05 outubro 2009

O CADÁVER QUE A CHUVA MOLHA
















Por Jorge Fernandes Isah

Muitos se perguntam se o Inferno existe. E dou-lhes certeza, existe! Por que a Bíblia diz. Não vou nem me ater a relacionar versículos. Eles estão em tão grande profusão por toda a Escritura que é desnecessário. Se alguém lhe falar que isso é “lenda”, “mentira”, “coação psicológica” ou “radicalismo teológico”, afaste-se dele, pois o objetivo é unicamente o de destruí-lo definitivamente, assim como ele mesmo se acha devastado.
Nos piores momentos de impiedade da minha vida, quando estava escravizado pelo pecado, eu acreditava tanto num tipo equivocado de amor divino, um amor engodado e subjugado, que não O considerava capaz de me condenar. Em minha loucura, achava que o Deus bondoso não poderia criar um lugar tão terrível como o descrito na Escritura, onde os pecadores fossem lançados e atormentados eternamente, "para o fogo que nunca se apaga, onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga" [Mc 9.43-44]. O meu coração estava tão corrompido pela autocompaixão, que o Seu amor era uma espécie de escudo protetor a me desobrigar de cumprir a Sua palavra, garantindo-me descumpri-la, e manter-me enredado no caminho pervertido. O objetivo era de que a minha iniqüidade prevalecesse sobre o amor de Deus; era como o calço que equilibraria a mesa defeituosa e manca; uma muleta capaz de fazer o coxo se arrastar sem que seja curado do seu mal. Era preciso que eu anulasse a Sua justiça e, por conseguinte, o sacrifício de Cristo na cruz do Calvário, com a idéia perversa de um amor contemplativo e inútil, suficiente para me manter num coma irreversível.
É interessante como tudo se processa:
1) O conhecimento de Deus e de Sua Lei Moral, inatos em minha alma, revelavam-me os pecados, ainda que não os assumissem como tal.
2) Para justificá-los, apelava para o amor complacente, tolerante e conveniente, o qual julgava divino, quando não passava de uma tentativa desesperada de ser aprovado por Ele, sem a necessidade de arredar o pé da antiga vida de pecados.
3) Então suprimia o Inferno e qualquer tipo de condenação; acreditando que mesmo o diabo seria absolvido em nome desse suposto amor divino. No fundo, não passava de uma tentativa frustrada de demovê-lO da sua convicção, de considerá-lO volúvel e maleável, facilmente moldado por todo o meu coração perverso e estúpido.
4) Por fim, como a Escritura é categórica em relação ao julgamento de Satanás [e também do réprobo], optei pela sua não existência; e as citações escriturísticas não passavam de apelos morais à minha consciência, no sentido de o mal ser condenado e combatido na sociedade, sem que o pecador o seja. Desta forma, as criaturas tornavam-se mais importantes do que o Criador, e o projeto de santidade de Deus era uma mera obsessão ortodoxa, um delírio teológico legalista [1].
5) A expiação do Senhor, o tema central e corrente de toda a Escritura, passou a ter também um apelo meramente moral, no sentido de se buscar, seja na bondade, no serviço, na consciência, na integração social, o bem que há em nós e que sempre vencerá o mal. Somente desse modo a humanidade evoluirá por seus próprios meios, à sua maneira, até finalmente alcançar a perfeição [2].
Assim, progressivamente, vai-se afastando da revelação especial, em detrimento de uma “revelação pessoal”, na qual o ímpio conforta-se com a idéia de que tudo será perdoado, ainda que não seja necessário arrependimento, ainda que seja preservada a sua velha natureza, e a dissolução servisse de prêmio à desobediência, à leviandade, ao ignóbil pensamento de que se é possível “passar a perna em Deus”.
O novo-nascimento operado pelo Espírito Santo, primeiramente, nos revela a nossa condição imoral e iníqua. Sem a constatação do que somos, o reconhecimento de que estamos verdadeiramente perdidos e mortos para Deus, não há arrependimento nem salvação. Duvido do crente que diz que sempre foi crente. Por menor que seja o processo de regeneração, por mais tênue que seja a diferença entre a sua vida pregressa e a nova vida, há de se arrepender. Mesmo crentes nascidos em berços cristãos, cujos pais, avós e bisavós eram crentes, terão de se deparar mais cedo ou mais tarde com os seus pecados, sendo confrontados pela Palavra e o mover do Espírito em suas vidas. Ainda que se tenha lido a Bíblia muitas vezes, ouvido dezenas de pregações, e até se concluiu o seminário, o Evangelho não passará de construções gramaticais aos seus olhos e ouvidos, nada além de palavras e frases sucedendo-se sem sentido, ou quando muito, confundindo-o.
Porém, quando Deus o confronta com o texto bíblico e o Espírito Santo lhe revela a sua condição de rebelde, mostrando o seu estado miserável diante da santidade e glória divinas, não há como resistir: somos inapelavelmente abatidos em nossa soberba, nossos olhos são abertos, nossa mente é conformada à mente de Cristo, os joelhos se dobram, a cerviz se curva, e a escravidão do pecado é-nos arrancada, reconhecemos Cristo como Senhor, e somos eternamente salvos pelo Seu perfeito amor.
Então, qualquer tentativa de se minimizar o novo-nascimento como a transposição radical do reino das trevas para o Reino da luz, deve ser combatida. Nada é mais diabólico do que rejeitar o novo-nascimento, porque sem ele, o homem apenas será mantido no estado de impiedade, sustentando a inimizade contra Deus, a sua condição de caído em Adão, e a perpetuar a sua natureza carnal, conservando-se morto.
Sem a regeneração, não há salvação. Não adianta saber todos os versículos de cor, nem ter uma vida de aparente piedade, nem estar a serviço da igreja, nem dizimar e ofertar, nem participar da ceia, nem mesmo pregar a palavra. Deus pode usá-lo de várias maneiras [e o usará quer você queira ou não] e você pode até mesmo estar convencido de sua salvação, mas a sua fé não é por Cristo, mas em seus méritos próprios. E ninguém será justificado por obras de justiça própria; porque a sua fé não está nEle, mas em si mesmo, em seu esforço, e no grande cristão que você aparenta ser; nada disso surtirá algum efeito, a não ser condená-lo; ainda que se considere bom o suficiente para receber a misericórdia divina, quando, se não for lavado no sangue do Cordeiro, não poderá chegar diante do Seu trono alegando qualquer outra justificativa. A única que satisfaz o Todo-Poderoso é ser expiado por Cristo, e ser absolvido dos pecados pelo Seu sacrifício remidor.
Você não passa de um tolo! Não é salvo. Nunca foi. E continua sob a ira de Deus.
Se não houver aquele dia, em que numa ínfima fração de tempo você se viu como realmente é, e foi movido irresistivelmente pelo Espírito Santo a ser como Cristo, você ainda está morto em seus delitos e pecados. De nada adiantará espernear, alegar inocência, porque a obra de salvação é completamente de Deus, e o homem não pode auxiliá-lO em nada. Tudo é dEle para o eleito, o qual foi destinado para a vida eterna apenas pela Sua vontade. Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado” [Rm 6.6].
O réprobo somente faz produzir provas contra si, infringindo a Lei Moral tantas vezes quanto a sua mente caída é capaz de se deleitar na malignalidade.
Por isso, muitos se recusam a crer no Inferno e na condenação; por que não foram regenerados, e se não foram, como acomodar os seus pecados à Palavra? Não tem jeito. É impossível. Então usarão de artifícios para desqualificá-la, distorcê-la ou recriá-la. Ao idealizarem o paraíso, contentam-se em permanecer atolados no pântano como se fosse possível fazer dele um jardim sem remover toda a lama. Querem que brote flores no terreno estéril. Querem exalar o doce perfume de Cristo, quando estão apodrecendo. Querem-se vivos, quando estão mortos. Querem respirar, quando estão asfixiados. É como o cérebro sem oxigênio.
Assim é o ímpio.
O cadáver que a chuva molha.
Nota: [1] Interessante que os liberais nos acusam de todo o tipo de distorção. Dizem que traçamos absolutos quando eles não existem. Dizem que levamos a Bíblia a uma literalidade doentia. Dizem que o propósito de Deus não é o de condenar ninguém. Dizem que a revelação especial foi construída por homens, e, portanto, está sujeita a falhas. Dizem que Deus deu apenas uma idéia geral do Seu plano, e que os homens acrescentaram e distorceram essa mensagem inicial. Dizem que a Bíblia não é divina, mas humana; e tem apenas bons exemplos morais, mas nada que leve a criatura à salvação ou condenação.
Eles proclamam uma cartilha de motivos para a sua impiedade, para manterem-se em conluio com o pecado, sem que haja qualquer prova concreta do que afirmam; nada além da mais simplória e débil especulação. Contrariamente, podemos afirmar que eles não passam de incrédulos, de crentes em uma fé distorcida e talhada à imagem dos seus deuses: eles mesmos e o diabo. E isso não é mera especulação. É o próprio Deus falando através da Bíblia, a revelação especial.

