10 junho 2025

A Ilha do Tesouro ou Construindo Jackyll & Hyde




Jorge F. Isah


Depois de algumas décadas, refiz a leitura de “A Ilha do Tesouro”, meio que despretensiosamente, já que sempre considerei o livro infanto-juvenil (talvez por tê-lo lido umas duas ou três vezes até os 14 ou 15 anos). É um livro que prendeu-me a atenção pela volta à nostalgia, dos dias em que me imaginava um aventureiro corajoso e destemido em um mundo perigoso, mas completamente desconhecido. Devo tê-lo lido em dois ou três dias, nos momentos disponíveis entre o trabalho, os estudos e os afazeres familiares; o que acabava me deixando ansioso para uma folguinha e a volta à narrativa de Stevenson. 

Como curiosidade, vale lembrar que a ideia inicial de R. L. Stevenson era escrever uma história para o seu sobrinho (alguns julgam ser o enteado), algo que aguçasse a imaginação e fantasia do jovem; publicada inicialmente na forma de capítulos em uma revista da época, surgiu na forma de livro em 1883. 

A grande importância do livro, além do próprio enredo, foi trazer para o gênero (que não existia como tal) elementos que o caracterizariam depois. O mote de tudo é a busca pelo tesouro do “Capitão Flint”, um pirata terrível que supostamente havia enterrado uma grande fortuna. O motim dos tripulantes e a luta pela sobrevivência, enquanto a corrida ao baú continuava, são o pano de fundo para o desenrolar da estória. 

De um lado temos o “bem” nas pessoas do jovem Jim Hawkins (o narrador, em primeira pessoa), Capitão Smollett, Dr. Livesey e o Lorde Trelawney; em outro lado temos Hands, Papy, Arrow e o carismático, mas não menos temido, Silver. Ele é um caso à parte. E será dele a maior parte deste comentário. 

Situemos “A Ilha do Tesouro”, escrito cinco anos antes de “O Estranho Caso do Dr. Jackyll e o Sr. Hyde”, também conhecido como “O médico e o Monstro”. Encontramos na figura do cozinheiro Long John Silver (um disfarce para encobrir as suas reais intenções) características, ainda que preliminares, a comporem a personalidade central de Jackyll e Hyde, os conflitos entre o bem e o mal. É claro que nada disso é traçado de forma límpida, o tal do preto no branco, como se fossem meros espectros antagônicos, sem conflitos interiores, dúvidas e muito pouca certeza. Não sou dualista; entretanto, entendo que existe um conflito em curso na vida humana, ora pendendo para um lado, ora outro,  as vezes entrelaçados; ainda que boa parte das pessoas esteja em lados opostos, aparentemente, numa guerra de interesses. 

Silver é uma mente culta, de intelecto privilegiado, de retórica apurada, mestre tático, ardiloso, sedutor, capaz de convencer a pulga de que é o cachorro. Em contrapartida, é uma mente atormentada, capaz de cometer atrocidades e crimes sem um leve pestanejar, sem qualquer arrependimento ou compaixão. Da mesma forma que transparece eloquência, e uma boa dose de submissão aos seus empregadores, se o fim é apossar-se do tesouro de Flint, a fúria, a qualquer um que atravesse o  caminho, o tornará sanguinário e cruel. Nem mesmo o carinho e interesse quase paternal pelo jovem Jim (de certa forma, ainda que momentâneo, protegendo e ensinando-o os segredos da navegação) o impedirá de afastá-lo como um mero obstáculo a ser transposto até a posse do tesouro. 


Estando na meia-idade, e tendo uma perna-de-pau, sua força física, aliada a uma violência natural (sem nos esquecer da sua sagacidade), torna-o em um oponente quase imbatível. O temor pelo qual perpassam inimigos e aliados é completamente justificado pelo corpo e mente diabólicos de Silver. A luta dele é pela sobrevivência, mesmo que decida-se por um lado, e depois por outro, os interesses são os de preservar-se a todo custo, ainda que resulte em dupla traição: aos antigos inimigos feitos novos amigos, e aos antigos amigos em inimigos. 

Existe alguma semelhança na construção de Silver e Jackyll/Hyde, numa luta ferrenha entre as virtudes e os vícios, travadas na alma do mesmo homem. 

Na teologia cristã, e na vida de cristãos conversos, essa batalha se trava no âmago, em que, transformados e regenerados por Cristo, ainda se vive com a natureza pecaminosa. Em vários textos bíblicos temo-la como a “luta entre o espírito e a carne”. Essa é uma realidade vivenciada em maior grau pelos cristãos, cientes do que seja o bem e o mal, o moral e imoral, vida e morte. Mas mesmo os não-cristãos têm em si a centelha do Imago Dei; e trava-se a mesma disputa, por causa dos atributos divinos transmitidos ao homem quando da sua criação. 

