14 maio 2011

Reprovação, Vontade e Hipercalvinismo
















Por Jorge Fernandes Isah

Postarei outra conversa por aqui. Aconteceu com o Tiago Knox, do Internautas Cristãos, na qual abordamos vários assuntos. Especificamente, pincei este trecho que trata, como o título diz, de pontos complexos e polêmicos da doutrina cristã. Tudo começou com uma questão levantada pelo Fernando Frezza, do Barrabás Livre, sobre versículos  em Ezequiel: "Jorge eu estava lendo Ez 18:23-24 e queria saber sua opinião sobre 'Deus não querer a morte do ímpio' e como assimilar isso à dupla predestinação...". Depois de pensar um pouco, conversando com o Tiago, transferi-lhe a pergunta. Daí em diante, outros conceitos foram se formando enquanto o diálogo progredia.

Sei que muitos acharão que estamos caçando "pêlo em ovo"; e, especialmente, a minha posição contrária à doutrina da "dupla vontade de Deus" exporá o meu telhado de vidro às pedras. Ainda assim, acredito que valerá a pena, como proposta de reflexão, mesmo que eu saia em pedaços.

Agradeço ao Tiago com o qual tenho sempre bons papos. Nem sempre concordamos, mas a paz reina entre nós, por Cristo que nos une e fortalece. A ele, meu agradecimento por permitir a reprodução da nossa conversa.

Vamos a ela!

BATE-PAPO COM TIAGO KNOX

Eu: Deixe-me fazer uma pergunta teológica: como você vê a questão da dupla reprovação com o verso de Ez 18.23?

Tiago Knox: Dupla reprovação? Nunca ouvi esse termo rsrs... É jorgianismo?... Ez 18.23: "Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? Diz o Senhor JEOVÁ; não desejo, antes, que se converta dos seus caminhos e viva?"... Aí está falando da vontade preceptiva [1].

Eu: Humm... Foi mal... Eu quis dizer dupla predestinação...

Tiago Knox: E mesmo na vontade decretiva [2], não penso que Deus tenha prazer na condenação dos ímpios. Os eleitos também são ímpios, pode estar se referindo a eles.

Eu: É uma das coisas que pensei...

Tiago Knox: Mas acho meio forçado interpretar esses textos como se referindo só aos eleitos.

Eu: Ímpio necessariamente não é o réprobo... O reprovado eternamente, quero dizer. Mas ele está a falar com a nação de Israel.

Tiago Knox: É o mesmo caso em 1 Timoteo 2:4; que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade.

Eu: Se não for nesse sentido a eleição e predestinação ficam desconectadas de Deus. Como se ele quisesse algo e não quisesse ao mesmo tempo.

Tiago Knox: Há muita oposição entre as vontades decretiva e preceptiva de Deus.

Eu: Aí acho mais fácil, porque a carta é dirigida à igreja, ainda que seja na pessoa de Timóteo... Deus não é esquizofrênico. Ele é imutável em sua vontade.

Tiago Knox: Por exemplo, Deus proíbe o casamento misto, mas Ele fez Sansão casar com uma filistéia... A vontade preceptiva proibe, mas a decretiva desejou... Juízes 14:4: "Mas seu pai e sua mãe não sabiam que isto vinha do SENHOR, pois este procurava ocasião contra os filisteus; porquanto, naquele tempo, os filistes dominavam sobre Israel".

Eu: Humm... Tenho dificuldade com essa visão. Ainda que ela explique, não me parece lógica. Sei que Pink e outros reformados gostavam muito de usar esse argumento de duas vontades, mas sei não... Acontece que a vontade preceptiva é proclamada para o homem, aquela que podemos conhecer, enquanto a decretiva, tirando as profecias, somente saberemos com o fato se desenrolando no tempo... Parece-me que a preceptiva está na dependência da decretiva; portanto Deus não tem duas vontades, mas uma vontade, e a vontade preceptiva faz parte dela, da decretiva.

Tiago Knox: Mas como tu explicas quando Deus decreta algo que fere Sua Lei?

Eu: Bem, seria a mesma pergunta quanto ao mal ou ao pecado. Eles ferem a Lei de Deus mas foram decretados. Fazem parte da sua vontade.

Tiago Knox: Então... É como se, por um lado, Deus desejasse que o pecado não ocorresse, e por outro, Ele deseja que ocorra... Ele deseja que todos pecadores se arrependam e creiam.... Mas também deseja que os réprobos não se arrependam, e também não lhes concede fé; isso faria de Deus um esquizofrênico?... Um arminiano diria que sim.

