continuará vendendo, a despeito de não haver mais escritores geniais como no passado, Stevenson e Poe, e, mais recentemente, Lovecraft e King (não é um gênero do meu agrado, mas, ao menos, Stevenson e Poe vão muito além do susto e calafrios).

3) Se os personagens não têm a profundidade dos construídos por Dostoiévski e Tostói, ao menos são bem definidos, e os seus papeis no enredo também. Existem "furos" e inverossimilhanças em algumas de suas atitudes e falas, mas nada que possa considerar exageradamente falso. Afinal, é ficção.

4) O autor consegue manter o clima de suspense da narrativa e prender a atenção do leitor. Vá lá, não é grande coisa, mas dá para passar algumas horas de diversão com o livro.

A alternância entre presente e passado quebra um pouco da monotonia que poderia levar a história ao fracasso completo.

5) Apesar da desagregação da sociedade, onde é cada um por si, houve o cuidado do autor em demonstrar não somente a necessidade do agrupamento de sobreviventes, mas a postura de alguns em abrigar e chamar outros para o lugar que consideravam seguro. Mesmo a fragilidade humana em um mundo caótico, leva-os a fortalecerem-se e buscarem formas de manter a esperança viva. É o caso do personagem Tom, um idealista, no bom sentido da palavra, um incansável promotor da fé; não existe crise maior do que não buscar as soluções, é o que pensa e tenta transmitir aos demais.

Existem conflitos morais e éticos; e o que não se via, mas sabia, no "lá fora", acaba por acontecer no interior da casa.

No final, existe esperança também para Malorie e seus filhos.

6) A ideia é boa, mas a narrativa não se desenrola com a mesma eficiência. Como já disse, o autor consegue manter o "clima" de suspense até certo ponto, mas de uma maneira geral, o enredo é apenas razoável. No seu desenrolar faltou a Malerman a perícia e habilidade de um construtor de histórias experiente e talentoso, como McCarthy e o seu "A Estrada", por exemplo.

Já é praxe eu não fazer sinopse ou contar a história, para não tirar o prazer do futuro leitor; então, o que posso dizer mais?

Bem, se está esperando arrepios e uma história envolvente, daquelas de perder o fôlego, desista. Não é para você.

Se deseja uma narrativa inteligente, com detalhes minimamente pensados e descritos com maestria, e um final que faça sentido, desista também.

Se quer um livro para ler em um dia, de supetão, e passar algumas horas distraído e, até mesmo se divertir, para depois esquecê-lo, ele pode atendê-lo.

É o primeiro livro de Malerman³, e ele pode melhorar e aprimorar algumas qualidades que tem. Precisa, talvez, deixar de pensar em escrever um livro-filme (a moda são enredos que possam e, já pensam, em se tornar em filmes. Não se contentam apenas com o papel...) e sair um pouco dos clichês, tão comuns aos livros de suspense (projetados para serem películas, num futuro próximo).

Não peço originalidade, pois isso é bobagem, na maioria das vezes, ou em todas. Mas uma boa ideia, técnica, boa narrativa e um enredo que se sustente, já o tornaria em uma promessa alvissareira neste século.

Então, vamos esperar o próximo volume... Ou será o script para mais um filme?... O tempo, sempre ele, dirá.

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Avaliação: (**) Regular
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Notas: ¹ Texto reproduzido, na íntegra, com autorização do editor e  publicação. Originalmente em Fevereiro de 2022, na Revista Bulunga No. 1
² Infelizmente, Cormac McCarthy faleceu em Junho de 2023. Philip Roth em Maio de 2018. Ambos, injustamente, não foram nomeados para o Nobel de Literatura. Don DeLillo continua firme e forte, aos 86 anos, mas dado os critérios menos literários e mais ideológicos da premiação, é pouco provável que seja laureado com o Nobel. Pior para o Nobel que se torna cada vez menos representativo. Você pode ler resenhas desses autores aqui mesmo, no Kálamos. Basta ativar a caixa de pesquisa, no fim da página, na coluna à direita. 
³ Malerman publicou mais dois ou três livros. Não me pergunte sobre eles, pois, ao menos, no momento, não tenho interesse em lê-los. 

19 setembro 2023

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 19: A infinidade de Deus




Jorge F. Isah

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CAPÍTULO 2: DEUS E A SANTÍSSIMA TRINDADE

1. O Senhor nosso Deus é somente um, o Deus vivo e verdadeiro, [1] cuja subsistência está em si mesmo e provém de si mesmo; [2] infinito em seu ser e perfeição, cuja essência por ninguém pode ser compreendida, senão por Ele mesmo. [3] Ele é um espírito puríssimo, [4] invisível, sem corpo, membros ou paixões; o único que possui imortalidade, habitando em luz inacessível, a qual nenhum homem é capaz de ver; [5] imutável, 6 imenso, 7 eterno, [8] incompreensível, todo-poderoso; [9] em tudo infinito, santíssimo, 10 sapientíssimo; completamente livre e absoluto, operando todas as coisas segundo o conselho da sua própria vontade, 11 que é justíssima e imutável, e para a sua própria glória; 12 amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo; abundante em verdade e benignidade, perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado; o recompensador daqueles que o buscam diligentemente; 13 contudo justíssimo e terrível em seus julgamentos, 14 odiando todo pecado, 15 e que de modo nenhum inocentará o culpado. 16 Deus tem em si mesmo e de si mesmo toda a vida, 17 glória, 18 bondade 19 e bem-aventurança. Somente ele é auto-suficiente, em si e para si mesmo; e não precisa de nenhuma das criaturas que fez, nem delas deriva glória alguma; 20 mas somente manifesta, nelas, por elas, para elas e sobre elas a sua própria glória. Ele, somente, é a fonte de toda existência: de quem, através de quem e para quem são todas as coisas, 21 tendo o mais soberano domínio sobre todas as criaturas, para fazer por meio delas, para elas e sobre elas tudo quanto lhe agrade. 22 Todas as coisas estão abertas e manifestas perante Ele; 23 o seu conhecimento é infinito, infalível e independe da criatura, de maneira que para Ele nada é contingente ou incerto. 24 Ele é santíssimo em todos os seus pensamentos, em todas as suas obras, 25 e em todos os seus mandamentos. A Ele são devidos, da parte de anjos e de homens, toda adoração, 26 todo serviço, e toda obediência que, como criaturas, eles devem a criador; e tudo mais que Ele se agrade em requerer de suas criaturas. Neste ser divino e infinito há três pessoas: o Pai, a Palavra (ou Filho) e o Espirito Santo; 27 de uma mesma substância, igual poder e eternidade, possuindo cada uma inteira essência divina, que é indivisível. 28 O Pai, de ninguém é gerado ou procedente; o Filho é gerado eternamente do Pai; 29 o Espirito Santo procede do Pai e do Filho, eternamente; 30 todos infinitos e sem princípio de existência. Portanto, um só Deus; que não deve ser divido em seu ser ou natureza, mas, sim, distinguido pelas diversas propriedades peculiares e relativas, e relações pessoais. Essa doutrina da Trindade é o fundamento de toda a nossa comunhão com Deus e confortável dependência dEle.
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INTRODUÇÃO


Quando se diz: Deus é infinito, está-se a afirmar o quê, especificamente?