Por que toquei nesse ponto? Porque a boa literatura não prescinde a realidade, muito menos a realidade moral, da qual Silver e Jackyll/Hyde são exemplos do que somos, fomos ou seremos, em algum momento e alguma proporção. Ainda que a crueldade de Silver e Hyde não aflore em nossos atos, a certeza é de que, sem os aspectos da moral divina a nos frear, seríamos tão ou mais sanguinários que eles. 

Se levarmos em consideração que “O Médico e o Monstro” é uma aventura pela loucura, cobiça e depravação de Jackyll, a pretensão de se fazer Deus, como certo personagem do Éden, “A Ilha do Tesouro” não é menos uma aventura pela alma conturbada de Silver do que a caça à riqueza e poder. Por isso, Long John se inscreve no rol dos grandes personagens literários de todos os tempos, como um alerta para vencermos o mal. Por pouco, não pagou por seus atos, debaixo da benevolência do Dr. Livesey e de um acordo interessante a ambos. Fica contudo a imagem de que o homem sem Deus pode resistir ao apelo do mal por algo de divino que ainda reside em seu ser, mas de que, invariavelmente, ele será apenas o que é, um fugitivo do bem a cair nas malhas ou teias dos vícios e pecados. 

Ben Gunn entendeu, à sua maneira, aplicar engenhosamente os princípios morais, negando o que fora, para aliar-se àqueles que o salvariam. Ainda que tenha voltado novamente ao vômito como o cão... tempos depois. Mas vou parar por aqui, senão um comentário pode se tornar um ensaio. E estou longe de escrevê-lo.


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Avaliação: (****)

Título: A Ilha do Tesouro

Autor: Robert Louis Stevenson

Editora: L&PM Pocket

No. Páginas: 366



04 junho 2025

Judas, o Obscuro - Thomas Hardy

 




Jorge F. Isah

 

 

Judas é um tipo literário muito próximo de Jó, o personagem bíblico, em suas agruras, aflições e dores. Ao passo em que Jó sofre exatamente por sua fidelidade a Deus, e pelo desejo sincero de retidão e justiça (o que acaba por despertar a maldade objetiva de Satanás), Judas deseja apenas se ver livre das amarras sociais, numa espécie de autonomismo e independência, acreditando que suas decisões cabem apenas e exclusivamente a si mesmo, sem se importar, ou vislumbrar, com as consequências dos seus atos. A liberdade de Judas é pueril e enganadora; e arrasta-o para dentro do “Mal”.

O livro escrito por Thomas Hardy (um entusiasta apaixonado pelas ideias de Darwin) foi escrito em 1895, e carregado do naturalismo em voga, que não deixou de influenciar a literatura. Judas, por mais que tente, ao seu jeito, fugir do destino que lhe é traçado, sucumbe à sua inexorabilidade (referência ao personagem bíblico que traiu Jesus?)¹.

Como não sou de fazer resumo dos livros, também não o farei neste. Apontarei, contudo, o que mais me chamou a atenção, sem fazer spoilers, e sem desestimular o futuro leitor a emprenhar-se nas aventuras e desventuras do protagonista:

1)  Judas tenta “mudar” o seu destino, algo que os naturalistas, e, em especial Hardy, não crê possível. Para ele, Judas será o que é, nascido um pária, morrerá como tal.

2)  Ciente do que lhe espera, Judas apela para um autonomismo impossível, como se pudesse viver no mundo alheio ao mundo, sem que seus atos trouxessem consequências para si e seus queridos. Pouco a pouco, no decorrer da história, parte para a negação de Deus, fazendo do Cristianismo o “bode expiatório” do seu sofrimento. Em uma sociedade cristã, a culpa de todas as convenções e males se deve, portanto, ao Cristianismo, num apelo tresloucado à razão, como sendo-a santa, pura e perfeita; de maneira que, se todos os homens a aplicassem por completo, negando suas crenças e fé, todos seriam felizes. Acaba-se por criar e defender um dualismo “fé x razão” no enredo, o que é, no mínimo, reducionista, simplório.

3)  Hardy não escreveu uma única linha em que não destilasse a sua aversão ao Cristianismo, se não explicitamente (como em muitos diálogos e pensamentos), deixou-os subliminarmente evocados em ações e comportamentos. Porém, o Cristianismo descrito pelo autor é o que podemos chamar de “cristianismo secular” ou “nominal”, onde a aparência cristã é utilizada para justificar o farisaísmo e a hipocrisia do homem. Veja bem, farisaísmo e hipocrisia não são, nem de longe, aspectos do verdadeiro Cristianismo, mas a “máscara” daqueles que o próprio Senhor Jesus denunciou a seu tempo. Talvez, por isso mesmo, o autor escolheu o nome “Judas” para o seu protagonista que, mesmo vivendo por mais de três ano na companhia do Cristo, não se furtou a traí-lo.

