03 agosto 2017

Sermão em Romanos 13.10: O amor é o cumprimento da lei - 1a. Parte






Jorge F. Isah




INTRODUÇÃO
Há uma abundância de referências ao amor na atualidade. Se você ler as mensagens efusivas no WhatsApp, no Facebook, em muitos sites e blogs, verá que a palavra “amor” é quase onisciente em nosso vocabulário. Ela, juntamente com outras palavras de estímulo e conforto, é uma presença constante nos textos. De muitas maneiras, se tornou quase uma banalidade. Da qual as pessoas ouvem, mas não sabem o que é, ou ignoram.

As pessoas, de maneira geral, acreditam que o amor seja apenas um sentimento, um desejo, uma sensação, quando ele é muito mais do que isso. Comparar relações sexuais, idolatria [seja a qualquer ídolo, físico ou mental], um entusiasmo, ou atração, não tem nada a ver com o amor, com o amor divino de onde procede toda a forma de amor verdadeiro.

O que temos, nos casos citados acima, é a corrupção do amor, a sua degradação de forma a se tornar em um sentimento frívolo e passageiro.

Por essas e outras é que existe a máxima que diz existir uma linha tênue entre o amor e o ódio. E muitas vezes é possível observar, em questão de segundos, manifestações de um suposto amor seguido de desprezo, de uma disposição de fazer o mal a alguém que se dizia amar. Por isso há tantas disputas, brigas, guerras, detratações, traições, e inimizades irreconciliáveis.

Em um mundo em que nunca o mal esteve tão enraizado na mente e nas ações humanas, parece, no mínimo, hipocrisia esse destilar amoroso nas redes sociais.

O mundo está cada vez mais distante dessa verdade: de que o homem foi feito em amor, e para viver em amor.

Mas, por que isso acontece?


A QUEDA
Teremos de ir ao princípio de tudo, quando Deus criou todas as coisas boas. Sim, o relato, no início do livro de Gênesis, não deixa dúvidas:

“Viu Deus que era bom.” [Gn 1.10; 1.12; 1.18; 1.21; 1.25; 1.31]

Elas foram criadas puras e perfeitas, no sentido de não haver mal, defeitos, ou corrupção nelas [Não me refiro à perfeição e santidade divina, a qual é intrínseca a Deus, e dela ele não pode jamais cair; ao contrário de nós que a tivemos por imputação, e a teremos, finalmente, na eternidade, também].

Assim, Deus criou o homem:

“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra.
E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra.
E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda a erva que dê semente, que está sobre a face de toda a terra; e toda a árvore, em que há fruto que dê semente, ser-vos-á para mantimento.
E a todo o animal da terra, e a toda a ave dos céus, e a todo o réptil da terra, em que há alma vivente, toda a erva verde será para mantimento; e assim foi.
E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto.” [Gn 1.26-31]


Não havia morte. Não havia corrupção. Não havia pecado. Nem caos. Apenas a harmonia entre o Criador e sua criação. O deleite divino com o labor das suas mãos, e o gozo suave e pacífico e imaculado entre as criaturas.

Então, o Senhor mostrou a Adão e Eva o seu jardim, e entregou-o, bem como tudo o mais, para que eles cuidassem e o preservasse como mordomos, administradores das coisas do Senhor. O jardim não era deles; não eram seus proprietários, ainda que construído para eles. Deveriam apenas manter a ordem e a harmonia da mesma forma que Deus lhes entregou. Bastaria que eles conservassem, para desfrutá-los eternamente.

Havia, contudo, um único senão, uma norma, regra:

“E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar.
E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente,
Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” [ Gn 2.15-17]

Deus estabeleceu uma condição para o casal, de não comerem da árvore do conhecimento do bem e do mal. Entre milhares de outras árvores disponíveis para eles, apenas essa era-lhes vedado o consumo. Dela deveriam se afastar, não tocá-la, nem utilizá-la como comestível.

Entretanto, veio a tentação. Por uma astúcia da serpente, mas também pela incredulidade de Adão e Eva. Eles preferiram acreditar na serpente, que lhes apresentava e dava uma ilusão, uma mentira revestida de promessa a não ser cumprida.

Vejamos o relato:

“Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?
E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos,
Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais.
Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis.
Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela.” [Gn 3.1-6]


A isca estava lançada, e bastaria a Adão manter-se firme, crer na promessa e no alerta divino, reconhecendo a sua soberania e poderio para não vacilar e cair da graça. Pois bem, ao comer do fruto eles estavam condenando não somente a si mesmos, mas a toda a humanidade, toda a sua descendência.

A lei divina fora quebrada. A harmonia do Cosmos foi quebrada. A ordem transformou-se em desordem. A vida em morte. A alma perfeita em imperfeita. A pureza em mácula, contaminada.

Não vou entrar muito na questão da queda, em seus detalhes mínimos e essenciais para entendermos o quão grave e trágica ela foi, ao significar descrença, desconfiança, e falta de respeito para com aquele que nos deu tudo, inclusive o seu amor, para entregar-se a algo que não daria nada além de morte e destruição.

A sequência que se segue é a de Adão e Eva tentando se esquivar da responsabilidade pela qual estariam sujeitos ao castigo, a amargar a separação de Deus, pois já não mais poderiam ter comunhão com ele, e o relacionamento pacífico e santo se tornaria em uma inimizade do homem natural para com Deus.

E a consequência dessa separação é que o sentido do amor, como emanação direta e original de Deus, se perdeu junto com a transgressão, e em seu lugar entraram o ódio, a inveja, a ira, em suma, o pecado.



O RESGATE
Deus contudo, em sua providência e vontade eternas, prometeu, ainda no Éden, a redenção e reconciliação consigo mesmo. Sabendo da incapacidade humana, a partir daquele momento [não vou me ater à questão da potência, se Adão antes da queda seria ou não capaz de resguardar-se do mal e do pecado], de se autorregenerar, de pagar o alto custo para a sua remissão, deu ao homem a esperança gloriosa de restauração. Como está escrito:

“E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” [Gn 3.15]

A promessa feita a Adão e Eva era a de que, na descendência da mulher, Deus suscitaria o Redentor, aquele pelo qual o homem seria restaurado para Deus, e a serpente seria definitivamente destruída.