[2] A qual nada mais é do que a integração de todos os povos, raças e credos numa simbiose capaz de fazer com que a humanidade se unisse no projeto de construção do homem ideal. Isso significaria a união da luz com as trevas, do bem com o mal, do absoluto com o relativo, do fundamental com o dispensável, de Cristo com Belial, do santo com o profano, do incorruptível com o corrompido. Seria o mesmo que fundir água e óleo, e sabemos que eles não se confundem. 

28 setembro 2009

A GRAÇA ANULADA


















Por Jorge Fernandes Isah

Lê-se e ouve-se muito falar de graça (assim como fala-se pelos cotovelos de amor), mas qual a definição de graça? Seria a graça algo que pudesse servir a múltiplos propósitos, ou é a graça direcionada para apenas um objetivo, ao qual o bom Deus estabeleceu?

Nem vou me alongar quanto à questão da interpretação. Se o Espírito Santo não é suficiente para revelar ao crente mais afoito o significado do que está claramente exposto na Escritura, o que posso fazer além de orar por sua alma? Também não falarei da graça comum, a qual Deus derramou sobre justos e injustos [e da qual tenho sérias dúvidas quanto a terminologia correta, pois a considero mais no campo da providência do que da graça, mas essa é outra discussão]. O foco aqui é a graça salvadora, e a sua ação na vida do crente. Tentarei explicar porque muitos que se consideram sob a graça salvadora enganam-se, pois a ira de Deus permanece sobre eles.

