26 fevereiro 2020

O Filósofo e a Teologia - Étienne Gilson










Jorge F. Isah



O livro escrito por Étienne é uma delícia de se ler, mesmo para um não iniciado em filosofia como eu. É quase uma confissão, por isso, a obra tem um caráter autobiográfico, de depoimento, de esclarecimento, de explicação.

É daqueles livros difícil de se largar. Dá até vontade de abandonar os outros afazeres até terminá-lo. Não somente pela fluência narrativa, mas porque tem de ares de confessionalidade, íntimo e generoso compartilhar experiências, emoções e descobertas. 

Deixemos, portanto, que o autor esclareça o significado da sua obra: "O assunto próprio do livro é a aventura de um jovem francês que, educado na religião católica, deve toda sua educação à Igreja e toda sua formação filosófica à Universidade" (pg 13).

Desta forma, tem-se o desenrolar, segundo o autor, do fio que o conduziu à filosofia e a se tornar filósofo, por meio da teologia. Como testifica, ele próprio, ao afirmar que uma vez cristão, todos os outros campos científicos têm de se curvar à fé cristã: "Ela é teologia, uma vez que se fundamenta em nossa fé naquilo que Deus pessoalmente nos diz acerca de sua natureza, de nossos deveres em relação a ele e de nosso futuro. Se a filosofia deve intervir, ela só falará quando chegar a sua vez, mais tarde, e como jamais, em nenhum caso, ela terá o poder de nada acrescentar aos artigos de fé, nem de retirar qualquer elemento que seja, pode-se dizer que, na ordem do conhecimento para nossa salvação, a filosofia virá não somente mais tarde, mas muito tarde" (Pg 19).

O que se pode ser acrescentado? 

Capítulo interessantíssimo é o que trata da "Desordem" (cap III). 

Entre outras coisas ele analisa o kantianismo e sua tentativa de anular o tomismo, e a flagrante derrota daquele. 

Étienne se declara claramente escolástico; e faz uma defesa de Tomás de Aquino diante da impossibilidade de compreensão por alguns de seus detratores. 

Mas o que mais me chamou a atenção foi uma crítica de certo padre a Tomás de Aquino, acusando-o de afirmar que "Deus é desconhecido", e mais, de que ele disse ser Deus "um sei lá o que:'Deus est ignotum'"

Naquele instante, veio-me à mente a pessoa de Cristo, e pude perceber o quanto é ridícula tal afirmação. Não me importa se está metafisicamente correta, se está epistemologicamente correta, ou em algum ponto do conhecimento humano pode estar correta. O certo é que, biblicamente, ela é falaciosa, e tem de ser rejeitada prontamente. Porque Cristo é a imagem e a plenitude de Deus. Somente por ele podemos conhecer a Deus verdadeiramente, sendo o Evangelho a sua palavra. Portanto, é possível ao homem conhecer Deus por intermédio de Cristo. Foi o que Paulo nos disse: "O qual, sendo o resplendor da sua glória e a expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder" (Hb 1.3). 

Ah! que alegria ao poder olhar para o meu Senhor e Salvador reconhecendo nele o próprio Deus, não apenas uma imagem disforme, um espectro, mas a essência de tudo o que Deus é! 

Meus olhos encheram-se de lágrimas, e meu coração de viva esperança, por saber que o verei face a face, um dia, e de que honrá-lo pelo tempo que me resta neste mundo, tem de ser o meu dever e prazer. 

Não sei se o conceito de incognoscibilidade divina de Aquino chegou ao ponto em que é acusado de chegar ao "Deus est ignotus", mas o certo é que se o fez, o fez erroneamente, pois Deus é conhecido por seus filhos, na pessoa de Jesus Cristo. 

Mas entendo que há "entremeios" entre os meios filosóficos que justifiquem essa suposta afirmação, por isso, concordo com Gilson: a fé cristã virá sempre primeiro, e a filosofia depois, bem depois, é verdade. 

*****

A partir do ensino do catecismo católico, no transcorrer de 100 anos, aproximadamente, Étienne nos revela as influências que determinaram uma queda sensível na forma de ensinar.

Ele argumenta que "a doutrina permaneceu a mesma, a ordem ficou diferente" (pg 75). O que entendi, foi uma mudança nos pressupostos, antes firmados na razão escriturística, pela revelação do próprio Deus em se autodenominar o único Deus. Depois de algumas décadas, numa lógica evidencialista, em que se busca a razão ou razões para se crer à margem da revelação; ou seja, simplesmente, se basear a revelação nas evidências cientificas, como se essas fossem, inexoravelmente, infalíveis, inerrante e ocupassem o lugar de primazia ante a revelação divina. 

Étienne censura abertamente essa mudança no enfoque do ensino:"Cedendo nesse ponto, como em tantos outros, à ilusão de que o espírito democrático consiste em tratar os cidadãos como se eles fossem, em princípio, uns débeis mentais, decidiu-se por rebaixá-la (a teologia) ao nível das massas, ao invés de elevá-las ao nível dela" (pg 72).

É mais ou menos o mesmo processo que aconteceu e está em cristalização entre os evangélicos: a ignorância teológica quase absoluta; mas mais do que isso, o desprezo e a insignificância com que a tratam. 

A afirmação do catecismo, que o autor usa como exemplo e endossá-a (Eu creio que há um Deus porque ele mesmo nos revelou sua existência), parece-me prova do pressuposicionalismo de Étienne. Não sei se é possível um católico, escolástico, ser pressuposicionalista, já que não entendo lhufas de Escolástica; porém, suas afirmações e a defesa da revelação especial até mesmo em relação a revelação natural (aceita no seio católico como superior à Escritura) parecem garanti-lo como pressuposicionalista. Não é uma certeza, nem o autor o faz claramente, mas há indícios mínimos, diga-se, a indicar a questão. Certamente, precisaria estudar mais outros livros de Étienne para certificar-me dessa condição. 

Em suma, o autor defende a superioridade da fé sobre a filosofia, e de que a filosofia, mal aplicada e calcada em falsos fundamentos, deteriora e corrompe a teologia e, por conseguinte, a fé: "Custe o que custar, a fé possui antecipadamente toda a substância daquilo que o filósofo jamais conhecerá a respeito de Deus e algo mais... o intelecto não sabe e não crê na mesma coisa, sob o mesmo ponto de vista [filosófico e teologal], pois a filosofia nada sabe da existência do Deus da Sagrada Escritura. A filosofia sabe que existe um deus, mas nenhuma filosofia pode sugerir a existência daquele Deus específico" (pg 87-88). 

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Étienne assevera que é necessária a revelação cristã (provavelmente ele inclui aqui a autoridade da ICAR e a tradição juntamente com a Bíblia) para que se possa crer no Deus cristão, assim como é impossível e sem sentido imaginar que se possa conhecer esse mesmo Deus de outro modo que não pela fé em sua própria revelação. 

Ele baseia a fé no sacramento do batismo, e em momento algum fala sobre novo-nascimento ou regeneração, no que discordo potencialmente da sua definição de fé, contudo, no atacado, ele está correto, e desmascara os vários movimentos infiltrados na igreja e que acreditam ser possível um "cristão", que não crê na revelação cristã, ou um "cristão" sem qualquer traço de Cristianismo ortodoxo. Existem cada vez mais pessoas se autointitulando cristã sem se convencer ou defender os princípios cristãos estabelecidos nos últimos dois milênios, que vão desde a rejeição à doutrina da Trindade até as várias formas modernas de arianismo (algumas explícitas, outras nem tanto; mas todas com a mesma origem em Ario). Chega-se ao cúmulo de se desprezar ou ignorar os relatos dos evangelhos como fontes falsas ou insuficientes para se conhecer Cristo. 

*****

Outra afirmação interessante, e que demonstra o criticismo do autor à nova forma de catolicismo, é o fato dele dar razão a um pastor calvinista que afirmou ser a metafísica (revelação natural) "incapaz de fundar o conhecimento religioso" (pg 84). Entendo que a metafísica não cuida especificamente da revelação natural, mas da sua relação com as questões últimas da vida e do mundo, em geral. 

Étienne argumenta que se os calvinistas pensam que o catolicismo defende um deus genérico e geral, e não o Deus pessoal e bíblico, é porque, em algum momento, deixou de ser fundamental o conhecimento propriamente religioso: "Se há calvinistas acreditando que a doutrina da Igreja católica lhes proíbe reconhecer essa verdade (de que apenas pela revelação especial se conhece o Deus bíblico), ou que ela a ignora, alguns professores mal informados podem ser responsabilizados pela ilusão deles" (pg 85).