A primeira ideia que se tem é a de que ele não tem fim, de que não há limites nele. Mas também se quer dizer que ele é absoluto, eterno, perfeito, onipresente, e, assim sendo, é impossível que a razão humana o alcance. Em outras palavras, está-se a dizer que Deus é a negação da finitude, de que não está sujeito a qualquer limitação, de que nem o universo, a relação espaço-tempo, ou qualquer outro elemento pode limitá-lo. Deus não pode ser apreendido nem contido por nada ou ninguém, de forma que este atributo indica a ausência completa e total de restrições, obstáculos e defeitos no ser divino. No que ele é, e não pode não-ser, encontramos a plenitude em todos os seus atributos e, assim, a infinidade é o qualificador de todos os demais. Temos então que o seu poder é infinito, a sua bondade é infinita, o amor, a sabedoria, a misericórdia, e todos os demais atributos são infinitos. Foi a partir do ser infinito e do seu poder infinito, da sua vontade infinita, que Deus criou o finito, como contraste ao que ele é, mas também como prova da sua infinita misericórdia e bondade de se dar conhecer, como realidade no sentido mais elevado, mais concreto, em que o real é o Deus vivo se definindo como tal, em todos os seus aspectos infinitos, sendo essencialmente infinito [Jó 11.7-10; Sl 145.3; Mt 5.48].

Como já disse anteriormente, há uma ligação intrínseca entre os atributos divinos, uma unidade perfeita e santa, os quais somente podem ser analisados separada e isoladamente por causa da nossa limitação e incapacidade de entendê-los por completo. Fato é que Deus nos deu a revelar parte dos seus atributos, vistos serem eles infinitos assim como o seu ser é. Se fosse de outra forma, seria impossível qualquer conhecimento divino pelo homem, dado sermos inaptos em nossa capacidade naturalmente limitada para alcançá-lo; as perfeições de Deus estão além de qualquer grau alcançável pelo homem. Pois ao contrário dele, somos prisioneiros do espaço e do tempo, o que, por si só, já nos faz “quebrar a cabeça” para tentar entender algo que está muito além da nossa compreensão. A eternidade é um enigma para o homem exatamente por não escaparmos da ideia de passado, presente, futuro e lugar. A vida está condicionada aos fluxos temporais e espaciais, dos quais não temos como fugir.

E creio que, por isso a idolatria é uma abominação a Deus. Como pode o homem conceber possível adorar uma imagem ou mesmo um conceito ou ideia que sempre será finita e limitada ao espaço e tempo? Todos os deuses, sem exceção, estão limitados por essa contingência espaço-temporal, ainda que habite apenas a mente. Na história, não se vê um deus que se compare ao Deus bíblico, e, talvez, por isso, todos eles sejam o reflexo da limitação humana. Os deuses gregos e romanos assumiam características físicas e emocionais do homem, tanto em suas eventuais virtudes como em seus constantes defeitos. E essa é uma grande diferença que há entre eles e o Deus vivo e verdadeiro, no qual não se encontra qualquer mancha ou defeito. Em Cristo, o Verbo feito homem, a sua perfeição é evidente mesmo assumindo a forma corporal humana, visto não ter pecado nem foi achado nele dolo algum.

Por que Deus é Deus, ninguém pode adorar outro deus sem aborrecer ao verdadeiro e único Deus. O qual ordenou para que não tivéssemos outros deuses diante dele, porque ele é o Senhor nosso Deus, e Deus zeloso [Ex 20.2, 5].

Estudaremos agora as duas maneiras pela qual a infinidade de Deus pode ser entendida; quanto ao tempo, a eternidade, e quanto ao espaço, a imensidão.


ETERNIDADE

Este é um termo que tem trazido muita dor de cabeça para teólogos e filósofos, dada a dificuldade e mesmo impossibilidade que se tem de entendê-la, algo que está fora da nossa realidade, e que somente é possível em Deus, o qual é eterno.

Então dizer que a eternidade é a expressão da infinidade divina quanto ao tempo parece-me deixar claro como é difícil, mesmo para homens altamente capacitados intelectualmente, defini-la. Já que para o eterno não há tempo, e mesmo o tempo não foi criado em uma determinada “fração” da eternidade, como algo que existisse a partir de um determinado momento, dizer que ele está no passado somente terá correlação consigo mesmo, e aqueles que estão contidos nele, as criaturas, jamais com Deus. Mas compreendo que esta foi a maneira sábia que Deus se utilizou para, uma aplicação da sua misericórdia para com os homens, desse-nos algum entendimento do que ele é.

Por isso a Bíblia diz que Deus subsiste de séculos em séculos, de geração em geração [Sl 90.1-2, 102.12], utilizando-se da linguagem humana e simples para que qualquer homem possa entendê-la. A transitoriedade humana contrapõe-se à duração infinita de Deus, de que ele sempre existiu e existirá para todo o sempre, sem jamais deixar de sê-lo, sendo o que é. Ao contrário de nós, que somos afetados pelo tempo [envelhecimento e morte], significando a finitude e temporalidade da nossa vida, Deus não tem princípio nem fim, como já foi dito, por isso, qualquer ideia do que seja a eternidade divina não passará de sombras, pelas quais poderemos apreender algo, mas jamais exaustivamente. Ainda que a nossa alma seja imortal, e a imortalidade não significa ser eterna, tivemos um começo, o qual se deu pela vontade infinita de Deus nos criar à sua imagem e semelhança. Mas o “Imago Dei” é parcial, nunca total, nem pode sê-lo, pois se fosse, seríamos como Deus, e isso é impossível; contudo, poderemos experimentar uma outra forma de eternidade, no sentido de que, daqui para a frente, estaremos indefinidamente com Deus, para sempre.

