16 junho 2013

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 46: "Uma marca cristã desprezada"


Por Jorge Fernandes Isah



A Bíblia aponta-nos vários dos nossos deveres como cristãos e como membros do corpo local:

- Orar uns pelos outros [Tg 5.13-16];

- Exortar e edificar uns aos outros [1Ts 5.11, Hb 3.12-14] - Exortar é uma palavra que traz vários significados, como: Aconselhar, persuadir; animar, encorajar, incitar; sempre em relação à uma vida de fé genuína e santa ao serviço de Deus;

- Levar as cargas uns dos outros [Gl 6.2];

- Sujeitar-nos uns aos outros [Ef 5.14-21].

Estes são princípios estabelecidos por Deus para que o seu povo caminhe em unidade e santidade, cumprindo o mandamento do Senhor de amar ao próximo como a si mesmo. Na verdade, o ensino que temos é até superior, de amar o próximo mais do que a nós mesmos, pois foi assim que Cristo agiu ao entregar-se por nós. Ele nos amou com um amor superior, levando-o à cruz para que fôssemos libertos do pecado e condenação, a morte eterna e definitiva. Devemos ter em mente sempre o outro, especialmente o irmão, caminhando com ele, lado a lado, em meio às tribulações, tristezas, sofrimentos e dores que o mundo nos infringe, sustentando-nos mutuamente. Por isso somos admoestados a orar, exortar, instruir-nos reciprocamente; a carregarmos os fardos duros e pesados uns dos outros, de forma que ele se torne mais leve para o irmão, o qual também auxiliar-nos-á a diminuir o peso das nossas cargas.

Sabemos que é pelo poder de Cristo, por sua bondade e misericórdia, que recebemos o consolo e o alívio nas atribulações, pois, sem ele, nada seríamos ou poderíamos realizar. Contudo, é estimulante saber que os irmãos se interessam pelo nosso sofrimento e dores, e esteja, cada um segundo o dom que o Senhor dá, disposto a reconhecê-las como também suas, já que os membros colaboram, cada um, para o bem do corpo. Creio que o Senhor nos deu essas orientações para não nos preocuparmos além da conta, além do necessário, com os nossos problemas, também. Este é o caráter pedagógico do auxílio, não nos deixar entristecer exageradamente, mais do que a tristeza convém e, de certa forma, alegrar-nos no zelo e sustento para com o irmão aflito [parece contraditório, mas o sofrimento do outro pode nos "tirar" do círculo vicioso em que muitas vezes nos encontramos, em meio aos problemas triviais e corriqueiros do dia-a-dia. E a nossa tristeza com a aflição alheia pode tornar-se na alegria dele, de não se reconhecer sozinho e abandonado em sua luta, fortalecendo-o, de forma que ele também nos fortalecerá. Na física esse princípio seria chamado de "lei da ação e reação", em que o amor e a piedade atribuídas retornam-nos de forma equivalente].

Acredito que esses são pontos que não suscitam muitos debates, gerando divergências. Normalmente são esquecidos ou relegados ao nível do desinteresse, seja por considerá-lo algo trivial, reles, sem muita importância, ou por certa soberba de se achar que já o alcançou e de que as etapas a serem vencidas são outras. Ledo engano! Em um mundo cada vez mais individualista e rebelde, a igreja também tem se individualizado e se rebelado contra os preceitos divinos. Igualmente, cada vez mais, os crentes se consideram autônomos e donos dos seus narizes, de forma que o sustento, auxilio e piedade se tornam escassos, quase invisíveis. Não que devemos alardear aos quatro cantos o auxílio ou consolo ou sustento que devotamos ao próximo, mas é que o próprio estado de coisas tem revelado o quão distantes estamos de viver uma vida verdadeiramente cristã, aos moldes bíblicos. Quase ninguém se interessa mais por uma prática cristã, no sentido de fidelidade à Escritura e de dar os frutos que o Espírito produz no homem regenerado. Os holofotes estão ligados e cada um quer a sua porção de luz, sem se preocupar em ser ele próprio a luz. Muitos reduzem a vida cristã a falar de Cristo para as pessoas, e eu já vi incrédulos repetirem versículos, referirem-se a Jesus, como muito crente não é capaz de fazer. Mas, então, tem-se um detalhe: ele fala bem, até mesmo com probidade e correção, mas a sua vida pessoal não espelha sequer um milímetro do que diz. E é este o ponto principal do qual não podemos nos esquecer, e do qual o Senhor alertou-nos: pode uma árvore má dar frutos bons e vice-versa? [Mt 7.17-20].

A parábola dos talentos assevera mais fortemente este ponto [Mt 25.14-30 cf. Lc 12.42-48]; no sentido de que somos mordomos do que Deus nos dá, e quanto mais ele nos dá, mais devemos honrá-lo, produzindo os frutos proporcionais à sua dádiva. Ou seja, somos ordenados a cuidar com amor, empenho e dedicação de tudo o que dispomos e que nos foi ofertado graciosamente. Não fazê-lo implicará em omissão, negligência e desobediência, resultando na ordem que o Senhor profere: "Tirai-lhe pois o talento, e dai-o ao que tem os dez talentos. Porque a qualquer que tiver será dado, e terá em abundância; mas ao que não tiver até o que tem ser-lhe-á tirado".

Assim devemos proceder em tudo, na vida pessoal, profissional, e na igreja. Há os que pensam ser possível uma vida aparente ou "mínima" no corpo de Cristo. Penso que se enganam a si mesmos os que assim agem. A vida cristã tem de ser intensa em seu zelo, amor, e em produzir os frutos para a glória de Deus. É claro que tudo isso é proporcional ao que Deus nos deu e capacitou-nos a gerir. Ele não dará mais do que podemos suportar, como está escrito: "Não veio sobre vós tentação senão humana, mas fiel é Deus que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar" [1Co 10.13]. O verso se refere diretamente à tentação para o pecado, mas podemos, por princípio, levá-lo a todos os aspectos da vida, pois Deus não dá um fardo maior do que podemos carregar, já que, com o fardo, nos dá juntamente os meios de suportá-lo.

Voltando à parábola dos talentos, um servo ganhou cinco talentos, enquanto o outro dois, e o último um. Quando o Senhor voltou, os servos foram prestar-lhe contas. O primeiro devolveu-lhe dez talentos, o segundo quatro, e o último o mesmo talento que recebeu. Ou seja, este não soube o que fazer com o que Deus lhe dera, não soube aplicar o seu dom, ao contrário dos demais. Por isso foi reconhecido como mau e negligente servo, e lhe foi tirado o dom. A parábola nos remete a reconhecer Deus como o doador de tudo, inclusive dos nossos talentos e dons. Aquele que não sabe aplicá-los correta e convenientemente é como se não os tivesse; como um cego que quer ver ou um surdo que quer ouvir, com o agravante de que ele tem olhos e ouvidos bons, mas não sabe usá-los ou não os quer usar [Rm 12.4-8].

