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24 janeiro 2022

Anna Kariênina - Leon Tolstói: Em busca de sentido

 



Jorge F. Isah


Depois de tantos anos, somente agora decidi-me a ler um livro de Tolstói. E não comecei pelo mais famoso, “Guerra e Paz”, mas pelo não menos famoso “Ana Kariênina”. Algo que sempre me desmotivou a lê-lo foram dois "entraves". O primeiro, não sei por que isto sempre me veio à cabeça, imaginei que ele fosse um "rival" literário de Dostoievski, assim como o Piquet foi rival do Senna na F1 (sic), e por aí afora (de alguma maneira, a juventude tem em mente dividir tudo em disputas; uma pena, já que a vida vai muito além do reducionismo tolo, em qualquer idade). Leio o "Dosty" desde a adolescência, e nutri durante anos um certo desprezo por Tolstói; o que acabou por agravar-se a partir da descoberta de Charles Bukowiski que também não gostava do Leon, e reputava o “Fiodor” o maior entre todos os escritores em todos os tempos, esse é o segundo motivo. Parecendo confirmar minhas suspeitas de "rivalidade" entre os dois gigantes da literatura russa; e a me isolar, por décadas, de Liev (um tipo de privação literária...). 

O fato é que esquivei-me o quanto pude daquele, até o derradeiro momento. Penso que, hoje, certos autores não são "ilegíveis", e não há como fugir da necessidade, e por que não o prazer, de lê-los. Tolstói é um deles, clássico, como o é Balzac ou Dickens, por exemplo, e para citar apenas dois contemporâneos do russo.

Falando de Anna Kariênina, a narrativa é fluída e de leitura agradável. No início, pensei, logo após as primeiras páginas: é continuar e esperar para ver o que o russo tem guardado na manga... E tem de ser coisa muito boa, pois mais de 800 páginas de “enrolação”, somente o “Dosty” consegue fazer com maestria. Contudo, a despeito da imensa habilidade do autor, há momentos em que a trama parece-se muito com as novelas românticas dos escritores de best-sellers (é claro, estou hiperbolizando, pois não é possível, nem de longe comparar um e outros), onde há ingredientes para todos os gostos. Há excessos de palavreado e descrições em profusão, algumas desnecessárias, em situações que poderiam ser resumidas. Entendo que ele queira deixar mais claro do que água, de maneira inapelável, o caráter de suas personagens e dos eventos nos quais participam; existe, porém, uma forma excessiva, quase repetitiva, em repisar e asseverar essas informações. O grande número de personagens secundários deixá-a delongada, encompridada, não diria arrastada, mas o leitor comum pode, certamente, ficar um pouco impaciente.

Não direi que os tais “excessos” tornam a leitura pouco proveitosa, de uma forma geral, posto a familiaridade e o interesse para com os personagens diminuir sensivelmente essa sensação. Talvez, e apenas talvez, um corte de 10% no volume final do texto representaria maior fluidez, diretamente ligada a uma objetividade igualmente maior; mas quem sou eu para ensinar escrita a um dos maiores gênios literários de todos os tempos?... É apenas a reflexão de um leitor preocupado com a sonegação desta geração, e das futuras, em se privar de experiências tão marcantes e profundas ao negar-se ler um dos clássicos.

Tostói tem muitos méritos, inclusive da descrição e apresentação minuciosa de suas personagens, o que nos possibilita conhecê-las profundamente e, até mesmo, manter certa intimidade e cumplicidade com elas. Esse é, com certeza, um dos maiores méritos das grandes obras, nos tornar em parceiros, quase comparsas, da trama. Ocorre um pequeno “problema”, não sei dizer se posso chamar de problema, no desenrolar do livro: não há surpresas, já que muito do que acontece pode ser vislumbrado pelo leitor atento, a revelar a universalidade da história, ou histórias, em suas mais triviais particularidades, e mostrar o quão humana são as vidas das personagens, em suas tragédias, dramas, vivacidades e sutilezas.

Outro virtude é apresentar-nos várias discussões iniciadas naquele século e a perdurar até os nosso dias, revelando o quão é previsível o homem em sua tolice, excepcionalmente quando se considera imprevisível. Temas de cunho filosófico, teológico, moral, político, cultural são pontuados com boas análises e conclusões, ainda que sejam apenas o mote para se avaliar o caráter de uma e outra personagem.

Penso haver dicotomias sem a menor razão de ser, como a disputa “religião x ciência”, onde a verdadeira religião e a verdadeira ciência não se digladiam, mas se complementam; mas o que para mim pode ser líquido e certo, para Tolstói e outros leitores é motivo de dúvidas e especulações, algo sincero e em nada desabonador, mesmo, no fim das contas, não existindo oposição.