Eu: Entendo assim: a vontade de Deus é que o seu povo seja reunido em torno do seu Filho Amado, e o restante são meios pelos quais isso acontecerá no decorrer da história... Inclusive o mal, o pecado, as transgressões, etc.

Tiago Knox: A gente falando em Bíblia... Acabei de lembrar que hoje é meu dia de postar no Leitores da Bíblia...

Eu: Deus estabelece um princípio para o seu povo; que o seu povo terá na eternidade através do sacrifício de Cristo; os demais eventos revelarão que todos os outros estão fora desse plano. Assim Deus revelará o seu amor para com o seu povo, separando-o e usando todo o restante para que o seu amor fique evidente, não pelo mundo, mas pelos eleitos... Vai lá, e posta!

Tiago Knox: Já estou postando... Isso aí é do ponto de vista do decreto eterno e secreto de Deus, mas o Evangelho é anunciado a todos os homens e Deus quer e ordena que todos se arrependam.

Eu: Não. Está revelado na Bíblia que esse é o seu objetivo. Mas apenas os capacitados por Deus se arrependerão.

Tiago Knox: Sim, revelado o plano, mas não a forma como isso se processa.

Eu: Logo, Deus não quer que os demais se arrependam... Sim, o decreto se desenrola no tempo e na história. Somente tomamos conhecimento dele quando está em execução.

Tiago Knox: Veja: Atos 17:30: "Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam"... Textos como esse podem ser lidos como se tratassem somente dos eleitos?

Eu: É a instrumentalidade humana. Não há como ser de outro jeito. Não há chance do não-eleito se arrepender.

Tiago Knox: Isso sabemos.

Eu: Pedro prega assim porque não sabe quem é ou não eleito.

Tiago Knox: Mas o ponto é: somente aos eleitos é ordenado o arrependimento?

Eu: Precisa incluir todos no chamado ao arrependimento... Não. O chamado é para todos, mas apenas os eleitos ouvirão e responderão positivamente. Pedro não poderia dizer: "os eleitos que estão aqui, se arrependam; e os demais, podem ir embora...".

Tiago Knox: Se ele fosse hipercalvinista, ele diria... rsrs...

Eu: Muitos que ouviram aquela mensagem se converteram no momento, e muitos outros ouviram-na e se arrependeram depois; e ainda hoje Deus usa a mesma pregação de Pedro para converter a muitos... É, se ele fosse... [rsrs].

Tiago Knox: Responde: Deus queria ou não queria que Sansão casasse com uma filistéia?

Eu: Já imaginou se a coisa é colocada da forma de eleito e não eleito? Haveria uma exclusividade no próprio chamado, que já é exclusivo de certa forma, pois apenas os que se arrependerem estarão entre o povo de Deus. Mas quando se diz todos, mesmo quem não for eleito está sendo convidado, e recusará, ficando inescusável diante de Deus... Já imaginou o evangelista na caça por eleitos? Seria algo neurótico demais... Um caçador de eleitos [rsrs]... Quanto à sua pergunta, sim. Deus queria que Sansão se casasse com a filistéia, senão ele não se casaria com ela. A ordem de Deus para Sansão ou para Adão foi a mesma: não faça! Mas eles fizeram, cumprindo o decreto divino. E Deus quis que assim fosse. Que eles desobedecessem.

Tiago Knox: Mas a Lei de Deus proibindo o casamento misto não é Sua vontade, também?

Eu: A lei e ordem vêm para revelar a desobediência e a desordem. Humm... Acho que faz parte da vontade... Como uma sub-vontade... Uma vontade inferior, sujeita à vontade superior. O mesmo caso seria Deus ordenar que o homem não matasse, pois se matar, pagaria com a própria vida; mas, contudo, ele ordenou a morte de milhares, como no caso dos Cananeus.

Tiago Knox: Mas quando Deus ordena, Sua vontade preceptiva está mudando também.

Eu: O homem deve fazer isso como norma, e a norma é dada como critério de obediência, mas também de desobediência. Para, no final, todos, sem exceção, serem achados desobedientes... Apenas Cristo cumpriu a lei e obedeceu. Para que ficasse revelada a sua natureza perfeita, em contraste com a nossa natureza imperfeita... Não. A ordem ou preceito faz parte do decreto. É apenas mais um elemento dentro dele.

