Jorge F. Isah
Esta aula não tem transcrição ou resumo, apenas o áudio.
Jorge
F. Isah
Judas é um tipo literário muito próximo de Jó, o
personagem bíblico, em suas agruras, aflições e dores. Ao passo em que Jó sofre
exatamente por sua fidelidade a Deus, e pelo desejo sincero de retidão e
justiça (o que acaba por despertar a maldade objetiva de Satanás), Judas deseja
apenas se ver livre das amarras sociais, numa espécie de autonomismo e
independência, acreditando que suas decisões cabem apenas e exclusivamente a si
mesmo, sem se importar, ou vislumbrar, com as consequências dos seus atos. A
liberdade de Judas é pueril e enganadora; e arrasta-o para dentro do “Mal”.
O livro escrito por Thomas Hardy (um entusiasta
apaixonado pelas ideias de Darwin) foi escrito em 1895, e carregado do
naturalismo em voga, que não deixou de influenciar a literatura. Judas, por
mais que tente, ao seu jeito, fugir do destino que lhe é traçado, sucumbe à sua
inexorabilidade (referência ao personagem bíblico que traiu Jesus?)¹.
Como não sou de fazer resumo dos livros, também não
o farei neste. Apontarei, contudo, o que mais me chamou a atenção, sem fazer
spoilers, e sem desestimular o futuro leitor a emprenhar-se nas aventuras e
desventuras do protagonista:
1) Judas tenta “mudar” o seu destino, algo que os
naturalistas, e, em especial Hardy, não crê possível. Para ele, Judas será o
que é, nascido um pária, morrerá como tal.
2) Ciente do que lhe espera, Judas apela para um
autonomismo impossível, como se pudesse viver no mundo alheio ao mundo, sem que
seus atos trouxessem consequências para si e seus queridos. Pouco a pouco, no
decorrer da história, parte para a negação de Deus, fazendo do Cristianismo o
“bode expiatório” do seu sofrimento. Em uma sociedade cristã, a culpa de todas
as convenções e males se deve, portanto, ao Cristianismo, num apelo tresloucado
à razão, como sendo-a santa, pura e perfeita; de maneira que, se todos os
homens a aplicassem por completo, negando suas crenças e fé, todos seriam
felizes. Acaba-se por criar e defender um dualismo “fé x razão” no enredo, o
que é, no mínimo, reducionista, simplório.
3) Hardy não escreveu uma única linha em que não
destilasse a sua aversão ao Cristianismo, se não explicitamente (como em muitos
diálogos e pensamentos), deixou-os subliminarmente evocados em ações e
comportamentos. Porém, o Cristianismo descrito pelo autor é o que podemos
chamar de “cristianismo secular” ou “nominal”, onde a aparência cristã é
utilizada para justificar o farisaísmo e a hipocrisia do homem. Veja bem,
farisaísmo e hipocrisia não são, nem de longe, aspectos do verdadeiro
Cristianismo, mas a “máscara” daqueles que o próprio Senhor Jesus denunciou a
seu tempo. Talvez, por isso mesmo, o autor escolheu o nome “Judas” para o seu
protagonista que, mesmo vivendo por mais de três ano na companhia do Cristo,
não se furtou a traí-lo.
4) Ao fugir das convenções e de aspectos morais que
regulavam o convívio social, se viu pagando um preço alto, vivendo como um
“cigano”, juntamente com a sua família. O capricho de não querer se enquadrar
ao escopo da sociedade colocou-o na situação mais miserável que o enquadramento
social lhe destinaria. Em sua rebeldia juvenil e ingênua, acreditava possível
passar ileso, sem traumas, quebrando regras. Judas não se considera responsável
por si, mas “a chorar as pitangas” contra o inimigo a destruir-lhe a felicidade: a
sociedade; enquanto aplica-se em cavar para si e os seus o caminho de ruina.
Este é um aspecto, em que o mal dentro do homem procura uma versão de mal fora
de si, e o distrai e afasta do julgamento correto, da seriedade correta, da
conclusão correta, onde o relativismo é o tiro certeiro no vazio, e o atirador
se convence de ter acertado o alvo, como um Quixote a lutar com monstros e
demônios apenas na imaginação.
5) Outro aspecto, fruto dessa visão vitimista e
malévola, inegável em Judas e sua esposa, Sue, é o orgulho e presunção de, ao
não se curvarem aos hábitos da sua época, serem superiores aos seus
concidadãos. A prova encontra-se nas inúmeras vezes em que exaltavam suas
inteligências, raciocínios e um apelo à razão como a essência de todas as
virtudes; por conseguinte, sendo os seus detentores, consideravam-se também
especiais, enquanto eram apenas jactantes, desdenhosos e antipáticos.
6) Nem mesmo o sacrifício pessoal, como o do prof.
Richard, parece um ato isento de soberba, de autoexaltação obstinada, dominada
pela “pureza” racional.
7) Entretanto, não há como não se compadecer da
“má-sorte” e os rumos que suas vidas tomaram. Ao ponto de, sem qualquer
esperança, sobrar-lhes a loucura e o definhamento.
Judas, o obscuro, é um livro pessimista, áspero,
quase inóspito. Mesmo nos momentos mais ternos e belos, a angústia, dúvidas e
desespero estão entranhadas nas palavras, sentimentos e reações. Não é um livro
fácil de ler, pois os lampejos de esperança são quase imediatamente dizimados
por uma realidade sufocante e cruel, pela teimosia de não mudar ou ceder, e a
incapacidade de tornar à vida, de encará-la de maneira menos fatalista, onde a
liberdade individual, via de regra, é quase inexistente diante do apelo
opressivo e coercitivo do destino.
Entretanto, é possível encontrar momentos de
ternura, elegância, acabando por tornar verossímil os personagens e o enredo
como um todo.
A linguagem é
simples, sem rebuscamentos. A narrativa parece se arrastar um pouco,
especialmente na primeira metade do livro. Contudo, em sua bissecção final, ela
flui sem delongas.
Judas, o obscuro é um bom livro? Sim, sem dúvidas.
Para estar no rol dos melhores de todos os tempos, como comumente é citado nas
grandes listas? Tenho dúvidas. Talvez, precise ruminar ainda um bom tempo a
história, e, quem sabe, fazer uma nova leitura, no futuro. Certo é que, tirando
a defesa “intransigente” do racionalismo e de um certo determinismo
naturalista, a “aversão” ao Cristianismo (criando um estereótipo, uma espécie
de espantalho), o livro se sai bem.
Notas: 1- Pode-se levantar a questão de que Judas traiu a si e sua família, como alguns apontam, mas não vejo fundamento. Por outro lado, é possível que Hardy tenha se utilizado do personagem Judas, do Novo Testamento, para dizer o quanto o caminho daquele era inevitalmente lúgubre, e, de alguma maneira, não se fez a devida justiça a ele; sua culpa não era inerente mas advinda do contexto social no qual vivia. Alguns teólogos e teóricos liberais concordariam, se não no todo em parte, com essa hipótese.
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Avaliação: (***)
Autor: Thomas Hardy
Editora: Abril Cultural
Páginas: 461