Como em todo livro temos aqueles homens e mulheres de que gostamos e os de que não gostamos. Especialmente, nutro uma simpatia por Kitty e Levine (mesmo este considerando-se ateu), enquanto não posso afirmar o mesmo de Ana e Vroski... Interessante que a mentalidade revolucionária/alienada, via marxismo, já se disseminava rapidamente mesmo em uma sociedade ainda não desenvolvida como a russa (praticamente rural), onde Tolstói já vislumbrava o que haveria de acontecer décadas depois com Lenin, Trotsky e os bolcheviques.

Tolstói não chega a ser um Dostoievski (espera lá, caro leitor, não vá apedrejar-me; entenda existir um quê de “torcida” a favor deste, sem necessariamente haver demérito àquele; algo momentâneo e que pode mudar no futuro), mas é um grande escritor, que sabe pegar o leitor não com um espalhafatoso início, mas com o desenrolar da narrativa, em uma crescente de emoções, considerações e descobertas, pela qual somos seduzidos e "hipnotizados" em sua arte superlativa.

Um trecho que exemplifica em parte o dito acima, sobre o vislumbre do mundo atual a partir da realidade russa, o qual selecionei e copiei abaixo: acontecia na Rússia do sec. XIX o que está hegemonicamente disseminado no Brasil do sec. XXI. Tostói não era profeta (apesar da aparência negar), mas vislumbrou a massificação da ignorância no mundo, em progressão geométrica, a despeito dos avanços tecnológicos; senão, vejamos a fala de um marchand a respeito de um pintor em ascensão, Mikailov:

"Filho, segundo ouvi dizer, de um mordomo moscovita, não sabe o que seja educação. Depois de frequentar a Escola de Belas Artes e de ter adquirido certa reputação, quis instruir se, pois não é nenhum tolo. Para isso recorreu àquilo que se lhe afigurou a fonte de toda a ciência, isto é, aos jornais e às revistas. Outrora, quando alguém queria instruir se, por exemplo, um francês, que fazia ele? Estudava os clássicos, os teólogos, os dramaturgos, os historiadores, os filósofos. Estão a ver o trabalho que o esperava. No nosso país é tudo muito mais simples: basta uma pessoa atirar-se à literatura subversiva para muito rapidamente assimilar um extracto completo de tal ciência. Há uns vinte anos, ainda esta literatura mostrava vestígios da sua luta contra as tradições seculares, o quanto bastava para ensinar que tais coisas existiam, mas agora nem mesmo se dá ao trabalho de combater o passado, contenta se em negar francamente: tudo é evolution, selecção, luta pela vida".

É ou não é um retrato fiel dos nossos tempos?

Tolstoi aborda uma boa gama de problemas e dilemas que afligem a humanidade desde sempre. Temas como amor, traição, fidelidade, honradez, malícia, hipocrisia, ingenuidade, fé, etc, são ingredientes do palco de Anna Kariênina. Como já disse (e não canso de repetir), ele delineia minuciosamente as suas personagens, de maneira que as conhecemos profundamente. Muitas discussões iniciadas no sex XIX perduram até os nossos dias, como também já disse, mas algo evidente, e merece ser reforçada é a reflexão sobre a queda intelectual e moral da sua época, o emburrecimento daqueles que deveriam defender e perpetuar a alta cultura e os princípios judaico-cristãos na sociedade. De forma que entre os aristocratas e letrados é-se possível perceber o que seria "regra": o desprezo ao conhecimento e à moral, e a exaltação dos instintos ao nível do irracional. Anna é um bom exemplo disso: viveu e morreu pelos seus prazeres e sensações (uma hedonista empedernida, viciada ao ponto da loucura e desespero), muitos equivocados, muitos a exaltar-lhe o egoísmo e o narcisismo, muitos falsos e irreais, que culminaram numa segunda realidade, existindo apenas em sua mente.

Mesmo sendo rejeitada pela sociedade, de maneira geral, seus pecados eram amenizados ou esquecidos por conta da sua beleza e sensualidade, onde os homens adoravam-na enquanto as mulheres desprezavam e invejavam-na (nisso há uma semelhança entre Karenina e “Nastasya Filippovna”, de Dostoievski – preciso mesmo reler o Idiota, em breve). Pouquíssimos são os exemplos morais num mundo infestado pela imoralidade, mas até mesmo estes reconheciam sua condição miserável e indigna, como a amante do irmão de Levine. A própria Anna reconhece a desgraça em que se lançara, mas a idéia de uma felicidade amorosa e verdadeira e duradoura com Vroski era uma espécie de recompensa a todo o mal que ela havia produzido (o fetiche e suas prisões da alma). Temos as figuras dos ídolos, aqueles pelos quais se manifestam o desejo humano de deificação, seja o amor proibido ou qualquer forma de rebelião ao natural; pois, como criaturas imperfeitas e necessitadas poderiam gerar relações perfeitas e suficientes?