Este é outro conceito de eternidade, e no qual a Bíblia também nos ensina, de que os eleitos estarão sempre em comunhão com Deus; de que permanentemente, ainda que o tempo transcorra sequencialmente, nunca terá fim o nosso relacionamento com o eterno. A forma utilizada “vida eterna” traduz de maneira inteligível o que nos aguardará após a morte física: não haverá cessação do nosso viver para Deus e por ele. Contudo, sem saber como se dará isso, penso que não transcenderemos o tempo, de que não estaremos fora dele, ainda que ele tenha domínio sobre nós, e não venhamos a sentir os seus efeitos [envelhecimento, por exemplo]. Maravilhosamente, Deus anulará os efeitos do tempo sobre o seu povo [e mesmo sobre os réprobos, os quais sofrerão o justo castigo divino no Inferno, tanto anjos como homens caídos]. Mas é uma cogitação. Talvez o tempo seja realmente suprimido, e entremos num viver infinito como o de Deus, mas aí entraremos nas limitações que o próprio corpo físico impõe, a de que não podemos ser infinitos, e se não podemos, não há como falar em eternidade para nós. Haverá um tempo infindável, que não se extinguirá e que durará para sempre; o que, para nós, é muito mais do que poderíamos esperar, caso Deus não se compadecesse.

O fato é que Deus nunca foi, nem nunca será, pois ele é. Para ele, não há passado, presente ou futuro, o que dificulta ainda mais a nossa compreensão, pois nossa mente está presa ao conceito temporal, e de que tudo é temporal. Para nós, as coisas acontecem em sucessão, limitadas pelo tempo e espaço, ao começo e fim, pois nada na criação pode ser compreendido como eterno. Entender que Deus transcende o tempo, de que está fora do tempo, mas de maneira absurdamente proposicional ele age no tempo [imanência], sendo o Senhor da história, é um grande conforto. Não somente o criou, mas o governa soberana e diligentemente, sem que nada possa escapar à sua ordem. Quando o apóstolo diz que um dia para Deus são mil anos, e mil anos são como um dia [2 Pe.3.8], ele está nos chamando a compreender a sua eternidade, e a sua transcendência quanto ao tempo, sem que se possa confundi-lo com a criação. Ele é distinto da criação, pois é a própria eternidade, ainda que toda a criação subsista pelo seu favor e poder. Ao determinar todos os fatos, Deus não se inclui neles, mas ordena-os conforme a sua sabedoria, perfeição e poder. Creio ser prudente entender que o agir de Deus na história não o torna em componente da história, como um elemento criado por ele mesmo, algo do tipo uma imagem, um personagem de si mesmo. O fato de Deus não poder ser compreendido plenamente não o diminui em nada, nem pode torná-lo em um simples personagem, pelo contrário, revela-nos exatamente a sua grandiosidade e majestade, de forma que o adoremos, glorifiquemos e o reverenciemos como Deus.

E aqui entra um ponto importante, o qual não devemos esquecer, de que a eternidade de Deus nos remete à eternidade das suas promessas de bênçãos, as quais se cumpriram, cumprem e cumprirão no tempo, e das quais somos os alvos, significando que, mesmo vivendo uma vida de tribulação e lutas, somos confortados pela certeza de que, naquele dia, todas as nossas lágrimas serão enxugadas, “e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas” [Ap 21.4]. Com isso entendemos que as provações não duram para sempre, que são circunstanciais e momentâneas, e de que encontramos sempre, no Senhor, aquele que tem “sido o nosso refúgio, de geração em geração” [Sl 90.1]. A eternidade de Deus nos tornará mais confiantes nele, e também nos fará mais humildes diante dele; pois a própria condição temporal do homem já seria suficiente para que toda a arrogância e soberba e orgulho caíssem por terra. Comparar-nos a ele é o grau máximo de loucura que um homem pode alcançar; e esse homem perdeu completamente a noção da realidade, da verdade. Como Tiago alertou: “Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece” [Tg 4.14]. E enquanto não somos nada, nem reputados por nada, Deus é Deus, de eternidade a eternidade.

IMENSIDÃO E ONIPRESENÇA

Imensidão e onipresença são termos quase sinônimos, contudo, guardam uma diferença que tentarei explicar. Elas se relacionam com a infinidade divina em relação ao espaço.

O termo “imensidão” nos dá a ideia de uma extensão desmedida, de um espaço imenso, ou uma grandeza ilimitada. Porém, a própria ideia de espaço é restritiva, não se adequando ao atributo divino, pois Deus transcende toda a ideia de limitações espaciais [imensidão], sem que ele esteja ausente de um só ponto do espaço com todo o seu ser [onipresença]. Muitas vezes pensamos em uma parte de Deus aqui, outra acolá, nos dando a falsa ideia de que Deus está “espalhado” por todo universo, o que não é verdade.

Podemos, como exemplo, imaginar um homem deitado em uma cama. O homem é formado por partes, cabeça, tronco e membros, e a cama também, cabeceira, “pés”, estrado, colchão, etc. O homem está em contato direto com o colchão, de forma que as demais partes não se encontram em contato com ele, ainda que o seu corpo esteja depositado sobre e entre elas. Não há como dizer que o homem está em todas as partes da cama. A cabeça ocupa uma parte do colchão, enquanto o tronco outra, e os pés outra. O homem não toca ao mesmo tempo os pés da cama, o estrado, o colchão, etc. Não é possível imaginá-lo fora da cama, quando está deitado nela. Deus, como não tem partes mas é o ser único e indivisível, não poderia estar sobre e entre as partes da cama sem encher as demais. Na verdade, como é uma analogia e a complexidade do ser de Deus é mesmo incompreensível para o homem, podemos dizer que Deus enche toda a cama, tocando ao mesmo tempo nos pés, estrado, colchão, cabeceira, etc, ou seja, não há limites na cama em que Deus não esteja presente.

Com isso, tem-se de tomar cuidado para não se imaginar que Deus seja a cama, que o seu ser faz parte da cama. Deus não é a cama, pois a cama é objeto da criação, mas Deus preenche todos os espaços do objeto de forma que não há limites para ele. Mesmo a madeira mais maciça ou a rocha mais sólida ou o gás mais volátil, Deus os enche. É a afirmação do salmista: “Para onde me irei do teu espírito, ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, lá tu estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que tu ali estás também. Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá” [Sl 139,7-10].