Na igreja do Senhor, devemos sempre buscar o melhor para nós e os demais irmãos e sermos o melhor que podemos ser, inclusive para nós mesmos, sem nos esquecer de que maior amor tem aquele que dá a vida por seu irmão. Parece um refrão de um cântico antigo ou um slogan, mas para nós tem de ser uma bandeira pela qual vivamos.

Este preâmbulo tem o objetivo de se chegar a dois outros pontos, que considero mais polêmicos e problemáticos dentro da igreja:

1) A autoridade eclesiástica – [1Ts 5.12-13, Hb 13.17]. Os oficiais da igreja governam não para si mesmos, nem a partir de autoridade própria, mas a autoridade investida por Deus, como servos [1Pe 5.1-5, conf Mt 20.26-27];

2) Sustento pastoral - 1Tm 5.17; Lc 10.7; At 28.8-10.

Os quais serão expostos e discutidos nas próximas aulas. 


Notas: 1) Baixe esta mensagem em Aula 46.MP3
2)  Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Biblico

07 junho 2013

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 45: "A fiel disciplina da igreja"


Por Jorge Fernandes Isah


RESUMO DA AULA PASSADA:

Na aula passada falamos das marcas de uma igreja verdadeira, fundamentais para distingui-la em meio a tantas denominações que se auto intitulam cristãs.

1) A Fiel pregação do Evangelho - Estudamos que a marca principal é a pregação do Evangelho, não de qualquer "evangelho", mas o Evangelho de Cristo. Conforme o Senhor Jesus nos entregou, em Mt 28.18-20, a "Grande Comissão", a obra de proclamar a sua palavra e fazer discípulos, batizando-os.

2) A correta ministração das ordenanças -
- O Batismo - Mt 26.19-20;
- A ceia do Senhor - Lc 22.19-20.

Paramos no item 3) que é "O fiel exercício da disciplina".
Deixei, para os irmãos lerem durante a semana, dois versos, os quais leremos, novamente, agora:

Mt 18.15-20: "Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão; Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu. Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.".

e

1Co 5.1-5: "Geralmente se ouve que há entre vós fornicação, e fornicação tal, que nem ainda entre os gentios se nomeia, como é haver quem abuse da mulher de seu pai. Estais ensoberbecidos, e nem ao menos vos entristecestes por não ter sido dentre vós tirado quem cometeu tal ação. Eu, na verdade, ainda que ausente no corpo, mas presente no espírito, já determinei, como se estivesse presente, que o que tal ato praticou, Em nome de nosso SENHOR Jesus Cristo, juntos vós e o meu espírito, pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo, Seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do SENHOR Jesus".

- O que fica claro para os irmãos nesses textos?

- Podemos falar em disciplina na igreja?

- Como? Por que?

Primeiramente, no texto de Mateus, temos, uma ordem cronológica no evento:
- Um irmão encontra-se em pecado;

- Ele é advertido por outro irmão, mas persiste no erro;

- É chamado à presença de mais um ou dois para, novamente, ser exortado ao arrependimento;

- É levado finalmente à igreja, visto não ter se arrependido;

- Ainda assim, se insistir em permanecer no pecado, não arrepender-se, revelando um coração duro e empedernido, a igreja deve considerá-lo como gentio ou publicano, como um incrédulo.

Então, temos o Senhor Jesus investindo a igreja de autoridade, da sua autoridade, ao dizer que onde dois ou três estiverem deliberando em seu nome, ali ele estará [v.19-20].

E, qual é a autoridade da igreja?

A que ela se refere?

Apenas em assuntos ligados à doutrina?

À ordem do culto?

Em deliberar como serão gastos os recursos financeiros da igreja?

Ou também nos assuntos relativos ao comportamento escandaloso de seus membros?

Há uma ideia de que esse verso se refere, pura e simplesmente, a qualquer reunião de crentes, o que é verdade, mas, no contexto de Mateus 18, especificamente, ele nos diz da autoridade com a qual Cristo investiu a igreja para deliberar, decidir, dirimir e aplicar todas as resoluções que foram tomadas no âmbito eclesiástico, inclusive, em relação à conduta dos seus membros. Mais do que estar no nosso meio [não entendam que eu esteja menosprezando ou conferindo somenos importância a um fato essêncial e fundamental: Cristo presente no seio da sua igreja], deu-nos a autoridade para resolver todas as questões relativas à igreja, inclusive, a de juízo, em e pelo seu nome. Quando decidimos algo, o fazemos em o nome de Cristo, e é ao nome dele que devemos honrar e ser leais.

Por isso Cristo está a tratar exatamente do pecado de um irmão e da necessidade de discipliná-lo. Não é algo ultrapassado, sem cabimento, nos dias atuais, pois os mandamentos do Senhor são eternos, e nenhum tratamento humano, seja filosófico, psicológico ou pedagógico pode suprimi-lo. De forma que a prática da disciplina eclesiástica é uma prova de maturidade, e amor cristão, tanto a Deus, como à igreja, como também ao irmão empedernido. Mantê-lo em seu pecado é dar um "empurrãozinho" em direção ao inferno; e se alguém considera o desdém como forma de acolhida, saiba que ele é prova maior de rejeição, de falta de apreço, e do exercício de um certo sentimento de superioridade que leva a não fazer caso da desgraça e do mal que acomete o pecador, mas também da igreja conivente com o seu pecado.

Quando se aborda o tema da disciplina estamos tratando diretamente de dois aspectos: a dependência do crente à igreja e a autoridade da igreja sobre o crente.

Alguém tem dúvidas de que seja isso o que o Senhor está dizendo?

Penso que a igreja, ao se omitir quanto a esse assunto, revela alguns sérios problemas.

Vamos agora a 1Co 5.1-5; não vou transcrevê-lo novamente.

O que salta aos olhos dos irmãos nesta passagem?

O pecado, escândalo, de um irmão levou Paulo a comparar a igreja com o mundo, ou melhor, a considerá-la mais pecaminosa do que o próprio mundo.

O que os irmãos entendem quando Paulo chama os Coríntios de estarem "ensoberbecidos" [vaidosos, orgulhosos, soberbos]? Não é esse o sinal de desprezo que apontei acima?