Algumas definições:

1) Dicionário Priberam - graça - s. f. 1. Favor. 2. Perdão. 3. Benevolência. 4. Chiste. 5. Gracejo. 6. Dom sobrenatural, como meio de salvação ou satisfação.[1]

2) Dicionário Wyclife - graça – grego “Charis”, significa: 1. Aquilo que causava atração. 2. Consideração favorável sentida em relação a uma pessoa. 3. Um favor. 4. Gratidão. 5. Usada adverbialmente em frases como: “Por amor a alguma coisa”.[2]

3) Dicionário. Internacional de Teologia N.T. [Entre tantas definições da palavra Charis e Charisma, ficarei com a seguinte, a qual é o foco deste texto] – graça – 1. Dom não merecido, da parte de Deus, às suas criaturas.[3]

Graça é o favor imerecido que Deus concede aos eleitos, os quais estão mortos em seus delitos e pecados e são vivificados pelo Espírito; os quais são inimigos de Deus e se tornam seus amigos; os quais estão condenados e são absolvidos; os quais estão destituídos da Sua glória e passam a ser participantes dela; os quais mereciam perecer no fogo do Inferno e são perdoados, e viverão a eternidade no Céu. A graça é algo que recebemos sem merecer, fruto da misericórdia de Deus, a expressão do Seu amor pelos eleitos, que não nos dá o que merecemos: a morte definitiva.

Pelo sangue derramado do Seu Filho Jesus Cristo, os eleitos são resgatados da condenação do pecado, regenerados pelo poder do Espírito Santo, feitos membros do Corpo de Cristo, salvos e restituídos à comunhão com Deus. Quando não havia esperança, Deus providenciou a esperança. Quando não havia saída, Deus providenciou a saída. Quando estávamos cegos, Deus abriu-nos os olhos. Quando surdos, fez-nos ouvir. Quando havia apenas uma disposição no nosso coração, o pecado, Ele nos santificou, tornando-nos mais alvos do que neve. Quando estávamos em guerra, Ele nos deu a paz. Tudo isso realizado por Cristo na cruz do Calvário, quando pelo Seu sangue, fomos lavados e remidos, transformados de criaturas caídas em filhos adotivos de Deus. Co-herdeiros do Reino de Cristo, da herança incorruptível: a vida eterna.

Vale dizer que todos os nossos pecados, passados, presentes e futuros, foram infalivelmente perdoados; e de que nada, absolutamente nada, nem mesmo a minha vontade, poderá retirar-me da condição de salvo, fazer-me perder o que Cristo me deu e pagou com alto preço. O padrão divino de graça é tão alto e eficaz, que a despeito de tudo o que o homem pode fazer em sua rebeldia, o eleito estará segura e eternamente salvo.

Porém, quer dizer que o eleito poderá fazer o que bem quiser, ou seja, cometer quantos pecados quiser, por já estar salvo? Paulo diz: “Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça abunde? De modo nenhum. Nós, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?” (Rm 6.1-2).

Esse tipo de pensamento é uma afronta a Deus, é uma blasfêmia, a prova de que essa pessoa nunca experimentou a salvação, a regeneração espiritual, não possui a mente de Cristo, e está morto em suas ofensas. Porque “sabemos isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado” (Rm 6.6).

O novo homem foi crucificado com Cristo, para que não viva pela carne, nem dê vazão às suas paixões e concupiscências (Gl 5.24). O novo homem está em Cristo, e Cristo nele, para que dê muitos frutos, para sermos o louvor da Sua glória (Jo 15.5, Ef 1.12). O novo homem está firme na liberdade com que Cristo libertou, não estando debaixo do jugo do pecado, sendo agora servo da justiça (Gl 5.1, Rm 6.18). O novo homem foi criado para as boas obras, “as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.10). O novo homem não se utiliza do fato de estar debaixo da graça e não da lei para pecar (Rm 6.15). O novo homem aprende e é ensinado pela verdade em Jesus (Ef 4.20-21). O novo homem não se corrompe mais pelas concupiscências do engano (Ef.4.22). O novo homem já está despido do velho homem com os seus efeitos, e já está vestido do novo, “que se renova pelo conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3.10-11), e segundo Deus, é criado em justiça e santidade (Ef 4.24).

O eleito tem então, pela graça, as seguintes provisões: 1. A justificação (Rm 3.24). 2. A capacitação (Cl 1.29). 3. Uma nova posição (1Pe 2.5,9). 4. Uma herança (Ef 1.3, 14).

Pelo que já foi dito, está mais do que evidente que a salvação é pela graça (Ef. 2.8-9), não há a menor possibilidade de alguém ser salvo por suas próprias obras, pois a salvação, como plano elaborado e executado, tem apenas um arquiteto e construtor, o próprio Deus. O qual operou a salvação nos eleitos de duas formas: 1. Através da expiação de Cristo na cruz. 2. E pela graça irresistível, Deus regenera o pecador, levando-o inevitavelmente a Cristo, a fim de que se arrependa e seja salvo. Como se vê, a graça divina é invencível, e nunca deixará de produzir os efeitos a que foi destinada: a salvação dos eleitos; libertando-os de sua vontade natural iníqua, e moldando-os eficazmente para serem conforme a imagem de Jesus Cristo (Rm 8.29).

Outro benefício produzido pela graça na vida do crente é a santificação. E o que é santidade? Ela é designada no hebraico pela palavra qadosh e qodesh, e no grego por hagios e hagiosyne, que significam cortar, separar; revelando-nos a posição ou relação existente entre Deus e suas criaturas. A idéia da distinção que há entre o comum, o profano e o impuro da criação, com o que é puro e perfeito, a natureza divina. A santidade é o próprio Deus, é o que o caracteriza, e ela inclui todos os seus outros atributos, os quais são coordenados e aplicados por ela, fazendo com que tudo aquilo que O revela seja santo (a graça, o amor, a justiça, a ira, etc). Logo, Deus sendo santo está isento do pecado, e a santidade assume o caráter de nos separar do pecado e nos conformar ao Seu padrão moral.