Esse é o Cristo, o Senhor Jesus, que muito depois encarnaria, e viria ao mundo para realizar a vontade do Pai.

Como ele mesmo disse de si mesmo:

“Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” [Jo 6.38]

Cristo, o Filho de Deus, a eterna segunda pessoa da Trindade, encarnou, viveu, padeceu, e morreu por amor daqueles a quem o Pai entregou em suas mãos, e das quais ninguém poderá tirar.

Esta é uma promessa maravilhosa, promessa capaz de fazer-nos encher o coração de alegria, mesmo se estivermos passando por dores, tribulações, angústias e morte. Como o apóstolo Paulo disse:

“Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?... Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir,
Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.” [Rm 8.36; 38-39]


Esta certeza inexorável nos acompanhará em toda a nossa caminhada, na jornada que culminará naquele glorioso dia em que veremos o Senhor, aquele que eternamente nos amou, face a face.

O homem nada podia fazer por si mesmo, ainda que quisesse. Muitos buscaram em si a resposta para a reconciliação com Deus, houve tentativas de todos os tipos, mediante o esforço humano; mas por mais que o homem faça, nesse sentido, ainda estará muito, mas muito aquém da exigência necessária para a salvação. Ao depender unicamente de si, ele confirma a sua condição de reprovado, de réu a cumprir uma pena eterna, por ofensa direta ao Eterno.

Por isso, Cristo veio, e venceu!

E a sua vitória está em ele mesmo derrotar a nossa natureza. Ou seja, somos vitoriosos quando perdermos a batalha travada em nós, deixando de ser o que éramos, para sermos aquilo que Deus planejou na eternidade; abandonando a velha natureza, para Cristo nos fazer novas criaturas, matando o velho homem, fazendo surgir, em seu lugar, o homem redimido pelo Espírito, e que será semelhante a Cristo.

É quando o homem perde, na proporção exata da sua natureza caída, que ele ganha! Cristo nos livra de nós mesmos. E na sua vitória somos feitos vencedores.

Não é o que a Escritura diz?

“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. E tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação;
Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação.” [2Co 5.17-19]


Oh!! Quão glorioso amor tem o Senhor por nós! Que mesmo o ofendendo diariamente com nossas iniquidades e pecados, ele entregou o seu Filho na cruz; e por seus méritos exclusivos nos reconciliou consigo, resgatando-nos das trevas para a luz; da condenação para a libertação; da sua ira infinita para o seu amor eterno; da morte para a vida; de bastardos para filhos queridos!


O AMOR REDIMIDO
Somente por obra de Deus o amor transgredido pode ser redimido, e feito em verdadeiro amor. O homem pode amar de muitas maneiras, e elas se aproximam daquilo que podemos considerar a essência do amor, mas ele estará sempre aquém, sempre em débito e distante do original.

Prova disso é que as relações humanas, mesmo num ambiente amoroso, são conflituosas, deficientes, e reproduzem, via de regra, os desvios aos quais o homem se entregou, ao se rebelar contra Deus.

Para exemplificar, utilizar-me-ei da parábola dos dois filhos. Ela está em Mateus 21.28-32:

“Mas, que vos parece? Um homem tinha dois filhos, e, dirigindo-se ao primeiro, disse: Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha.
Ele, porém, respondendo, disse: Não quero. Mas depois, arrependendo-se, foi.
E, dirigindo-se ao segundo, falou-lhe de igual modo; e, respondendo ele, disse: Eu vou, senhor; e não foi.
Qual dos dois fez a vontade do pai? Disseram-lhe eles: O primeiro. Disse-lhes Jesus: Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus.
Porque João veio a vós no caminho da justiça, e não o crestes, mas os publicanos e as meretrizes o creram; vós, porém, vendo isto, nem depois vos arrependestes para o crer.” [Mt 21.28-32]


Jesus está falando com os fariseus. O assunto aqui é fé, mas também apontar a hipocrisia dos sacerdotes, que diziam uma coisa e faziam outra. Negando assim a verdade que juravam defender. Eles falavam coisas boas, como se as realizassem; entretanto, suas obras eram más, e opunham-se ao que diziam.

Mesmo não sendo o foco principal da parábola, podemos utilizá-la para uma outra analogia, a de que mesmo em relações amigáveis e respeitosas, o homem tem dificuldade de compreender e aplicar o sentido real do amor.

Quando o pai pede a um dos filhos para trabalhar na vinha, este recusa-se e responde mal: “Não quero”. Contudo, ele se arrepende da desobediência, percebendo que havia pecado contra o pai, e vai à vinha trabalhar. Nesse caso, podemos fazer uma analogia com a condição do homem natural, que ofende e peca contra Deus, mas ao arrepender-se, e fazer a sua vontade, manifesta o amor sincero, que mesmo errando, ao não querer fazer a vontade do pai, reconhece a sua autoridade e zelo [qual pai quer um filho preguiçoso, infrutífero e vagabundo? Apenas se ele for um pai mau, e não amar o seu filho], mas, também, o amor que aquele lhe devota. Vai, e cumpre a ordem recebida.

Por outro lado, o segundo filho, exemplo dos fariseus, diz que cumpriria a ordem dada, mas se recusa a fazê-lo, em flagrante desobediência, e sem qualquer marca de arrependimento.

O arrependimento é necessário e fundamental para que o homem, em constante rebeldia, na profusão dos pecados cometidos, abandone-os em favor de cumprir a vontade divina. Este experimentou o verdadeiro amor, que é obediente.

Como disse no início, o amor não é um sentimento apenas, ou tão somente uma disposição, mas é a prática, o colocar em ação aquilo que sentimos e desejamos para o bem e pelo bem.

Cristo, ao morrer na cruz, prova o seu amor por nós!

Cristo, ao ressuscitar, confirmou a eternidade do amor!

Cristo, ao nos transformar, deu-nos o seu amor!

E quando fazemos a sua vontade, cumprindo os seus mandamentos, amamos como ele ama.