A soberba, que é um tipo de autossuficiência, de se considerar superior e até mesmo intocado ou inatingível, levou a igreja a:

- Negligenciar e fazer vistas-grossas ao pecado;

- Tornou-se conivente com o pecado, associando-se a ele;

- Faltou o temor do Senhor, levando-a à insensatez [Pv 9.10];

- Faltou-lhe amor e piedade para com o irmão em pecado, sabendo que a prática exercida por ele flagrantemente afrontava a Deus;

- E eles mesmos desprezavam o conselho divino e a sua Lei;

- Por fim, tudo isso levou a igreja de Corinto a não se envergonhar do pecado daquele irmão, de forma que ele permanecia no meio deles. Paulo alertou-os de que o orgulho impediu-lhes de tirá-lo dentre eles [v.2].

Em seguida, invocando a autoridade dado por Cristo, falando em nome dele, pela união que há entre o espírito de Paulo e dos irmãos de Corínto [aqui temos o princípio da igreja invisível, espiritual e universal da qual já falamos, e pela qual a igreja tem autoridade para deliberar em todos os assuntos a ela pertinentes, em conformidade com o que Cristo disse em Mt 18.19-20, em uma clara relação entre o que o Senhor disse para fazer e Paulo, como apóstolo da igreja, fez], ele entrega o tal irmão pecador a Satanás, para que a carne seja destruída e o espírito seja salvo [v.5].

O que lhes parece isso? A carne destruída e o espírito salvo pela disciplina da igreja? Mas como se dá isso? E, por que?

Paulo diz o mesmo de Himeneu e Alexandre em 1Tm 1.20, entregando-os, como blasfemadores, a Satanás. Aqui não é possível saber se ele já é salvo ou não, ainda que pareça que não. O certo é que ele comete um pecado grave, e ao que tudo indica foi exortado individualmente por um ou outro irmão, não arrependeu-se e insistiu na rebeldia. A igreja, portanto, tem o dever de excluí-lo, para que, estando fora da proteção da igreja, padeça nas mãos de Satanás e reconheça e busque a necessidade de perdão. Deus utilizará o diabo para disciplinar, na carne, àquele homem.

Hebreus 12.4-13 parece-me a chave da resposta. O apóstolo nos remete ao castigo que não é punitivo, mas educativo, pedagógico, como se gosta de dizer atualmente. Com o objetivo de sarar, de curar e, porque não, salvar o perdido. Veja bem, não é possível saber se aquele irmão era salvo ou não; o texto aponta para o fato dele não ser salvo, pois precisaria ser entregue ao diabo para que o fosse, mas o certo é que o castigo tinha o intento de curá-lo, e sará-lo do quê? De uma vida de pecados, empedernida, e que resistia ao arrependimento. E tudo isso é prova de amor de Deus para com os seus, e da igreja para com os irmãos.

Qual atitude é mais fácil para um pai que sabe do envolvimento do seu filho com as drogas, por exemplo? Procurar curá-lo [e muitas vezes com atitudes que vão contra a vontade rebelde do filho de se drogar, podendo ser a internação ou entregá-lo à justiça] ou abandoná-lo ao próprio vício, como muitos pais e mães agem atualmente? Em qual delas ele demonstrará amor verdadeiro? Em qual delas temos piedade e misericórdia?

Certa vez, vi uma declaração impactante de uma mãe na Tv. O seu filho estava envolvido em crimes, um jovem de 15 anos, e ela preferiu entregá-lo à polícia do que vê-lo caminhar a passos largos para a morte prematura. Ela disse ter tentado de tudo para demover o filho da vida de crimes, e não houve mudanças. Então, em um ato desesperado, ela o denunciou. Muitos a criticaram por essa atitude. Muitos entenderam que a posição dela não traria resultados à correção do filho. Mas, entendo que, na simplicidade daquela senhora, ela agiu como uma verdadeira mãe que ama o seu filho. Ela não foi negligente nem omissa, preferiu a dor de denunciá-lo, e levá-lo certamente à condenação, do que vê-lo viver uma vida miserável de crimes [e as suas lágrimas e a expressão de sofrimento eram evidências claras de como o seu coração estava partido e angustiado]. Ela vislumbrava, na prisão, uma chance que ele não teria levando a vida que levava do lado de fora... Ela entregava o filho à justiça para que pudesse resgatá-lo novamente. Tal qual Paulo diz, ela esperava que ele, no fim de tudo, se salvasse da vida criminosa e da morte iminente.

Então, temos que o princípio da disciplina da igreja visa o arrependimento, e deve ser aplicada em amor, piedoso e misericordioso, que levará, como consequência, caso o irmão se arrependa, ao perdão por parte da igreja e de Cristo [não nessa ordem, claro!].

E isso traz tristeza à igreja, e deve trazê-la também ao irmão em pecado, como Paulo diz em 2Co 2.4-11. Aqui, exatamente, encontramos uma outra exortação relativa a esse mesmo irmão, de que a igreja o perdoe e não aja de maneira excessivamente dura para não aumentar-lhe a tristeza. Ao que tudo indica, esse irmão se arrependeu, mas a igreja não parecia muito disposta a perdoá-lo e tratá-lo novamente como a um irmão. Tem-se de ter cuidado para não extrapolar o ensinamento bíblico e não agirmos no mesmo nível de carnalidade do pecador.

Mas, e se o irmão não se arrepender? Como deve proceder a igreja? Este é o segundo objetivo da disciplina, manter a unidade da igreja. Um exército dividido, sem um objetivo comum, o de glorificar a Deus, não subsiste.

Leia o que Paulo diz em 2Tm 3.1-9 e 4.2-4; e veja o que João, chamado de o apóstolo do amor, nos diz em sua Carta segunda, versos 9-11:

“Todo aquele que prevarica, e não persevera na doutrina de Cristo, não tem a Deus. Quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto ao Pai como ao Filho. Se alguém vem ter convosco, e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem tampouco o saudeis. Porque quem o saúda tem parte nas suas más obras”.

A palavra “prevaricar” significa proceder mal; transgredir a moral, os bons costumes: aquele jovem prevaricara. Vti: Faltar a, deixar de cumprir: Prevaricar aos deveres, às promessas. Corromper, perverter. 

É preciso entender que o crente não pode nem deve ser motivo de escândalos para a igreja, o que, consequentemente, significa escândalo para o nome de Cristo. Por isso há tantas e tantas advertências ao comportamento e modos de agir do cristão. É nosso dever testemunhar, não somente com palavras mas com atos, tudo o que nos foi entregue por Deus como a sua vontade, de que sejamos irrepreensíveis e exemplos para os homens e a sociedade. Ser luz no mundo não é outra coisa a não ser guia-lo [o mundo] na verdade, tirando-o das trevas, do engano, da mentira e do pecado. Mas se nós mesmos estamos em trevas, como podemos enxergar o caminho, seguir a Cristo, e levar outros conosco?