Interessante notar que o senso moral está presente, é reconhecido mas não aceito, como se acatá-lo significasse algum tipo de escravidão, e a sua rejeição consciente uma liberdade. Ao contrário dos nossos dias, onde a moral, ética e os valores nobres do homem são desprezados por não serem reconhecidos como tais (o relativismo torna impossível qualquer verdade absoluta, entregando-se a irrealidade e contradição da verdade relativa); lá, ao tempo de Tostói, o homem se entregava ao erro pela impossibilidade de não vivê-lo, mesmo sendo reconhecido como tal, como erro; não havia a exaltação dos pecados e vícios; era simplesmente o inevitável, algo de que não se conseguia fugir, sem ser contudo objeto de caça. Esta é, via de regra, a condição natural do homem, o bem e o mal e a escolha entre eles; ao passo que, atualmente, a ideia do mal estar misturada de tal forma à do bem, que o mal se faz bem e o bem mal, para a desgraça completa de boa parte da humanidade.

Tostói é conservador nesse aspecto, e dá ao seu livro um caráter nitidamente existencial (ainda que o termo não existisse ao seu tempo com o conceito de hoje) e metafísico no desfecho final. Interessante as implicações metafísicas serem respostas diretamente tiradas da realidade, como atestam as reflexões finais de Levine.

O livro é um achado, e sua leitura pode surpreender, não como estamos acostumados a ser surpreendidos: o espanto e o susto gratuitos, ou reviravoltas malabarísticas (próprias de boa parte dos autores modernos; a maioria "sem pé nem cabeça"), levando-nos a meditar sobre questões cruciais ao ser humano, como a vida e a morte, por exemplo, e sempre.

Leitura recomendadíssima.


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Avaliação: (****)

Título: Anna Kariênina

Autor: Liev Tosltói

Página: 808


Sinopse:
                "Toda a diversidade, todo o encanto, toda a beleza da vida é feita de sombra e de luz”, escreve Liev Tolstói no romance que Fiódor Dostoiévski definiu como “impecável”. Publicado originalmente em forma de fascículos entre 1875 e 1877, antes de finalmente ganhar corpo de livro em 1877, Anna Kariênina continua a causar espanto. Como pode uma obra de arte se parecer tanto com a vida? Com absoluta maestria, Tolstói conduz o leitor por um salão repleto de música, perfumes, vestidos de renda, num ambiente de imagens vívidas e quase palpáveis que têm como pano de fundo a Rússia czarista. Nessa galeria de personagens excessivamente humanos, ninguém está inteiramente a salvo de julgamento..."

18 maio 2022

A Morte de Ivan Ilitch - Léon Tolstói

 




Jorge F. Isah

 

Mais do que a descrição da morte física (uma descrição tão detalhada e assustadora que senti as dores de Ivan, o personagem principal, como se minhas fossem), o livro descreve uma destruição progressiva e inevitável da vida pessoal e familiar de Ivan, onde muros eram construídos e aumentados à proporção da solidão, distanciamento e autopiedade na qual se lançava no curso da doença. Uma doença muito mais da alma, do espírito, do que física, culminando nas incertezas e desesperanças em que se via cada vez mais profundamente atrelado e mergulhado. E isso refletia diretamente em seus familiares que sofriam com a sua dor, mas sobretudo com a sua injustiça ao imputar-lhes a causa do seu mal.

De um problema físico, Tostói aborda, delineia e expõe as feridas e doenças da alma, em que as relações se tornam em angustiante tristeza e flagelo; a luta insana por conforto enquanto se trava uma batalha sem vitoriosos, todos vencidos.

A morte, tão presente, trazia ao homem confiante e seguro de si mesmo, satisfeito com o seu sucesso, suas realizações e conquistas, como o era Ivan, sentimentos de autocomiseração, falta de piedade, desamor e sobretudo medo; um medo tão tangível, que o apreendeu como uma moeda entre os dedos; o medo desesperançado, de atroz mortificação, implacável em seus infortúnios e flagelos. Destaco dois trechos a descreverem essa percepção:

"Em alguns momentos, depois de um período prolongado de sofrimento, desejava, mais do que outra coisa - envergonhava-se de confessá-lo, alguém que sentisse pena dele como se tem pena de uma criança doente".

"Chorou por sua solidão, seu desamparo, pela crueldade do ser humano, a crueldade de Deus e ausência de Deus".