Assim, a exortação bíblica é para que o eleito seja santo como Deus é santo (Lv 20.26, 1Pe 1.16). Porém, qual o critério de santidade? A santidade de Deus é revelada na lei moral cravada no coração do homem, e pela revelação especial, a Escritura. Especialmente, ela se revela na lei dada a Israel. Como aio, a Lei Moral nos revelou o pecado e a necessidade de arrependimento, para que sejamos novamente reatados à comunhão com Deus, pela fé em Cristo.

São duas ações que levará o eleito à santidade: 1. Na conversão, ele é santificado de maneira posicional em relação a Deus, ou seja, recebemos a santidade de Cristo que nos é imputada, como uma virtude que passamos a ter exclusivamente pela graça salvadora. 2. A obediência aos Seus mandamentos, como a prova do nosso amor pela graça recebida e repousada sobre nós.

O eleito desde sempre é santo por Cristo. Mas o eleito se santifica progressivamente, como fruto da boa obra de Deus iniciada e aperfeiçoada em sua vida (Fp 1.6), no tempo. Nem a santificação posicional, nem a santificação pela obediência podem ser indissociadas. Uma não subsiste sem a outra, e ainda que a segunda necessite da primeira, elas estão entranhadas da mesma forma que irmãos siameses não podem viver separados (como uma idéia geral, não particular). Uma é conseqüência da outra, e ambas são causas de si mesmas. O que não quer dizer que são autoexistentes, mas subsistem pela vontade direta e perfeita de Deus; provém dEle, para que aprovemos as coisas excelentes, para que sejamos sinceros, e sem escândalo algum até ao dia de Cristo (Fp 1.10).

Ele nos elegeu em Cristo antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos irrepreensíveis diante dEle (Ef. 1.4); e a santidade do crente repousa nessa posição, e em sua entrega progressiva, minuto a minuto, à vontade divina e à disposição de andar nos Seus santos caminhos. O fato de ainda permanecermos com a natureza caída, não nos exime do dever de obedecer aos princípios morais bíblicos, nem de trilhá-los, muito menos de ignorá-los em favor dos nossos deleites e paixões carnais. Ainda que a perfeição dependa da remoção final da natureza ímpia, o cristão deve seguir em frente, rumo à perfeição, como imitador de Cristo, o qual é perfeito e santo.

Para isso, é fundamental o estudo da Palavra, através da qual conheceremos Deus e Sua santidade, conheceremos a Sua vontade santa, tomaremos contato com Sua Lei santa, aprenderemos a viver em santidade, a desejá-la e buscá-la, para que através de nossas vidas Deus seja glorificado, e pela ação do Espírito Santo, sejamos santificados.

Infelizmente, o que se tem visto é a banalização da graça. Muitos, utilizando-se indevidamente da palavra, têm se entregado a todo o tipo de pecado; têm se regozijado em sua carne; têm rejeitado a verdade, e vivido intensamente a mentira, sem nenhum sinal de arrependimento, sem nenhuma mudança de vida; fazem-se pior do que a porca lavada na imundície da lama (1Pe 2.22). Negam Cristo e sua eficácia, trazendo sobre si mesmos a condenação. Eles propagam a vergonha herética do antinominialismo, de que o cristão não precisa se submeter ao padrão moral previsto na lei mosaica, bastando a fé, pois a graça se encarrega de deixar “livre” o caminho para o pecado sistêmico. E isso tem outro nome, chama-se depravação autônoma e deliberada de se rebelar contra Deus. Ele ouve a palavra, mas a despreza. Acomodando-a e distorcendo-a em seu arcabouço de iniqüidade. “Porque, se alguém é ouvinte da palavra, e não cumpridor, é semelhante ao homem que contempla ao espelho o seu rosto natural; porque se contempla a si mesmo, e vai-se, e logo se esquece de como era” (Tg 1.23-24). Ou ainda é como “aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; e desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda” (Mt 7.26-27).

Ele é o tolo que acha possível enganar Deus. Em seu erro, acredita que Deus se deixará escarnecer, e de que não colherá aquilo que plantou. Na mais profunda ignorância, esforça-se em semear diligentemente na sua carne, na ilusão de não ceifar a corrupção, e ganhar a vida eterna.

O pensamento dele é façamos males, para que venham bens; porque não estamos debaixo da lei, mas da graça, por isso, pequemos. Ao que Paulo respondeu: “A condenação desses é justa” (Rm 3.8).

E assim, pela desobediência, o mal não é restringido neles, não têm os seus pecados revelados, não agradam a Deus, pelo contrário, ofendem-nO, apascentando a si mesmos sem temor (Jd 12); e como meninos levados em roda por toda a sorte de enganos dos homens (Ef 4.14), são incapazes de discernir tanto o bem como o mal (Hb 5.14), negando o Senhor e “trazendo sobre si mesmos repentina perdição” (2Pe 2.1), prometendo liberdade, acabam sendo escravos da corrupção, “porque de quem alguém é vencido, do tal faz-se também servo” (2Pe 2.19), “para os quais a escuridão das trevas eternamente se reserva” (2Pe 2.17).

Com isso, o objetivo deles é o de disseminar na igreja a dissensão e a rejeição à lei de Deus, invadindo a igreja com a fragilidade do pecado, debilitando-a, levando-a ao caminho inverso da santidade: a pecaminosidade. O exemplo máximo do que esse tipo de pensamento pode fazer, e onde chegar, é o estabelecido pela igreja emergente. Eles são sutis em suas mensagens, especialmente por rejeitarem o Evangelho da Cruz, ao qual Paulo disse estar crucificado para o mundo, e o mundo para ele, e do qual ele se gloria (Gl 6.14).