Para finalizar, entendemos que a disciplina pode ser exercida de várias formas, desde a simples exclusão do irmão das atividades de liderança, o não participar da Ceia do Senhor, até, em último caso, a exclusão do rol de membresia. Mas estes serão assuntos que abordaremos mais detidamente à frente. Por hora, é-nos necessário ter a certeza de que a disciplina eclesiástica é bíblica e uma das mais importantes marcas de uma igreja verdadeiramente cristã.

Notas: 1- Baixe o áudio da aula em Aula 45.MP3
2- Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Bíblico

03 junho 2013

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 44: "Marcas da Igreja Verdadeira"


Por Jorge Fernandes Isah


Um  rápido resumo da aula anterior:
  • Igreja como organismo [corpo vivo]; 
  • Igreja como organização [corpo local]; 
  • Igreja invisível e universal [todos os santos em todos os tempos];
  • Igreja visível [onde há os joio e o trigo, ainda que o trigo seja verdadeiramente a parte visível da igreja universal.
Como distinção, temos o exemplo do ladrão da cruz, que faz parte da igreja universal, a igreja espiritual que reune os crentes de todos os tempos, mas não chegou a fazer parte da igreja visível, do corpo local.

Mt 13.24-30; Mt 13.47-50; Mt 3.12


As Marcas da Igreja

1. AS MARCAS DA IGREJA EM GERAL.

PERGUNTAS: 
  • PODEMOS DIZER QUE HÁ MARCAS QUE INDIQUEM UMA VERDADEIRA IGREJA? 
  • QUAIS? 
  • ATÉ QUE PONTO ELAS SÃO NECESSÁRIAS PARA QUE SEJA PARTE DA IGREJA DE CRISTO?
a. Sentia-se pouca necessidade destas marcas quando a igreja era claramente uma só. Mas, quando surgiram as heresias, tornou-se necessário indicar certas mudanças pelas quais se pudesse reconhecer a igreja verdadeira. Enquanto a igreja crescia, cresciam também as investidas do inimigo para destruí-la. Já, à época dos apóstolos, um número grande e heresias conviviam com a sã doutrina; elas mesmas, as igrejas heréticas, se autodenominavam igrejas de Cristo, como membros do Corpo. Portanto, com o passar do tempo, foi necessário indicar algumas marcas pelas quais se pudesse distinguir a igreja verdadeira da falsa.

Havia um padrão da verdade ao qual a igreja deve corresponder, e reconheciam esse padrão na Palavra de Deus.


2. AS MARCAS DA IGREJA EM PARTICULAR.

a. A fiel pregação da Palavra. [Mt 28.18-20 – Evangelização e discipulado]
Esta é a mais importante marca da igreja. A fiel pregação da Palavra é o grande meio para a manutenção da igreja e para habilitá-la a ser a mãe dos fiéis. Que esta é uma das características da igreja transparece em passagens como:
  • Jo 8.31, 32, 47; 14.23; 1 Jo 4.1-3; 1Ts 5.21; Ap 2.2
Atribuir esta marca à igreja não significa que a pregação da Palavra na igreja terá que ser perfeita para que ela possa ser considerada como igreja verdadeira. Tal ideal é inatingível na terra; só se pode atribuir à igreja uma pureza "incompleta" de doutrina.

Uma igreja pode ser relativamente impura em sua apresentação da verdade, sem deixar de ser uma igreja verdadeir. Paulo escreve à igreja de Corinto, onde os pecados campeavam, e muitos deles eram mais vergonhosos e infames do que os produzidos pelos ímpios, contudo, ainda assim, o apóstolo se refere a ela como igreja, e aos seus membros como irmãos. 

Mas há um limite além do qual a igreja não pode ir, na apresentação errônea da verdade ou em sua negação, sem perder o seu verdadeiro caráter e tornar-se uma igreja falsa. É o que acontece quando artigos fundamentais de fé são negados publicamente, e a doutrina e a vida já não estão sob o domínio da Palavra de Deus.

E é a palavra de Deus que retém as instruções instituídas pelo próprio Deus e que devem ser cumpridas pela igreja – At 2.41-42.
[Esta passagem sugere a seguinte ordem: conversão, batismo, admissão à igreja local, andar ordeiro, observância da Ceia do Senhor e da oração coletiva]

b) Ordenanças: Ordem, lei, prescrição [1Co 1.2].
Que a reta administração das ordenanças é uma característica da igreja verdadeira, segue-se da sua inseparável conexão com a pregação da Palavra e de passagens como:
  • Mt 28.19; Mc 16.15, 16; At 2.42; 1 Co 11.23-30.

1- Batismo: Mc 16.15-16; Mt 26.19-20.

2- Ceia do Senhor – Lc 22.19-20; 1Co 11.23-26

C) O fiel exercício de disciplina.
É deveras essencial para a manutenção da pureza da doutrina e para salvaguardar a santidade dos sacramentos. As igrejas que relaxarem na disciplina, descobrirão mais cedo ou mais tarde em sua esfera de influência um eclipse da luz da verdade e abusos nas coisas santas. Daí, a igreja que quiser permanecer fiel ao seu ideal, na medida em que isto é possível na terra, deverá ser diligente e conscienciosa no exercício da disciplina cristã. A Palavra de Deus insiste na adequada disciplina a ser exercida na igreja de Cristo - Mt 18.15-18;

  • 1 Co 5.1-5, 13 [1Tm 1.20 e 2Co 2.4-11] – Igreja como proteção ao crente. Paulo parece dizer que aquele que é expulso do convívio da igreja está entregue a Satanás, ao mundo, estando sujeito a ele e sem a proteção do Corpo.

Notas: 1- No áudio, os pontos apenas tocados levemente aqui são expostos mais detidamente, sobre as marcas primordiais da verdadeira Igreja de Cristo. 2- A seção 2C, que refere-se à disciplina eclesiástica será discutiva mais à frente, em outra aula.
3- É discutida também a questão dos sacramentos [batismo e ceia], do ponto de vista católico e reformado, como meios de graça, os quais, nós, batistas, não reconhecemos, já que os temos por ordenanças e, em momento algum, acreditamos que eles tragam uma "sobre-graça" sob a "graça", e que sejam os aspetos visíveis da "Aliança" ou "Pacto".
4- No áudio, confundi Tomás de Aquino com Agostinho, o qual formulou primeiramente a doutrina dos sacramentos, ainda que o primeiro tenha-o seguido na questão. 
5- Faço também, na aula, um pequeno comentário sobre o filme "Redenção", cujo título em inglês é "Machine Gun Preacher", analisando o batismo bíblico.
6- Baixe o áudio desta aula em  Aula 44.MP3
7 - Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Bíblico 

27 abril 2013

Sobre Amor e Ódio













Por Jorge Fernandes Isah

Em virtude dos debates nos posts anteriores com o estimado e dileto irmão e amigo Natan de Oliveira, do blog Reflexões Reformadas, decidi-me, ao invés de respondê-lo na seção de comentários, fazê-lo em forma de artigos [1]. Em muitos detalhes concordamos, mas, no geral, há desacordo quanto às conclusões.