Aqui certamente  está a resposta que tão relutantemente Ivan desdenhou quanto ao sofrimento e a desesperança: o abandono do homem em si mesmo, e a procura tresloucada de encontrar as respostas e o alívio em outras pessoas, quando em si não as há, nem mesmo em outras; a despeito de se compartilhar a humanidade, ela não se explica, nem se entende, muito menos conforta ou consola, traz esperanças ou expectações benévolas se não tiverem no Criador os seus princípios e fundamentos. Com isso, não estou a dizer que o homem, tal qual o conhecemos ou fingimos conhecer, ignorando suas origens e propósitos, é o “espelho” de Deus, ainda que o seja parcialmente e em algum sentido. Na verdade, se é fruto do acaso e forças impessoais, não há muito a ser descoberto além daquilo que somos ou podemos ser, sem ser o que imaginamos pela impossibilidade de sê-lo de fato.

Ivan esperava respostas que os seus interlocutores, ele e parentes e amigos, eram incapazes de decifrar, quanto mais explicá-las à luz das próprias consciências, autônomas e independentes. Então, não lhe restava outra coisa a não ser imputar nos outros, em Deus, ou fatalidades (a vida injusta, por exemplo) a sua própria incompreensão, ou melhor, a inaptidão para reconhecer o quão profundas, e até mesmo insondáveis, eram seus inquéritos... Somente Deus pode dá-las, e elucida-las, e mais do que isso, satisfazê-las, sem o que não restará nada a se fazer, a não ser sentir-se amargo e cínico, culpar a todos e tudo pelo que não se foi capaz de alcançar e não alcançará.

"Enquanto ela (a esposa) o beijava, ele (Ivan) odiou-a do fundo da sua alma e foi com dificuldade que conseguiu conter-se para não empurrá-la.

- Boa noite. Se Deus quiser, você dormirá bem!".

No final das contas, parece-me que Ivan não queria mesmo se curar (se não no início, durante a enfermidade agradou-lhe o sofrimento e a angústia e a indiferença, algo próximo da vitimização, e o medo que causava); e reunindo as forças que lhe restavam, sofria e fazia sofrer com empenho, a dedicação cega daqueles que ignoram o bem, não sabem vivê-lo nem deixam outros vivê-lo também. Apenas quando já não podia mais lutar, encontrou o sentimento de piedade pelos da sua casa, o que, de alguma maneira, trouxe-lhe paz e libertação, ainda que parcial, da morte iminente. Talvez esteja aí uma resposta ou fragmento de uma resposta, com a qual teve de lutar até se ver vencido. Da mesma forma que o antigo ditado diz, onde não há pão ninguém tem razão, pode-se dizer que onde não há amor há dor em profusão. E o que pode ser o amor se não um dom divino, no qual Cristo resumiu tudo: amar a Deus e ao próximo como a ti mesmo?

Ainda que tarde, Ivan talvez tenha experimentado uma centelha do amor, onde o corpo aflito poderia guardar uma alma confortada, ainda que enferma e à porta da morte.

Mais do que uma tragédia anunciada, Tolstói quis revelar a redenção, aquela pela qual somos finalmente tornados à semelhança de Deus... e apenas ele pode ordená-la.


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Avaliação: (****) 

Autor: Leon Tolstói

Páginas: 112

Editora: LP&M Pocket

Sinopse: "Esta obra mostra a história de um burocrata medíocre, Ivan Ilitch, um juiz respeitado que depois de conseguir uma oferta para ser juiz em uma outra cidade, compra um apartamento lá, para ele, sua mulher, sua filha e seu filho morarem. Ao ir para o apartamento, antes de todos, para decorá-lo, ele cai e se machuca na região do rim, dando início à uma doença"



27 setembro 2021

A Superfluidade Humana em “Retrato de Uma Senhora”, de Henry James

 



Jorge F. Isah


Retrato de uma Senhora é um livro de conflitos, a perpassá-lo em cada página, parágrafo, linha. Henry James é um autor e tanto. Ele penetra e fustiga seus personagens até espremê-los à exaustão e ao limite de suas forças (dele, e deles). E o amor parece ser a causa, a origem de todos os embates e hostilidades nessas relações. Seja o amor à pátria, ou alguém, ou a si mesmo, seus desejos ou convicções, nada é fácil, ou melhor, puro, aos olhos dos personagens. Existe sempre uma áurea de maldade, de oposição, a impedi-lo de se concretizar, materializar-se, em meio às imperfeições e sutilezas aspiradas por almas incapazes de fazer o bem, ainda que o almejem (Ralph, certamente o personagem mais fascinante do livro, mesmo pretendendo fazer o bem, acaba por reconhecer que o bem pretendido não foi além do mal realizado. Ainda que seus esforços sejam nobres, dar à sua prima, Isabel, os meios para realizar o seu idealismo: ser uma mulher do mundo, conhecendo-o, em sua ânsia por liberdade; motiva-o a satisfação de ser o benfeitor anônimo, numa prova de desprendimento, mas também de ascetismo mórbido – Quem ler o livro entenderá).