E o amor passa a ser algo verdadeiro e perene em nós, ainda que apenas o experenciamos em porções, não de maneira completa e integral; amostras do que teremos na eternidade, quando viveremos o perfeito e integral amor.

Ainda que não entendamos, com efeito, o amor de Cristo, ele nos será por verdade imutável; tornando-se essência em nós. Indissociável e para sempre!


CONCLUSÃO
Para terminar esta primeira parte, que é uma grande introdução, quero deixar os versos de Paulo acerca da maravilhosa transformação que já se dá em nós, e será concluída na eternidade, quando seremos como Cristo, e teremos, como ele, o verdadeiro amor:

“Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior;
Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e fundados em amor,
Poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade,
E conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus.” [Ef 3.16-19]


A graça do Senhor esteja sobre nós, para conhecer cada vez mais o seu amor, e experimentá-lo, testemunhando-o neste mundo, para a glória e louvor do seu nome!


24 julho 2017

Sermão em Atos 12.6-8: Entre o sono e o despertar de Pedro



Jorge F. Isah




“E quando Herodes estava para o fazer comparecer, nessa mesma noite estava Pedro dormindo entre dois soldados, ligado com duas cadeias, e os guardas diante da porta guardavam a prisão.
E eis que sobreveio o anjo do Senhor, e resplandeceu uma luz na prisão; e, tocando a Pedro na ilharga, o despertou, dizendo: Levanta-te depressa. E caíram-lhe das mãos as cadeias.
E disse-lhe o anjo: Cinge-te, e ata as tuas alparcas. E ele assim o fez. Disse-lhe mais: Lança às costas a tua capa, e segue-me!”



INTRODUÇÃO:

· Vimos, na última meditação, que Pedro estava preso, e Herodes, passada a Páscoa, iria sacrificá-lo, assim como fez com Tiago.


· A igreja orava por Pedro, incessantemente, pelo período de uma semana.

· Pedro, na véspera da sua morte, era guardado por 16 soldados, sendo dois deles atados aos seus braços.

· Ainda assim, Pedro dormia. 

· Porque confiava no Senhor.

· Tinha a sua vida entregue no altar do Senhor. 

· Confiando que, se fosse liberto, o seria por Deus. Se não fosse, morreria para a glória de Deus. 

· A vontade divina, seu poder onipotente e amor infinito, estavam diante de Pedro, como algo perfeito, bom e agradável, pela qual ele era instrumento de Deus, tanto na vida como na morte. 

· Como aquele hino ouvido na Congregação Reformada do Bairro Bonsucesso, no domingo, “Deus é Deus”, revela-nos uma grande verdade: 

“Dele vêm o sim e o amém
Somente dele e mais ninguém
A Deus seja o louvor

Se Deus fizer, Ele é Deus
Se não fizer, Ele é Deus
Se a porta abrir, Ele é Deus
Mas se fechar, continua sendo Deus

Se a doença vier, Ele é Deus
Se curado eu for, Ele é Deus
Se tudo der certo, Ele é Deus
Mas se não der, continua sendo Deus

Minha fé não está firmada
Nas coisas que podes fazer
Eu aprendi a Te adorar pelo que és”

· Deus é Deus! Não importa o que eu pense, no que eu creia, independente do que eu ache, do meu desejo ou frustração, Deus continua sendo Deus. Porque ele é muito antes de eu ganhar vida, ele é muito antes de eu sequer pensar nele a primeira vez. Ele continua Deus, e jamais cairá de sua condição divina. 

· Ele não tem de satisfazer os meus desejos e anseios como se fosse um gênio da lâmpada. Se o fizesse, não seria Deus. Ele cumprirá exata e precisamente tudo aquilo que planejou na eternidade, colocando em ação a sua vontade. 

· Ele não depende de ninguém, porque é autossuficiente em si mesmo; e a sua glória não pode ser dividida com ninguém. Ele continua, e sempre será, Deus!

· Certa vez, uma irmã, de uma igreja que defende a teologia da prosperidade, teve um baque muito grande. Sua filha, que estava de viagem com o noivo, envolveu-se em um acidente automobilístico, no qual o noivo morreu, e a filha esteve entre a vida e a morte, por semanas, no hospital. Ela me contou o ocorrido, o que me compungiu o coração, mesmo eu sabendo, por meio dela, que a filha já estava em recuperação e não corria mais risco de vida. 

Durante o seu relato, ela me disse que exigiu de Deus a vida da filha. Não aceitaria que ela lhe fosse tirada. E assim o fez por dias, exigindo e ordenando que Deus satisfizesse a sua vontade. 

Bem, aquilo me incomodou muito (e sobretudo a forma como ela o disse; de maneira imperiosa, determinada). Como as pessoas podiam se aproximar do trono do Altíssimo e exigir algo dele? Ainda mais de uma maneira belicosa, ingrata e mal-educada? Como se ele fosse um simples serviçal? 

Acontece que Deus é Deus, e não será a satisfação ou não dos meus caprichos que lhe tirarão a honra e glória que somente ele merece. 

· Fiquei imaginando se, por acaso, a filha daquela mulher falecesse... O que ele faria? Praguejaria? Se revoltaria? Acusaria a Deus? 

· Pois bem, Pedro, na prisão, e sendo ele apóstolo, poderia reivindicar para si alguns benefícios divinos. Mais do que ninguém, ele poderia exigir de Deus a sua pronta liberdade.

· Mas este hino, também, além de revelar a natureza divina, revela e simplifica o sentimento de Pedro na cadeia, em Jerusalém. Ele descansava no Senhor, não pelo que pudesse lhe acontecer, segundo a visão humana triunfalista, ou pela descrença, mas pelo que Deus é.

· Acontece que a segurança dele não estava na certeza de ser liberto, de poder escapar dali, mas em Deus que faria conforme a sua santa vontade, usando-o para a sua glória.

· E Pedro buscava a glória de Deus. 

· Penso mesmo, que Pedro considerava mais provavelmente a sua execução, e a libertação como algo menos provável. Mas é uma conjectura, já que o texto não nos dá margem para pensar nisso ou naquilo que ele não diz. 