Note que Davi diz ser impossível fugir de Deus; onde ele estiver, seja no mais alto dos céus ou no mais profundo da terra, ali o Senhor estará. Mas não há confusão ou mistura entre o ser de Deus e os objetos relacionados pelo salmista. Ele os distingue claramente. Também ele não diz que uma parte de Deus está aqui e outra acolá, mas diz que ele, o todo divino, está em cada um desses lugares, enchendo cada parte dos lugares com a plenitude da sua presença. Portanto, devemos entender que Deus está presente em cada parte do universo, sem, contudo, se misturar com elas. O mesmo acontece conosco, os quais somos templo de Deus. Ele não se divide em partes e cada uma das partes ocupa um corpo/alma dos eleitos. Deus está completamente em cada um de nós, pois Deus é indivisível. Ele nos enche com todo o seu ser, de forma que Deus não está um pouco em mim, outro tanto no irmão, e mais um tanto em uma irmã do outro lado do planeta. Ele está completa e totalmente em cada um de nós, aqui, lá e acolá, em todos os lugares. Assim Deus está em tudo, ao mesmo tempo, com toda a plenitude do seu ser, sem jamais ser cada uma das suas criaturas.

Leiamos o que Salomão diz, e que pode clarificar um pouco mais a questão: “Mas, na verdade, habitaria Deus na terra? Eis que os céus, e até o céu dos céus, não te poderiam conter, quanto menos esta casa que eu tenho edificado” [1Rs 8.27].

Neste trecho, Salomão está a dizer duas coisas:

1) Deus transcende todo o espaço e não está sujeito às suas limitações, de tal forma que nem os céus, nem os céus dos céus podem contê-lo. Isto é a imensidade ou imensidão de Deus [transcendência].

2) Ainda assim o rei construiu uma casa onde Deus habitasse, e enchesse-a com a plenitude do seu ser. Deus preenche todo o espaço com todo o seu ser, relacionando-se com a criação, e isto é a onipresença divina [imanência].

Deus está presente em toda parte sem que esteja parcialmente em cada uma delas. A plenitude da sua presença enche cada parte do espaço, do universo, sem que ele seja cada uma delas ou o todo.

Outro trecho bíblico que confirma a assertiva de Salomão quanto à infinidade divina está em Jeremias 23.23-24, afirmado também por Paulo em Atos 17-27-28, entre outras passagens.

CONCLUSÃO

Diferentemente das criaturas que ocupam um espaço limitado onde estão, sendo o seu espaço a medida do seu tamanho, e outro corpo não poderá ocupá-lo ao mesmo tempo [a terra ocupa um lugar delimitado no espaço sideral, e outro planeta não poderá ocupá-lo simultaneamente], e dos espíritos finitos, anjos ou demônios, que operam em lugares específicos, mas não estão em toda parte, Deus está presente em todo o lugar, o seu ser enche todo o espaço, sem que ele o limite. De forma que ele está presente em todas as coisas, e em cada uma delas em particular, sem que ele possa ser confundido ou misturado a elas. É claro que Deus se manifestará de maneira diferente em cada uma. Ele não se manifesta do mesmo modo na natureza, no ímpio e no crente. Como Stephen Charnock diz: "Ele enche o inferno com a sua severidade, os céus com a sua glória, e o seu povo com a sua graça" [2].

A infinidade divina deve nos trazer temor e reverência. Especialmente por sabermos que estamos diante do Deus imenso e onipresente, que a tudo vê; cada passo e decisão tomada por seus filhos, entristecendo-se com os nossos pecados e alegrando-se quando resistimos e nos tornamos mais semelhantes ao seu Filho Amado, Jesus Cristo. Sejamos conscientes de que, diante dele, devemos buscar e ansiar uma vida santa, odiar e repudiar uma vida pecaminosa.

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Notas: [1] - A metáfora que se faz da eternidade como um “eterno presente” não é apropriada, pois remete o eterno ao tempo, quando sabemos ser o presente uma parte do tempo. Apenas Deus é eterno, e a eternidade é Deus. Nada mais pode ser comparado ou relacionado com o fato real desse atributo divino. Logo, qualquer comparação com o tempo visa nos levar a entender algo que, para nós, é inexprimível e mesmo ininteligível em sua complexidade e esplendor
[2] The Existence and the Attributes of God, vol 1, pg 367. Citado por Heber Carlos de Campos em "O Ser de Deus e os seus atributos", pg. 216, Editora Cultura Cristã;
[3] Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico;
[4] Fotos que ilustrem os atributos divinos são impossíveis, mas a partir do que é imperfeito, mutável, finito e temporal, pode-se reconhecer a singularidade, perfeição e grandiosidade do ser divino. Pois, cada um dos seus atributos nos faz conhecer a realidade, que somente é possível a partir do Absoluto, e sem ele, qualquer conjecturação não passa de fuga da verdade. 
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ÁUDIO DA AULA 19



11 setembro 2023

Avaliação e análise do Estudo da C.F.B de 1689 - Aula 18


Por Jorge F. Isah


Hoje, teremos uma aula diferente. Darei uma parada no estudo da Confissão de Fé Batista de 1689, ainda que o assunto seja ela, de certa forma. Decidi solicitar, aos queridos irmãos, uma avaliação do rumo em que as aulas estão se realizando, de forma que eu pudesse ter uma impressão do que deve ser mantido e do que pode ser modificado. O objetivo é, na verdade, ter um feedback dos que participam da E.B.D, para que o estudo da C.F.B. possa ser aprimorado. Como sou “marinheiro de primeira viagem”, e nunca lecionei antes, acho importante a contribuição dos irmãos além da assistência, como observadores. Mas, por quê? Insegurança e dúvidas quanto ao conteúdo apresentado? Ou quanto ao método de exposição? Bem, um pouco disso tudo também, mas principalmente porque vejo como prioritário não apenas o acúmulo de conhecimentos e informações mas, a partir dele, a aplicação prática, no dia-a-dia, daquilo que aprendemos e foi-nos ensinado. Com isso não estou apelando para o pragmatismo, em que os resultados ditarão o ensino; mas uma reflexão sobre a validade do ensino, no sentido de nos fazer cristãos melhores e nos ajudar com a tarefa de testemunhar o Evangelho de Cristo às pessoas com as quais nos relacionamos diariamente.

Fiz um esboço de algumas questões a serem abordadas, mas não o segui “ipsis litteris”, à medida em que dialogava com os irmãos. Eles foram abordados em maior ou menos grau e, penso que, no fim das contas, esta aula serviu para colocar alguns pontos que considerei importante, e os irmãos também colocaram pontos igualmente importantes.

Assim a aula foi dividida em duas etapas:


PRIMEIRA: AVALIAÇÃO

Primeiro, gostaria de saber a opinião dos irmãos em relação ao nosso estudo. O que têm achado? [Aponte os pontos favoráveis e os desfavoráveis].

Segundo, em quê o presente estudo tem contribuído para a melhoria da sua vida cristã?

Terceiro, aponte o que foi que melhorou, caso tenha melhorado.

Quarto, o estudo deve trazer conhecimento, informação. Mas também uma aplicação prática. Você pode apontar em quais pontos este estudo contribuiu no seu dia-a-dia?