A ideia do autor de narrar a trajetória de Isabel, no decorrer de alguns anos, menos de uma década, e, especialmente, o que lhe sucederia, sendo uma jovem moderna, independente e visionária, leva-o, contudo, a investigar o fracasso, digo, a frustração de homens e mulheres a circundá-la; satélites em desarmonia, perturbados e caóticos, enquanto a estrela central se implode, incapaz de manter a si mesma, e ao seu círculo, na rota da felicidade. Estão sempre a colidir uns com os outros; e amontoam-se em camadas de orgulho, vaidade e pernosticismo. Não é o retrato de uma senhora, mas da alma humana, de uma sociedade na qual a busca da felicidade e realização tem tão duros e insuperáveis obstáculos que o desgosto parece ser a forma natural de se viver enquanto os sonhos se dissipam, como barcos em naufrágios.

O mal se faz sentir nas doenças, nos encantamentos, nas aspirações, nos convívios, amizades, casamentos, traições e tentativas; percorre os sentimentos, os atos, os desejos, e nem mesmo uma alma angélica e adorável como a de Pansy está imune à tristeza de, sendo cândida, pagar pela impureza dos outros; mais especialmente de seu pai, Osmand e de sua amiga, madame Merle. Esta, com certeza, é ladina, finória, vivendo em uma constante trama, planejando tirar dos outros, em especial o seu círculo mais próximo, as vantagens necessárias para sobreviver, sem ser ela mesmo capaz de retribuir além das intrigas.

É difícil escrever sobre uma história sem contá-la; e é o que venho tentando fazer, sem as vezes obter sucesso. A ideia é relatar o mínimo necessário para aguçar o interesse do leitor, de que ele se disponha a comprar o livro e, ele mesmo, venha a descobrir coisas que não descobri, e ver o que não vi. Tomara que eu possa, com o mínimo, levar alguns a desejarem o muito.

Retrato de uma Senhora é um grande livro, dos melhores que li ultimamente. A trama é elaborada, sem os constantes e desnecessários “sustos” e “perplexidades” que as obras atuais se especializaram, como a maneira mais fácil de fisgar o leitor (de maneira artificial. Escrevem como se fosse um thriller de suspense e emoções “sem pé nem cabeça”). Não é um livro fácil; mas certamente, à medida que se dá voz às personagens, acaba-se por criar uma empatia e cumplicidade com alguns deles. E o grande livro somente o é se amamos e odiamos, apiedamos ou desprezamos certas personagens. Escrito no final do século XIX, é uma obra universal. Talvez, e somente talvez, eu gostaria que James tivesse reduzido o volume total de páginas em algumas dezenas; me parece que cinquenta seria um bom número. Mas, certamente, não serei eu a desprezar uma linha sequer do enredo; pelo contrário, tenho-as, cada uma, como importante para o desenrolar da história.

Voltando a ela, creio que a maioria desprezaria ou não entenderia os percalços, dúvidas e esquemas abusivos e caprichosos em que as pessoas se inseriam ou eram cooptadas. A questão pode ser entendida como o apelo à “primitividade” humana, tão distante da “liberdade” com que se goza atualmente. A verdade é que o livro vai muito além da superficialidade das relações e seus meandros, e que parecem desmerecê-los em prol dos modernosos avanços do sec. XXI. Ledo engano. O homem certamente descrito por James conhecia mais de si mesmo e do outro, e por isso não tinha ilusões, ao menos não se entregava a elas como um cão ao osso. Ao contrário da aparente fleuma de superioridade, da autoconfiança e da quase infalibilidade das apreciações e conceitos “modernos”, o homem permanece o mesmo, em sua busca de felicidade, de satisfação, de realização, mas esquecendo-se de que nelas reside o seu ser. Ele nada mais é do que aquilo que faz ou pensa fazer, para o bem ou para o mal. Ele não é, se não fizer; e mesmo fazendo, deixa de ser. Não o que é, mas o que deseja ser ou pensa ser. Por que isso? Porque a leitura de qualquer obra deve, no mínimo, não ser apenas a apreciação da história pela história, mas o que ela revela do homem, do mundo, do conhecido, do desconhecido, do tangível, do intangível, do natural e do sobrenatural, do homem e de Deus.

Henry James não pretendeu escrever sobre a necessidade do homem de Deus, mas ao descrever a insuficiência humana e o seu fracasso, deixou nas entrelinhas essa exigência; pela falta pode-se saber a ausência, e naquilo em que somos carentes. E, “Retrato de uma Senhora”, é a síntese da superfluidade que em nada preenche ou pode preencher o homem.