O pensamento de Gilson, quanto ao assunto, pode ser definido assim, em suas próprias palavras: "A metafísica pode apresentar à fé certos preâmbulos, mas somente a palavra de Deus pode fundamentá-los" (pg 84).

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Étienne faz uma defesa de Tomás de Aquino e da sua escolástica, apaixonadamente, o que não quer dizer de maneira desarrazoada, tola. 

Interessante que se utiliza de um filósofo, Henri Bergson, que não era cristão nem religioso (de origem judaíca) para uma defesa de Aquino a partir da defesa de Bergson.

Gilson diz que entre os filósofos gregos e os filósofos modernos houve apenas um padrão de filosofia: a escolástica ou cristã (ele, como tomista, equipara o escolasticismo com o Cristianismo). 

Porém, a filosofia cristã não produziu o Cristianismo, nem mesmo a alegação de filósofos não-cristãos de que Aristóteles é quem determinou as bases do Cristianismo, especialmente o medieval. Ele afirma que a teologia cristã precede a qualquer filosofia, inclusive a escolástica, a qual se apresenta muito mais como teologia, assim como a filosofia de Aquino está a serviço da sua teologia, e procede dela. 

Um trecho que confirma essa ideia é: "Foi de tanto tratar São Tomás como filósofo que eu pude finalmente reconhecer que ele não filosofava como os outros... Não se pode interpretar uma teologia como se fosse uma filosofia, mas a maneira de estudar em um teólogo o que ele chama de teologia é igual à maneira de estudar como um filósofo concebe a filosofia... É comum pensar, ou pelo menos dizer, que toda conclusão cujas premissas são conhecidas pela única luz da razão é necessariamente filosófica. E isso é verdade, mas logo se acrescenta que, uma vez que esse tipo de raciocínio é filosófico, ele não poderia encontrar espaço na teologia. Uma outra maneira de expressar a mesma ideia é dizer que toda conclusão teológica é tirada de um silogismo no qual pelo menos uma das premissas é amparada pela fé. 

Essa maneira de entender a teologia é verdadeira naquilo que ela afirma, mas insuficiente naquilo que ela nega. É certo que a matéria da teologia sobrenatural seja o revelado propriamente dito, ou seja, aquilo cujo conhecimento não é acessível ao homem senão pela via da revelação. Ora, o revelado como tal só pode ser recebido pela fé... Mas a questão não é só isso, pois o fato de uma conclusão de fé não poder pertencer à filosofia não implica que uma conclusão puramente racional não possa pertencer à teologia... é da essência mesma da teologia de tipo escolástica apelar com frequência e liberdade para o raciocínio filosófico. É pelo fato de recorrer à fé que ela é uma teologia escolástica, mas é pelo uso característico que faz da filosofia que ela é uma teologia escolástica" (pg 103-104). 


Ao meu ver, é clara a noção de preeminência da teologia frente à filosofia. Em muitas partes do livro (o autor gasta dois ou três capítulos nesta questão), há a certeza de que a fé cristã somente ser possível, verdadeiramente, a partir da revelação, e de que nenhuma filosofia, por melhor que seja, pode defini-la ou delineá-la. É possível que ela a interprete e explique, mas jamais seja a causa ou origem da fé. Somente a Escritura é capaz de ser essa origem, ainda que Étienne defenda a infalibilidade da ICAR e da tradição. 

*****

Ao defender Tomás de Aquino e a filosofia escolástica, Étienne está a rejeitar a afirmação "moderna" de que, dos gregos até Descartes, não havia filosofia, mas uma filosofia atrelada à teologia, de tal forma que a filosofia estava aprisionada na teologia cristã e se desfigurava como tal; e de que qualquer volta aos princípios cristãos de filosafar representaria uma nova escravidão intelectual. 

O que os filósofos modernos querem reivindicam é o renascimento da filosofia, por suas mãos: mas seria possível desprezar os muitos séculos em que a filosofia foi sustentada e impregnada pelo pensamento cristão? Há uma "nova" filosofia sem nenhum resquício do pensamento cristão? Completamente original e a parte dele? Ou os "novos" filósofos se apropriaram de muito da filosofia cristã e, injustamente, não lhe deram o devido crédito? Antes a desprezaram por puro preconceito? 

E, por que o pensamento moderno pode se utilizar de várias bases do pensamento humano (inclusive do pensamento cristão), e a filosofia cristã não o pode? 

O que temos é o nítido caráter de desqualificar qualquer forma de pensamento a partir da Escritura, da fé cristã, e assim criar um ineditismo que não existe, mas engana a muitos.

É o que o autor nos diz: "É evidente que inutilmente se buscariam nela (fé cristã) instruções relativas à maneira de filosofar própria a mentes estranhas à fé numa revelação sobrenatural. Que estas tirem suas conclusões, o que é legítimo, mas nada justifica sua recusa em levar em consideração as doutrinas concebidas num espírito cristão... A origem do pensamento não diminui em nada o seu valor" (pg 186).

Bem, quanto a isso, tenho sérias dúvidas, pois, ao meu ver, o pensamento cristão se baseia sobretudo na revelação divina, o que o torna superior a qualquer pensamento humano, logo, nenhum pensamento em bases não-cristãs pode ter um valor em si mesmo, a não ser o de revelar-se como engano e falácia diante da verdade, da revelação especial divina: a sua palavra.

É evidente que estou a falar como cristão, e não rejeito o fato de haver alguma verdade nos pensamentos não-cristãos, mas, de maneira alguma, acredito que essas verdades estejam alheias ou, em seus princípios e fundamentos, surjam fora do escopo cristão. Deixando mais claro, a própria ideia de um não-cristão, seja filosófica ou teologicamente, construir um pensamento ou conceito verdadeiro indica a sua origem na essência do cristianismo: a revelação do Deus bíblico. Seja por assimilação, seja por usurpação, seja porque todos os homens, em menor ou maior grau, têm fragmentos do Imago Dei. São, via de regra, os efeitos noéticos do pecado na alma humana a impedi-lo de reconhecer toda a verdade, mas não de reconhecer alguma verdade. 

Mas vale a afirmação de Gilson como uma maneira de mostrar o quanto qualquer pensamento ligado à fé cristã tem um tratamento discriminatório e injusto por parte dos não-cristãos, que sequer o reconhecem como pensamento legítimo em si mesmo, numa forma fraudulenta de autoexaltação.

*****

O que mais ficou evidente no livro foi a defesa que Gilson faz da supremacia da fé cristã, da revelação proposicional e especial, sobre qualquer forma de filosofia e ciência, nos seus próprios dizeres: "Por mais úteis que a ciência e a filosofia possam ser à filosofia cristã, ajudando-a a constituir-se a si mesma como ciência, nem uma nem outra jamais acrescentarão nada à verdade da fé, que as coloca a seu serviço. As partes caducas de uma teologia são precisamente aquelas que ela teve de tomar emprestadas da ciência de seu tempo. A mesma observação se aplica às filosofias" (pg 234). 

Alguém poderá dizer que ele está a falar de filosofia, não de teologia. Mas há de se entender que Étienne não considera dissociadas e conflitantes a teologia e filosofias cristãs, antes estão intrínsecas no mesmo corpo. O que ele estabelece é uma hierarquia, onde a segunda está em direta dependência da primeira, e esta da revelação divina. Senão, vejamos: "A filosofia cristã é uma historia que se desenvolve a partir de um termo imutável, situado fora do tempo e, por isso, sem história. A filosofia cristã é o desenvolvimento de um progresso a partir de uma verdade que não está, ela própria, sujeita ao progresso. Essa verdade procede da natureza de Deus, que não muda, mas o mundo por ela iluminado não pára de mudar;o mundo da invenção científica, o mundo da invenção moral, social, econômica e política, da invenção artística, enfim, tantas contribuições sem cessar renovadas e às quais a sabedoria cristã deve prestar a mais afetuosa atenção, para purificá-las e delas extrair o sentido verdadeiro, benfazejo e até mesmo, uma vez purificado, salvador" (pg. 235). 