Quinto, você acredita, realmente que o estudo da Confissão de Fé Batista pode torná-lo(a) em um cristão melhor? Por quê?


SEGUNDA: TEXTO PARA MEDITAÇÃO

Recebi de um amigo e irmão, que é missionário, o seguinte relato, algo acontecido no seu dia-a-dia, o qual transcreverei abaixo, resguardando os nomes de locais e pessoas, por motivos mais do que óbvios:

“Médico de índio, médico de branco

- Alô, Luiz? Sou eu...
- Ah, Professor! Que bom que o senhor ligou. Eu não estou bem. De repente, a boca começou a sair sangue e das fezes também. Aí, o médico não deixou eu voltar para aí.
- Luiz, em qual hospital você está?
- Eu estou aqui no hospital... Eu vou operar...
- Já está marcada a cirurgia?
- Não, o médico disse que as plaquetas estão fracas. Eu não posso operar agora. Tenho que ficar bom. Aí, eles me operam... Eu acho que ainda vou demorar para voltar...
- Luiz, qualquer coisa que você precisar pode pedir...
- Professor, eu preciso mesmo. O meu filho está aí sozinho. Fiquei sabendo que a minha família foi toda embora hoje de manhã para a aldeia, mas o meu filho ficou na casa da cidade sozinho. Ele está com a família do meu sobrinho, mas ele está sem a gente. O senhor pode comprar cem reais de comida e levar para ele? Depois eu pago o senhor.
- Claro, Luiz. Não se preocupe. Descanse e se recupere. Aqui, a gente vai cuidar dele. Eu estou pedindo para Jesus te fortalecer para que você volte logo...
- Ah, Professor, pede sim.

Desliguei o telefone com o peito apertado. Luiz já ouvira sobre Jesus, mas tínhamos planos de começarmos a compartilhar as histórias bíblicas com ele. Seria uma oportunidade para ele aprender, mas essa parada dele no hospital nos pegou de surpresa.

O filho do Luiz deve ter uns dez anos de idade... Ele ficou, mas não ficou sozinho. Está com um dos tantos sobrinhos do Luiz. Peguei o carro e fui fazer as compras determinadas pelo Luiz. Já havia suspeitado de que havia algo por trás dessa história toda, mas só confirmei minhas suspeitas quando parei o carro na frente da casa do Luiz e ele veio ao meu encontro: o Feiticeiro. Já escrevi diversas vezes sobre ele... Além disso ele também ficou conhecido aqui na região como o “índio que cura em nome de Jesus, Maria e José”. Ano passado, escrevi uma série de dez histórias sobre ele e sobre o maior perigo que assola o trabalho missionário no confronto com a cosmovisão animista: o perigo real do sincretismo.
- Professor, tudo bem?
- Sim, chegamos tem uma semana.
- Eu estou aqui com a minha família há um mês.
- E o filho do Luiz? Está aí?
- Está.
- É porque o Luiz pediu que eu trouxesse umas compras para ele.
- O que o Luiz te falou?
- Para fazer umas compras para o filho... Ele vai demorar a voltar.
- Eu sei. Eu estou aqui fazendo pajelança para descobrir quem tem inveja dele e curá-lo desse mal.
- Então, você está fazendo pajelança para ele?
- Sim. E a próxima vez que você falar com ele no telefone, lembre para ele que ele tem uns amigos brancos lá em São Paulo que com certeza vão poder ajudá-lo também, assim como você está ajudando...

Este é o desfecho da história: o Feiticeiro está fazendo pajelança para o Luiz. E, assim como o médico do branco é caro, o médico do índio também é muito, mas muito caro. As compras não eram bem para o filho, mas o Luiz está endividado com o Feiticeiro por causa das pajelanças que ele está fazendo. E o Feiticeiro deve estar cobrando muito caro, porque está pressionando o Luiz a arranjar outros amigos para cobrir a dívida. O próprio fato de o Feiticeiro estar aqui na cidade morando na casa do Luiz já faz parte do pagamento dessa dívida.

O Pajé e o Feiticeiro cobram um preço muito alto por suas consultas e curas, pois na cultura dos povos daqui nada é de graça: nenhum presente, nenhuma oferta, nenhuma ajuda ou benefício. Seja na relação com os seres espirituais, seja na relação entre os seres humanos, todos estão sempre em dívida uns com os outros.

Ore para que a Graça de Deus seja revelada a esses povos!”
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Esta história me tocou por vários motivos, e me fez questionar várias coisas, entre elas, a mais importante, é o nosso [meu, quero dizer] envolvimento com a obra de proclamação do Evangelho. Sei que nem todos são chamados para evangelizar, mas a responsabilidade de testemunhar a Cristo é obrigação e dever de todos. Se não sou capacitado por Deus a evangelizar as pessoas [proclamar verbalmente a fé], sou obrigado a ter uma vida cristã na qual as pessoas, mesmo sem ouvir uma única palavra evangelizadora, “vejam” o Evangelho. Muitos negam o que dizem com o seu testemunho pessoal, enquanto outros afirmam o que não disseram com o seu testemunho pessoal. A nossa trajetória neste mundo tem por objetivo nos fazer, cada dia mais, semelhantes ao Filho de Deus, Jesus Cristo. O que refletirá na proclamação do Evangelho, seja por meios verbais, seja por atitudes. O ideal é que ambos os meios sejam igualmente santificados e se assemelhem com aquilo que Cristo disse e fez.

O certo é que ninguém poderá viver o que diz se não for resgatado e regenerado por Cristo, mas muitos não precisarão dizer o que são, pois suas vidas resultam em louvor e glória para o bom Deus, na medida em que testemunham que Cristo vive nelas assim como vive no que fazem.

Então, pergunto: Em quê esse relato pode se relacionar com o nosso estudo? Ou melhor, com o foco do nosso estudo?

Com a resposta, cada um dos eleitos, regenerados e salvos pelo sangue do nosso Senhor, derramado na cruz.

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Nota: 1-Aula realizada na E.B.D, do Tabernáculo Batista Bíblico;
2-Tenho recebido "feedbacks" de alguns irmãos sobre as aulas, aqui, através do meu email, e pessoalmente. Se você ainda não o fez, por favor, gostaria da sua opinião. Se não quiser torná-la pública, envie uma mensagem para o meu endereço pessoal: jorgefisah@gmail.com Ser-lhe-ei grato. Ah... valem tanto elogios como censuras, mas as que trazem algum crescimento e aprimoramento são as que apontam acertos e falhas. 
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ÁUDIO DA AULA 18

09 setembro 2023

O Menor espetáculo da Terra

 





Guido Malaparte¹


        Quase ninguém da grande mídia noticiou o esquema bizarro, vil e criminoso envolvendo uma ong de direito dos animais. Por mais estranho que pareça, quase imediatamente após a prisão da principal acusada de arquitetar e executar hedionda barbárie, uma decisão judicial impediu qualquer alusão à ONG, sua diretiva e, por conseguinte, dos incriminados, sob pena de prisão e multas progressivas, sem que houvesse em toda a decisão forense um único argumento plausível e legal, restando ao magistrado justificar-se com o ditério: preservar a democracia e impedir atos antidemocráticos.