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Avaliação: (****)

Título: Retrato de Uma Senhora

Autor: Henry James

No. de Páginas: 680

Editora: Cia das Letras

      Sinopse: "Retrato de uma senhora, publicado pela primeira vez em 1881, é o primeiro grande romance de Henry James, e talvez sua obra máxima. Num século em que a esposa burguesa insatisfeita tornou-se um personagem literário central, e o adultério um motivo romanesco recorrente - o século da Madame Bovary, de Flaubert, e de Anna Karenina, de Tolstói -, Henry James colocou em cena uma heroína singular, cuja carência essencial é de outra ordem. Com uma narrativa que, astuciosamente, começa lenta, quase contemplativa, e aos poucos se acelera, ganhando dramaticidade, James constrói sua história como um jogo em que cada coisa se transmuta em seu oposto: liberdade em destino, afeto em traição, pureza em artimanha - e vice-versa"







19 agosto 2023

David Copperfield, de Charles Dickens

 








Jorge F. Isah


David Copperfield é daqueles livros que não dá para esquecer. Um tanto pelo volume, em suas mais de 1.000 páginas, outro tanto pela história monumental escrita por Dickens, cheia de detalhes, nuances, e uma variedade de personagens que desnudam a alma humana, revelando todas as contradições que carregamos em nós mesmos, e que em alguns se acentuam, enquanto em outros é possível descobrir uma alma a caminhar linearmente por entre as trevas (ao exemplo do personagem "Uriah Heep", um dissimulado onde estivesse, com quem estivesse, independente da situação). Há ainda aqueles que emanam luz, a qual brota tão intensamente que não há escuridão que os impeça, pelo contrário, elas a dissipam, como é o caso da personagem Agnes.

Dickens é um poeta a fazer prosa; é como se no decorrer do livro estivéssemos lendo uma partitura sinfônica e pudéssemos extrair o som de suas páginas, ora trágicas, ora românticas, ora aventurescas... mas sempre geniais. 

Não entendo o torcer de nariz de alguns críticos e leitores, ao considerar o autor prolixo, assim como muitos fazem com Dostoieviski, Tolstoi e Mann. Os mais extremados chegam as raias de dizer que não eram bons escritores, que serviam à época mas jamais para os dias atuais. Ora, esses "monstros" da literatura, no melhor sentido do termo, foram cronistas de seu tempo, mas com apelo universal e nunca restritos a uma porção temporal. Eles tratavam essencialmente de homens e suas relações; e os homens, via de regra, são sempre os mesmos, seja há dois mil anos, uma década, ou ainda hoje. Desprezá-los ou diminuí-los é não reconhecer a capacidade genial que tiveram em retratar, esmiuçar, apontar e investigar as matizes dos flagelos, alegria, sofrimento, miseria e fortuna, temores, dúvidas e outros tantos atributos aos quais a humanidade compartilha, seja aqui, no Japão, na Nigéria, América, antes e depois de Cristo, pois os tempos apenas revelam mais do que já sabemos de nós. Então, se você desistiu ou torceu o nariz para esses e outros autores clássicos, reexamine-se, e desfrute as novas descobertas. 

David Copperfield é um romance completo, e um desafio para quem quiser descortiná-lo, não somente pelas centenas de páginas, próximas do milhar, mas pelas sutilezas, ironia e um humor refinado com que o autor as imprimiu. É um grandíssimo livro, do qual, como disse inicialmente, não se pode esquecer.

Como não gosto de resumos de histórias, e quem se aventura em meu minifundio conhece, não o farei. Aos interessados, leia o livro, o qual, por sinal, é obrigatório. Tenham apenas cuidado com as edições, pois a maioria delas não tem o texto escrito por Dickens, mas são condensações e, em muitos casos, o texto é reescrito em uma linguagem que perde totalmente a magia original. Se o seu exemplar não tiver ao menos 900 páginas (variações quanto ao tipo e tamanho de letras) não se aventure. Procure o texto integral, tal qual concebido pelo autor. Fuja, portanto, de condensações que reduzem a 30 ou 40% e descaracterizam a obra, impedindo de se beneficar, e se deliciar, em seus meandros. Também é indicativo de você estar a ler sobre David Copperfield, como estou a fazê-lo, mas não David Copperfield.

Ainda há tempo... Mãos a obra!

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Avaliação: (*****)

Título: David Copperfield

Autor: Carles Dickens

Páginas: 1.312

Editora: Cosac & Naife

Sinopse: "Publicado originalmente na forma de folhetim entre 1849 e 1850, David Copperfield é o romance mais autobiográfico de Charles Dickens. Mas não só: nas palavras do grande escritor, que inspirou outros gigantes da literatura ocidental como Tolstói, Kafka, Woolf, Nabokov e Cortázar, este é seu "filho predileto".