Tiago Knox: A vontade preceptiva de Deus se altera em situações e com pessoas diversas... Por padrão, matar é pecado, mas em alguns casos ele ordena matar.

Eu: Ela é parte do decreto. Está sujeita a ele. Deus ordena que os homens se arrependam, mas nem todos se arrependerão, porque Deus não os capacitou para tal; assim a vontade final de Deus é que eles não se arrependessem, e desobedecessem sua ordem. Tanto a ordem como a desobediência à ordem fazem parte do decreto, da sua vontade soberana.

Tiago Knox: Sim... Mas a ordem para que se arrependam não pode ser chamada de vontade de Deus?

Eu: O único problema nesse esquema é que algumas vezes Deus estará sujeito ao seu próprio decreto. No que não concordo. Discordando de mim mesmo [rsrs].

Tiago Knox: Qual esquema? O seu?

Eu: É.

Tiago Knox: Humm... É errado dizer que Deus DESEJA que todos os homens sejam salvos?

Eu: Não, do ponto de vista da proclamação do Evangelho. Mas é errado ACHAR que ele quer que todos se arrependam. Pois ele não quer, tanto não quer, que endurece muitos a não querer o arrependimento e a manterem-se rebeldes.

Tiago Knox: Eu acho que o seu erro é não diferenciar a vontade preceptiva [revelada] da vontade decretiva [oculta].

Eu: Não sei. Estou pensando tudo isso enquanto converso com você... Nunca havia pensado nessa coisa desse jeito, ou mesmo de outro jeito.

Tiago Knox: A morte de Cristo...

Eu: E é muita coisa para se pensar...

Tiago Knox: ... Cada ofensa que Ele sofreu era da vontade de Deus ou não?... A minha resposta é sim e não.

Eu: Sim. Pedro diz isso em Atos 4.27-28: "Porque verdadeiramente contra o teu Santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão [a mão de Deus] e o teu conselho [o conselho de Deus] tinham anteriormente determinado que se havia de fazer". E o profeta diz o mesmo  em Isaías 53.10: "Todavia, ao Senhor agradou moê-lo [Jesus Cristo], fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do Senhor prosperará na sua mão".

Tiago Knox: Mas isso do ponto de vista do decreto, dentro do plano da salvação.

Eu: Não há outra vontade soberana a não ser a decretiva.

Tiago Knox: Porém, não podemos achar que Deus tenha prazer na injustiça.

Eu: Olha, ele não tem prazer na injustiça... E o fato dele querer, decretá-la, não quer dizer que tem prazer. No seu plano perfeito era o que se devia fazer perfeitamente. Não havia outra opção mais perfeita, nem mesmo opções menos perfeitas; para que a perfeição do Filho fosse proclamada, ficasse evidente, e o Pai fosse glorificado.

Tiago Knox: Sim; dentro do decreto, Deus desejou a injustiça; mas a injustiça é contra a Sua lei, portanto, Ele não quer a injustiça... Parece uma contradição, mas de fato não é.

Eu: "Desejou" é forte. Não digo que seja isso. Ele apenas decretou. O decreto tem coisas boas e más, mas ele, em si mesmo, é santo e perfeito, pois glorifica ao Deus santo e perfeito.

Tiago Knox: Podemos dizer que, muitas vezes, dentro do decreto, Ele deseja que façam o contrário do que Ele deseja... Compreende?... São duas vontades. Ele decreta que violem a Sua lei.

Eu: Compreendo. Acho apenas que o termo "desejo" não deve ser empregado. Ainda que Deus queira. É como o Pai que não deseja punir o filho, mas tem de puni-lo para o próprio bem do filho. Ele o ama e não quer que ele se perca, por isso o castiga, mesmo não querendo castigá-lo; ele o faz pela necessidade insuperável... No caso dos eventos maus, Deus os decreta, mas não os deseja, porém eles cumprem o propósito maior de revelá-lo e a sua vontade primeira: separar um povo para si por meio de Cristo... Por desejo quero dizer ter prazer, se deleitar, etc. Mas se desejo é querer, isso ele quer.