        Talvez, por isso, mas não somente por isso, houve um silêncio perverso em noticiários, noticiosos e ordinários, somente quebrado por eminente portal que imediatamente, após veicular a manchete, teve bloqueadas as suas contas bancárias, receitas e multada em U$ 1.404.040.404,40, valor tão sugestivo como a própria multa; e o boca-a-boca tratou logo de associá-la a certa história das mil e uma noites, e a chamá-lo, o incidente, de “fecha-te-sésamo” .

        O referido Portal (tornou-se proibido citar, mencionar ou se referir nominalmente a ele), em um último estertor, publicou na edição seguinte denúncias contra o cercear da imprensa, o fim da democracia, o acoitamento de bandidos e a injustiça com os cidadãos de bem, além de manipular fatos, dados e omitir a realidade em favor de fábulas corporativistas.

     A verdade é: se não fosse o tal portal, ninguém, hoje, amanhã ou depois, saberia do ocorrido. E mesmo com as ameaças, punições e reclusão de quase todo o corpo jornalístico, enquanto foi possível manifestaram-se veementemente contra o fim da liberdade. Durante isso, os demais periódicos especializaram-se em abarrotar páginas e telas com receitas culinárias, moda outono-inverno, o mais novo escândalo das apostas esportivas e o esmiuçar-se dos detalhes mais sebentos e frívolos dos reality-shows e novelas.

    Estou aqui como um jornalista independente, mesmo trabalhando como escravo para a Revista Bulunga, o que não me torna independente nem escravo, talvez as duas coisas ou nenhuma... se considerar entre uma e outra, pode ser provável o escravo trabalhar independente do dono, mesmo sendo ele o seu próprio dono e, até mesmo dono do dono que lhe paga, independente de quanto paga e quanto se recebe... Ah, importa mesmo dizer que este textículo não tem nada de elucidativo ou interpelativo, e seja de fato tão somente apelativo à ignorância do leitor e de quem vos escreve... Ao meu editor, não tenho nada a dizer, já que ele não me deixou dizer o que devia quanto mais deixará que eu diga o que queria, mas se me chamar para um churrasco ou chimarrão, estarei disposto ao sacrifício e a passar por cima de tudo. Isso não o isenta de culpa, mas ao menos me fará ser sempre indolente e contemporizador e, como vingança, comerei até estourar as presilhas da cinta abdominal...

    A verdade, nua e crua, é que ele não me permitiu citar o ocorrido, dar nome aos bois e vacas, e cumprir a minha vocação profissional. Entendo as necessidades do veículo, de ainda não ser grande o suficiente para peitar o mainstream pusilânime e intransigente. Reconheço: não é tarefa para muitos; e até mesmo os maiores grupos editoriais colocaram a violinha no saco. De qualquer maneira, pelo menos, posso dizer o que não quero dizer e não dizer o que quero dizer, sem perder o emprego e ir parar em um gulag equatorial.

    Então, nada mais justo do que terminar este texto falando do que todo mundo anda alardeando como a notícia do ano, não, da década, talvez, do século: o casamento da Mulher Jaca com Zangão, um dos anões do circo Catatau, autodenominado “o menor espetáculo da terra”; não tão pequeno a ponto de o país inteiro poder assistir a essas e muitas outras gabolices... Ao mesmo tempo em que me preparo para dormir às três da tarde...

    Bons sonhos!

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1) Guido Malaparte é jornalista e redator na Revista Bulunga
2) Texto publicado na Revista Bulunga e republicado aqui sob autorização do autor e editor

06 setembro 2023

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 17: Os Atributos Incomunicáveis de Deus






Jorge F. Isah


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CAPÍTULO 2: DEUS E A SANTÍSSIMA TRINDADE

1. O Senhor nosso Deus é somente um, o Deus vivo e verdadeiro, [1] cuja subsistência está em si mesmo e provém de si mesmo; [2] infinito em seu ser e perfeição, cuja essência por ninguém pode ser compreendida, senão por Ele mesmo. [3] Ele é um espírito puríssimo, [4] invisível, sem corpo, membros ou paixões; o único que possui imortalidade, habitando em luz inacessível, a qual nenhum homem é capaz de ver; [5] imutável, 6 imenso, 7 eterno, [8] incompreensível, todo-poderoso; [9] em tudo infinito, santíssimo, 10 sapientíssimo; completamente livre e absoluto, operando todas as coisas segundo o conselho da sua própria vontade, 11 que é justíssima e imutável, e para a sua própria glória; 12 amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo; abundante em verdade e benignidade, perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado; o recompensador daqueles que o buscam diligentemente; 13 contudo justíssimo e terrível em seus julgamentos, 14 odiando todo pecado, 15 e que de modo nenhum inocentará o culpado. 16 Deus tem em si mesmo e de si mesmo toda a vida, 17 glória, 18 bondade 19 e bem-aventurança. Somente ele é auto-suficiente, em si e para si mesmo; e não precisa de nenhuma das criaturas que fez, nem delas deriva glória alguma; 20 mas somente manifesta, nelas, por elas, para elas e sobre elas a sua própria glória. Ele, somente, é a fonte de toda existência: de quem, através de quem e para quem são todas as coisas, 21 tendo o mais soberano domínio sobre todas as criaturas, para fazer por meio delas, para elas e sobre elas tudo quanto lhe agrade. 22 Todas as coisas estão abertas e manifestas perante Ele; 23 o seu conhecimento é infinito, infalível e independe da criatura, de maneira que para Ele nada é contingente ou incerto. 24 Ele é santíssimo em todos os seus pensamentos, em todas as suas obras, 25 e em todos os seus mandamentos. A Ele são devidos, da parte de anjos e de homens, toda adoração, 26 todo serviço, e toda obediência que, como criaturas, eles devem a criador; e tudo mais que Ele se agrade em requerer de suas criaturas. Neste ser divino e infinito há três pessoas: o Pai, a Palavra (ou Filho) e o Espirito Santo; 27 de uma mesma substância, igual poder e eternidade, possuindo cada uma inteira essência divina, que é indivisível. 28 O Pai, de ninguém é gerado ou procedente; o Filho é gerado eternamente do Pai; 29 o Espirito Santo procede do Pai e do Filho, eternamente; 30 todos infinitos e sem princípio de existência. Portanto, um só Deus; que não deve ser divido em seu ser ou natureza, mas, sim, distinguido pelas diversas propriedades peculiares e relativas, e relações pessoais. Essa doutrina da Trindade é o fundamento de toda a nossa comunhão com Deus e confortável dependência dEle.