23 fevereiro 2024

O Velho e o Mar - Ernest Hemingway


 


Jorge F. Isah



Como sempre acontece, existem leituras a suscitar curiosidade e interesse, mas negligenciadas, seja lá por qual motivo, durante anos e mesmo décadas. “O Velho e o mar” é uma delas. Li a novela (há quem insista em chamar de romance, mas eu prefiro descrevê-lo como novela) ainda adolescente, e sempre nutria, à medida que os anos avançavam, o desejo de reler, ou melhor, de lê-lo de verdade. Se inicialmente as impressões eram sobre a luta do homem com a natureza e suas forças aleatórias e caóticas, sobre a sobrevivência em seu estado mais puro e brutal, a velhice e inevitabilidade da morte, pude confirmar a maioria e acrescentar algumas outras.

Desde quando li, pela primeira, “Adeus às Armas” e embrenhei-me na escrita do americano, ela sempre me pareceu realista, quase ao ponto de ser autobiográfica, com poucos elementos ficcionais. A verdade é que o estilo de Ernest é muitas vezes áspero e violento, sem deixar, contudo, de esbarrar na poesia, sentimentos e emoções, e até mesmo em aspectos transcendentes, sem alijar a costumeira objetividade.

Talvez este seja o seu livro mais delicado, sem ser piegas ou ingênuo. Não. Em nada a história pode ser classificada por singela ou bucólica. Trata-se de um livro de sobrevivência, de luta pela vida, pela morte, de sucesso e fracasso. O próprio Hemingway se via as voltas com o ostracismo literário após o sucesso estrondoso de “Por quem os sinos dobram” (presente em minha lista há algumas décadas), morando em Cuba e se tornando ele mesmo um espectro do “velho” no mar. Nos dez anos a anteceder a publicação desta novela, o autor não produzira nada a chamar a atenção da crítica e público, e muitos o consideravam acabado para a literatura.

Mas, ele deu a volta por cima, e o velho Santiago, alterego de Ernest, é um ancião que perdeu a sorte na pesca e está há mais de oitenta dias sem fisgar nada. Alguma semelhança?... Dia sim, outro também, põe o seu barco em movimento e, como se diz entre os pescadores, leva as suas iscas para tomar banho. Não tem parentes ou amigos, à exceção do jovem aprendiz Manolin, a acompanhá-lo nas pescarias frustradas. Com isso, seus pais convencem o rapaz a abandonar o mestre e se juntar a outro que ainda não perdera a sorte. Manolin, como fiel escudeiro de Santiago, eleva-lhe o ânimo e estima, resgata histórias vividas por ambos e os vários sucessos nas investidas marítimas. Também supre-lhe as necessidades de comida, jamais o renegando.

Certa manhã, Santiago sai disposto a reverter o seu azar, novamente estimulado pelo pupilo, e aventura-se sozinho em mar aberto, no seu pequeno pesqueiro, e trava uma luta que durará dias com um Marlin azul ou Peixe-espada. Não foi à toa que Hemingway escolheu esse peixe, considerado por pescadores um dos maiores “brigadores” dos oceanos, capaz de chegar a quatro metros de comprimento e pesar meia tonelada. Essa era a sua batalha com outro “monstro” capaz de destruir almas e desgraçar vidas: a literatura. Diante do papel em branco, enfrentá-lo não é para qualquer um, seja calejado ou não no ofício da escrita. Em outras palavras, para o velho (ou Hemingway), era uma peleja difícil de se vencer, mas necessário desafiá-la. Com o tempo, adquire um certo “companheirismo” com o espadarte, passa a admirar a sua valentia, e até mesmo se arrepende de tê-lo pescado.

Em um dos momentos de meditação, ponderou:

“É maravilhoso e estranho, e quem sabe como será velho, pensou. Nunca apanhei um peixe tão forte, nem que se portasse tão estranhamente. Talvez não esteja disposto a saltar. Podia dar cabo de mim com um pulo ou uma correria desenfreada. Mas talvez já saiba o que é um anzol e que é assim que lhe convém lutar. Não pode saber que é um só contra ele, nem que é um velho. Mas que grande peixe! E, se a carne é boa, o que não dará no mercado! Mordeu a isca como um macho, é como um macho que puxa, e luta sem pânico algum.
Terá quaisquer planos, ou estará apenas tão desesperado como eu?”.[1]

Isolado, solitário, sem forças, com pouca água e comida, ferido, medita sobre várias coisas dos céus, da terra e do mar, e, entre elas, pairam dúvidas inclusive sobre sua profissão:

“Talvez eu não devesse ser pescador, pensou. Mas foi para isso que nasci. Não devo esquecer-me de comer a “tuna”, antes de aclarar”[2].

