Jorge F. Isah
Indicado
pelo amigo Felipe Sabino, esta biografia trata do, talvez, maior editor
americano de todos os tempos. Evidente que é impossível mensurar quem foi o
maior ou não, mas certamente pelo volume de autores descobertos e publicados, gente
da estirpe de Fitzgerald, Hemingway e Wolfe, para citar o triunvirato dos
maiores e mais relevantes escritores dos seus tempos, e ainda o são mundo
afora, nos dá a real dimensão do trabalho engenhoso a que Maxwell Perkins se devotou
em quase cinco décadas de ofício, chegando ao cargo de Vice-presidente da
Charles Scribner’s Sons, a mais conceituada e importante editora americana na
primeira metade do século passado.
Lendário caçador e burilador de talentos, Max, como
era chamado, entendia o seu trabalho não como uma simples profissão, mas um
ministério, ao qual se entregou de
corpo, alma e espírito, e foi um dos mais relevantes, senão o maior, para os
novos rumos que a literatura tomou a partir de suas descobertas e inspiração
para autores e seus textos.
Antes de entrarmos na pessoa de Max, devo
acentuar algo: o trabalho meticuloso de pesquisa, condensação e o mergulho às
profundezas de Perkins e seus pupilos geniais. A. Scott Berg transpõe em
palavras as emoções, frustrações, lealdade e desvelo do editor com a literatura
e seus criadores. É um livro delicioso de ler, e ele consegue transportar à
simplicidade as complexas relações entre os vários protagonistas e inúmeros
figurantes. É quase impossível abandoná-lo. À medida que Berg tecia a sua rede,
é irremediável tornar-se presa, já no início da construção. Por muitas vezes,
vi-me descuidar de outros afazeres para devotar, e devorar, mais algumas
páginas e tempo na companhia de tão ilustres personalidades. Scott Berg
construiu, com talento e sensibilidade, o gênio e seus gênios, sendo ele
também, sem exagero, um deles.
Por fim, a biografia serviu de base para uma versão
cinematográfica de 2016: “O Mestre dos Gênios”(ainda não assisti, e o farei em
breve; talvez até poste a resenha aqui), com Jude Law, Colin Firth, Guy Pearce e
Nicole Kidman. E, se praticamente todas as versões cinéfilas de livros nunca
conseguem sequer igualar a obra original, não espero algo de proporções
similares quanto ao resultado, mesmo sabendo que são formas de comunicação e
arte distintas. Desejo, contudo, que a produção e direção consigam agarrar o
“espírito” do livro e transpô-lo para a tela. Já seria um grande feito.
William Maxwell Evarts Perkins, nasceu em
1884, em Nova York, filho de Elizabeth Evarts (filha de William M. Evarts,
proeminente jurista, procurador e político) e de Edwards Clifford Perkins,
advogado. Viveu a maior parte da infância em Plainfiel, New Jersey. Formou-se em
economia na prestigiada Harvard University, em 1907; e, quando se decidiu pela
carreira de editor, foi auxiliado pelo professor de literatura Charles Copeland
que se tornaria um grande amigo. Nesse período, trabalhou no New York Times
como repórter (1907 a 1910).
Sem muitas expectativas com a carreira
jornalística, mas com alguma influência nos círculos literários da Big Apple, é
contratado para o departamento de publicidade da Charles Scribner’s Sons,
editora considerada “conservadora” e que detinha títulos de autores como Henry
James, Sherwood Anderson, Rudyard
Kipling, Robert Louis Stevenson, John Galsworthy e Edith
Wharton, entre outros nomes considerados ultrapassados pelo mainstream da
época. Muitos dos autores emergentes, durante o pós-Primeira Grande Guerra,
jamais seriam publicados se não fosse o trabalho investigativo e “depurador” de
Perkins, uma vez que o conselho diretivo da Scribner’s não somente era
reticente, mas se opunha aos novos rumos em que a linguagem literária se
aventurava, mantendo-se firme na disposição de investir nos clássicos. Com leitores
fiéis, não estava disposta a romper a sua tradição editorial e investir em
livros experimentais: novas estruturas, conceitos e estéticas.
Em pouco tempo, foi promovido para uma espécie de
“auxiliar de edição”, onde ajudava na leitura e avaliação de textos originais e
inéditos. Nessa época, chegou-lhe às mãos um livro intitulado “The Romantic Egotist”, de um jovem
desconhecido, F. Scott Fitzgerald. Enquanto os colegas recusaram o livro, com a
alegação de não estar de acordo com a linha editorial, Perkins leu-o de uma
sentada e ficou maravilhado; então, rapidamente, escreveu ao autor sugerindo
algumas modificações a fim de convencer o velho “Charles” a publicá-lo. Scott
empenhou-se em reescrevê-lo, e alguns meses, entregou-o a Max com todas as
alterações propostas. Após um embate interno, Max persuadiu o “chefão”, e
recebeu o aval para publicá-lo.
Em 1920, é lançado “Este lado do Paraíso”, e
o livro se tornou um sucesso de crítica e público, lançando quase instaneamente
Fitzgerald ao estrelado, confirmando o acerto de Max e seu “feeling” editorial.