O entendimento da fé cristã como o instrumento transformador e regenerador não somente do indivíduo, mas da própria sociedade, é algo com o qual acredito, nós, cristãos, devêssemos dar um grau de maior importância. E Gilson se dispõe a explicar detalhadamente esse pensamento, sendo, portanto, revelador, e extraindo do Evangelho sua principal mensagem: a de ser ele o único meio pelo qual Deus operará por seu Espírito na alma/mente do homem natural, trazendo-o cativo a Cristo. 

Bem, por vários aspectos, a leitura deste livro me foi surpreendente.

Primeiro, por perceber como um católico pode se aproximar tanto da verdade bíblica, ainda que, provavelmente, ela não lhe seja de valia do ponto de vista prático, no que posso estar errado; e não é um julgamento mas uma suposição. 

Segundo, o fato de um filósofo se ver tão atrelado à fé bíblica, à revelação escriturística, de tal forma que mesmo a sua filosofia está sempre em sujeição a ela. 

Terceiro, não imaginava que Tomás de Aquino tinha tamanha importância no pensamento cristão, e de que, segundo o autor, o tomismo fosse a prova de que a filosofia não é verdadeira em si mesma, mas depende da verdade revelacional para se constituir como tal. Assim, estará sempre em subserviência à teologia, do contrário, não encontrará em si mesma as respostas às perguntas que faz. 

Quarto, Étienne é como um maestro a reger a nossa leitura. Ele pontua os textos com exemplos e analogias que nos faz entender o que é complexo; sua escrita é fluente, cativante, e nos faz saborear cada palavra. 

Com isso não estou dizendo que concordo com todas as suas proposições, não é isso! Como católico, ele tem algumas posições com as quais não concordo, mas de forma alguma tiram o brilho do seu texto. Digamos que eu fosse capaz de escrever como Étienne, e ele me lesse, perceberia diferenças, por causa do meu protestantismo, mas certamente concordaria com a maioria do meu pensamento. 

A reclamar o acabamento pobre e barato do livro. Papel de baixa qualidade, capa simples, sem orelhas, poucos erros de digitação; mas, para um livro nada barato, é um descuido e tanto!

Felizmente, o texto de Étienne Gilson supera todas as deficiências da edição, e com muita, mas muita folga. 

Se você ainda não leu, leia "O Filósofo e a Teologia"; caso não leia, arrependa-se! (rsrs)

Uma última transcrição para finalizar: "Bem longe de achar irracional minha confiança absoluta na verdade dessa metafísica cristã, o estudo que continuo a fazer dela me confirma sempre mais na certeza de sua perenidade.

Como se poderia acreditar que esse belo cargueiro, que há tantos séculos percorreu tantos caminhos sem nunca mudar de rota, esteja hoje prestes a trocar de direção ou chegar ao fim da linha? Nem a energia lhe falta para continuar sua viagem, nem a assistência daquele que prometeu estar conosco até a consumação dos séculos" (pg. 239).

À bientôt!


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Avaliação: (****)

Título: O Filósofo e a Teologia

Autor: Étienne Gilson

Páginas: 245


Sinopse: "Étienne Gilson (1884-1978), nascido em Paris, professor renomado da Sorbonne, Strassburg, Toronto Harvard e Louvain, é por muitos corretamente chamado de o grande medievalista do século XX. Durante sua longa trajetória publicou algumas das mais influentes obras do pensamento cristão contemporâneo, especialmente na sólida retomada do legado do Tomás de Aquino Quem se interessou e ainda se interessa pelos estudos de história de filosofia e das suas interfaces com a Teologia, não deixou nunca de recorrer aos livros deste cristão (com orientação católica) e que teve uma recorrente preocupação: há uma crise de Metafísica nos nossos tempos e isso deve à equivocada secundarização das concepções tomistas."




01 fevereiro 2020

O fracasso humano em "Um Homem Bom é Difícil de Encontrar"






Jorge F. Isah


O que dizer de Flannery O'Connor?

Fui levado à leitura pelos comentários entusiastas do Prof. Rodrigo Gurgel e do meu amigo, ainda que um amigo intermitente, Leonardo Galdino. Comprei-o, e amargou a estante e o envoltório por três longos anos. Antes deles, nunca ouvira falar da autora, e devo-lhes a gratidão de tê-la me apresentado. 

Quando, enfim, no final de 2019, tomei-o em mãos, arranquei-lhe o plástico, e comecei a leitura, vi-me diante de uma obra impactante, brutal, macabra, em alguns momentos até mesmo fantástica, mas suficientemente bela, lírica e, não se assuste, espiritual. Sim, Flannery descreve a incapacidade humana de alcançar a paz interior, e entre os seus semelhantes, mesmo que a busque com ânsia e persistência. Via de regra, o homem é mau, em sua soberba, independência, autossuficiência, egoísmo e na frieza do trato comum. Não parece haver solução; e a morte, algumas vezes, pode ser um alívio, até mesmo para o leitor compadecido com a dor, a angústia e o sofrimento da(s) personagem(ns). 

Vivendo e descrevendo pessoas, lugares e situações dos EUA sulista, a autora perpassa pela vida de agentes e indolentes, com a candura de uma madre ensinando repetidas vezes aquilo que o aluno teima em não aprender. Todos somos pecadores, em maior ou menor grau; e se um bandido pode matar friamente uma velhinha com tiros no peito, enquanto ela se considerava, por toda a vida, a si mesma uma alma boníssima. Diante da morte iminente, os pecados são-lhe expostos; percebe que, ela mesma, não é muito diferente do facínora. E assim, sonhos são desfeitos; desejos rejeitados... Um círculo vicioso leva o homem a se prender na própria carência, que pouco ou nada pode colaborar para a sua interrupção. Quase nada sobra em um mundo fadado ao fracasso, se a busca de salvação encontra-se no homem em vertiginosa queda. 

As pessoas são de um automatismo absurdo, de uma indiferença desagradável, ou uma proximidade doentia. Um dos exemplos encontra-se no conto “Gente boa da roça”, onde uma jovem loura e corpulenta, que perderá uma das pernas na infância, após a maioridade, troca o nome de batismo “Allegra” por “Hulga”. A mãe não conseguia entender a opção da filha, por apropriar-se legalmente de um nome que a remetia a “um casco largo e cor de pulga de um navio de guerra. Recusava-se a usá-lo”. A filha demonstrava rejeitar os valores familiares, sem qualquer apego ou gratidão pelo cuidado e esmero que a mãe devotava. Ela declinava de qualquer convenção familiar ou social, colocando-se em posição arrogante, orgulhosa de seus feitos, ainda que fossem uma proteção natural para a sua deficiência. Mas tudo desmorona com a chegada de um caixeiro-viajante. Que planeja humilhá-la, com um plano ignóbil de roubar-lhe o membro artificial. 

Se o intento foi minuciosamente planejado e aplicado, a fim de dar o golpe, a vítima, insensível, dura, orgulhosa de seus diplomas e cultura, não é menos inocente. Na verdade, ela merecia cair no ardil, pois considerava a sua razão e intelecto o suficiente para compensar a perna perdida na infância; e de torná-la superior, elevada, diante dos seus semelhantes. Se faltava-lhe um membro, sobrava o desprezo às pessoas, a Deus, e a si mesma (ainda que, nesse aspecto, não tivesse a percepção suficiente para compreendê-lo); o orgulho gélido com que se autoexaltava, desdenhando da própria mãe, da empregada (uma mulher que tinha duas belas filhas e uma paixão lânguida por tragédias, doenças crônicas e incuráveis) e de suas demais relações, tornavam-na não a mais esperta das mulheres, como supunha, mas uma presa fácil nas dissimuladas intenções do jovem vendedor. 

Nos momentos finais, sem poder se locomover, ouviu o algoz lançar-lhe em rosto a sua estultice, enquanto guardava a prótese na valise. Ele também é um incrédulo, arrogante, explorador de velhinhas e mulheres ingênuas, orgulhoso dos seus feitos, impenitente, vendendo Bíblias e livros religiosos como se um religioso fosse, não passando de um vigarista. Mas aqui é colocado em xeque a fragilidade do racionalismo, como âncora das virtudes humanas e da ostentação, quando os adeptos são prosélitos, dísticos de otário. 