É preciso esclarecer que esta tentativa não explicará todos os pontos, nem mesmo é exaustiva, em decorrência da dificuldade do tema, e da minha própria incapacidade de compreendê-lo totalmente. Mas como a minha ignorância não é desculpa para não buscar entendimento no texto bíblico, oro ao Espírito Santo que me instrua naquilo que me é impossível compreender naturalmente, pois, “para os homens é impossível, mas não para Deus, porque para Deus todas as coisas são possíveis” [Mc 10.27].

Primeiramente, analisarei o texto apresentado de Efésios 2.3:
"Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne e dos pensamentos: e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também".

Ao que o Natan concluiu: “Assim neste primeiro exemplo acima, Deus sentia ira (ódio) por mim quando eu ainda não era nascido de novo, mas ao mesmo tempo sendo eu um escolhido seu desde a eternidade, era também ao mesmo tempo, fruto do seu amor salvífico, uma vez que ele já conduzia a história, inclusive o pecado, para me trazer salvação no tempo certo” [2].

Faz-se necessário analisar os termos:

1) Ódio: Inimizade perpétua [Sl 11.5, Ez 35.5]. Forte oposição ao amor [Lc 16.13, Jo 15.18-19]. Aversão intensa [Ml 1.3; Rm 9.13].

2) Ira: Furor, indignação [Jr 21.5, Lm 4.11, Ez 7.8, Jo 3.36, Rm 1.18, Ap 19.15]. Ato de castigar [Jr 30.14, 2Ts 1.9]. Vingança [Dt 32.35, Sl 58.10, Is 34.8, Rm 12.19]. Cólera [Sl 38.3, Na 1.6].

Aparentemente os conceitos de ódio e ira estão muito próximos. Ambos indicam uma oposição ao amor, mas nem sempre. O ódio me parece mais um estado, uma condição, do que um ato, uma emoção, como a ira tende-se a assemelhar.

A ira pode ser mesmo uma conseqüência do ódio, uma forma dele se manifestar, mas também pode se apresentar, a princípio, como decorrente do amor, na forma de disciplina, de correção.

O ódio estaria mais para uma espécie de aversão absoluta, algo duradouro e contínuo, ininterrupto. O ódio seria antagônico ao amor, enquanto a ira seria antagônica à tolerância, à indulgência. Por exemplo, a Bíblia afirma que o ódio de satanás por Deus não terá fim, assim como o ódio do ímpio por Cristo e Seu povo não terminará nem mesmo quando estiverem cumprindo a pena eterna no Inferno. Ao passo que, por exemplo, Paulo nos exorta a irar, e não pecar; para que “não se ponha o sol sobre a vossa ira” [Ef 4.26]; dando-nos a entender que a ira é momentânea, circunstancial, incidental, o que me leva à conclusão de que ódio e ira são matérias diferentes, ainda que possam se relacionar. É claro que estamos a falar da relação do homem e suas manifestações. Mas, e Deus? Como o ódio e a ira podem se relacionar com a Sua natureza, do ponto de vista bíblico?

1) Temos de entender que Deus não está no tempo; Ele age no tempo, e não segundo o tempo ou conforme o seu desenrolar, pois “conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras” [At 15.18]; as quais são os frutos, o resultado da Sua santa vontade.
2) A imutabilidade de Deus jamais poderá implicar em incoerência, contradição, porque isso resultará na desordem do universo, e sabemos que "Deus não é Deus de confusão" [1Co 14.33].

Efésios 2 nos diz que:

1) Deus nos vivificou quando ainda estávamos mortos em ofensas e pecados [v.1]. 2) Éramos filhos da desobediência e andávamos no curso deste mundo, segundo satanás [v.2]. 3) Éramos filhos da ira por andarmos na carne, fazendo a sua vontade, como escravos do pecado [v.3]. 4) Novamente, o apóstolo afirma que aprouve a Deus nos vivificar juntamente com Cristo, por sua misericórdia, “pelo seu muito amor com que nos amou estando nós ainda mortos em nossas ofensas[v.4-5]. 5) Deus “nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” [v.6]. 6) Para mostrar a sua graça e benignidade para com os eleitos, nos séculos vindouros [v.7].

Paulo nos faz ver que há uma idéia de tempo, mas também uma idéia atemporal, que transcende o próprio tempo. Há a concepção de eternidade, de que as coisas na mente de Deus não se passam como nas nossas; de que Ele estabeleceu tudo muito antes do tempo existir; e de que, de fato, elas já existem porque acontecerão inevitável e inexoravelmente, não podendo ser frustradas nem impedidas por nada ou ninguém de ocorrerem.

É o que está dito: quando Deus nos vivificou com Cristo; nos ressuscitou juntamente com ele; nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo. O apóstolo não utilizou verbos no futuro, mas os utilizou no passado: vivificou, ressuscitou, assentou. O Senhor que não está contido no tempo, e que é o criador do tempo, já realizou todas essas coisas para com os eleitos, os Seus filhos adotivos, mesmo aqueles que sequer nasceram, e mesmo os que ainda terão seus pais e avós nascidos num futuro distante.

A obra de Cristo já está consumada eternamente, e podemos dizer que ela foi realizada eternamente, por causa da imutabilidade divina que não poderia ser alterada, nem tomaria outro rumo, mas culminaria infalivelmente no sacrifício do Senhor na cruz do Calvário. É o que Paulo assevera: “sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado” [Rm 6.6].

Não há dúvidas de que a nossa salvação é eterna.

Porém Paulo se utiliza da linguagem temporal para indicar o estágio em que estávamos antes da conversão: éramos filhos da desobediência; filhos da ira; andávamos na carne, satisfazendo-a e a satanás; estávamos mortos em ofensas e pecados. Essa é a nossa condição no tempo, na nossa relação com o tempo, o pecado e o mundo [significando toda a criação divina]. Mas também indicando a forma maravilhosa como o Senhor nos resgatou da perdição e condenação.

Partindo-se deste texto bíblico é presumível que:
1) Deus odeia eternamente o pecado. 2) Deus odeia eternamente o pecador que nunca se arrependerá dos seus pecados, terá o coração endurecido, e jamais foi alvo da Sua graça salvadora. 3) O pecador não resgatado por Cristo será alvo da ira eterna de Deus, como conseqüência da Sua justiça, que pune o pecador por causa dos seus pecados, da sua desobediência, e da inimizade perpétua para com Deus. Porque Ele é justo e justificador apenas daquele que tem fé em Jesus [Rm 3.26].