Tiago Knox: Não entendo assim. Entendo que, no caso das más atitudes das criaturas Ele está desejando [decretando] que elas façam o contrário do que Ele deseja [ordena em Sua lei]. No caso do anúncio do Evangelho aos réprobos a lógica é a mesma, mas ao contrário, Deus deseja [ordena em Sua Lei] que eles obedeçam, mas eles rejeitam, porque Ele deseja [decreta] a rejeição deles... Muito confuso?! 
Eu: É, um pouco [rsrs]... Assim Deus tem duas vontades?

Tiago Knox: Sim.

Eu: Mas isso não faria de Deus alguém inconstante, logo, mutável? Pois qual vontade veio primeiro? E se veio, por que veio a outra?

Tiago Knox: O decreto veio primeiro, e o decreto é imutável.

Eu: Só consigo entender como a vontade preceptiva submissa em tudo à decretiva, de tal forma que a decretiva é a vontade de Deus, a preceptiva é "componente' daquela... Uma ordem para que as coisas sejam separadas... Então, o decreto é a vontade divina.

Tiago Knox: Mas a Lei também é.

Eu: A Lei é parte do decreto, também.

Tiago Knox: Mas a Lei é uma vontade ou não?

Eu: É claro que é, mas é também um componente na relação do Criador com a criação. Porém, Deus não quer que todos sigam a Lei, pois do contrário ninguém a desobedeceria; logo Deus quer que nem todos a sigam; uns sim, outros não. Mas a ordem é geral, para todos os homens.

Tiago Knox: Novamente não está diferenciando a Lei do Decreto? Se Ele ordena que todos obedeçam, Ele deseja que todos obedeçam.

Eu: A Lei está no Decreto... É componente dele.

Tiago Knox: O fato dEle desejar [ordenar] que todos obedeçam não resulta em todos obedecerem, pois o que determinará quem vai ou não obedecer é o Decreto.

Eu: Desejar é querer. É diferente de ordenar. Eu ordeno que você não toque no meu sanduíche, mas enquanto dou as costas, você vai lá e come. Eu poderia tê-lo trazido comigo, ou prendido você no banheiro enquanto estivesse longe do sanduíche. Poderia haver meios de eu evitar que você desobedecesse, mas eu o deixei lá, sozinho; o sanduíche olhando para você e vice-versa, e você não resistiu, e comeu. Eu não quis que comesse, mas você comeu... É claro que estou falando de uma relação homem x homem, muito diferente de Deus x homem.

Tiago Knox: se você ordena que eu não toque no sanduiche, significa que você não quer que eu toque, né!

Eu: No caso de Deus, ele quis que houvesse desobediência. Ao decretá-la. Ele não pode querer que eu obedeça e desobedeça ao mesmo tempo.

Tiago Knox: Pode sim.. rsrs... Pois não é no mesmo sentido.

Eu: Então você há de convir que os arminianos estão corretos, Deus pode ser resistido pelo homem contra a vontade dele.

Tiago Knox: Sim, contra a Sua vontade preceptiva sim, mas não contra a Sua vontade decretiva.

Eu: Sabe, o meu problema é fazer essa diferenciação, pois se Deus tem duas vontades, qual delas prevalece como vontade? Se eu quero algo e não quero, o que quero? Ou o que não quero?

Tiago Knox: Vamos simplificar... Lei: o que pode e o que não pode. Decreto: vai obedecer ou não vai... Deus ordenou que Adão não comesse do fruto da árvore do bem e do mal; mas Deus decretou que Adão comesse. Suas duas vontades em oposição uma a outra.

Eu: A ordem não pode ser vontade. Pois Deus quis que Adão desobedecesse. A ordem é um componente do decreto sem o qual Adão não poderia desobedecer...

Tiago Knox: Bom, pra mim a ordem é vontade.

Eu: ... E assim não curmprir a vontade de Deus.

Tiago Knox: É da vontade de Deus que os homens não mintam, mas Ele decreta que eles mintam.

Eu: Penso o seguinte: Deus decretou como Lei que o homem não minta. Mas Deus decretou que alguns homens não mintam e outros mintam. E decretou que apenas um homem jamais mentiria, Cristo. No fundo, tudo é para a glória de Deus em Cristo, o homem perfeito, aquele pelo qual Deus seria conhecido, louvado, bendito, exaltado... A vontade de Deus é que homens mintam e outros não mintam. E que Cristo jamais mentiria. Se ele não quisesse que nenhum homem mentisse, nenhum mentiria.

Tiago Knox: É, a nossa dificuldade está em definir o que é vontade. Eu chamo a Lei de vontade, uma vontade diferente do Decreto.