Outras sutilezas são impregnadas paulatinamente nessa doutrina, como a não inspiração e inerrância da Escritura. E assim, pouco a pouco, desviam-se cada vez mais da verdade, uma espécie de desconstrução bíblica, em que a mente pós-moderna e caída se prende a um tipo de tortura mental, em que a dúvida e a incerteza são as plataformas de sua doutrina falida e diabólica, na qual a sua confiança está na carne ao invés de depositada no Senhor (Fp 3.3). Daí, para se afastar definitivamente do padrão bíblico de santidade, e se entregar ao padrão mundano da imoralidade, é um pulo. Começa-se a defender o adultério, o divórcio, a homossexualidade, a masturbação, o aborto, o paganismo ecumênico, e todo tipo de degradação existente, onde o homem ocupa todo o seu coração com a própria desordem, e não há lugar para Cristo. Ao contrário de Paulo, não se quer perder todas as coisas, e considerá-las esterco, para ganhar a Cristo (Fp 3.8).

O que se tem é o evangelho diluído, moderno e cativante, de um estilo elegante e hábil, propositalmente despojado, chegando mesmo a ser fascinante, contudo, ineficaz para a salvação, terrivelmente letal, através do qual é anulada qualquer possibilidade de esperança.

Por que assim como os fariseus esperavam a justificação pela Lei, aqueles que não a usam legitimamente, rejeitando-a, serão julgados pela Lei. Ao não entenderem o que dizem nem o que afirmam dizer, colocaram-se debaixo da Lei. Para eles, não há graça, porque as suas palavras os roerão como gangrena.

“Mas o Senhor conhece os que são seus” (2Tm 2.19).

Nota: [1] Priberam - disponível AQUI
[2] Dicionário Bíblico Wycliffe - Ed. CPAD
[3] Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento - Ed. VIDA NOVA

21 setembro 2009

Jovem Rico: Condenado? [Comentário Marcos 10.17-27]