PEDRO ENTRE O SONO E O DESPERTAR:

· Pedro estava preso, e recusou-se a negar a sua fé. Não é um contraste com o antigo Pedro? Que durante a prisão, e julgamento do Senhor, negou-o três vezes? 

· Marcos 14.26-31: 

“E, tendo cantado o hino, saíram para o Monte das Oliveiras.
E disse-lhes Jesus: Todos vós esta noite vos escandalizareis em mim; porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas se dispersarão.
Mas, depois que eu houver ressuscitado, irei adiante de vós para a Galiléia.
E disse-lhe Pedro: Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu.
E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes me negarás.
Mas ele disse com mais veemência: Ainda que me seja necessário morrer 
contigo, de modo nenhum te negarei. E da mesma maneira diziam todos também...” 

Escandalizar = O sentido no texto é de vergonha; não querer ser associado a Cristo. Resultado do orgulho e amor-próprio, que impede o amor ao próximo, o sacrifício. O exemplo de Cristo foi amar mais o Pai e a igreja do que a si mesmo. Se ele amasse a si mais do que o Pai e os eleitos, jamais teria se entregado por favor de nós.

· Pedro estava convicto e certo da sua lealdade ao Senhor. Ele afirmou-o de forma enfática, assim como os demais apóstolos. Havia uma firme convicção e confiança em suas capacidades: coragem, destemor.

· Pedro depositava em si mesmo uma força e valor que não tinha. 

· Ele também não entendia o real propósito de tudo aquilo. Como um homem forte, um pescador, afeito a todos os tipos de dificuldades, ele acreditava que passaria tranquilamente por aquela situação sem fraquejar. 

· Pedro estava orgulhoso de si mesmo. Da sua capacidade de resistir. E, se dependesse dela, seria a sua completa ruina. 

· Paulo, anos depois, nos alertaria: 

“Assim, aquele que julga estar firme, cuide-se para que não caia” [1 Co 10.12]

· Podemos ver, alguns versículos à frente, qual foi a reação, o comportamento de Pedro. 

· Cristo após a última ceia com os seus discípulos, foi para o Monte das Oliveiras orar, e ali foi preso. Levado ao Sinédrio, Pedro o seguiu, ao longe. Então, foi abordado por uma mulher.

· Marcos 14.66-72: 

“E, estando Pedro embaixo, no átrio, chegou uma das criadas do sumo sacerdote;
E, vendo a Pedro, que se estava aquentando, olhou para ele, e disse: Tu também estavas com Jesus, o Nazareno.
Mas ele negou-o, dizendo: Não o conheço, nem sei o que dizes. E saiu fora ao alpendre, e o galo cantou.
E a criada, vendo-o outra vez, começou a dizer aos que ali estavam: Este é um dos tais.
Mas ele o negou outra vez. E pouco depois os que ali estavam disseram outra vez a Pedro: Verdadeiramente tu és um deles, porque és também galileu, e tua fala é semelhante.
E ele começou a praguejar, e a jurar: Não conheço esse homem de quem falais.
E o galo cantou segunda vez. E Pedro lembrou-se da palavra que Jesus lhe tinha dito: Antes que o galo cante duas vezes, três vezes me negarás. E, retirando-se dali, chorou.”


· Quando criança, na época da Páscoa, essa passagem era sempre lida, na missa. Eu me indignava com o apóstolo, pensando: “Por que Pedro negou o Senhor Jesus?”. E eu o considerava fraco, pois dizia para mim mesmo, que se estivesse no lugar de Pedro, jamais o negaria. Ou seja, agi como Pedro agiu, insuflado no meu orgulho, ainda que fosse um orgulho infantil. 

· Esse sentimento perdurou até a minha conversão, e mesmo depois dela, eu tinha em mente que Pedro era um “bufão”, um fanfarrão, um contador de vantagens. Hoje, porém, tenho que Pedro era apenas humano, muito envaidecido consigo mesmo, muito senhor de si, mas humano, e desesperadamente carente da graça e misericórdia divina, assim como eu e você somos. 

· Agora, na prisão, prestes a morrer, quão diferente era agora aquele homem? Pedro não era o mesmo. Não temia. Não se envergonhava. Se negava a rejeitar o seu Senhor. 

· Um pouco antes, de ser encarcerado por Herodes, ele passara pela mesma situação, de prisão, de ter a vida em jogo. Deus o estava preparando para muitas e muitas perseguições e ameaças que viriam em seu ministério. 

Atos 5.14-25 diz:

“E a multidão dos que criam no Senhor, tanto homens como mulheres, crescia cada vez mais.
De sorte que transportavam os enfermos para as ruas, e os punham em leitos e em camilhas para que ao menos a sombra de Pedro, quando este passasse, cobrisse alguns deles.
E até das cidades circunvizinhas concorria muita gente a Jerusalém, conduzindo enfermos e atormentados de espíritos imundos; os quais eram todos curados.
E, levantando-se o sumo sacerdote, e todos os que estavam com ele (e eram eles da seita dos saduceus), encheram-se de inveja,
E lançaram mão dos apóstolos, e os puseram na prisão pública.
Mas de noite um anjo do Senhor abriu as portas da prisão e, tirando-os para fora, disse:
Ide e apresentai-vos no templo, e dizei ao povo todas as palavras desta vida.
E, ouvindo eles isto, entraram de manhã cedo no templo, e ensinavam. Chegando, porém, o sumo sacerdote e os que estavam com ele, convocaram o conselho, e a todos os anciãos dos filhos de Israel, e enviaram ao cárcere, para que de lá os trouxessem.
Mas, tendo lá ido os servidores, não os acharam na prisão e, voltando, lho anunciaram,
Dizendo: Achamos realmente o cárcere fechado, com toda a segurança, e os guardas, que estavam fora, diante das portas; mas, quando abrimos, ninguém achamos dentro.
Então o sumo sacerdote, o capitão do templo e os chefes dos sacerdotes, ouvindo estas palavras, estavam perplexos acerca deles e do que viria a ser aquilo.
E, chegando um, anunciou-lhes, dizendo: Eis que os homens que encerrastes na prisão estão no templo e ensinam ao povo.”