Eu: Qual T.S. trata desse assunto? Não me lembro de ter lido nada disso no Berkhof... ou no Cheung... Bem, não lembro de muita coisa que li mesmo...

Tiago Knox: O Cheung fala muito disso.

Eu: Vou pegar a T.S. dele e dar uma lida... Não me lembro... realmente.

Tiago Knox: Sansão e sua fé, eu acho que é um bom livro sobre o assunto... Eu acho, pois não lembro em quais livros ele trata das duas vontades. Mas sei que é em mais de um... Tem alguns textos no Monergismo que tratam do assunto:

Eu: Vou ler, e nos falamos... Estou lendo o texto do Sam Storms e parece que a vontade preceptiva é uma ordem mesmo... Que a vontade divina é a decretiva.

Tiago Knox: Sim, mas é uma vontade... rsrs. Por isso se chama "vontade" preceptiva.

Eu: O termo me parece inadequado. Ele usa a expressão "vontade de preceito ou ordem"... Ordenar não é desejar. Posso ordenar que se cumpra algo que eu não quero, mas é necessário. Seja por força do cargo, missão ou para o bem próprio ou da outra pessoa.

Tiago Knox: Mas quando Deus ordena, é porque Ele quer

Eu: Sim. Veja bem, a ordem em si não é o seu querer, pois ele quererá que uns obedeçam e outros não. Ela cumpre um plano maior que é o decreto. Ele é a vontade de Deus plena!... Mas vou ruminar em tudo isso, e depois continuamos o papo.

Tiago Knox: A palavra "vontade" está sendo a tua pedra de tropeço... rsrs. No fundo, nós concordamos quanto ao conceito, só diferimos em relação aos termos.

Eu: Pode ser. Não gosto do termo vontade para designar uma ordem, necessariamente... Isso faria de Deus bipolar...

Tiago Knox: O "problema" é que a própria Bíblia usa o termo vontade [ou desejo] para as duas vontades.

Eu: ... Ou com duas personalidades. Uma que quer, e a outra que não quer... Chego a dar razão aos arminianos [rsrs].

Tiago Knox: huahuahua!... Daqui a pouco você abandona as fileiras calvinistas... rsrs.

Eu: Ou pulo para as hiper...

Tiago Knox: Pois é; no fundo é o mesmo erro do arminianismo, só que ao contrário.

Eu: Mas a nossa discussão já está acirrada demais para pôr mais lenha na fogueira [rsrs].

Tiago Knox: Hehe... É o mesmo erro lógico. O arminiano pensa assim: Se Deus ordena que evangelizemos todos, então todos podem ser salvos.

Eu: Não sei... O compatibilismo tem um erro lógico imenso, e não é hiper.

Tiago Knox: O hiper pensa do mesmo jeito: Se Deus só vai salvar os eleitos, só precisamos pregar para eles.

Eu: Eles só esqueceram um detalhe: como saber quem é ou não!... Coisa pequena, de somenos importância.

Tiago Knox: Tanto os arminianos quanto os hiper não entendem a diferença e a simultaneidade das duas vontades de Deus... Os hiper devem ter um tipo de eleitômetro... rsrs.

Eu: Opa! Quer dizer que quem não aceita as duas vontades de Deus é arminiano ou hipercalvinista?... Cruz-credo!... Quanto à pregar o Evangelho somente para quem "aparenta" ser eleito, isso é coisa de tonto! Nesse aspecto, não conheço nenhum cristão que seja um caçador-de-eleitos [rsrs]... por mais hiper que ele "pareça" ser.

Tiago Knox: O hipercalvinismo acabou faz tempo. Desconheço alguma denominação que ainda tenha o hipercalvinismo como doutrina oficial.

Eu: Vou restaurar o movimento, sem a exclusividade do evangelismo para eleitos... seria o "neohiper"... [rsrs].

Tiago Knox: Meu irmão, preciso ir agora.

Eu: Também vou. Passou da hora. Obrigado pelo papo.

Tiago Knox: Abraço.

Notas: [1] Vontade Preceptiva - Representada pelas suas prescrições, determinações e mandamentos. Ou seja, são os padrões de conduta e encaminhamentos de vida, revelados por Deus em sua palavra.
[2] Vontade decretiva - Representada pelos seus decretos. A providência divina é a aplicação dessa vontade no desenrolar da história e de nossas vidas. 