E reconhece também ser o peixe mais forte do que si, e a necessidade de não deixá-lo perceber sua fraqueza. Gostaria também que o garoto estive ali, para ajudá-lo a subjugar o animal:

“É um grande peixe, e tenho de o convencer, pensou. Não devo deixa-lo nunca tomar conhecimento da sua própria força, nem do que poderia fazer se corresse. Se eu estivesse no lugar dele, jogava o tudo por tudo, até que alguma coisa rebentasse. Mas, graças a Deus, não são tão inteligentes como nós, que os matamos, embora sejam mais nobres e mais capazes”.[3]

“Se o rapaz aqui estivesse, molharia as voltas da linha, pensou. Sim. Se o rapaz cá estivesse. Se o rapaz cá estivesse”.[4]

A narrativa é simples, acessível e moderada, sem ser bárbara (apesar de sanguinolenta e terrível) e, mesmo diante da morte e do iminente fracasso, permanece suave, tal qual calmaria após a tempestade. Certamente não é fraqueza, mas o sábio a reconhecer o imponderável e forças muito acima da sua capacidade e entendimento, a controlar o destino e rematar-lhe o final. Para um livro pequeno, a quantidade de significados abarcados são inúmeros; tem o caráter metafórico e análogo no conflito empreendido por Santiago e a saga de Hemingway as voltas com outro grande adversário: o desafio de vencer uma página por dia. Além, claro, dos aspectos a permear a vida de qualquer um, seja em qual tempo for, independente da situação, lugar ou circunstâncias, a verdade é que o livro tem caráter universal, aplicável a um, muitos ou todos, em diferentes nuances e minucias e, por isso, ganhou sucesso imediato.

Houve adaptações para o cinema (quero assistir ao Spencer Tracy), no teatro e na literatura. Não entendo a razão de muitos clássicos tornarem-se resumos ou sinopses. Especialmente quando se trata de uma obra próxima das cem páginas. Existe a peculiaridade de se tornar palatável e acessível volumes enormes a algumas dezenas de laudas, para atrair o público jovem, mas desconfio do tratamento dispensado a elas, mesmo saído da pena de grandes escritores.

Na infância, convivi com adaptações de Carlos Drummond de Andrade, Raquel de Queiroz, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Marques Rebello, entre outros nomes vultuosos e emblemáticos no Brasil, e usados nas aulas de português. Poder-se-ia, ao menos, cogitar um ou outro original, mas desde aquela época existia o hábito de subestimar alunos e tratá-los por incapazes de entender esse ou aquele autor, e vê-los como mendigos intelectuais. Vá lá! Nem tudo é possível ao inexperiente e juvenil leitor, mas aí se encontra a razão ou a lógica do mestre. Afinal, a ele é dado auxiliar e mesmo descortinar as complexas questões literários e da vida, certo? Errado. Já que cada vez mais os alunos são rebaixados e submetidos à pseudo literatura e pseudo autores, o trabalho se fazia mais fácil, e sem esquecer os interesses camuflados, jamais os estudantes tomarão contato com o que possa haver de real e verdadeiro. Dão-lhes a falsa ideia de ter, quando o pouco que não têm, é-lhes tirado.

Livros de quinhentas, seiscentas ou mais páginas eram condensados em cem, cento e poucas, e apesar do talento dos adaptadores, sempre foram mais danosas do que uteis. Então, me pergunto: qual o significado de resumir cem páginas em dez ou vinte?... O leitor indisposto a ler “O velho e o mar” se interessará por algo ainda mais diminuto; e, com o tempo, será capaz de apreciar os livros de Dickens, Dostoiévski, Tolstói, Mann, Faulkner e outros prolíferos escrevinhadores? Duvido. Na verdade, é impossível. Serve apenas para facilitar e sustentar a preguiça e o desânimo de apedeutas, sejam “professores” ou “pupilos”. E, com isso, se privam do melhor e mais rico “testamento” da humanidade, preferindo a ignorância de salamaleques e giros seminus ou tropeções na própria sombra... Fantasiados de docentes ou aprendizes. Quando não se ensina, ou não se está disposto a aprender, o que resta a não ser imitar macacos, funkeiros e exibicionistas? Resta os megalômanos e orgulhosos do TikTok, Instagram e OnlyFans, entre outros menos votados.

De volta ao livro, o final é ao mesmo tempo, trágico e belo. O renascimento na tragédia. A aurora após noite tenebrosa e revolta. Talvez Hemingway tivesse, tal qual o seu personagem, um novo sopro de vida em meio as vicissitudes e percalços. Mas a história, porém, não foi capaz de confirmar esse prenúncio, e sabemos no que deu, infelizmente.

Resta-nos, portanto, apreciar a intricada, mas inteligível, obra de “Hem”, composta de acertos e erros do homem Ernest, mas também do genial escritor; repleto de vida, ainda que esteja sempre a pairá-la a escorregadia e capeada morte.

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Avaliação: (****)

Título: O velho e o mar

Autor: Ernest Hemingway

Páginas: 80

Editora: Livros do Brasil

Tradutor: Jorge de Sena

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Notas: [1] Página 28 e 29

[2] Página 30

[3] Página 37

[4] Página 49

[5] Texto publicado originalmente na Revista Bulunga