Ainda assim, a aleijada queria um relacionamento. Desprezando a mãe e conterrâneos, é seduzida pelo jovem, quatorze anos mais novo, e o apelo que ele faz, à sua maneira, a beleza de Hulga. No fim das contas, toda a pompa intelectual, o cuidado racional, o ceticismo como estilo de vida, sucumbiu ao mais comum dos rogos: a vaidade. A sinceridade dos românticos deu lugar à lábia do astuto, a arrancar a confiança, a intimidade, guardada estoicamente na fortaleza da alma da mulher. Entretanto, o que considerava o alicerce do caráter, foi a sua fraqueza, o calcanhar de Aquiles. A força não estava na confiança, mas na inveja, e nela não existe pujança, mas debilidade. E a debilidade acaba por tomar-lhe o cuidado, o distanciamento necessário para reconhecer no estranho cafajeste. 

Mas ela não queria ver a realidade, nem de si, nem dele; de, por algum motivo oculto, não haver a menor possibilidade de imperfeição na relação... Pouco a pouco ela se encanta, abre a guarda, se submete, crê. Bastaria o arrependimento, ver-se como realmente era, para não ser tragada na patifaria. Soberba e queda caminham juntas; autoengano é a própria morte, se não se desperta do letárgico delírio, do orgulho, e das mentiras incansáveis que consideramos reais. Indefesa, nada pode fazer diante da  ridícula exposição, enganada por um garoto iletrado, mas astuto. E a constatação dolorosa do seu erro a silencia. Não mais apela à civilidade, ao bom-senso; vítima de si mesmo e à mercê do próprio esnobismo. A sua fé cai por terra, desbarata-se, como castelo de areia em meio à tormenta. 

Não sabemos o que aconteceu depois, enquanto o jovem trapaceiro se afastava triunfante do celeiro, onde abandonou-a solitária. Mas, certamente, se ela não reconheceu os erros e a incapacidade de autorredenção, apenas asseverou-se a amargura e o ressentimento por uma vingança, sem perdão. E o ceticismo certamente tomou-a de si mesma: não era confiável, nem suficiente. Da parte dele, sua revanche era itinerante; jamais passaria disso, da mesma forma que o cego somente pode ver a escuridão. 

Flannery trata, via de regra, da impossibilidade humana de apagar as manchas do pecado original, enquanto o homem labora incessantemente para extinguir de si o “Imago Dei”, como se o negar a Deus e o seu auxílio pudessem impedi-lo da miséria e desgraça nas quais sucumbiria. 

Não é um livro triste, não premeditadamente triste. Chega a ser engraçado em vários momentos. O desacerto das relações humanas pode resultar em leveza e divertimento. Também não é um livro sisudo, amargo, pois a autora indica um caminho em meio à estranheza de suas histórias. E nada disso é pouco; quando se está às voltas com a vulnerabilidade e desequilíbrio humanos, enquanto se acredita soberano de si mesmo. Talvez, por isso, ela insista em afirmar no título, e em um dos contos, que “Um homem bom é difícil de encontrar”. Sem Deus, o homem é o que é, e não pode deixar de sê-lo, por mais simplório que isso possa parecer.



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Avaliação: (****)

Título: Um homem Bom é Difícil de Encontrar

Autora: Flannery O'Connor

Editora: Nova Fronteira

No. Páginas: 224 

Sinopse: "Um homem bom é difícil de encontrar e outras histórias, lançado em 1955, é a mais famosa de todas as obras de Flannery O’Connor e aquela que a consagrou como uma das maiores escritoras do século XX. Enraizados na tradição gótica do sul dos Estados Unidos, os dez contos aqui reunidos revelam uma visão de mundo um tanto peculiar, em que o grotesco, o simbolismo religioso, o humor, a violência, a presença da graça divina e situações excepcionalmente tragicômicas se mesclam para revelar as complexidades do comportamento humano e, acima de tudo, a busca dos homens pela redenção"




24 janeiro 2020

Morte em Veneza: A morte por um desejo







Jorge F. Isah



“Morte em Veneza” é um livro, no mínimo intrigante. A prosa suave, plácida e incrivelmente detalhista de Mann, o torna em um dos escritores mais caudais da história. Sua obra, composta de poucos, mas densos livros (tanto no volume, quanto na trama e personagens) não tem cortes repentinos e situações bombásticas, como boa parte dos escritores modernos parece querer esculpir seus livros. Ela vai em uma crescente, lenta e cuidadosamente se desenvolvendo, até que o leitor se vê irremediavelmente fisgado, e incapaz de largar o livro, por maior que seja.



Este, contudo, seria uma exceção, ao menos quanto ao seu tamanho. É uma novela de pouco mais de noventa páginas, que se pode ler de uma sentada, o que não seria aconselhável. Mas, do que trata o livro? Ele fala da beleza, sobretudo da beleza perdida pelo protagonista (um homem de meia-idade), escritor famoso e laureado, que está com a vida consolidada no âmbito profissional, pessoal e familiar, e em busca de novos ares, a fim de injetar um novo rumo a sua carreira.


Em férias, von Aschenback, chega a Veneza, e encontra, no hotel, o jovem Tadzio (jovem é eufemismo, pois o rapaz é quase uma criança), um garoto polonês de beleza arrebatadora, causando assombro ao escritor. Aschenback sente-se seduzido pela graça e encantado com a perfeição escultural do jovem, tornando as suas férias em uma obsessiva perseguição visual, no vislumbre delirante de um amor platônico, na intocabilidade do tato, no desejo ilícito, na reprovável insídia de acalentar o amor infame.
Mann retrata os dramas e ensejos do velho escritor, mostrando os seus conflitos morais e íntimos, a insanidade e vergonha com que ele se avalia, entretanto, incapaz de detê-lo do desejo imperfeito do amor indigno. Um amor fadado à morte, e que consome a alma de Aschenback. Não há paz, nem consolo, ou alívio na atormentada cobiça, pelo delito de um adulto ansiando o amor de uma criança. Nem mesmo as cenas mais pueris, em que os infantes se envolvem, são o alerta para demover o escritor da sua obsessão. O ridículo se vislumbra como um fato mais que comprovado. O crime, às portas da concepção, ao menos na mente perturbada do escritor.

Mann constrói um livro que, pela mão de outro soaria apelativo, quando não um pastiche de dramalhão gay. Há momentos de ternura, de cumplicidade e afeição, provando que até mesmo os loucos e doentes têm a sua porção sensibilidade. Mas ela não absolve Aschenback, nem cria empatia no leitor, por mais tortuoso seja o seu dilema.

Quando o barbeiro se oferece para “repaginar” o visual de Aschenback, pintando-lhe os cabelos grisalhos, maquiando-o para esconder-lhe a idade, perfumando-o, ele se apercebe do ridículo em que se apresenta, mas o desejo suplanta-lhe a razão e o bom senso, cedendo ao escárnio, a zombar-se de si mesmo.

O texto de Mann, como sempre primoroso, serve como o retrato de uma causa indigna, de uma defesa não sustentável, mesmo que se possa, em algum sentido, se compadecer da aflição romântica do protagonista (pela qual muitos de nós já passamos também; afinal, quem não morreu de amores ao menos uma vez?), ela não traz enlevo, mas a certeza de ser imoral e perversa. Mesmo que Mann discuta a perda da beleza, da juventude, e a sua busca na beleza e juventude alheia, a narrativa nos remete à pedofilia, o controle do mais forte, a animalidade humana. Se no início havia o fascínio pela formosura, remetendo-o à perfeição da criação humana, e o próprio Imago Dei presente no homem, ao espírito que eleva o homem até o ser divino, ele se transforma num desejo indigno, perscrutador, maligno.

É possível até mesmo se discutir a arte pela arte, e encontrar vários elementos simbólicos na narrativa de “Morte em Veneza”, mas a despeito da capacidade de Mann de analisar e abordar praticamente tudo em suas obras, não há como não sentir uma aversão pelos sentimentos importunos, a ideia fixa de Ashenback por Tadzio.

Mann traça com maestria as fraquezas de um homem entregue a si mesmo e a sua impotência: a de ver o belo sem desejar corrompê-lo.
E a morte não poderia se dar em outro lugar, a não ser na idílica, angustiante e fatal Veneza.


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Avaliação: (**)

Título: Morte em Veneza

Autor: Thomas Mann

Editora: Saraiva

No. Páginas: 70





Sinopse: "'Morte em Veneza' aborda o fascínio mortal que a beleza física pode exercer. Gustav von Aschenbach é um escritor que, diante da pouca aceitação de suas últimas obras, decide viajar para Veneza para descansar. Já na cidade, depara-se com o belo inatingível, a perfeição estética do adolescente Tadzio, por quem se apaixona platonicamente. O velho escritor passa a vagar pelos decadentes, inspiradores e famosos canais venezianos, seus dias girando em torno da visão do rapaz, o que o impede de dar atenção aos boatos que circulam a respeito da epidemia de cólera que assola a cidade."