Apesar da resistência de parte da equipe, Perkins
começava a ganhar admiração e chamar a atenção. Foi ele quem lançou todos os
livros de Scott, a quem tinha por amigo, a quem aconselhou e orientou, não
somente em relação ao aspecto profissional, mas também financeiro e emocional.
A relação do autor com a esposa, Zelda, era conturbada, e Scott se submetia a
despesas enormes, um padrão de vida ostentador, noites e mais noites envolvidas
no “glamour” a que Zelda impunha o casal. Com isso, Fitzgerald teve, por muitas
vezes, que escrever literatura de segunda, terceira linha (Hemingway, de quem também
era amigo, acusou-o várias vezes de prostituição, e de desperdiçar um talento
inestimável em troca de dinheiro para munir os caprichos de Zelda), roteiros
para Hollywood (Max considerava essa opção um verdadeiro desastre na carreira
do pupilo), e palestras que odiava. Ao mesmo tempo em que Scott era um escritor
talentosíssimo, tinha as suas fragilidades: o vício do alcoolismo, ostentação social
e a indigência financeira, arrastando-o para um final onde a degradação
artística, por fim, fez claudicar e aniquilar a pessoa.
Berg ressaltou:
“Anos depois, em Paris é uma festa, Hemingway
resumiu a carreira de Fitzgerald com a imagem que primeiro chamou sua atenção
quando lia ‘O Último Magnata’: ‘Seu talento era natural como desenho feito
pela poeira nas asas de uma borboleta. A certa altura sua compreensão dele não
era maior do que a que tinha a borboleta e ele não sabia distinguir se estava
comprometido. Mais tarde, tornou-se consciente de suas asas danificadas e da
estrutura delas e aprendeu a pensar e não pôde mais voar porque perdera o amor pelo
voo e só constituía se lembrar de quando ele não exigia esforço’”.
Após a publicação de “O Grande Gatsby”, Perkins
recebeu de Fitzgerald, a indicação de outro autor: Ernest Hemingway. Scott e
Ernest se conheceram em Paris, na casa de Gertrude Stein, local onde o círculo
de escritores se encontrava para, em primeiro lugar, abastecer o ego de Stein,
insaciável, e orgias regadas a álcool e drogas sem freios e fim (muito foi
descrito em “Paris é uma festa”). Hemingway era o oposto de Fitzgerald, o tipo
de “macho alfa”, seguro e audacioso.
Novamente, Max teve de suar gotas de sangue para a
Scribner’s publicar “O Sol Também se Levanta”, em 1926. O livro era
considerado excessivamente obsceno, ao ver da direção, e não satisfazia as
exigências editoriais. Depois de inúmeras reuniões e o jeito diplomático, mas
convincente de Max, o romance veio à lume. Novo sucesso de crítica e público. E,
até a sua morte, Perkins seria o editor de Hemingway.
Certa vez, depois de insistir muito com Max (havia
anos que não tirava férias), Hemingway levou-o para pescar em Key West,
Flórida, no Golfo do México, e contou-lhe muitas das aventuras no mar,
histórias sobre pescadores, touradas e caçadas, algumas das quais ele mesmo
estava envolvido. Perkins ouviu-as e percebeu material suficiente para “Hem”
escrever um livro até então inédito: algo sobre a pesca e o mar. Fez sugestões,
considerações e incitou “Hem” a planejá-lo. Durante anos, o autor esquivou-se
de fazê-lo, mas em 1951 publicou “O Velho e o Mar”, dedicando-o ao velho amigo,
que havia falecido em 1947.
Em 1928, chega às suas mãos um calhamaço de páginas
amarradas por barbantes, de um tal Thomas Wolfe, jovem escritor da Carolina do
Norte. Havia sido recusado por todas as editoras em que enviou a sua obra, “O
Lost: A Story of the Buried Life”. Tinha cerca de 1.100 páginas e entre
300.000 e 350.000 palavras. Era um excesso para um escritor iniciante, e fora
dos padrões de edição da época. Max leu-o, considerou a ideia genial, mas era
uma obra caótica e carecia de ajustes: um corte de 100.000 a 150.000 palavras e
a reestruturação da história. Ele as sugeriu a Tom que, mesmo não gostando da
ideia, concordou e trabalhou com o editor na nova formatação.
Marcia
Davenport descreveu:
“Tudo que Max faz visa o efeito integral do livro
(...) Ele acredita nos nossos personagens, que se tornam reais para ele (...)
Mas pode pegar algo caótico, nos dar um andaime para construirmos uma casa em
cima dele (...) Sua tarefa é grande, longa, cheia de agonia e confusão”. Berg
acrescentou: “Como tantos de seus autores, ela (Marta) descobriu ao voltar
ao trabalho que os comentários de Max eram eficazes de uma forma quase
subliminar; que ele tinha um jeito de atirar observações com delicadeza como se
atirasse seixos em um lago, criando anéis de significado que cresciam até tocar
a consciência do autor”(pg. 572).