Por Jorge Fernandes Isah
 
Por causa do texto Velhos e Novos Fariseus entrei novamente no debate sobre o amor divino, se ele é extensivo a toda humanidade ou somente aos eleitos. Os argumentos podem ser lidos nos comentários ao post, inclusive a discussão se Deus tem sentimento e emoção, ou não.
O irmão que levantou a questão de Deus amar a todos citou o trecho de Marcos 10.17-31, reivindicando-o como prova de que Deus ama até mesmo os réprobos. No que, não concordei; e expus parcialmente minhas conclusões à luz do texto.
Como ainda não havia lido nada parecido com a minha interpretação (a qual nem mesmo eu tinha pensado anteriormente, ainda que lesse o trecho por várias vezes), decidi fazer um estudo, e aprofundar-me nela. Especialmente na única parte que não está presente em Mateus 19.16-30 e Lucas 18.18-30 (textos correlatos), o qual é:
“E Jesus, olhando para ele, o amou” (Mc 10.21). 
A questão é: Jesus amou o jovem rico e, mesmo amando-o, condenou-o ao inferno? O centro da questão é a expressão “o amou”, aoristo derivado do verbo grego agapao[1], empregado para designar o amor de Deus para com o homem.
O versículo completo é: “E Jesus, olhando para ele, o amou e lhe disse: Falta-te uma coisa: vai, vende tudo quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, toma a cruz, e segue-me” (v.21).
De uma forma geral, e eu mesmo sempre pensei assim, é dado como certa a condenação do jovem, como alguém que não alcançou o Céu. Mas, baseado em quê podemos afirmar tal coisa? Existe alguma passagem que evidencie claramente a não conversão daquele jovem?
Vejamos algumas declarações na passagem:
1- O jovem demonstrou-se humilde e reverente ao correr até Jesus e ajoelhar-se diante dele, chamando-O "Bom Mestre” (v.17).
2- O jovem quer saber como herdar a vida eterna (v.17).
3- Cristo assevera que apenas um é bom, Deus (v.18). E pergunta-lhe se sabe os mandamentos, citando alguns deles (v.19).
4- O jovem respondeu:"Mestre, tudo isso guardei desde a minha mocidade” (v.20).
5- Após o Senhor dizer que lhe faltava vender tudo, dar aos pobres, tomar a sua cruz e segui-lO; ele, “pesaroso desta palavra, retirou-se triste; porque possuía muitas propriedades” (v.22).
A partir desse relato, sabemos que o jovem rico partiu, e nada mais sabemos dele. Então, por que a maioria dos comentaristas e pastores decidiu-se pela sua condenação irremediável?
Muitos se apegam ao que o Senhor disse aos seus discípulos: “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!... Quão difícil é, para os que confiam nas riquezas, entrar no reino de Deus! É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus”(v. 23-25).
Recapitulando:
1- Cristo o amou, pediu-lhe para dispor os seus bens, e então, segui-lO.
2- O jovem, pesaroso, afasta-se.
3- O Senhor proclama que é muito difícil um rico entrar no reino de Deus.
Onde está escrito que esse jovem não foi salvo? Onde se encontra a garantia de que ele não foi regenerado? E de que não herdou o reino de Deus? A inferência que a maioria faz é de que, como é difícil ao rico herdar o Reino, e aquele jovem teve a sua chance e não a aproveitou, ele foi condenado. A conclusão vai muito além do texto bíblico; na verdade, ela impõe-se ao texto bíblico. Não seria o caso do texto revelar a impossibilidade de alguém obter a salvação por mérito próprio, de, sem a regeneração e o convencimento dado pelo Espírito Santo, alcançar a salvação?
Seria por demais imperioso sustentar a sua perdição. O que está visível e claro é que o jovem, por si só, por suas forças e méritos, não conseguiria a salvação, evidenciando-se que ninguém, por justiça própria (ainda que seja uma mera alegação como a do jovem), pode requerê-la ou obtê-la de Deus.
Alguns pressupostos escriturísticos:
1- Cristo amou a Igreja (Jo 15.9; Rm 8.37; Ef 2.4, 5.2; 1Jo 4.10; Ap 1.5).
2- Cristo morreu pela Igreja, e expiou-a (At 20.28; Ef. 5.25;1Ts 5.10).
3- Cristo não ama os réprobos, pois sobre eles a Sua ira permanece (Jo 3.36; Rm 1.18, 2.5, 9.22; Ef 2.3, 5.6; Cl 3.6;1Ts 2.16).
4- Cristo ama os eleitos, porque sobre eles não derramará a Sua ira (Rm 5.9, 9.23; 1Ts 1.10, 5.9).
Voltando à pergunta inicial, não parece ilógico que Cristo amou o jovem rico, mas ainda assim o condenou? Se Deus é imutável, como pode amar e odiar ao mesmo tempo? Alguém pode alegar: Mas Cristo tem a natureza humana. Sim, é verdade. Contudo, Ele jamais pecou (Hb 4.15, 7.26, 9.14; 1Pe 1.19) e, como Deus, é imutável, porque “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente” (Hb 13.8).
Logo, temos aqui um conflito. Ou Cristo amou aquele jovem, e se o amou, assim como ama apenas e tão somente a Igreja, ele foi salvo. Se Cristo condenou-o, não o amou. Mas o texto diz que Ele o amou, então não há por que duvidar que o jovem fosse alvo da graça divina, que o salvou.
Porém, é possível confirmar isso?
Lê-se: “E eles se admiravam ainda mais, dizendo entre si: Quem poderá, pois, salvar-se?” (v.26).
Diante do que o Senhor disse, os apóstolos, como bons mortais, olharam para si mesmos e não viram a menor chance de salvação. Se aquele jovem dizia seguir os mandamentos, parecia sincero em seu desejo de salvar-se, e havia procurado Cristo com esse objetivo, ao não abrir mão de suas posses, refugou; quais seriam então as suas chances? A pergunta demonstrava o estado de espírito deles: não tinham a menor capacidade de salvarem-se por seus esforços.
Aquele rapaz serviu como o modelo de fracasso humano em se obter êxito próprio diante de Deus. A natureza ímpia em nada ajuda. As boas intenções são infrutíferas. A justiça própria é como trapo imundo. Por maior que seja a vontade, o empenho, a disposição de agradar a Deus, decididamente, restar-nos-á a desgraça. Por que, apenas pela Sua graça, a qual proporcionou a remissão dos pecados pelo sacrifício de Cristo na cruz do Calvário, aos eleitos é possível a salvação. Não há outra maneira. Deus decidiu-se por um único caminho, Jesus Cristo, “E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos" (At 4.12). Mas parece que os discípulos ainda não tinham noção do caráter redentor do Senhor entre nós.
Há de se entender também que diante das promessas do AT da abundância de coisas temporais, e da tradição dos mestres judeus em afirmar que os homens ricos eram os escolhidos por Deus, a resposta de Jesus caiu-lhes como uma ducha de água fria. Se o rico não podia entrar, quanto mais os pobres. Porém, ao meu ver, a questão principal não é se ricos ou pobres são mais aceitáveis diante de Deus, mas a completa impossibilidade de tanto ricos como pobres de salvarem-se a si mesmos. Cristo quer que os discípulos concluam que é impossível ao homem, por seus meios exclusivos, escapar da condenação eterna. É o que lhes respondeu:
“Para os homens é impossível, mas não para Deus, porque para Deus todas as coisas são possíveis” (v. 27).
A salvação portanto é um dom de Deus, “para louvor da glória de sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado, em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça” (Ef 1.6-7); “porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou” (Rm 8.29.30).
Assim sendo, da mesma forma que muitos inferem que o jovem foi condenado, de minha parte deduzo que Cristo respondeu não somente aos seus discípulos, mas a todos nós, declarando que também aquele jovem, ao qual o Senhor amou, podia ser alvo da graça divina, e salvo finalmente.
O amor de Deus está diretamente ligado àqueles que foram comprados pela morte do Seu Filho Amado. Se um reprovado não foi comprado por Cristo, não há amor. Por que todos fomos feitos um em Cristo, todos somos participantes do Corpo de Cristo, todos fomos eleitos em Cristo, todos seremos semelhantes a Cristo, viveremos e reinaremos eternamente por Cristo. O condenado não participará de nenhuma dessas situações, logo, não pode ser o alvo do amor de Deus, por que ele não está em Cristo, nem Cristo nele.
Concluindo, Cristo amou os eleitos, e não levou sobre Si os pecados de todos, mas de muitos (Hb 9.28); não deu a Sua vida e morreu por todos, mas por muitos (Mt 20.28, 26.28; Jo 11.51-52); não amou a todos, mas a muitos (2Ts 2.15-16); e não rogou pelo mundo, nem por todos, “mas por aqueles que me deste, porque são teus” (Jo 17.9), referindo-se às ovelhas que o Pai eternamente depositou em Suas mãos, a fim de serem infalivelmente resgatadas da condenação eterna.
Cristo amou o jovem rico.
Por que duvidar da sua salvação?