· Ele estava disposto a tudo por amor daquele que o amou antes da fundação do mundo, e o resgatara das trevas para a luz, da morte para vida.

· Estava pronto a morrer por Cristo. E nem mesmo a iminência da morte o perturbava, ao ponto dele dormir.


O NOVO PEDRO: 

· Voltando ao texto de hoje: 

“E quando Herodes estava para o fazer comparecer, nessa mesma noite estava Pedro dormindo entre dois soldados, ligado com duas cadeias, e os guardas diante da porta guardavam a prisão.
E eis que sobreveio o anjo do Senhor, e resplandeceu uma luz na prisão; e, tocando a Pedro na ilharga, o despertou, dizendo: Levanta-te depressa. E caíram-lhe das mãos as cadeias.
E disse-lhe o anjo: Cinge-te, e ata as tuas alparcas. E ele assim o fez. Disse-lhe mais: Lança às costas a tua capa, e segue-me!”


· E o sono de Pedro era profundo. 

· Nem mesmo a luz ofuscante e resplandecente, irradiada pelo anjo do Senhor, foi capaz de acordá-lo. 

· É notório notar que quando estamos aflitos, preocupados, inseguros, a dificuldade de dormir se torna quase impossível. Se existe o sono, ele é tumultuado, intermitente, quase uma vigília. 

· Alguém pode dizer: “Mas Pedro estava tranquilo porque já havia passado por situação semelhante, e Deus mandou um anjo para libertá-lo. A segurança dele estava no fato de ter sido salvo uma vez, e ele esperava que Deus o salvasse novamente”. 

· Acontece que Tiago também estava entre aqueles que foram salvos da primeira vez, e agora, enquanto Pedro estava preso, ele já não mais existia neste mundo, pois estava morto. 

· Se podemos deduzir algo, o certo era que Pedro talvez pensasse muito mais na morte avizinhando-se do que a libertação. 

· Seja como for, ele dormia, indicando não haver nele ansiedade quanto a uma coisa ou outra, quanto à morte ou a vida. Ele estava seguro no Senhor!

· Ecoava no seu coração as palavras de Cristo, das quais ele fora testemunha:


Mateus 6.25, 31-34: 

“Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário?... Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas;
Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.”


· Pedro experimentava, e era ensinado pelo Senhor, a esperar somente nele, na certeza do cuidado, favor e misericórdia divina. Aquelas palavras de Cristo faziam parte, agora, da sua vida: ele buscaria primeiro o Reino de Deus, e era o que fazia, como apóstolo, levando o evangelho aos perdidos, aos inimigos de Deus. 

· Ele buscava a justiça divina. Cristo As preocupações, quanto às coisas da vida, revelam a pouca confiança que temos em Deus; demonstra o quão inseguro estamos quanto ao seu cuidado; e de que desconfiamos ser ele capaz de suprir nossas necessidades, e preservar-nos, mesmo nas vicissitudes da vida. 

· Pedro demonstrou ter aprendido tudo aquilo que antes havia rejeitado, quando negou o Senhor. Ele havia depositado toda a sua fé em si mesmo, ao dizer que todos podiam se escandalizar de Jesus, mas nunca ele se escandalizaria. 

· A confiança de Pedro, em si mesmo, e posta no lugar errado, precisava ser revelada com algo frágil e inútil. Ele precisava coloca-la no lugar certo, na medida certa, na pessoa certa: Cristo!

· E é isso que ele faz. Ao invés de postular-se um “super-homem”, reconhece a sua fragilidade e dependência necessária do Senhor, reconhecendo nele, apenas nele, o Senhor da sua vida, mas também a rocha na qual ele estaria firmado.

Em João 21.15-22:

“E, depois de terem jantado, disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? E ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros. Tornou a dizer-lhe segunda vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Disse-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.
Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.
Na verdade, na verdade te digo que, quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias; mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queiras.
E disse isto, significando com que morte havia ele de glorificar a Deus. E, dito isto, disse-lhe: Segue-me. E Pedro, voltando-se, viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus amava, e que na ceia se recostara também sobre o seu peito, e que dissera: Senhor, quem é que te há de trair? Vendo Pedro a este, disse a Jesus: Senhor, e deste que será? Disse-lhe Jesus: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu.”

· E foi o que Pedro fez, seguindo-o, e observando a sua vontade. De forma que, assim como Paulo professou, ele, Pedro, já não vivia mais, mas Cristo vivia nele. E todo o seu serviço não era mais para mostrar-se forte, valente ou intrépido, mas para revelar a glória de Cristo, revelar o evangelho de vida e verdade, promover o reino de Deus, e fazer os perdidos, aqueles que buscavam como ele anteriormente a justiça própria, de que ela somente era possível em Cristo. 


CONCLUSÃO: 

· O que era a morte? O que era o sacrifício? O que era a vida? Senão viver e morrer por aquele que se fez justiça para que Pedro fosse tornado justo? 

· Portanto, por isso, e por causa disso, Pedro dormia. Na certeza de despertar, seja aqui, seja nos céus, para cumprir o propósito divino, e glorifica-lo. 

· Esforçando-se na pregação da paz, no auxílio aos necessitados, na evangelização dos perdidos, curando enfermos, expulsando demônios, ou simplesmente recostando-se no chão duro e frio e adormecendo, Pedro desejava satisfazer ao seu Senhor. 

· E nós?!! O que queremos e buscamos?

· Ele, o Senhor que se entregou por nós, derrame graça e misericórdia, a fim de podermos, como o apóstolo, viver e morrer para que ele cresça e diminuamos. 





06 julho 2017

Sermão em Atos 12.6: Confiar é descansar em Deus





Jorge F. Isah




“Pedro, pois, era guardado na prisão; mas a igreja fazia contínua oração por ele a Deus. E quando Herodes estava para o fazer comparecer, nessa mesma noite estava Pedro dormindo entre dois soldados, ligado com duas cadeias, e os guardas diante da porta guardavam a prisão” 

 1- INTRODUÇÃO:

Na última meditação, analisamos o verso 5 e o papel da oração na vida da igreja. Enquanto Pedro estava preso, a igreja orava por ele.