17 janeiro 2020

A Ilha do Tesouro ou Construindo Jackyll & Hyde





Jorge F. Isah


Depois de algumas décadas, refiz a leitura de “A Ilha do Tesouro”, meio que despretensiosamente, já que sempre considerei o livro infanto-juvenil (talvez por tê-lo lido umas duas ou três vezes até os 14 ou 15 anos). É um livro que prendeu-me a atenção pela volta à nostalgia, dos dias em que me imaginava um aventureiro corajoso e destemido em um mundo perigoso, mas completamente desconhecido. Devo tê-lo lido em dois ou três dias, nos momentos disponíveis entre o trabalho, os estudos e os afazeres familiares; o que acabava me deixando ansioso para uma folguinha e a volta à narrativa de Stevenson. 

Como curiosidade, vale lembrar que a ideia inicial de R. L. Stevenson era escrever uma história para o seu sobrinho (alguns julgam ser o enteado), algo que aguçasse a imaginação e fantasia do jovem; publicada inicialmente na forma de capítulos em uma revista da época, surgiu na forma de livro em 1883. 

A grande importância do livro, além do próprio enredo, foi trazer para o gênero (que não existia como tal) elementos que o caracterizariam depois. O mote de tudo é a busca pelo tesouro do “Capitão Flint”, um pirata terrível que supostamente havia enterrado uma grande fortuna. O motim dos tripulantes e a luta pela sobrevivência, enquanto a corrida ao baú continuava, são o pano de fundo para o desenrolar da estória. 

De um lado temos o “bem” nas pessoas do jovem Jim Hawkins (o narrador, em primeira pessoa), Capitão Smollett, Dr. Livesey e o Lorde Trelawney; em outro lado temos Hands, Papy, Arrow e o carismático, mas não menos temido, Silver. Ele é um caso à parte. E será dele a maior parte deste comentário. 

Situemos “A Ilha do Tesouro”, escrito cinco anos antes de “O Estranho Caso do Dr. Jackyll e o Sr. Hyde”, também conhecido como “O médico e o Monstro”. Encontramos na figura do cozinheiro Long John Silver (um disfarce para encobrir as suas reais intenções) características, ainda que preliminares, a comporem a personalidade central de Jackyll e Hyde, os conflitos entre o bem e o mal. É claro que nada disso é traçado de forma límpida, o tal do preto no branco, como se fossem meros espectros antagônicos, sem conflitos interiores, dúvidas e muito pouca certeza. Não sou dualista; entretanto, entendo que existe um conflito em curso na vida humana, ora pendendo para um lado, ora outro,  as vezes entrelaçados; ainda que boa parte das pessoas esteja em lados opostos, aparentemente, numa guerra de interesses. 

Silver é uma mente culta, de intelecto privilegiado, de retórica apurada, mestre tático, ardiloso, sedutor, capaz de convencer a pulga de que é o cachorro. Em contrapartida, é uma mente atormentada, capaz de cometer atrocidades e crimes sem um leve pestanejar, sem qualquer arrependimento ou compaixão. Da mesma forma que transparece eloquência, e uma boa dose de submissão aos seus empregadores, se o fim é apossar-se do tesouro de Flint, a fúria, a qualquer um que atravesse o  caminho, o tornará sanguinário e cruel. Nem mesmo o carinho e interesse quase paternal pelo jovem Jim (de certa forma, ainda que momentâneo, protegendo e ensinando-o os segredos da navegação) o impedirá de afastá-lo como um mero obstáculo a ser transposto até a posse do tesouro. 

Estando na meia-idade, e tendo uma perna-de-pau, sua força física, aliada a uma violência natural (sem nos esquecer da sua sagacidade), torna-o em um oponente quase imbatível. O temor pelo qual perpassam inimigos e aliados é completamente justificado pelo corpo e mente diabólicos de Silver. A luta dele é pela sobrevivência, mesmo que decida-se por um lado, e depois por outro, os interesses são os de preservar-se a todo custo, ainda que resulte em dupla traição: aos antigos inimigos feitos novos amigos, e aos antigos amigos em inimigos. 

Existe alguma semelhança na construção de Silver e Jackyll/Hyde, numa luta ferrenha entre as virtudes e os vícios, travadas na alma do mesmo homem. 

Na teologia cristã, e na vida de cristãos conversos, essa batalha se trava no âmago, em que, transformados e regenerados por Cristo, ainda se vive com a natureza pecaminosa. Em vários textos bíblicos temo-la como a “luta entre o espírito e a carne”. Essa é uma realidade vivenciada em maior grau pelos cristãos, cientes do que seja o bem e o mal, o moral e imoral, vida e morte. Mas mesmo os não-cristãos têm em si a centelha do Imago Dei; e trava-se a mesma disputa, por causa dos atributos divinos transmitidos ao homem quando da sua criação. 

Por que toquei nesse ponto? Porque a boa literatura não prescinde a realidade, muito menos a realidade moral, da qual Silver e Jackyll/Hyde são exemplos do que somos, fomos ou seremos, em algum momento e alguma proporção. Ainda que a crueldade de Silver e Hyde não aflore em nossos atos, a certeza é de que, sem os aspectos da moral divina a nos frear, seríamos tão ou mais sanguinários que eles. 

Se levarmos em consideração que “O Médico e o Monstro” é uma aventura pela loucura, cobiça e depravação de Jackyll, a pretensão de se fazer Deus, como certo personagem do Éden, “A Ilha do Tesouro” não é menos uma aventura pela alma conturbada de Silver do que a caça à riqueza e poder. Por isso, Long John se inscreve no rol dos grandes personagens literários de todos os tempos, como um alerta para vencermos o mal. Por pouco, não pagou por seus atos, debaixo da benevolência do Dr. Livesey e de um acordo interessante a ambos. Fica contudo a imagem de que o homem sem Deus pode resistir ao apelo do mal por algo de divino que ainda reside em seu ser, mas de que, invariavelmente, ele será apenas o que é, um fugitivo do bem a cair nas malhas ou teias dos vícios e pecados. 

Ben Gunn entendeu, à sua maneira, aplicar engenhosamente os princípios morais, negando o que fora, para aliar-se àqueles que o salvariam. Ainda que tenha voltado novamente ao vômito como o cão... tempos depois. Mas vou parar por aqui, senão um comentário pode se tornar um ensaio. E estou longe de escrevê-lo.


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Avaliação: (***)

Título: A Ilha do Tesouro

Autor: Robert Louis Stevenson

Editora: L&PM Pocket

No. Páginas: 366

Sinopse: "Stevenson concebeu A ilha do tesouro para o divertimento de seu enteado, Lloyd Osbourne, que tinha doze anos em 1881. Escrevendo a seu amigo W. H. Henley a respeito do novo livro, ele declarou que "se isto não encantar os garotos, ora, então eles mudaram muito desde que eu era criança". Uma história de piratas, com um mapa, um tesouro, um motim e um cozinheiro de bordo com uma perna só, A ilha do tesouro permanece uma das histórias de aventuras mais amadas da literatura. - L&PM"





14 janeiro 2020

Prefácio ao Livro "O Morto Inacabado", por Michel Salomão




Jorge F. Isah


"O Morto Inacabado" está disponível para compra no site da Kálamos Editora (kalamoseditora.com) ou em amazon.com.br, em ebook e em papel (amazon.com) ao custo de, respectivamente, R$ 4,99 e R$ 46,55 + frete (o produto vem, em formato livro físico diretamente dos USA). 

Abaixo, deixo o prefácio do livro escrito por Michel Salomão (escritor, dramaturgo, ator, desenhista, e outros tantos talentos que Deus lhe deu), amigo de longa data, desde a época em que adentramos na Faculdade de Direito da UFMG. 

Chamar o prefácio de "aperitivo" seria injusto, ele faz parte de toda a refeição, que espero, seja lauta e possa levar o leitor a se identificar com o personagem e as situações, sabendo que, cada um de nós, pode, em algum momento da vida, receber a alcunha de o morto inacabado. 

Boa leitura!