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INTRODUÇÃO

Primeiro, uma correção. Na aula passada eu disse que iríamos estudar quatro atributos incomunicáveis, e enumerei-os: a autoexistência, independência, unidade e imutabilidade. Contudo, eu me equivoquei ao relacionar a independência como um atributo distinto da autoexistência, sendo que os dois representam um mesmo atributo. Em seu lugar, o correto seria eu dizer infinidade ao invés de independência. Assim, a relação correta dos atributos ficaria, corrigido o erro: autoexistência ou independência, unidade, infinitude e imutabilidade.

Então, agora, começaremos o estudo dos atributos incomunicáveis, cujo termo foi definido na aula passada. Contudo quero reafirmar algo que disse anteriormente, ou seja, o de que não entendo os atributos incomunicáveis como não sendo comunicáveis, de alguma forma, ao homem. Com isso, não quero dizer que Deus os comunica aos homens, no sentido de que o homem poderá refleti-los de alguma maneira, reproduzindo-os; não é isso. Porém, se fossem realmente incomunicáveis não seria possível que os compreendêssemos, ainda que limitadamente, e, por eles, Deus nos revelasse algo do seu ser. O próprio fato deles estarem descritos na Bíblia transmite-nos a ideia de que Deus os está comunicando aos homens, em linguagem humana, racional, mas ainda que parcialmente, o seu entendimento pode ser apreendido pelo homem, de forma a revelar a majestade, esplendor e glória divinas, tornando-se possível ao homem compreender o quanto ele é incomparável.

Desta forma, Deus se faz conhecido, e o glorificamos naquilo que conhecemos, sabendo que, por mais bem definidos que sejam esses atributos, teremos a compreensão parcial, fragmentária, insuficiente do seu ser infinito, eterno e perfeito.

Outro ponto que ressaltarei é de que a enumeração ou enunciação dos atributos divinos não os tornam separados do todo, e o nosso entendimento somente poderá ser correto se entendermos que todos os atributos estão intrinsecamente relacionados, de forma que a autoexistência depende completamente e é completadora da infinitude, da eternidade, da independência e da unidade de Deus; pois, sendo perfeito, todos os atributos que compõem a sua essência, natureza e caráter não se manifestam separadamente, nem há proeminência de um sobre o outro [o que, caso acontecesse, implicaria na superioridade de um ou mais atributos sobre os demais, tornando-o um ser partidário e fragmentado], de forma que não poderemos dizer jamais que ele é mais eterno do que infinito ou independente, exatamente porque não há graus de infinitude ou eternidade ou unidade ou independência em Deus, mas de totalidade absoluta em suas virtudes.

A forma como entendemos e compartimentamos as qualidades divinas é que nos fazem imaginar divisões do seu ser, visto ser impossível para nós compreendê-lo em sua totalidade. Por isso a Escritura, utilizando-se da linguagem humana, nos apresenta o Senhor de maneira progressiva, ressaltando ora uma de suas qualidades, ora outra, e ainda outra. Senão, ser-nos-ia impossível a compreensão mínima, ou até mesmo qualquer nível de compreensão do ser divino. Com isso, ficam evidenciados outros de seus atributos: a bondade e a misericórdia de se fazer conhecer, ainda que não completa mas suficientemente, para que percebamos o amor com que cuidou se revelar em um nível muito abaixo de todo o seu ser. Penso que Deus esculpiu maravilhosamente, através das palavras e imagens, a realidade que, por causa do pecado, nos escapou, e nos seria impossível apreender, se ele cuidadosamente não as elaborasse como o artesão máximo, em inúmeros detalhes, tão profundamente reais que nos atordoam em sua absoluta verdade.

Por que Deus fez assim? Por que não nos deu uma mente superior para melhor apreendê-lo? Por que não inibiu em nós os efeitos noéticos do pecado? Por quê? Não sei, nem tenho respostas. Porém posso afirmar que, em sua perfeição, esta não foi uma entre muitas opções, mas a única decisão possível, pois sendo perfeita, não poderia disputar com outras opções, na impossibilidade de Deus cogitar algo imperfeito. Sendo a sua obra a realização da sua vontade, essa vontade é única, sem variantes, e sua obra perfeita, o plano sem defeitos, revelando outro dos seus atributos, a imutabilidade, que como os demais encontram-se em harmonia, não havendo qualquer variação. Com isso não quero dizer que todos os elementos da obra divina sejam perfeitos, pois, caso fossem, seriam uma recriação de si mesmo. A obra é perfeita, e na sua perfeição, mesmo o pecado, os anjos e homens caídos, e o mal, são elementos negativos mas que cumprem no todo a vontade perfeita de Deus.

Também não sei como isso se dá, mas o certo é que todos os aspectos da obra divina cumprem precisamente tudo aquilo que Deus determinou e estabeleceu eternamente, e que, como tal, no tempo, revela-nos distintamente o seu caráter, a sabedoria suprema com que conduz todas as coisas, sem que nenhuma delas escape-lhe ou aconteça à revelia da sua vontade.

Creio que, somente por este ponto, já temos a mostra de como é incompreensível para nós, numa forma geral e absoluta, entender todos os aspectos que envolvem o ser de Deus. Porém temos a obrigação de aceitá-los assim como nos revelou, para que dessa forma o nosso entendimento seja renovado, e experimentemos “qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade Deus” [Rm 12.2]. E ele, em nossas mentes e corações, sempre seja verdadeiro.

A AUTOEXISTÊNCIA DE DEUS

Somos seres temporais, que têm início e fim; mas ainda que nossa alma seja imortal, a forma como somos e nos conhecemos hoje, terá um fim, pois assim como nascemos um dia, também morreremos em algum lugar no tempo. Esta ideia está presente em nossas vidas, assim como a de espaço, o que nos torna em seres essencialmente temporais, limitados pelo tempo e espaço. Por isso a dificuldade em entender e muitas vezes aceitar a complexidade do ser divino. Para nós é sempre mais difícil, pois nossos parâmetros encontram-se em oposição ao eterno, pois estamos sempre dispostos a olhar ao que está de contíguo a nós, ao redor, ao alcance das mãos. Com isso, raciocinar sobre a autoexistência divina nos coloca na situação de compreender algo que vai muito além do nosso entendimento e da nossa realidade. O que não quer dizer que Deus seja irreal, mas ele habita numa realidade impossível para nós, e que nos revela a sua singularidade, e a distância que existe entre a perfeição do seu ser e a nossa humanidade imperfeita.