03 maio 2011

A alegoria da razão

Ouça este artigo:




TEÍSMO-EVOLUCIONISTA: A AUTOCONTRADIÇÃO










Por Jorge Fernandes Isah*

De todos os absurdos que muitos "cristãos" acreditam e cometem um deles, sem dúvida, tem uma pretensa áurea intelectual mas que na verdade é repugnante à razão, algo que vai além do disparate, como uma psicopatia. Para explicar melhor o que estou a dizer, precisamos entender alguns termos, ainda que todos os saibam, e eu os descreva resumidamente, nos aspectos em que informam o suficiente para o desenrolar deste texto:

1) Evolucionismo ou Darwinismo - termo usado para definir o surgimento da vida através de causas aleatórias, despropositadas e a partir de matéria pré-existente. Alega ser científica mas tem seus fundamentos no materialismo filosófico. Basicamente se contrapõe ao Criacionismo.

2) Criacionismo - Teoria que afirma ser a vida criada por Deus a partir do nada, ex-nihilo, com propósito definido [interessa-me apenas o relato bíblico].

3) Teísmo-Evolucionista - Afirma ser a vida criada por Deus mas através de processos evolucionistas.

O problema aqui resume-se a solucionar a seguinte equação: como o teísta-evolucionista consegue conciliar a criação a partir de um Deus inteligente, sábio, pessoal, proposional e que não utilizou matéria pré-existente com o evolucionismo que afirma ser tudo obra do simples acaso?

Primeiro, há de se entender que o evolucionista pressupõe a cosmologia, visto seus pressupostos partirem da idéia de que havia material pré-existente do qual se originou todo o processo evolutivo, visto não ser possível evoluir do nada, já que do nada não provém coisa alguma. É necessário que os elementos primordiais para desencadear todo o processo existissem [interessante que a palavra processo indica mudanças sistemáticas numa direção definida, visando determinado resultado, o que os evolucionistas se recusam a crer, apelando sempre para a indeterminação], do contrário, a vida evoluiria do quê?

Desta forma a teoria da evolução pressupõe a cosmologia, e ambas pressupõem a epistemologia, ou o conhecimento. Logo a epistemologia é anterior a ambas, derivando ou originando-as.

Tanto a biologia como a cosmologia não podem existir num vácuo, pois é impossível concordar com a idéia de que o universo existe pura e simplesmente para então discutir biologia. Primeiro é preciso o conhecimento para se formular uma teoria cosmológica ou biológica. Se não há conhecimento de como surgiu o universo, é impossível que a biologia seja verdadeira, pois "todo raciocínio científico é formalmente falacioso e não pode alcançar a certeza dedutiva" [1].

Como a ciência não tem esse conhecimento, a sua base é falsa, e nem mesmo se deve discutir sobre uma base falsa, pois tornará todo o debate em algo que não se pode suportar ou sustentar-se além do seu próprio mundo imaginário, tornando a teoria da evolução uma fantasia tanto quanto o seu universo.

Como a epistemologia cristã nos dá respostas claras de que o universo foi criado por Deus a partir do nada, então, de posse do conhecimento verdadeiro, é-se possível construir uma cosmologia e uma biologia cristãs igualmente verdadeiras e justificáveis.