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PREFÁCIO AO LIVRO "O MORTO INACABADO", 
POR MICHEL SALOMÃO
  

A desolação e a dúvida da morte permeiam essa obra de Jorge F. Isah, que traz um personagem cheio de angústias, as mesmas que todos nós possuímos e procuramos ignorar, as incertezas da existência, as impressões acerca do pai agonizante, da mãe sofredora, de parentes e amigos que passam e deixaram suas marcas, os remorsos, os medos, o abandono, um futuro que não se concretizou, um amor rompido premeditadamente, filhos que não nasceram, entre outros sofrimentos que fazem de nós, humanos, tão parecidos. 

Não, o livro não fala de zumbis, mas é quase isso: fala sobre o vivo quase morto, ou sobre o morto ainda vivo, condição que muitos de nós passamos a assumir por inconsciente negligência. Fala sobre as impressões de uma vida quase sempre entediante, bem diferente do que acontece na maioria dos filmes e livros. 

Amigos há três décadas, aconteceu de conhecer o Jorge em uma sala de aula do curso de Direito, na Universidade Federal de Minas Gerais, quando vi aquele rapaz entediado, sentado no fundo da sala, olhando para o vazio através da janela. Eu tinha 17 anos à época, era um rebelde tímido, me aproximei e logo começamos a disparar sobre literatura. Daí começou a nossa amizade, que teve longos intervalos, pois cada um foi cuidar de sua vida, de sua família, da profissão, mas o laço permaneceu, mesmo que por longos telefonemas ou por intermináveis textos trocados pelas redes sociais, além de encontros esporádicos que quase sempre davam continuidade ao assunto interrompido no anterior; e não foi com surpresa que recebi este convite para fazer o prefácio de seu novo livro, “O Morto Inacabado”, quando alertei para o fato de que talvez não tivesse capacidade para tal, pois, sem falsa modéstia, considero-me um escritor “descompromissado”. Bem diferente do Jorge, que é muito técnico e dedicado. 

Eu o aconselhei a dar títulos aos capítulos, para facilitar o entendimento dos leitores (entendo o porquê dele não ter aplicado a sugestão, mas não vem ao caso expô-la), pois não é uma leitura fácil, a não ser que você esteja acostumado a ler Dostoievski, na minha opinião, sua mais forte influência, pois ele entra com facilidade daqueles questionamentos existenciais entrecortados com pequenos diálogos triviais, possivelmente, apenas para comprovar que seus personagens estão mesmo vivos. 

Também conheço seu incansável trabalho religioso, na tentativa de salvar as pessoas dessa “morte em vida”, e aprecio sua determinação, apesar de, nesse trabalho, não entrar tão profundamente nessas questões como em seus outros livros, talvez para despertar determinados questionamentos nas pessoas que passam por idêntica situação de seu personagem central, que vive essa aparente morte. 

Uma aventura instigante e investigativa da alma de todos nós. 


Michel Salomão







Livro: O Morto Inacabado

Autor: Jorge F. Isah

Editora: Kálamos

Número de Páginas: 261 (ebook) e 453 (papel)


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30 dezembro 2019

O Descanso





Jorge F. Isah


As notícias são tão tristes e devastadoras, e se repercutem em uma profusão ainda mais angustiante, parecendo não haver solução para o caos em que o homem moderno vive. As conversas, a mídia, as leituras, em sua maioria, falam de tragédias e apontam para um beco-sem-saída, a despeito da crença quase ingênua de um mundo melhor, de um novo futuro, do homem para o homem e pelo homem. 

De alguma maneira, vivemos um mundo de faz-de-contas, onde se esperam soluções por um "passe de mágica", magia ou encanto; tudo a um passo das mãos, enquanto nenhum esforço é empreendido para se conhecer a causa e a origem da miséria na qual o homem se vê atolado até o pescoço. Vivemos um deslumbramento, em uma roda ilusionista que faz dos sonhos pesadelos. 

Ninguém, ou quase ninguém, está em busca da verdade; primeiro, interior, na sincera perspectiva do autoconhecimento, para, depois, enveredar-se no conhecimento exterior. É fato que o homem não se conhece, preocupado em tecer brumas, camuflagens, a fim de ocultar o seu verdadeiro "eu". Talvez por não suportá-lo, tal como é; talvez porque seja melhor mantê-lo escondido, para o caso de necessitar usá-lo no futuro; talvez por covardia ou medo de se defrontar com a sua própria realidade... E não faltam bajuladores, de todas as espécies, para dizer-lhe que nada a indicar-lhe uma natureza pecaminosa e inimiga é verdade. Pelo contrário, não faltam estímulo para mantê-lo em uma casca, prestes a se romper (se já não estiver rompida), a afirmar que está protegido por si mesmo, e pode se tranquilizar.  

Certo é que somos o nosso pior inimigo, e não medimos esforços para manter a hostilidade. Como se um inimigo não pudesse nos atingir, fazer mal, derrotar. É o caminho do avestruz com a cabeça enfiada no buraco: não quer ver, se recusa a ver, insiste em não ver... enquanto o sofrimento estende-se indefinidamente.

No entanto, quando se olha para Cristo, sabe-se que mesmo no terror há descanso, mesmo na guerra há paz; mesmo o pior entre todos os homens pode ser transformado, feito à semelhança do Filho, em amor e bondade. Esta promessa está disponível a todos os homens, mas apenas aqueles sujeitos à vontade do Filho podem alcançá-la, ainda que seja o Filho a trazê-lo da morte para a vida, da maldade para o bem, da fraqueza para a força, do ódio para o amor. Sim, em uma perspectiva humana, nós o aceitamos, mas não antes dEle nos aceitar primeiro. E isto é fantástico, porque Ele nos aceita quando ainda somos inimigos, transgressores.

Eu mesmo, não tão poucas vezes, deixo-me envolver pelo pessimismo, pelo abraço do mal, como se tudo estivesse perdido. Mas, na verdade, não está. Porque se olho para o meu interior, e vejo a imagem de Cristo se formando, de tal forma que Ele cresça e eu diminua, a esperança já não é mais uma expectação, tornou-se em realidade. Ainda que ela não exista para o mundo, existe para mim. Ainda que o mundo a despreze, acolho-a em meu íntimo, porque Ele me ajuntou antes a Si.

Desta forma, deixo a inimizade com Deus, o mundo, e comigo mesmo, para me tornar amigo de todos, mesmo daqueles que me odeiam, desprezam e querem-me morto. Porque o amor infinito e eterno de Cristo perpassa pelo meu corpo como a eletricidade pelos filamentos de metais. E se está capacitado a lutar o bom combate, esmagar o único inimigo verdadeiro: o pecado! E a sua derrota significa a minha vitória e daqueles que não estarão mais sujeitos à sua malignidade. Claro que tudo isso é uma subdivisão ou subseção ou derivativo da verdadeira vitória, e a única realmente meritória: Cristo e seu ministério terrestre. 

Portanto, oro para que eu, e todos os crentes, seja envolvido pelo Bem Supremo, pelo doador da vida, por Aquele que não rejeitará a mim, nem o seu povo; pois os dias são maus, mas o Senhor é fiel, e estamos guardados e preservados Nele. E nada poderá tirar-nos a paz!


"Bem-aventurado é o homem a quem tu castigas, ó Senhor, e a quem ensinas a tua lei; para lhe dares descanso dos dias maus, até que se abra a cova para o ímpio. Pois o Senhor não rejeitará o seu povo, nem desamparará a sua herança. Mas o juízo voltará à retidão, e segui-lo-ão todos os retos de coração." (Salmos 94:12-15)


23 dezembro 2019

Perseguição aos verdadeiros discípulos em "Torturado por Amor a Cristo"







Jorge F. Isah



Já no início do livro, percebe-se duas coisas:

Primeiro, o pr. Wurmbrand não tem a menor pretensão de escrever uma obra literária, antes ele nos entrega um testemunho de vida cristã. 

O livro é simples na linguagem e, de certa forma, em alguns aspectos, rústico, porém a objetividade tem um significado, o de expressar correta e fielmente o período em que a Romênia, terra natal do autor, esteve dominada pela ideologia marxista, e foi uma "colônia" soviética, controlada pela extinta U.R.S.S.