Hoje, nos deparamos com algo aparentemente inusitado, presente no verso 6. Lembro-me que ao ler este verso pela primeira vez, há longínquos 11 anos, no início da minha conversão, fiquei meio que chocado, em princípio, e imediatamente em êxtase diante do testemunho do apóstolo Pedro. 

E o que temos de tão importante? 

Ora, sabendo Pedro que Herodes o mataria no dia seguinte, ao fim do período pascoal, preso e amarrado entre dois soldados, e com uma escolta de mais 14 homens a vigiá-lo do lado de fora da cela, ele dormiu. 

Tentei me colocar em seu lugar, e imaginar qual seria a minha reação. Também dormiria? Ficaria acordado, aflito? Percebi que não encontraria uma resposta em mim mesmo, então, procurei-a no texto bíblico, em especial, no exemplo do apóstolo. 

Primeiro, temos Pedro sendo preso na Páscoa, logo após a morte de Tiago, um dos doze. A euforia do povo diante do martírio do irmão de João, trouxe anseios de mais sangue inocente ser derramado por Herodes, que viu em Pedro, um dos pilares da igreja em Jerusalém, o alvo propício para satisfazer a sanha assassina que permeava a sua vontade e a do povo. 

Pedro ficou uma semana recluso, enquanto a igreja orava, e a certeza de seu fim era-lhe cada vez mais próxima. Sabia que em respeito à tradição festiva, não morreria, mas findada as comemorações, seu martírio aconteceria, pois, Herodes já deixara claro quais eram suas intenções e propósitos. 

Não é difícil imaginar que qualquer um de nós, com o passar dos dias, à medida em que a liberdade não acontecia, se angustiaria com a iminente execução. Não é impossível supor que o apóstolo, em algum momento, temeu por sua vida, e teve tempo suficiente para refletir na gravidade da sua situação. 

Porém, o que levou Pedro a dormir na noite anterior à sua execução? Cansaço? Desânimo? Desilusão? 

Não. 

Ao meu ver, Pedro estava tranquilo, confiante e esperançoso de que o desfecho final daquela situação ser-lhe-ia favorável. É o que veremos a seguir. 

2- CONHECER E CONFIAR

Uma das primeiras coisas que constatamos, quando da conversão, é a confiança em Deus. Sabemos que toda a nova vida nos foi dada por Cristo, se baseia exatamente na confiança que temos nele, em sua obra, em seus méritos, pelos quais somos transformados e redimidos, e temos íntima comunhão com o seu Espírito.

No decorrer da caminhada cristã, somos colocados diante de situações nas quais não podemos contar com mais ninguém a não ser ele. A esperança reside nele; e sem ele, tudo desaba como um castelo de areia diante de um temporal.

Mas, por que e como confiamos?

Primeiro, não confiamos em quem não conhecemos; e se confiamos, é porque o conhecemos. Sem o conhecimento e intimidade com Deus, não há como crer e ter segurança. O princípio é o de que ele nos conheceu antes, muito antes de virmos à existência, mas se deu a ser conhecido por nós [Rm 8.28-29; Ef 1.4]. Como? Através da Escritura sagrada.

Muitas pessoas dizem conhecer a Deus, mas nunca, ou quase nunca, se dispõem a ler a sua palavra. Se ele antes falava diretamente com os profetas, revelando-lhes o que falar ao povo, hoje ele fala exclusivamente por sua palavra através da ação do seu Espírito.

Então, qualquer alegação de confiança em Deus alheio ao conhecimento revelado nos textos sagrados, significará um falso conhecimento, ou a completa ignorância a respeito daquele que supomos confiar. Seria uma esperança vazia, posta em um conceito formulado por nós mesmos à margem da verdade; um engano, um blefe, no qual renunciamos à verdade, silenciando-a em favor do estrepitoso barulho da mentira e morte.

Sem a Bíblia, qualquer revelação do caráter divino será nada além de idolatria, de presunção, arrogância e fraude. Onde o enganador é o próprio alvo do seu embuste, sendo ele o primeiro a ser seduzido pela ideia de um Deus moldado à imagem humana, a partir de várias perspectivas humanas, condicionado e restringido por suas criaturas, cujas concepções são incompletas e segmentárias.

Apenas o próprio Deus pode se autorrevelar; e é ele quem se encarrega de fazê-lo, exclusivamente por sua vontade, graça e misericórdia.

Portanto, sem o conhecimento divino, não podemos jamais confiar nele. Se confiamos alheios à sua revelação de si mesmo, confiamos em um ídolo; nosso conhecimento é falso; nossa confiança é falsa; e enganados pela presunção de sermos capazes de formar o caráter de quem confiamos, ao invés de deixar que a pessoa fale e demonstre, por si mesma, se é merecedora da nossa confiança. A confiança não é algo que parte primeiramente do fiador para o confiado (afiançado), mas deste para aquele. O fiador somente prestará a si e seu nome ao afiançado, se este merecê-lo, for idôneo e capaz de honrar a confiança depositada.

Deus se revela plenamente confiável por aquilo que ele diz de si mesmo, mas, sobretudo, por aquilo que ele fez, entregando-se a si por amor de nós. A base ou fundamento do conhecimento divino não está em nós, primeiramente, mas nele; e é pelo seu amor, pelo qual se revelou, que somos capacitados a conhece-lo, e o conhecemos verdadeiramente, Como está escrito:

“Há muito que o Senhor me apareceu, dizendo: Porquanto com amor eterno te amei, por isso com benignidade te atraí.” [Jeremias 31:3]

     
     3- CONFIAR É ENTREGAR-SE!

Deus é o Senhor de tudo e de todas as coisas! Mais dia, menos dia, todos terão de se curvar ao seu senhorio, por bem ou por mal, quer queira ou não. Como afirma Paulo:

“Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra,
E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai. [Filipenses 2:10,11]

O verso acima é uma declaração expressa de que ninguém, sejam homens e anjos, eleitos e ímpios, crentes e ateus, salvos e condenados, estarão em posição de negar-se a adorar ao Deus verdadeiro. Nem mesmo satanás o fará; ele se curvará e confessará com os próprios lábios que Cristo é o Senhor!