Podemos ver que há diferença entre o ódio e a ira. A ira de Deus pode cair mesmo sobre o eleito, como um castigo, como uma indignação, como conseqüência do pecado, no tempo. Esse me parece o caso de Davi. Após adulterar com a mulher de Urias [2Sm 11.4], assassiná-lo [2Sm 11.14-17 (a perversão de Davi foi tamanha que o próprio Urias levou a sua sentença de morte ao comandante das tropas de Israel, Joabe)], e desposar Betseba [Sm 11.27]; alguns castigos sobrevieram-lhe da parte de Deus: 1) O seu filho, fruto do adultério com Betseba, morreu [2Sm 12.18]. 2) Amnon, filho de Davi, cometeu incesto com sua irmã, Tamar [2Sm 13.14]. 3) Absalão, filho de Davi, matou Amnon, seu irmão, por causa de Tamar, sua irmã [2Sm 13.29]. 4) Davi foi obrigado a fugir de Jerusalém, escapando da morte, por causa da rebelião de Absalão, seu filho [2Sm 15.16]. 5) Absalão possuiu, em afronta, todas as concubinas do seu pai, Davi, diante de todo o Israel [2Sm 16.22].

Outras coisas mais aconteceram a Davi como castigo por seus pecados, provavelmente a que mais lhe doeu o coração, foi ser impedido de construir o Templo. Todas como conseqüências do juízo de Deus sobre Davi, os quais foram profetizados por Natã: “Agora, pois, não se apartará a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste... Eis que suscitarei da tua própria casa o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres perante os teus olhos, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com tuas mulheres perante este sol... também o filho que te nasceu certamente morrerá” [2Sm 12.10, 11, 14].

O Senhor perdoou o pecado de Davi, contudo, a Sua ira disciplinadora, que tem como um dos objetivos o arrependimento e a santificação, permaneceu sobre ele na forma de castigo, de punição temporal [2Sm 12.13].

A minha conclusão é: 1) Ódio pode parecer com ira, mas são coisas diferentes. 2) O ódio de Deus pelo pecado e os pecadores recalcitrantes (os réprobos, irreconciliáveis) é eterno. 3) A ira de Deus sobre o pecado e os pecadores obstinados é eterna, e se manifestará plenamente no Dia da Ira, quando os réprobos forem lançados no Inferno juntamente com satanás e seus anjos. 4) A ira de Deus sobre os eleitos é temporal, no sentido de ser uma manifestação educativa, que o levará, primeiramente, à conversão, e, posteriormente, à santificação. 5) Portanto, Deus não ama e odeia ao mesmo tempo os réprobos, porque Ele apenas os odeia, e não os ama. 6) Deus não ama e odeia os eleitos, porque Ele apenas os ama, ainda que lance sobre nossas desobediências o justo castigo.

Fica ainda a questão da graça comum sobre os réprobos, que tentarei expor em outro post [3].

Apenas para não deixar passar em branco, acredito que a graça comum sobre os inimigos eternos de Deus se dá exatamente por sua misericórdia e amor para com os eleitos. Ou seja, os vasos da ira, preparados para a perdição, existem para que também Deus “desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou” [Rm 9.22-23]. Eles existem para a glória de Deus, mas também para que o Seu amor, graça e misericórdia por nós ficasse notória, evidente.

Alguns exemplos que favorecem essa idéia: 1) Deus nos pede para orar pelos homens, reis e eminentes a fim de que “tenhamos uma vida quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade” [1Tm 2.1-2]. Isso quer dizer que, muito provavelmente, se Deus não operasse a restrição aos ímpios, os crentes seriam destruídos. 2) Os crentes serão beneficiados com o que é produzido pelos ímpios, como uma dádiva de Deus para os Seus filhos: a tecnologia, os avanços da medicina, os tribunais de justiça, a arte, etc; como a ação de Deus sobre os reprovados a fim de que pratiquem o bem para com os eleitos; porque “toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto” [Tg 1.17].

Não é o que diz o Salmo 136? Deus feriu o Egito nos seus primogênitos; “porque a sua benignidade dura para sempre” [v.10]. Sendo que a sua benignidade era para com os egípcios ou para com Israel?

Porque “tirou a Israel do meio deles” [v.11]; e fez passar Israel pelo meio do Mar Vermelho, mas derrubou a Faraó com o seu exército no Mar Vermelho [v.13-15]; “aquele que feriu os grandes reis [v.17]; e matou reis famosos... Sion, rei dos amorreus... Ogue, rei de Basã... E deu a terra deles em herança a Israel seu servo; porque a sua benignidade dura para sempre” [v.17-22].

Não há dúvida de que os réprobos cumprem finalidades específicas. Como já disse, foram criados para manifestar a ira de Deus [Rm 2.4, 9.22], e para que fosse conhecido o Seu amor pelos eleitos, e a eles revelada a Sua graça e misericórdia, assim como a Sua glória.
De outra forma, por que Cristo diria: “Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos” [Jo 15.13]?

Ou será que Ele morreu por todos como querem arminianos e universalistas?

Ou ao invés disso, “Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós” [Rm 5.8]?

Bem, essa é outra história...

Notas: [1]Pretendo responder às inquirições do Natan em três postagens distintas, a fim de que, tanto eu como ele, possamos pormenorizar nossas convicções. 
[2]Para ler todo o comentário do Natan click em Oliveira
[3]Quanto à utilização de Jo 3.36 como argumento para validar o amor e ódio simultâneos, não há a menor possibilidade, porque a questão debatida por João resume-se a relação entre fé e vida eterna, ou seja, aquele que crê em Cristo terá a vida eterna, e aquele que não crer em Cristo não terá a vida eterna, mas a ira de Deus permanece sobre ele. A ira de Deus está sobre aquele que não crê e que não terá a vida eterna, o réprobo. Portanto, ele não serve como argumento para a nossa disputa que é sobre amor e ódio, ainda que ela favoreça mais ao meu ponto de vista do que ao do Natan.
[4] Texto publicado originalmente aqui mesmo, no Kálamos, em 04/11/2009

27 março 2013

Os "sem-igrejas" e a heresia da não sujeição - Aula 43: Estudo da Confissão de Fé Batista de 1689



Por Jorge Fernandes Isah



A primeira pergunta que se tem de responder é: o que é igreja? O que os irmãos entendem por igreja?