Lançado em 1929, “Look Homeward, Angel” foi
estrondoso sucesso de crítica e público, e provavelmente pela ligação quase filial
de Wolfe com Perkins: para Max, o filho que não teve (tinha cinco filhas), para
Tom, o mentor e tutor único, a relação ia do céu ao inferno e vice-versa. A
ligação entre eles é o centro da biografia de Berg e ocupa a maior parte. É
possível ver o relacionamento ultrapassar o caráter profissional e tornar-se
pessoal, emocional, quase familiar, como já descrevi. Thomas participa da rotina
dos Perkins como se fosse um membro; e, ao mesmo tempo em que ganhava o carinho
da esposa e filhas do editor, também se metia em cenas deploráveis e cruéis, ao
ponto de causar certos “tremores” na relação.
Muitos críticos e executivos da própria Scribner’s
acentuavam os méritos de Perkins nos livros de Wolfe, o que certamente deixou o
autor enciumado e rancoroso. É comum, após as crises intempestivas, Tom se
desculpar e buscar os conselhos do “papai”. Max, apesar de não se envolver na
vida dos pupilos, que também eram seus amigos, especificamente Scott, Ernest e
Tom, servia como confidente e orientador. Tentava, sempre que possível,
auxiliá-los em qualquer situação ou problema. Era generoso, amigo, confiável,
leal e um pacificador, no sentido de nunca promover disputas e impor sua
vontade, apesar de, quase sempre, convencê-los. Se Fitzgerald era frágil e
maleável, Hemingway impetuoso e confiante, Wolfe ficava no meio do caminho,
entre a vaidade, a insegurança e o melindre.
Sobre isso, Berg escreveu:
“Na raiz de toda a raiva de Wolfe estava a crença
geral de que sem Perkins ele era impublicável – um escritor fracassado. O
próprio Wolfe dera fôlego a essa noção, tornando públicos fatos que Perkins
lutara para manter privados” (pg. 451).
Em carta, Max ponderou com Wolfe:
“A minha impressão, porém, é de que você pediu minha
ajuda, de que a deseja(...) E também tenho a impressão de que as mudanças não
lhe foram impostas (você não é muito propenso a aceitar imposições, Tom, nem
eu, muito dado a fazê-las), mas, sim, discutidas, muitas vezes por horas”(...)
Acredito que o escritor, de todo jeito, deva sempre ter a última palavra, e
minha intenção sempre foi essa. Sempre adotei tal postura e às vezes cheguei a
ver o prejuízo que isso teve sobre certos livros, mas, ao menos, em igual
medida, o quanto também foi útil. O livro pertence ao autor”(pg. 457).
Max lidava da melhor forma com temperamentos tão
distintos, sempre gentil e econômico. Não era dado a exibições, rechaçava
elogios, e escondia a timidez no silêncio; os livros eram o refúgio para
afastar-se do mundo das pessoas, ao menos as reais.
A exceção foi a relação platônica com Elizabeth Lemmon. Durante a maior parte de
sua vida, correspondeu-se com ela por meio de longas cartas, nas quais se abria
de uma maneira singular. Ela era a sua confidente, a pessoa em quem mais
confiava, e com quem, certamente, caso não tivesse casado com Louise Saunders,
se uniria. Não houve qualquer relacionamento lascivo entre eles. Havia, sim, um
envolvimento emocional, fraterno, que poderia se estender a outros aspectos,
caso Max não fosse completamente leal à família. Algo verdadeiramente difícil,
não impossível, nos dias atuais. Sobretudo, era um homem de caráter, princípios
e, mesmo não havendo qualquer referência a algum relacionamento com Deus (algo
que a esposa, nos anos derradeiros do casamento, aceitou, ao converter-se ao
catolicismo), Max tinha em seu temperamento e atitudes um espírito cristão.
A relação entre Maxwell e Beth foi dedicada, honrada
e sincera, mas nada a permitir “avanços” ou aventuras extraconjugais. O fato de
Louise se dar bem com a “rival”, de se confraternizarem nos raros momentos em
que a distância (os Perkins moravam em Connecticut, os Lemmon em Baltimore,
distante 460 km) e a vida profissional exaustiva e compulsiva de Max
permitiram.
Perkins mentoreou e obteve, para outros dos seus
pupilos, grande sucesso, como Edmundo Wilson, Alan Paton, Erskine Caldwell, John
P. Marquand, Marjorie Kinnan Rawlings, S.S. Van Dine, Ring Lardner, James Jones
(autor de “A um Passo da Eternidade” e “Além da Linha Vermelha”), Marguerite Young, e a lista cresce...
A coletânea de cartas, publicada em 1950, “Editor
to Author”, descreve como foram os relacionamentos entre o gênio e seus
gênios. Em especial, Perkins foi não somente o pai às filhas que amava
devotadamente, mas também aos outros que adotou, quase gerou, e, enquanto pôde,
protegeu, orientou e entregou-os ao mundo.
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Avaliação: (****)
Autor: A. Scott Berg
Editora: Instrínseca
Páginas: 544