O que acontece com a maioria das pessoas é que dizem confiar em Deus, mas não há disposição de entregarem-se ao seu senhorio, de dobrarem-se à sua vontade, como forma de gratidão por toda a sorte de bênçãos dadas. As pessoas, vias de regra, dizem confiar nele, mas entregam-se exclusivamente ao próprio autogoverno, sem o desejo de serem guiadas e dirigidas pelo Criador. A maior parte das teologias e filosofias existentes afirmam a soberania do homem sobre si mesmo, chegando ao ponto de a vontade humana se sobrepor à vontade divina. Há uma clara inversão de valores no qual a vontade humana tem de ser preservada, e em seu favor, a vontade divina deve estar sujeita. E a desculpa sempre é a mesma: Deus, em sua soberania, entregou ao homem os seus desígnios, de tal forma que Deus não pode ser Deus se o homem não quiser. Em outras palavras, a vontade divina, no fim das contas, dependerá sempre da vontade humana para se manifestar, do contrário, ela é suprimida, prevalecendo a da criatura em detrimento a do Criador.

Como o homem é supostamente livre, ele se utiliza dessa liberdade para rejeitar a vontade divina, não se entregando ao seu senhorio. O que acontece, na verdade, é que ele não pode fazê-lo, pois sua natureza está em oposição a Deus, e sua vontade é contrária à dele. Não é uma questão de escolha, mas de não poder escolher o bem, o certo, o que agradaria a Deus. Para complicar ainda mais esse contexto, o homem que diz conhecer a Deus, não conhece a sua vontade, e sem conhecer a sua vontade, como poderia conhece-lo? E se vontade divina está expressa em sua palavra, a qual o homem natural pode está afeito ou em completamente desinteressado, como pode conhece-lo?

Por isso, o homem que diz conhecer a Deus não o conhece, antes criou para si mesmo um espantalho, um ídolo, no qual diz acreditar e confiar, sem se questionar de que pode estar sendo pego em uma armadilha, cujo laço a apertá-lo foi colocado e puxado por ele mesmo.

Se conheço a Deus, a vontade é de me entregar a ele, e nele fazer morada, sendo dele moradia. Paulo diz que somos templo do Espírito Santo [1Co 3.16-17]; e nisso está demonstrada a ligação íntima que existe entre Deus e o seu povo. Se confio, me entrego completamente ao objeto da minha confiança. Quando um homem, perdido, cansado e faminto, não encontra saída em uma densa floresta, após alguns dias entrará em desespero, e perderá completamente a esperança em si mesmo, depois de andar sem rumo, sem encontrar um lugar seguro. Entretanto, se avistar um guarda florestal, não hesitará em pedir-lhe socorro, entregando-se aos seus cuidados, disposto a fazer tudo o que ele lhe disser e ordenar que seja feito, pois se sentirá resgatado e salvo.

Da mesma forma, guardadas as devidas proporções, o homem deveria, muito antes de buscar confiar em seus próprios méritos e esforços, colocar a sua esperança no Senhor, que tudo pode e é sábio para nos conduzir no melhor para nós mesmos. É claro que nem tudo nos agradará e será entendido de cara, no primeiro momento, porque somos imediatistas e não nos dispomos ao sacrifício e esforço, esperando que tudo nos seja entregue de “mão-beijada”. Algumas situações nos desagradarão em muito, mas se houver disposição em confiar, sabendo que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, o crente não perderá a sua paz, não se afligirá, nem será perturbado pelas vicissitudes e pelo mal que o rodeia.

Como está escrito:

“Confia no Senhor e faze o bem; habitarás na terra, e verdadeiramente serás alimentado. Deleita-te também no Senhor, e te concederá os desejos do teu coração.
Entrega o teu caminho ao Senhor; confia nele, e ele o fará.
E ele fará sobressair a tua justiça como a luz, e o teu juízo como o meio-dia. Descansa no Senhor, e espera nele; não te indignes por causa daquele que prospera em seu caminho, por causa do homem que executa astutos intentos.” [Salmos 37:4-7]

O exemplo claro de entrega foi-nos dado pelo Senhor Jesus. Na última quarta-feira, o irmão Francisco nos trouxe a mensagem no texto em que o Senhor está no Getsêmani, o qual gostaria de ler novamente:

“Então chegou Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani, e disse a seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto vou além orar.
E, levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se muito.
Então lhes disse: A minha alma está cheia de tristeza até a morte; ficai aqui, e velai comigo.
E, indo um pouco mais para diante, prostrou-se sobre o seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres.
E, voltando para os seus discípulos, achou-os adormecidos; e disse a Pedro: Então nem uma hora pudeste velar comigo?
Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca.
E, indo segunda vez, orou, dizendo: Pai meu, se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber, faça-se a tua vontade.
E, voltando, achou-os outra vez adormecidos; porque os seus olhos estavam pesados.
E, deixando-os de novo, foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras.
Então chegou junto dos seus discípulos, e disse-lhes: Dormi agora, e repousai; eis que é chegada a hora, e o Filho do homem será entregue nas mãos dos pecadores.
Levantai-vos, partamos; eis que é chegado o que me trai.”
[Mateus 26:36-46]


Cristo não veio fazer a sua vontade, mas a vontade do Pai. E isso é confiança, é entrega-se voluntariamente ao arbítrio e desejo do Pai; é colocar-se nas mãos daquele que, cheio de sabedoria, amor, misericórdia e graça, não somente sabe o que é melhor para nós, mas cuida de nós. É o que disse o Senhor:

“E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede.
Mas já vos disse que também vós me vistes, e contudo não credes.
Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora.
Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.
E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia.
Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.”
[João 6:35-40]

Portanto, sigamos o seu exemplo, uma vez que confiar e crer não é apenas um sentimento, ou apenas uma disposição interna, mas é a sujeição completa, é curvar-nos diante do Senhor, reconhecendo a sua infinita autoridade e senhorio, mas também o seu infinito amor, o amor zeloso pelo qual somos feitos filhos, e ao qual devemos obedecer, sem murmurações, sem blasfêmia, cientes de que não estamos abandonados, mas cuidados por aquele que se entregou a si mesmo por amor de nós.

