Jorge F. Isah
Foi o primeiro
livro de Erik Larson que li. A impressão, no geral, foi boa, pois ele descreve
em detalhes os eventos históricos da "Grande Feira Mundial de
Chicago", em 1893, concomitantemente com os ataques do primeiro serial
killer americano, H. H. Holmes, na mesma Chicago e na mesma época.
Primeiramente, ressalto a profusão de
citações, a extensa bibliografia apontada, e fotografias que me pareceram
oriundas de um trabalho historiográfico dispendioso, acurado e rigoroso.
Em segundo lugar, a narrativa se assemelha
muito com os romances históricos, em voga nas últimas décadas. A diferença é
que a obra se mostra claramente histórica, mas escrita em uma linguagem
cativante, simples, íntima, onde as várias fases da feira (e da vida de seus
realizadores), de Holmes e suas vítimas, se intercalam, favorecendo a leitura,
tornando-a leve, didática, estimulante e mantendo um certo clima de suspense “noir”.
Podemos encontrar as lutas, desejos, frustrações, rivalidades, cooperações, traições
e tudo o mais que se pode ler em qualquer drama. Com isto, não estou dizendo
que Larson desejou escrever um romance, não o é, ainda que se assemelhe em
muitos pontos. Entretanto, ele se utilizou da linguagem "romancesca"
para trazer leveza e criar empatia com o leitor. Ponto para ele.
Ao traçar um
paralelo entre a Feira, Holmes e seus crimes, faz com que coisas diametralmente
díspares, como a criação de um evento suntuoso e monumental, de caráter e apelo
global, corram em paralelo à destruição provocada pelo “gênio” diabólico de
Holmes. Alguém pode dizer que, em algum aspecto, o serial killer também era um
criador, ao planejar e pôr em prática seus projetos bárbaros e atrozes. Bem,
não entendo assim, e reputo Holmes como um homem com algumas habilidades e
magnetismo pessoal, mas apenas os usando para a destruição, inclusive pessoal;
e se para destruir é necessário "criar" algo, essa criação não passa
de meios para a destruição, e não pode ser incluída no rol daqueles que
constroem a beleza do nada, como é o caso dos grandes arquitetos David Burnham
e F. L. Olmsted, entre outros, os gênios por trás da Feira de Chicago.
Se imaginarmos que a
Feira abriu espaço para as maiores inovações tecnológicas, muitas das quais se
tornariam imprescindíveis na sociedade moderna, como a eletricidade, tubos de
vácuo elétricos iluminados por correntes sem fio, o telautógrafo (uma espécie
de fac-símile primitivo), esteiras rolantes, o rádio e transmissões
por ondas elétricas, equipamentos sonoros elétricos, a roda-gigante (criada
para rivalizar com a Torre Eiffel, a principal atração da Feira de Paris, em
1889); e cientistas ilustres como Tesla, Edison, Bell, Gray; mais de 2 km
quadrados de área iluminada, com réplica monumental de pirâmides,
transatlânticos, colunas greco-romanas, tudo abarcado com o que de mais
inovador e futurista a tecnologia podia reunir e proporcionar à época, temos um
evento monumental e fascinante.
Os visitantes das mais
de 200 instalações se deslumbraram com a gigantesca, inusitada e profética
demonstração do que viria a acontecer nas próximas décadas, em termos
científicos, e a beleza incomum que os idealizadores da Feira ergueram e
revelaram ao mundo. Chicago foi, durante a Feira Mundial, a antevisão do futuro
naquele presente.
Portanto, não dá para dizer o mesmo de Holmes, um psicopata, frio, dissimulado e covarde (inspirador de outros tantos malignos homens). Holmes era a antítese de Burnham e seus colegas, e, certamente por isso, Larson colocou-os lado a lado na narrativa; uma amostra ou lembrança, ou melhor, um alerta de que se existe criatividade construtiva, existe o labor para o mal e a deficiência. Neste sentido, Holmes foi um "criador" incompleto, negativo, cruel, fraco. Sem forças e talento para produzir o bem, contentou-se em destruir; e, durante o seu julgamento, tentou se passar por vítima, utilizando-se do delírio intelectual (presente em muitos acadêmicos e cientistas modernos), a fim de suprimir a realidade, distorcendo-a, na vã tentativa de enganar, se possível, alguns quanto à sua verdadeira imagem: um homem maldito, cruel e insensível!
Larson poderia ter
reduzido em algumas dezenas de páginas a sua história, talvez não se entregando
tanto a detalhes técnicos mais, digamos, enfadonhos. Entendo, contudo, que lhe
pareceu necessário, a fim de poder aquilatar, um século depois, a grandiosidade
e dispêndio criativo, econômico e de esforço, na construção da Feira das
Feiras, a “World’s Columbian Exposition”, revelando a genialidade e
o empreendedorismo humano.
Quanto a Holmes,
aproveitando-se da ingenuidade e boa-fé das pessoas, utilizando-se do seu
carisma para torturar e assassinar gente comum, colocou-o no rol dos maiores
infames da humanidade e da história. De forma que, em meio ao brilho inventivo
da arquitetura, física, engenharia e tantos obstáculos ultrapassados pela
engenhosidade humana, temos a figura nefasta e torpe do primeiro serial killer
e sua odiosa, e não menos feia e aterradora, "criação", fazendo jus
ao título do livro.
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Avaliação:
(***)
Título: O
Demônio na Cidade Branca
Autor: Erik
Larson
Editora:
Intrínseca
Páginas: 448