Há os que consideram-na apenas como uma construção, um edifício, e nada mais do que isso. Há os que a têm por denominação, como uma instituição meramente humana, onde um grupo de pessoas se reúnem  para professarem algum tipo de fé.  Pode ainda ser utilizada para distinguir homens religiosos de não religiosos. Em todos esses aspectos terminológicos, e ainda em outros mais, o vocábulo igreja pode ser reduzido, o que acabaria por não configurar o seu significado verdadeiro. De certa forma, os termos aos quais ele é mitigado obscurece-o, não definindo a sua real essência e o seu correto entendimento bíblico.

A primeira lembrança que nos vem à mente é de que a igreja é o corpo de Cristo. Esta é claramente a imagem que se descortina na mente do crente. Ele, como membro, faz parte desse corpo, sendo portanto, parte da igreja. Muitos afirmam que são a igreja, mas ela não é constituída por um único membro, mas por milhões deles, o que configura um ajuntamento, um agrupamento de pessoas atraídas por um mesmo chamado: aquele que eficazmente Deus produz no homem, de forma que não se pode resistir nem rejeitá-lo. Este é o chamado ao arrependimento, à regeneração, na qual o homem natural se transforma em espiritual, de perdido a salvo, de condenado a inocente; não por algum mérito que haja em si mesmo, mas por aquilo que Deus realiza nele, por meio da obra redentora do Senhor Jesus Cristo.

Assim, essa é uma qualidade da igreja, a de ser um organismo, o que o corpo nitidamente é. Como organismo, a igreja é o corpo místico de Cristo [1Co 12.12-13], o qual é a cabeça, que guiará o corpo em todo o cumprimento da sua vontade; um povo escolhido para levar até os confins da terra o seu santo e bendito nome [At  15.14]. De forma que a palavra grega "eclesia", cuja tradução para o português é igreja, tem um significado muito mais abrangente, daqueles que são "chamados para fora", dentre as nações, ao nome do Senhor Jesus,  para constituírem uma comunidade, uma assembleia, na qualidade de seguidores de Cristo, chamados "cristãos", a fim de obedecerem aos princípios por ele estabelecidos. A essa qualidade da igreja, podemos chamá-la de organização.

O que muitos cristãos esquecem-se é de que a igreja não é apenas um corpo místico como pensam,  o que é comumente chamado de "igreja universal",  mas de que ela foi instituída por Deus tanto como igreja universal como igreja local. Essa doutrina de que a igreja local, como organização não tem o respaldo bíblico é uma falácia. Basta ver que os irmãos em Atos dos Apóstolos estabeleceram igrejas locais,  suas prioridades, designaram cargos, funções, como diáconos, pastores, bispos, presbíteros, etc. O próprio apóstolo Paulo fala nos dons que Deus deu a cada um dos membros, e de que esses membros trabalhariam em harmonia a fim de que o corpo funcionasse em concórdia, não em discórdia; a ordem do culto, como os irmãos deveriam se portar na ceia do Senhor, e muitas outras recomendações foram estabelecidas para uma igreja que se reúne, congrega, e tem comunhão efetivas. Logo a ideia do crente solitário, isolado, que assiste a prédicas pela TV, que acredita fazer parte de uma igreja virtual através das redes sociais, que ceia via satélite, simplesmente não existe. Com isso, não estou a dizer que não é possível ter comunhão com um irmão distante, do outro lado do globo, por exemplo, mas que isso não é o suficiente e não torna o trato virtual em um tipo de igreja. É-se necessário que exista o corpo local, e de que os cristãos sejam partícipes dele, a fim de realizarem a obra que o Senhor nos deu a fazer, em ordem, decência, e sob os cuidados dos irmãos, de maneira que todos estejam participando ativamente e não sejam meros espectadores. Muitos não valorizam o trabalho eclesiástico por desconhecê-lo. Desprezam-no com argumentos particulares e que atribuem ao geral, como se não houvesse exceções. Se há apostasia, heresia, mau-uso do dinheiro, despotismo, má-fé, e outros pecados, eles não podem ser imputados a todo o corpo local. Tal atitude é, além de absurda, soberba, pois demonstra, a quem a profere, um tipo de "onipresença e onisciência" da qual homem algum, por mais viajado e bem informado, é capaz de ter; esses são atributos exclusivos de Deus e de mais ninguém.

Então temos uma luta travada no próprio corpo, em que irmãos que se organizam, tal qual a igreja primitiva se organizou, são acusados de pecados que não cometeram.  É como aquela piada da mãe que vendo a água suja na banheira joga-a fora juntamente com o bebê.  O desprezo que se tem em certos grupos em relação à igreja institucional chega a ser doloso. A maioria, por desconhecer as Escrituras ou impor-lhe o seu gosto pessoal, rebelam-se ao seguirem "mestres" sem entendimento e sem o devido zelo. Muitas vezes, por terem passado "mau-bocados" em alguma igreja ou sob a direção de algum pastor ou presbítero, acreditam que todas elas, e consequentemente todos os pastores, presbíteros e diáconos, são deturpações da palavra de Deus, e obra exclusiva de satanás. Tudo bem, estou exagerando um bocado, mas já tive discussões com alguns irmãos que quase chegaram a essa afirmação, simplesmente não a concluíram nos termos em que a expus, mas o sentido estava lá, latente, pronto a se manifestar. E, por isso [as vezes o sentimento de decepção, de frustração ou de vingança] saem por aí, sem zelo, sem discernimento, sem prudência, proclamando aos quatro ventos a "heresia da igreja organizacional".

Esta semana me deparei  com a seguinte mensagem em uma comunidade virtual:

"Sabe, eu tenho uma raiva danada de quando alguém insiste em me chamar para a igreja. Não sei o que esse povo tem na cabeça, verdade! Quanto mais me chamam, mais eu me enveneno... Pela milésima vez, um colega de trabalho me convidou para um culto. Eu olhei bem para ele e disse: cara, se fosse para eu ir, já teria ido, não é! Minha mãe é beata, e vive me enchendo com essas coisas, já saí na cabeça com ela... Então, para com a ladainha, porque eu não aguento mais, muito menos ficar sentado e perder horas da minha vida com aquilo... Prefiro ver o Faustão, fazer cafuné no meu gato ou contar as estrelas no céu...Qualquer coisa é melhor do que banco de igreja!"[a]

Esta afirmação, que ganhou a concordância de outros irmãos, me parece, além de triste, infeliz, por vários motivos, mas apresentarei apenas dois:

1) A Bíblia nos ordena a honrar pai e mãe. Ora, mesmo que eles estejam equivocados em um ponto ou outro, isso não dá o direito de sermos desrespeitosos, impacientes e belicosos. Deveríamos ouvi-los e meditar no que dizem. É possível que a mãe exagere em seu cuidado e admoestação para que o filho procure uma igreja e congregue, mas, sabendo dos sérios problemas que advém da ovelha sem aprisco, se o filho soubesse, não agiria assim também com aqueles que ama? De qualquer forma, o testemunho que ele dá com a sua irritação [o que ele chamou de raiva] para com a mãe é péssimo, e depõe para a fé cristã. Outra coisa: se o chamado não é atendido por quem não se interessa a congregar, o erro é de quem chama ou de quem não atende? Se fosse assim, não haveria a ordem de Cristo para proclamar o Evangelho a toda criatura, pois o número daqueles que o rejeitam é muito maior do que os que o aceitam. Essa é outra estratégia para transferir ao outro a culpa que cabe somente a quem não quer participar do corpo local [sejam quais forem os motivos, eles não justificam tal atitude]. Apelamos para o pragmatismo quando o que acontece não é a falta de eficiência de quem chama, mas desobediência de quem rejeita. É o caso aqui, pois se todos rejeitam, devo me calar por conta da rebeldia de quem não quer ouvir?