Os relatos de prisões arbitrárias, de torturas, mortes, confinamentos e das práticas mais cruéis de persuasão, a fim de que os presos delatassem amigos, parentes e irmãos de fé, e a tentativa de "convertimento" ao comunismo, são dignas dos períodos mais bárbaros que a humanidade já vivenciou.

Apenas como reflexão, não é interessante como todo esquerdista acusa os EUA de colonialista, enquanto a antiga URSS e os atuais países comunistas, incluindo-se Cuba, são tratados como centros democráticos e que não se interessam pela expansão de suas ditaduras mundo afora? Como Lênin definiu a estratégia do seu governo: acuse-os daquilo que você mesmo defende e é!¹

Segundo, os relatos da fé e do preço pago pelos cristãos por não se sujeitarem à ditadura do Estado marxista (isto mesmo, cristãos são perseguidos pelos esquerdistas em todos os lugares, exatamente por não se sujeitarem à idolatria Estatal, à "onipresença" da burocracia, como um "deus" a cuidar de todos os aspectos do indivíduo, tornando-o em menos do que um escravo, um objeto descartável e descartado ao bel-prazer do governante), pois, um dos objetivos do marxismo é a criação de uma "nova sociedade", de "um mundo perfeito", e, para isso, a tradição judaico-cristã, a família, a propriedade privada, a moral, e tudo o que fundamentou a civilização ocidental, tem de ser destruído; afinal, o Estado não é laico, mas ateísta. O Cristianismo é o principal empecilho, já que os cristãos verdadeiros não terão como Senhor ninguém além de Cristo e, para os ideólogos de esquerda, tal convicção é simplesmente inaceitável.²

Em tempos de cristãos-marxistas (a incoerência e imoralidade das imoralidades e incoerências), defendendo governos que perseguem, torturam e matam cristãos por todo o mundo, visando destruir a Igreja e a ideia de Deus, pergunto: a quem esses religiosos servem?

De maneira demoníaca, tem-se alastrado em nosso meio os chamado "evangelho social", uma porta para a entrada do marxismo em suas formas mais dissimuladoras, virulentas e perversas, colocando cristãos contra cristãos, num mundo onde o discurso e não a evangelização ganha cada vez mais "relevância", uma palavra sempre a sair da boca dos defensores da esquerda, como um dogma.³

O número de testemunhos de fé e amor a Cristo, ao Evangelho e ao próximo, relatados pelo pr. Wurmbrand é comovente (e em muitos aspectos deixam-nos envergonhados), e deve servir de um "despertar" para a maioria de nós, cristãos, adormecidos e embalados por um discurso de acomodação e leniência em relação ao pecado, à moral, e a um Inferno cada vez mais cheio, onde as pessoas não têm a oportunidade de ouvir o verdadeiro evangelho, a palavra divina e inspirada de Deus, contentando-se com uma diluição maligna da sua mensagem, em favor de "um mundo melhor", onde as vidas, via de regra, estão cada vez piores e mais afastadas de Deus.

Desde já, ainda no início do livro, aconselho a cada um dos cristãos, e mesmo os não cristãos, a comprarem o livro e lerem-no, avaliando-se, a si mesmos, se são aquilo que imaginam ser ou se estão, verdadeiramente, sendo formados em Cristo e por Cristo.

Leitura mais do que recomendada; necessária, essencial, vital!



Alguns trechos pinçados do livro:

1) Richard, conversando com um preso russo, na Romênia ocupada pelos nazistas, durante a II Grande Guerra:
"Era um trabalho dramático e muito comovente. Nunca me esquecerei do meu primeiro encontro com um prisioneiro russo. Ele me havia dito que era engenheiro. Perguntei-lhe se cria em Deus. Se ele houvesse dito "não", jamais me incomodaria tanto. É direito de cada homem crer ou descrer. Porém quando lhe perguntei se cria em Deus, ele levantou os olhos para mim, sem me entender, e disse: "Não tenho ordem militar para crer. Se eu tiver uma ordem, crerei".

Lágrimas correram no meu rosto. Senti meu coração quebrantado. Diante de mim estava um homem com uma mente morta, um homem que havia perdido o maior dom que Deus dera à humanidade - o de ser um indivíduo. Ele havia passado por uma lavagem cerebral e se tornado um instrumento nas mãos dos comunistas, preparado para crer ou não em uma ordem. Não podia mais pensar por si próprio. Era um russo típico depois de todos esses anos de domínio comunista!"

2) Definindo a experiência sobre o poder comunista, em relação à experiência sobre o poder nazista (lembre-se, Wurmbrant é um nome judeu):
"A partir do dia 23 de agosto de 1944, um milhão de soldados russos entraram na Romênia e logo após os comunistas assumiram o poder do nosso pais. Então começou um pesadelo que fazia o sofrimento sob o Nazismo parecer nada."

3) Na cooptação da igreja:
"Desde que os comunistas assumiram o poder, cuidadosa e astutamente para os seus propósitos, têm seduzido a igreja".

4) Sobre o Congresso de cristãos, no Parlamento Romeno:
" Ali estavam quatro mil padres, pastores e ministros de todas as denominações. Esses quatro mil padres e pastores escolheram Joseph Stálin como presidente honorário do Congresso. Ao mesmo tempo era presidente do Movimento Mundial dos Ateus e assassinos dos cristãos. Um após outro, bispos e pastores se levantou ao nosso Parlamento e declararam que Comunismo e Cristianismo são fundamentalmente a mesma coisa e podem muito bem coexistir. Um após outro, os ministros ali presentes pronunciaram palavras laudatórias ao Comunismo e asseguraram ao novo governo a lealdade da igreja... Então me levantei e falei ao Congresso, exaltando não aos matadores de cristãos, mas a Cristo e Deus, e afirmei que nossa lealdade é devida em primeiro lugar ao Senhor... Depois tive de pagar por isto, mas valeu a pena!"

5) Sobre as traições:
"Aqueles que se tornaram servos do Comunismo, em lugar de servos de Cristo, começaram a denunciar os irmãos que os não acompanhavam".


CONCLUSÃO

Uma leitura reflexiva quanto ao sofrimento e martírio dos santos modernos, mas que revelam o amor a Deus, e o cuidado e amor sobrenatural dEle para com os seus filhos. E um alerta para a igreja acomodada, e agarrada ao conforto, de que o inimigo está sempre à espreita, pronto a nos infligir dor e perseguição (Jo 15.20). 

Porém, como está escrito: as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja!


Notas: 1- Não estou apontando a "perfeição" ou superioridade dos EUA, mas a incoerência de homens, eivados pelo veneno marxista, acusarem e condenarem a América, enquanto inocentam e silenciam-se diante das atrocidades cometidas em nome de uma suposta "liberdade" e "democracia" prometida por governos de esquerda. 

2- Não tenho qualquer intenção de polarizar a questão ideológica, no sentido de afirmar a supremacia da direita e dos conservadores sobre o marxismo. Em momento algum, falei disso. Quero apontar, com o texto, a incoerência de quem se diz "cristão" e ainda assim defende governos que perseguem, torturam e matam cristãos (ideologia que tem como princípio, desde as primeiras formulações, destruir qualquer noção de fé no Deus bíblico e nos fundamentos do Cristianismo).


3- Pelo contrário, afirmo, sim, a superioridade inconteste do Cristianismo sobre todas as formas de governo humanas, posto estabelecida pelo próprio Deus. E nós, salvos pela graça infinita e eterna de Cristo, experimentaremos o verdadeiro governo: justo, santo, pacífico, perfeito; erguido pelo amor igualmente infinito e eterno de Deus. 


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Avaliação: (****)

Título: Torturado Por Amor a Cristo

Editora: Voz dos Mártires

No. Páginas: 160

Sinopse:

"O Pastor Richard Wurmbrand foi o pastor evangélico que passou quatorze anos como prisioneiro dos comunistas, torturado em sua própria terra natal, a Romênia. Poucos nomes são tão conhecidos naquele país, onde ele é um dos mais reconhecidos cristãos, como líder, autor e educador.Em 1945, quando os comunistas tomaram o poder na Romênia e tentaram submeter as Igrejas aos seus propósitos, Richard Wurmbrand imediatamente deu início a um ministério “subterrâneo” – eficiente e vigoroso – destinado à pregação do Evangelho tanto a seus compatriotas escravizados quanto aos soldados russos que invadiram o país. Foi preso em 1948, com sua esposa, Sabina, que cumpriu pena de trabalhos forçados por três anos, no Canal do Danúbio. O Pastor Richard passou três anos na solitária, sem ver ninguém a não ser seus torturadores comunistas. Depois foi transferido para uma cela comum, onde as torturas continuaram por mais cinco anos.