Nota: [1] Agape e Agapao se empregam em quase todos os demais casos no NT para falar do relacionamento entre Deus e o homem - e isto não de modo inesperado, tendo em vista o uso no AT. No caso do subs. agape, porém, não há uso negativo correspondente no NT. é sempre no sentido de he agape tou theou, "o amor de Deus", ou no gen. subsjetivo (i.é, o amor dos homens por Deus), ou com referência ao amor divino por outras pessoas, que a presença de Deus evoca. Desta forma, agape fica bem perto de conceitos tais como pistis -> justiça e charis -> graça, todos os quais têm um ponto único de origem, em Deus somente (Dic. Internacional de Teologia do NT, pg 117 - Editora Vida Nova).

15 setembro 2009

TEMPOS TRABALHOSOS
















Por Jorge Fernandes Isah

Na igreja, convivemos com os fariseus (leia aqui). Agora, veremos um outro grupo, daqueles que têm o nítido interesse em corromper a fé cristã, os apóstatas. Há muitos trechos na Escritura que os descrevem, mas, especialmente, analisaremos 2Tm 3.1-7.

Paulo inicia falando dos tempos trabalhosos que sobreviriam nos últimos dias (v.1). Essa é uma nítida evidência de que estamos diante de uma profecia. Muitos alegarão que ele está a predizer um futuro distante, o que é verdade. Mas, especificamente, ele escreveu a Timóteo, o seu “verdadeiro filho na fé” (1Tm 2), ou simplesmente “meu amado filho” (2Tm 1.2); com o objetivo de instruí-lo e exortá-lo a permanecer na “fé não fingida que em ti há” (2Tm 1.5). Portanto, Timóteo estava sendo alertado quanto aos filhos de satanás que se infiltrariam na Igreja a fim de perverter o Evangelho, causando estragos à fé. Como dupla profecia, ela serviu de alerta para Timóteo e os irmãos da Igreja Primitiva, quanto para todos os crentes em todos os tempos. Logo, é um aviso para nós também, o qual não pode ser negligenciado nem desprezado.

Os tempos difíceis referem-se não ao ataque externo, daqueles que odeiam a fé cristã, e estão dispostos a persegui-la, destruí-la se possível; mas ao ataque sutil, malévolo, engenhoso, daqueles que se dizem crentes, têm um comportamento parecido com o de um crente, muitos se comprometem com a Igreja, até mesmo professam algumas verdades, mas, em seu íntimo, têm a mesma aversão e ódio que os de fora, e o intuito é o de igualmente destruir a fé cristã.

São traidores, ardilosos; lançam discórdias, plantam dúvidas, suspeitam de quase tudo, espalham uma crença vacilante com o propósito de implantar na Igreja a perplexidade, a ambigüidade; fazer a fé cristã parecer menos a revelação divina e mais um amontoado de pontos indistintos; claramente dispostos a engendrar a confusão, o ceticismo, a rejeição à Palavra. Ao dar ouvidos a espíritos enganadores e a doutrina de demônios, têm a consciência cauterizada, e se entregam a proclamar a mentira (1Tm 4.1).

Eles trabalham como se fossem “missionários” satânicos, a espalhar o antievangelho, convocando nas fileiras de bancos das igrejas uma nova tropa de apóstatas que se unirão a eles e batalharão pela guerra perdida do seu general, contudo, sem deixar de fazer sérios e grandes estragos.

É interessante como esse processo se dá:

1- A pessoa ouve a mensagem do Evangelho.

2- Ela entende e compreende a mensagem. Do ponto de vista intelectual ela é capaz de estabelecer os vários pontos da doutrina cristã de forma correta.

3- Ela professa aceitá-la. Muitos dão testemunhos da sua fé, são batizados, participam da Ceia, e têm cargos de liderança na igreja. Ganham a confiança e o respeito quando, na verdade, são desrespeitosos e desconfiam de tudo e de todos.

4- Por fim, depois de algum tempo, rejeitam o Evangelho.

O estado final deles é o qual Pedro relatou em sua segunda epístola. Prometem liberdade quando são servos da corrupção. E após terem escapado da depravação do mundo, pelo conhecimento do Senhor Jesus, envolvem-se novamente nela, “e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do que o primeiro. Porque melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado; deste modo sobreveio-lhes o que por um verdadeiro provérbio se diz: o cão voltou ao seu próprio vômito, e a porca lavada ao espojadouro de lama” (2Pe 2.20-22) [1].

Eles fingem-se cristãos para solapar o cristianismo; o que os torna ainda mais reprováveis, deploráveis, repugnantes, pois dizem amar o que odeiam, e estão dispostos a tudo para sabotar a verdade, subvertendo-a; utilizando-se da própria terminologia bíblica para adaptá-la à mentira, e assim, inventar outro evangelho, redefinindo as doutrinas cristãs segundo os seus padrões de malignidade, corroborado pelo silêncio tolerante da igreja em nome do falso amor.

No fundo, são o que Judas sintetizou: “Se introduziram alguns, que já antes estavam escritos para este mesmo juízo, homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus, e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo” (v. 4).

Mas, por que não são notados? E se são, por que a igreja permite-se ser envenenada?

1- Porque a maioria não conhece ou não se interessa em conhecer o Evangelho. Como antibereanos, deixam-se levar por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente” (Ef 4.14).

2- Porque a igreja amou mais dar satisfação ao mundo do que a Palavra e a si mesma. Amou mais as trevas do que a luz (Jo 3.19).