Pedro certamente orou, certamente clamou a Deus por sua vida; mas, em dado momento, fez aquilo que lhe era pedido: entregou-se ao Senhor, confiante de que não poderia estar em mãos mais justas e sábias e amorosas. A aflição inicial, a angustia inicial, a apreensão inicial, deram lugar à certeza de que, quer na vida, quer na morte, importava entregar-se integralmente ao Senhor que o resgatou, pagando o alto preço para que ele tivesse a vida eterna.



4) CONFIAR É ESPERAR E CRER

Pedro poderia tomar várias atitudes, mesmo preso: tentar se libertar, negociar com os soldados e mesmo Herodes, praguejar, negar o evangelho, etc. Ele preferiu esperar no Senhor. Passada uma semana, ainda preso, o apóstolo não se desesperou, e não tentou resolver a situação utilizando-se de ferramentas e esforço humano. O seu desempenho resumiu-se em orar e esperar, buscando o reino de Deus e a sua justiça.

Podemos conjecturar o que ele pensava? Sim. Mas não há como ter certeza do que lhe passava pela mente, se tinha convicção de ser liberto, se tinha convicção de ser condenado, ou se não tinha convicção alguma quanto a nada disso, mas a certeza de que estava seguro nas mãos de Deus, não importando o desfecho daquela prisão. É nisso que penso: Pedro não sabia o que lhe sucederia, mas estava confiante de que o resultado era o que menos importava; o crucial era a certeza e esperança depositadas no seu Senhor.

O mais importante era o que Deus estava fazendo em sua vida, mesmo com aquela prisão, aperfeiçoando-o no conhecimento, aperfeiçoando-o na graça, na paz, na esperança de que as promessas divinas para o seu povo se concretizariam.

Importante a fé verdadeira, na qual cremos e esperamos. Por isso a definição de fé, nas Escrituras, nos mostra que mais do que uma disposição interior é uma expressão exterior de confiança em Deus e no que ele fez e ainda fará por nós, ou seja, testemunhamos a convicção naquilo que Deus fará por nós, e testemunhamos que ele, de fato e em verdade, cuida e cuidará de nós. Assim, nossas atitudes revelam e confirmam a confiança e esperança no senhorio e governo divino sobre nossas vidas:

“Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem.
Porque por ela os antigos alcançaram testemunho”.

[Hebreus 11:1,2]

Pedro esperou e creu no zelo, cuidado e amor providente do bom Deus.


5) CONFIAR É DESCANSAR

Se as coisas não andam bem, e tudo parece perdido, o que fazer? Desesperar? Correr feito barata tonta? Maldizer? Em que estas coisas podem ajuda-lo a solucionar o problema ou aflição na qual vive? Certamente, em nada!

Davi nos instrui a como andar e proceder neste mundo, a sermos ovelhas do om pastor de nossas almas:

“O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará.
Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome.
Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.”
[Salmos 23:1-4]


Por isso, o Senhor disse:

“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.
Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas.
Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.”
[Mateus 11:28-30]

Ele é o nosso descanso, o nosso sábado. É nele que devemos depositar as aflições, angústias, dores, sofrimento e injustiças. Cristo é o reparador de todas as coisas; e nele fomos feitos filhos de Deus. É preciso que o homem não se engane, não somos governantes de nós mesmos, mas temos um supremo e soberano Senhor, o qual tomou a própria vida em favor de nós, para nos fazer agradáveis e santos diante do Pai. Ele nos comprou por alto preço, o preço de sangue, o seu sangue! Não somos de nós mesmos, mas dele, propriedade sua! [1Co 6.19-20].

Em outra passagem significativa para o propósito desta mensagem, temos o Senhor e os seus discípulos atravessando o Mar da Galiléia, quando são surpreendidos por uma forte tempestade. A narrativa está em Marcos 4.35-41, que diz:

“E, naquele dia, sendo já tarde, disse-lhes: Passemos para o outro lado.
E eles, deixando a multidão, o levaram consigo, assim como estava, no barco; e havia também com ele outros barquinhos.
E levantou-se grande temporal de vento, e subiam as ondas por cima do barco, de maneira que já se enchia.
E ele estava na popa, dormindo sobre uma almofada, e despertaram-no, dizendo-lhe: Mestre, não se te dá que pereçamos?
E ele, despertando, repreendeu o vento, e disse ao mar: Cala-te, aquieta-te. E o vento se aquietou, e houve grande bonança.
E disse-lhes: Por que sois tão tímidos? Ainda não tendes fé?
E sentiram um grande temor, e diziam uns aos outros: Mas quem é este, que até o vento e o mar lhe obedecem?”

Portanto, se confiamos, descansamos. E por pior que sejam as tempestades, se o barco está a deriva, não nos esqueçamos de que Cristo está nele, e não sucumbiremos, pois todas as coisas estão sob a égide do seu poder e autoridade, e nada acontece sem que a sua vontade prevaleça. Então, não esteja aflito ou sobressaltado, mas descanse e confie naquele que, em tudo, podemos confiar.


6) CONCLUSÃO:

Como Pedro, mesmo diante da iminente morte, descansou e dormiu. Ele não bateu a cabeça na parede, não tentou se desvencilhar da prisão, não se entregou ao esforço inútil de se libertar, nem implementou uma guerra contra os seus algozes, mas descansou no Senhor, esperando nele, sabendo que, como já foi dito, todas as coisas cooperam para o bem daquele que ama a Deus.

Confiar é conhecer. Confiar é se entregar. Confiar é esperar e crer. Confiar é descansar. Confiar é amar. Somente confia aquele que ama e é capaz de se sujeitar ao amor, por amor. Que o exemplo de Pedro nos sirva de lição, para não vivermos em perturbação da alma, nem na agitação do corpo e do espírito. Porque todas as coisas nos foram dadas em Cristo, tanto a vida, como a morte, e a esperança de que nada pode nos separar do amor de Deus, em Cristo.