Devido a sua posição internacional como líder cristão, diplomatas de embaixadas estrangeiras questionaram o governo comunista acerca da segurança de Wurmbrand, dizendo que ele fugira da Romênia. Agentes da polícia secreta, fingindo-se de ex-companheiros de prisão, disseram a Sabina terem assistido ao funeral de seu marido no cemitério da prisão. Recomendaram à família na Romênia e aos amigos de outros países que o esquecessem, porque já estava morto.

Após oito anos e meio de prisão, ele foi libertado e imediatamente retomou seu trabalho com a Igreja Subterrânea. Dois anos depois, em 1959, ele foi preso mais uma vez, e sentenciado a vinte e cinco anos de prisão.

Wurmbrand foi libertado quando de uma anistia geral ocorrida em 1964, e novamente continuou seu ministério clandestino. Levando em consideração o grande perigo de ser preso pela terceira vez, cristãos noruegueses negociaram com as autoridades comunistas sua permissão para deixar a Romênia."




21 novembro 2019

Conversando com C. S. Lewis





Jorge F. Isah


Alister McGrath é um teólogo, historiador e bioquímico britânico, autor profícuo de livros sobre apologética, biografias, e outros relacionados com a história da teologia e Cristianismo, além de profundo conhecedor da obra de C.S.Lewis. Tendo lançado, inclusive, uma biografia sobre ele. Ou seja, tem amplas credenciais para esmiuçar o pensamento de Lewis e levá-lo até um público ainda não "iniciado", ou que tem pouco contato com os seus livros.

Ambos nasceram em Belfast, Irlanda do Norte, o que pode aproximar ainda mais o campo de interesses entre eles, levando McGrath a estudar detidamente o trabalho grandioso do conterrâneo.

Conversando com Lewis é um livro despretensioso, com o objetivo de levar um novo grupo de leitores a se interessarem pela literatura "Lewisliana". São rápidas pinceladas sobre alguns dos principais trabalhos do literato, mostrando o fundo histórico e pessoal no qual estava envolvido no momento de escrevê-los. Informações suficientes para instigar o futuro leitor a se debruçar mais detidamente sobre eles. No que, acredito, seja o maior trunfo e sucesso de McGrath.

Eu mesmo, que tenho negligenciado a literatura de Lewis (identifico-me mais com Tolkien, apesar de não ser um leitor assíduo), vi-me obrigado a reconsiderar essa posição, e tratei logo de comprar um box com quatro volumes, estimulado também pelos apelos do amigo e pr. Celso Souza. 

Voltando ao "Conversando...", como disse, ele tem o mérito de levar novos leitores a se interessarem por Lewis. As informações são suficientes o bastante para não confundir os não "iniciados", mas o necessário para mapear-lhes o caminho enquanto futuros leitores.

É uma leitura agradável, fluída, em uma série de almoços fictícios com o autor, no qual o seu pensamento é clarificado.

Para aqueles que já conhecem e estão familiarizados com a literatura Lewisliana, penso que a leitura do "Conversando..." é dispensável, a menos que seja por completa curiosidade.

Recomendo para os não aficionados, especificamente, e para os fás compulsivos, aqueles que não perdem absolutamente nada, nem mesmo as notícias requentadas.

Boa leitura!


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Avaliação: (***)

Título: Conversando com C. S. Lewis

Autor: Alister McGrath

Editora: Pórtico

No. Páginas: 163

Resenha: "Você já imaginou como seria conversar com C. S. Lewis sobre diversosassuntos polêmicos? Você já pensou como seria uma entrevista com ele, falando sobre assuntos atuais e o que ele pensa sobre isso?"



01 novembro 2019

O Poirot coadjuvante em "O Assassinato de Roger Ackroyd"





Jorge F. Isah


Leio Agatha Christie desde os 11 anos, mais ou menos. Iniciado por minha mãe, que era fã dos seus livros, e, também, muito fã de Edgar Wallace. Perdi a conta, quantos dos seus romances passou por minhas mãos. Na verdade, não faço ideia. Até, porque, a obra da autora é prolífera. Normalmente, são enredos possíveis de se ler em um dia ou dois, e divertir-se bastante ao fazê-lo.

Então, passadas duas décadas, decidi retornar ao universo do detetive Poirot, já que a maioria dos livros policiais lidos recentemente foram do estilo noir. Iniciei por este, “O Assassinato de Roger Ackroyd”, considerado a sua obra-prima, e que ainda não lera (ao menos, não me lembrava de tê-la lido).

Romances como os de Agatha, Simenon e Wallace têm uma malha profusa de personagens secundários, ações, insinuações, blefes, acidentes e casualidades que tornam a figura do vilão quase inidentificável na trama. Ao menos, é o que eles tentam, e alguns conseguem. Não é raro você se deparar com a convicção de quem é o assassinato muito antes do clímax final. Mesmo com todas as pistas falsas, não é difícil, se houver atenção aos detalhes e particularidades de cada envolvido, desvendar o mistério; questão de tempo, mas acontecerá. Por isso, a necessidade de muitos personagens, ou suspeitos, para, no embaralhar das cartas, a almejada permanecer escondida.

E se este aspecto pode ser considerado negativo, o que não considero, o positivo são os detalhes, as minúcias, presas ao novelo enquanto se desenrola. As vezes a conclusão é tão óbvia porque, mesmo as pontas soltas, existe uma a uni-las.

Poirot é aquele detetive arguto, racional, meticuloso, desconfiado e, de alguma maneira, dissimulado e trapaceiro (um velhaco), muito diferente de um Sam Spade, por exemplo, que “tropeça” nas evidências e tem, na teimosia e algum senso de moral e justiça, o mérito para desvendar os seus casos. Poirot é um racionalista empedernido, autoconfiante e um diletante da própria inteligência e talento. Chega a ser entediante, às vezes, o seu egotismo.

De uma forma geral, “O Assassinato de Roger Ackroyd” é um típico exemplar do estilo “Whodunnit”, entretendo, divertindo, instigando e fazendo passar aquelas modorrentas horas sem ter o que fazer, ou sem estar disposto a fazer nada. Não é brilhante, mas é um livro condizente com a fama de Agatha Cristie.

Não espere personagens profundos e psicologicamente bem construídos. Eles não são os protagonistas. O crime, e o seu desvendar, é o personagem principal do livro. Toda a construção da história se baseia nele, inclusive dos personagens. Estes são adereços e penduricalhos a permitir a fluência do grande “herói”. Como luzes a iluminar um monumento. Poirot não é o herói. Nem o transgressor. Nem a vítima. São apenas acessórios. E estamos conversados!

Em tempo: lá pela metade do livro, já sabia quem era o criminoso. Suspeita iniciada quando Poirot entrou na trama, mas confirmada depois.


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Avaliação: (***)

Livro: O Assassinato de Roger Ackroyd

Autora: Agatha Christie

Páginas: 296

Editora: Globo


Resenha: “Em uma noite de setembro, o milionário Roger Ackroyd é encontrado morto, esfaqueado com uma adaga tunisiana – objeto raro de sua coleção particular – no quarto da mansão Fernly Park na pacata vila de King’s Abbott. A morte do fidalgo industrial é a terceira de uma misteriosa sequência de crimes, iniciada com a de Ashley Ferrars, que pode ter sido causada ou por uma ingestão acidental de soníferos ou envenenamento articulado por sua esposa – esta, aliás, completa a sequência de mortes, num provável suicídio. Os três crimes em série chamam a atenção da velha Caroline Sheppard, irmã do dr. Sheppard, médico da cidade e narrador da história. Suspeitando de que haja uma relação entre as mortes, dada a proximidade de miss Ferrars com o também viúvo Roger Ackroyd, Caroline pede a ajuda do então aposentado detetive belga Hercule Poirot, que passava suas merecidas férias na vila. Ameaças, chantagens, vícios, heranças, obsessões amorosas e uma carta reveladora deixada por miss Ferrars compõem o cenário desta surpreendente trama, cujo transcorrer elenca novos suspeitos a todo instante, exigindo a habitual perspicácia do detetive Poirot em seu retorno ao mundo das investigações. O assassinato de Roger Ackroyd é um dos mais famosos romances policiais da rainha do crime."