Deus existe em si mesmo, ou seja, ele não necessita nem precisa de nada para existir. Ao contrário do homem que depende de Deus para a sua existência, não somente na criação mas na manutenção da vida, tanto física como espiritual, Deus é independente em seu ser, e independente em tudo o mais. A sua própria perfeição imanente, a de não ter sido causado, é a razão da sua existência. Por ser Deus eterno, não há uma causa para a sua existência, logo Deus não é a causa de si mesmo. Ele é! [alguns dirão não ser uma resposta que explique Deus]. Mas haverá respostas para o ser eterno, perfeito e infinito além da sua eternidade, perfeição e infinitude? Logo Deus não é a origem de si mesmo, posto não ter origem. Deus não é o início de si mesmo, pois não tem princípio. Nem mesmo é o fim de si mesmo, pois não tem fim. Se há causas para a existência de Deus, elas estão ocultas nele, pois a sua vida não vem de fontes externas. De forma que ele permanecerá sempre o mesmo, imutável. Deus é incomparável [Is 40.18] e independente em todas as coisas, seja na sua vontade [Rm 9.19. Ef 1.5], poder [Sl 115.3], conselhos e intentos [Sl 33.11].

Vejam bem que, apenas para definir a autoexistência divina, utilizei de alguns dos seus atributos que se encontram interrelacionados: eternidade e imutabilidade, por exemplo. É impossível se tratar de um atributo e entendê-lo isoladamente como se estivesse à parte do todo, seccionado, e fosse independente dos demais. Deus é unidade, e como tal, nada pode ser separado ou distinguido, como já disse.

Assim a autoexistência de Deus nos remete à perfeição do seu ser, o qual é autossuficiente em si mesmo, sem que nada possa afetar a sua existência. Antes da Criação, Deus estava em plena satisfação e felicidade em si, e assim continua após ter iniciado a sua obra. Ele é a vida, e por ele tudo existe, vive e se move [At 17.28]. Somente ele sabe como é que existe, por que existe, e porque sempre existirá. Esse é um mistério que o homem provavelmente jamais entenderá, dada a sua complexidade, profundidade, a qual a mente humana é insuficiente para abarcá-la. Por mais que imaginemos possibilidades, elas não passarão de possibilidades, de capacidade imaginativa e especulativa, em que a dúvida é a convicção, sem que sejamos impedidos, contudo, de reconhecer, crer e aceitar como a mais verdadeira, evidente e fundamental base da realidade do ser de Deus a sua autoexistência. E ela está mais do que viva nas palavras de Cristo: “Porque, como o Pai tem a vida em si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em si mesmo” [Jo. 5.26].

Aqui, farei um aparte. Muitos podem entender que Cristo tem vida em si mesmo dada pelo Pai. Mas o que ele está dizendo não é nada disso. O que ele diz é que o Pai tem a vida em si mesmo, e assim como o Pai, o Filho também tem a vida em si mesmo. Seguindo esta afirmação, podemos dizer, acertadamente, que o Espírito Santo também tem a vida em si mesmo. Não é possível que o Pai tenha dado ao Filho a condição de ter vida em si mesmo. Ou o Filho tem a vida em si, ou o Pai é quem lhe deu a vida. As duas proposições são irreconciliáveis, e se autoanulam. Se entendemos que o Pai deu a vida ao Filho, como os unitaristas acreditam, como o Filho poderia ter a vida em si mesmo? Ela não depende dele, mas do Pai. Logo, não há vida no Filho, no sentido de ele tê-la em si, mas apenas como doação do Pai. Da mesma forma que nós temos vida em nós mesmos, sem que, contudo, tenhamos controle sobre ela, pois não depende de nós vivermos ou morrermos. Porém, em relação a Cristo, a Escritura claramente indica que a vida estava nele, assim como ele estava com Deus e era Deus [Jo 1.1- 4].

Alguns poderão dizer que a vida a qual o Senhor se refere é a vida humana, a sua natureza humana, mas como o homem Jesus poderia ter vida em si mesmo? Não poderia. Para tê-la, ele teria de ser eterno, e sabemos que o homem Jesus não é eterno, posto ter nascido, crescido e morrido. Este é apenas um preâmbulo sobre a eternidade do Filho, que será mais bem estudada quando falarmos da Segunda Pessoa da Triunidade.

Outro ponto a ser ventilado é o de que o homem, em sua rebeldia e pecado, imagina-se independente de Deus. Ele crê erroneamente que é um ser autônomo, que sua vida é ditada exclusivamente por sua vontade, e de que Deus nada tem a ver com ela. Essa atitude está ligada ao desejo do homem de ser como Deus. Foi assim no Éden e ainda é hoje. Por isso o homem se considera “livre” de Deus, mas se ele é o Senhor do universo e de todas as coisas, como pode o homem ser livre de Deus? Em Dn 4.35 lemos: “E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?”. Nabucodonosor reconhece que Deus pode utilizar os meios que quiser para cumprir os seus propósitos, tantos os anjos no céu, como os homens na terra. Ele faz todas as coisas conforme a sua vontade independente, sem qualquer interferência externa a ele, exatamente porque também o seu poder é independente e opera conforme a sua vontade independente. Ou seja, Deus não precisa de ninguém para elaborar os seus planos eternos, e de nenhuma força que o auxilie na execução desses intentos. Ele pode tudo, e nós nada podemos sem ele [Is 40.28-29].

Tem-se claramente que a independência não é um atributo que Deus compartilha com o homem. Apenas a soberba, a arrogância e o desconhecimento do ser divino podem levar o homem a imaginar-se independente de Deus, como se possível fosse ser como ele é. A autoexistência e independência divinas deveria nos fazer humildes, e buscar incessantemente um relacionamento de sujeição e adoração a ele, que em sua bondade e misericórdia se deu a relacionar com suas criaturas; visto que todas as coisas, até mesmo as mais insignificantes e desapercebidas, procedem dele e são obras das suas mãos; para reconhecermos a sua grandeza e majestade, submetendo-nos ao seu senhorio, com gratidão.

Portanto, Deus existe e sempre existiu em si mesmo, e para sempre o seu nome será o “Eu Sou”. E o ser sempiterno é um dos seus atributos essenciais, pelo qual devemos reverenciá-lo. 

Nota: 1- Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico 

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    ÁUDIO DA AULA 17