2) Ao dizer que lhe dá nos nervos as horas perdidas no culto, e de que poderia estar descansando ou fazendo outra coisa, vem-me à mente o tipo de cristão que se está construindo, ou melhor, que se está desconstruindo. É claro que há igrejas em que o Evangelho não é pregado, pastores e presbíteros são tão tolos que não deveriam guiar nem mesmo uma manada de bois; que as músicas são tão vulgares como os piores exemplos produzidos pelo mundo; mas generalizar é cair no mesmo caso de tolice e soberba que apontei anteriormente. No mínimo deve faltar a oração, pedindo-se a Deus que lhe destine um local onde possa servi-lo verdadeiramente, cumprindo-se assim a vontade divina que instituiu, organizou e preservou a igreja durante dezenas de séculos. A ideia que se quer passar é de que nenhuma igreja presta, e de que todas representam perda de tempo. É melhor qualquer outra atividade do que estar na congregação, o que jamais deveria passar pela mente de um cristão. Atitudes assim demonstram desprezo e superioridade espiritual, além de individualismo e autossuficiência  do tipo, não preciso disso, posso muito bem viver sem isso; e como se diz por aí, dane-se o que Deus ordenou! Então, um pecado gera o outro; e, deixo a pergunta, parafraseando o apóstolo João: se não me sujeito à autoridade da igreja que vejo, como posso me sujeitar à autoridade de Deus que não vejo?

Penso que há uma guerra barulhenta dos "sem-igrejas", não com o intuito de manterem seus privilégios, mas de arregimentarem novos adeptos de uma prática que em nada se configura cristã. Os exemplos tomados são sempre os piores, nunca há nada de virtuoso a ser experimentado ou testemunhado, o que garante o direito de se difamar homens e grupos religiosos cristãos como se fossem um bando de malfeitores. Há livros, em profusão, acusando pastores de "batedores-de-carteiras", e a igreja de quadrilha ou gang, sem exceções. A esse tipo de arrogância e antipatia chegam os "gurus" dos "sem-igrejas" [e a indignação é sempre o fruto do desprezo; de forma que, sempre que nos indignamos desprezamos]. São pessoas assim que elaboram os argumentos de uma vida tão apegada aos valores mundanos que, em sua cegueira, considera-os espirituais... Sem se preocuparem com a procedência desse espírito [o "eu" gritando alto e em bom som que termos bíblico como servo, sujeição e autoridade são apenas figuras de linguagem ou alegorias].

É claro que no corpo local haverá, como o Senhor disse, o trigo e o joio, salvos e não salvos, onde aqueles trabalham para a glória de Deus, enquanto esses são empecilhos [ainda que em sua rebeldia também colaborem para a glória divina]. Não é possível dizer quem é e quem não é salvo, mas é certo poder dizer que os salvos estão entre os que se encontram sob a autoridade da igreja. Mas quanto a este ponto, falarei mais à frente, no decorrer das próximas aulas.

O fato é que a doutrina do cristão sem-igreja não tem nada de santa, nem de pureza ou piedade, nem mesmo religiosa [no sentido estrito do termo], ela, de certa forma, demonstra a incapacidade, não do corpo local mas daquele que se diz cristão, de não se sujeitar à autoridade; e penso que isso é extremamente grave. As implicações vão desde uma vida vazia, sem qualquer testemunho de fé, até erros doutrinários, chegando-se ao ápice das heresias. A maioria deles não reconhece a Bíblia em sua infalibilidade, inerrância e inspiração divina. Outros são adeptos da descontinuídade das Escrituras. Outro tanto não reconhece nenhuma autoridade humana. E quando me deparo com qualquer deles e seus discursos autônomos vislumbro uma ovelha perdida, sem rumo, desgarrada. Opõem-se a todas as formas organizacionais da igreja, mas acabam por optar por uma forma de organização, ainda que não eclesiástica, ou que pensam não ser eclesiástica. É fácil encontrá-los em sites, blogs, redes sociais e demais "ajuntamentos" modernos, em que o foco dos sermões, apologética, práticas e condutas são tão somente contrárias à igreja. Pode-se perceber que há empenho e dedicação nesses grupos, os militantes, sem nos esquecer de que mesmo os não-engajados, direta ou indiretamente são influenciados por eles, o que os torna, num sentido primário, participantes ainda que passivos [passivos na atividade grupal, mas ativos na ação, na aplicação da ideia difundida]. Apenas querem cuidar dos próprios narizes, sem responsabilidade para com o corpo, mesmo que seja o chafurdar na lama. Como já disse, não apelo para a perfeição da igreja local, mas não é possível aceitar os argumentos que os "sem-igreja" desajuizadamente querem dogmatizar. O interessante é que mesmo rejeitando um, alguns, ou todos os dogmas eclesiásticos, eles acabam por estabelecer os seus próprios, a se agruparem, e terem uma convivência como qualquer outro grupo humano. Ao apelarem para o espírito, entregam-se à carne. E, simplesmente não suportam a obediência, a fraternidade, a servidão e sujeição como marcas do cristão bíblico. Se há algo que devem fazer é se arrepender e voltarem ao Evangelho. Pois, certamente, há igrejas onde ele é pregado, a obra de Cristo é realizada, o Espírito Santo atua, e Deus é glorificado.

Notas: 
a) O desabafo foi modificado para preservar a identidade  do autor, pois não é este o meu interesse. Apenas usá-lo, o desabafo, como ilustração ao que os "sem-igrejas" usam como justificativa para si mesmos, e ataque aos que congregam. 
b) Indico os seguintes textos, disponíveis no Kálamos, como leitura complementar: 
1) Haraquiri Teológico - Um reino sem súditos

dentre outros.
6) Baixe esta mensagem em  Aula 43.mp3