Mas o dilema do teísmo-evolucionista, ainda que tente resolver a questão colocando Deus como o Criador, mesmo que ele seja incompetente e preguiçoso, pois deixou a cargo de forças naturais e do acaso concluir a sua obra, não será suficiente para afastá-lo do local aparentemente seguro mas violado pela flagrante contradição. 
O texto bíblico é claro em afirmar que Deus criou o homem, não através de um processo evolutivo, mas do pó da terra, ao qual deu vida pelo seu sopro, tornando-o em alma vivente [Gn 2.7]. Se ele não for capaz de acreditar na criação direta, conforme o relato de Gênesis, estará a afirmar que a Bíblia não é verdadeira, pois se um só detalhe em suas páginas for falso, toda ela será falsa. Como a palavra de Deus, inspirada, inerrante e infalível, se for possível rejeitar um ponto que seja, estar-se-á a rejeitá-la completamente, e sua autoridade não é válida. Os cristãos que se aliam ao teísmo-evolucionista, nada mais estão a dizer do que: "não creio na Bíblia como revelação direta de Deus"; colocando-os em maus-lençóis diante da fé cristã, pois ao se rejeitar uma proposição bíblica não se pode ao mesmo tempo "apelar à autoridade divina para sustentar suas outras crenças" [2].
Não consigo compreender nem entender essa união perigosa, pois o crente, para abarcar em sua cosmovisão o evolucionismo, terá de abrir mão de boa parte da Escritura. Por isso há uma crescente alegorização de Gênesis 1 a 11, de tal forma que eles têm um cunho moral [e uma moral forjada à revelia da revelação] e não histórico. Mas se levar em conta que toda a doutrina cristã se baseia no relato de Gênesis como real e histórico, e que Cristo, Paulo e Pedro, entre outros, confirmaram o que está escrito em suas páginas como acontecimentos reais, fica cada vez mais provada a inconsistência dos argumentos dos teístas-evolucionistas; eles não podem crer nas palavras do Senhor e dos apóstolos sem crer no relato bíblico da criação.
Toda a cosmovisão cai por terra, a revelação cai por terra, Cristo cai por terra, sua obra na cruz também, ou seja, o cerne do Cristianismo e da Bíblia são colocados em descrédito, e toda a sua unidade e coesão perdem o sentido. Se a morte já existia antes do homem vir a existência [como o evolucionismo proclama, é necessário mortes e mais mortes em milhões de anos para que as espécies se aperfeiçoem pela seleção natural], o pecado então surgiu muito depois que a morte viesse a subsistir, não sendo portando a sua causa. E se o pecado não gerou consequências diretas e práticas na vida humana, em seu sentido corpóreo, metafísico e real, a Queda e a Redenção não passariam de contos-da-carochinha, histórias para boi-dormir; Deus estaria a nos enganar e a fazer da expiação através da crucificação de Cristo no Gólgota, um espetáculo megalomaníaco e sádico. O que nos levaria a concluir que estamos nas mãos de um "Deus" cínico e sarcástico. Mas nenhum deles admite essa possibilidade, porém há proponentes do teísmo-evolucionista que enquadraram o seu pensamento em outros tipos de ceticismo. A conclusão lógica desse labirinto é forçar uma saída; rejeitando o único caminho verdadeiro e possível: o Cristianismo bíblico.
Logo, o que o cristão-evolucionista proclama? Uma redenção apenas espiritual? [a soteriologia deles é uma colcha de retalhos; o sustentáculo da doutrina da salvação passa inevitavelmente pelo Éden como realidade, não como ficção] Mas, e o que dizer da redenção física que também é prometida por toda Escritura? De que a criação geme com dores de parto juntamente com nós esperando a redenção do nosso corpo? [Rm 8.19-23]. E por que Cristo haveria de morrer? E ressuscitar? Para vencer a morte? Mas qual morte? 
Como ficaria a questão do pecado? Qual a justificativa para que Deus ordenasse a morte, visto que ela faz parte do processo evolutivo? E a moral? Como um Deus pode exigir moralidade se a sua criação está incompleta? E ela é a punição sem motivos aparentes; nada além de uma forma para a vida, ou a vida como um estágio da morte?... O pecado foi o desestabilizador. A partir dele, tanto o homem como o mundo se corromperam, e nasceu o caos, e veio a morte. Mas os teístas-evolucionistas alegam que todo o relato da criação é alegórico, que o pecado é alegórico e a morte não é literal, não conforme nos foi entregue pelo próprio Deus. Isso faz com que todo o restante seja corrompido pela falsidade do princípio. Se o início não é verdadeiro, a sequência também não é. E alegorizar outras passagens, doutrinas e fatos não seria difícil. Ao ponto em que qualquer um poderá, ao seu bel-prazer, desqualificar determinado trecho ou o todo com o mesmo argumento que se viola a inerrância e infalibilidade da Escritura; o mesmo argumento que torna Deus indigno e desonrado.

Assim os cristãos-evolucionistas estão em uma sinuca-de-bico, numa situação em que defenderão um ponto racionalmente e rejeitarão o outro ou ficarão sem nada ao defenderem ambos. E ao defenderem, me parece, já estão com as mãos vazias e amarradas.

Nota: *Escrito e narrado por mim... mas o áudio pode chegar um pouco depois da publicação do texto.
[1] Introdução à Teologia Sistemática, Vincent Cheung, Arte Editorial, pg. 160
[2] Idem. Pg 158.
[3] Música ao fundo da narração: "Réquiem", de Brahms

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