3- Porque a igreja não está disposta à autocorreção. Estão tão inchados em sua vaidade, ou são tão covardes em reconhecê-la, que não se dispõem a disciplina bíblica. Com isso os rebeldes estarão livres para lançar as sementes da dissolução, adubá-las, regá-las, e colher os frutos para satanás. Antes, já é tempo do julgamento começar pela casa de Deus (1Pe 4.17).

4- Porque a igreja desistiu de batalhar pela fé que uma vez dada aos santos (Jd 3); e decidiu não resistir mais, ao banquetear-se com o inimigo, recebendo o galardão da injustiça (2Pe 2.13), e apascentando-se a si mesma sem temor (Jd 12).

Dizem “paz, paz, quando não há paz” (Jr 8.11).

Desfraldamos a bandeira branca ao inimigo, convidamo-lo para celebrar o armistício; chegamos mesmo a deixar que governe a nossa casa; entregamos nossas armas; deixamos que desfrute dos nossos tesouros para, como bem-treinado terrorista e espião, atacar sutilmente e deteriorar a verdade, introduzindo fraudulentamente os desvios, os subornos que induzirão ao motim dentro da igreja.

“Tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela... que aprendem sempre, e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade”(2Tm 3.5, 7).

Eles simulam piedade quando, na verdade, negam-na completamente na vida prática, pois não têm o menor desejo ou intenção de se afastarem dos seus pecados. Por mais que seja revelada a verdade, por mais que a vejam, ouçam, ela lhes será inexpugnável, seus ouvidos continuarão surdos, seus olhos cegos, suas mentes obliteradas, seus corações duros como pedras. “Como está escrito: Deus lhes deu espírito de profundo sono, olhos para não verem, e ouvidos para não ouvirem... a fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no coração. E se convertam. E eu os cure” (Rm 11.8; Jo 12.40).

Hoje, para escândalo do Evangelho, muitos ditos “irmãos” sequer se preocupam em manter as aparências. Eles não agem sutilmente, nem dissimuladamente. São explícitos e diretos em sua pecaminosidade. Fazem questão de mostrá-la em alto e bom som para que todos vejam o quanto a sua alma é degradada; e batem no peito, garantindo que não mudarão, que terão de ser “engolidos” assim como são. Demonstram claramente a que vieram, e porque estão ali: a arrogância e o desprezo a Deus. São verdadeiros “caras-de-pau”, mas ao menos conhecemo-los o suficiente, pois não deixam nenhuma dúvida quanto aos seus caracteres ímpios. “Destes afastas-te” (2Tm 3.5). Mas, e quanto aos educados, tolerantes, encantadores, agradáveis, e revestidos de uma áurea inocente, com suas frases cheias de citações bíblicas, aparentando-se espirituais? Não são os mais difíceis de serem detectados? Aparentemente, sim. Contudo, Paulo os descreve precisamente: “estes resistem à verdade, sendo homens corruptos de entendimento e réprobos quanto à fé” (2Tm 3.8).

Quanto mais nos afastarmos da Bíblia, como a revelação divinamente inspirada de Deus; quanto mais nos envolvermos com os conceitos anticristãos; quanto mais dermos ouvidos às sandices do mundo, tendo a necessidade de nos justificar perante ele e de mantermos uma “aliança” perigosamente mortal; enquanto considerarmos que o homem do presente século é muito diferente do homem de dois mil anos atrás; enquanto nos enganarmos com as promessas de que os tempos são outros, e de que a verdade pode ser relativizada e contextualizada ao ponto de não se crer na infalível palavra de Deus; enquanto não resistirmos a todas as tendências imorais, antiéticas e voltadas unicamente para os deleites do homem, como o objetivo premente, à revelia dos princípios bíblicos; enquanto a fé for subjetiva em detrimento da objetividade do Evangelho; enquanto estivermos mais preocupados com as aparências do que com os fundamentos; enquanto estivermos adormecidos, e os agentes do mal labutando; enquanto... Seremos facilmente enganados até ao ponto em que não reconheceremos mais a verdade, e seduzidos pelo engano, teremos a mentira por fé.

Portanto, a Escritura, e somente ela, é a única capaz de revelar o inimigo, suas táticas, e a maneira segura de pô-lo em retirada.

Somente assim não seremos confundido, “porque tudo o que dantes foi escrito, para o nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação da Escrituras tenhamos esperança” (Rm 15.4).

Não se deve desprezar o inimigo, mas deve-se saber que, por Cristo, ele já foi e está vencido (Cl 2.15).

Os tempos são difíceis, porém, gloriosos.

Os tempos são trabalhosos, então, mãos-à-obra; porque "grande é, em verdade, a seara, mas os obreiros são poucos" (Lc 10.2).

Nota: [1] Sem entrar na questão da Perseverança dos Santos, Pedro não está dizendo que o crente, aquele que foi regenerado pelo Espírito Santo e salvo eternamente por Cristo, possa apostatar da fé. O texto analisa aqueles que ouviram a mensagem do Evangelho, professaram a fé cristã, mas, em algum momento, consideraram haver alguma injustiça no caminho da justiça e alguma mentira no caminho da verdade. Desta forma, estão a provocar Deus, e se voltam como cães adestrados pelo diabo a lamber o próprio vômito, ou seja, a volta à vida pecaminosa e da qual, por algum tempo, se afastaram. Assim, estarão aptos a receber o galardão da injustiça ao deleitarem-se em seus enganos.
Os eleitos, pelos quais Cristo morreu na cruz do Calvário, jamais apostatarão. Podem até envolverem-se em alguns erros doutrinários (erros periféricos, diria), mas a fé dada uma vez aos santos permanecerá firmada em seus corações como dádiva de Deus, e da qual nunca nos separará.