4)  Ao fugir das convenções e de aspectos morais que regulavam o convívio social, se viu pagando um preço alto, vivendo como um “cigano”, juntamente com a sua família. O capricho de não querer se enquadrar ao escopo da sociedade colocou-o na situação mais miserável que o enquadramento social lhe destinaria. Em sua rebeldia juvenil e ingênua, acreditava possível passar ileso, sem traumas, quebrando regras. Judas não se considera responsável por si, mas “a chorar as pitangas” contra  o inimigo a destruir-lhe a felicidade: a sociedade; enquanto aplica-se em cavar para si e os seus o caminho de ruina. Este é um aspecto, em que o mal dentro do homem procura uma versão de mal fora de si, e o distrai e afasta do julgamento correto, da seriedade correta, da conclusão correta, onde o relativismo é o tiro certeiro no vazio, e o atirador se convence de ter acertado o alvo, como um Quixote a lutar com monstros e demônios apenas na imaginação.

5)  Outro aspecto, fruto dessa visão vitimista e malévola, inegável em Judas e sua esposa, Sue, é o orgulho e presunção de, ao não se curvarem aos hábitos da sua época, serem superiores aos seus concidadãos. A prova encontra-se nas inúmeras vezes em que exaltavam suas inteligências, raciocínios e um apelo à razão como a essência de todas as virtudes; por conseguinte, sendo os seus detentores, consideravam-se também especiais, enquanto eram apenas jactantes, desdenhosos e antipáticos.

6)  Nem mesmo o sacrifício pessoal, como o do prof. Richard, parece um ato isento de soberba, de autoexaltação obstinada, dominada pela “pureza” racional.

7)  Entretanto, não há como não se compadecer da “má-sorte” e os rumos que suas vidas tomaram. Ao ponto de, sem qualquer esperança, sobrar-lhes a loucura e o definhamento.

Judas, o obscuro, é um livro pessimista, áspero, quase inóspito. Mesmo nos momentos mais ternos e belos, a angústia, dúvidas e desespero estão entranhadas nas palavras, sentimentos e reações. Não é um livro fácil de ler, pois os lampejos de esperança são quase imediatamente dizimados por uma realidade sufocante e cruel, pela teimosia de não mudar ou ceder, e a incapacidade de tornar à vida, de encará-la de maneira menos fatalista, onde a liberdade individual, via de regra, é quase inexistente diante do apelo opressivo e coercitivo do destino.

Entretanto, é possível encontrar momentos de ternura, elegância, acabando por tornar verossímil os personagens e o enredo como um todo.

 A linguagem é simples, sem rebuscamentos. A narrativa parece se arrastar um pouco, especialmente na primeira metade do livro. Contudo, em sua bissecção final, ela flui sem delongas.

Judas, o obscuro é um bom livro? Sim, sem dúvidas. Para estar no rol dos melhores de todos os tempos, como comumente é citado nas grandes listas? Tenho dúvidas. Talvez, precise ruminar ainda um bom tempo a história, e, quem sabe, fazer uma nova leitura, no futuro. Certo é que, tirando a defesa “intransigente” do racionalismo e de um certo determinismo naturalista, a “aversão” ao Cristianismo (criando um estereótipo, uma espécie de espantalho), o livro se sai bem.

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Notas: 1- Pode-se levantar a questão de que Judas traiu a si e sua família, como alguns apontam, mas não vejo fundamento. Por outro lado, é possível que Hardy tenha se utilizado do personagem Judas, do Novo Testamento, para dizer o quanto o caminho daquele era inevitalmente lúgubre, e, de alguma maneira, não se fez a devida justiça a ele; sua culpa não era inerente mas advinda do contexto social no qual vivia. Alguns teólogos e teóricos liberais concordariam, se não no todo em parte, com essa hipótese. 

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Avaliação: (***)

Autor: Thomas Hardy

Editora: Abril Cultural

Páginas: 461

26 maio 2025

Max Perkins - Um Editor de Gênios


 

Jorge F. Isah



Indicado pelo amigo Felipe Sabino, esta biografia trata do, talvez, maior editor americano de todos os tempos. Evidente que é impossível mensurar quem foi o maior ou não, mas certamente pelo volume de autores descobertos e publicados, gente da estirpe de Fitzgerald, Hemingway e Wolfe, para citar o triunvirato dos maiores e mais relevantes escritores dos seus tempos, e ainda o são mundo afora, nos dá a real dimensão do trabalho engenhoso a que Maxwell Perkins se devotou em quase cinco décadas de ofício, chegando ao cargo de Vice-presidente da Charles Scribner’s Sons, a mais conceituada e importante editora americana na primeira metade do século passado.

Lendário caçador e burilador de talentos, Max, como era chamado, entendia o seu trabalho não como uma simples profissão, mas um ministério,  ao qual se entregou de corpo, alma e espírito, e foi um dos mais relevantes, senão o maior, para os novos rumos que a literatura tomou a partir de suas descobertas e inspiração para autores e seus textos.  

      Antes de entrarmos na pessoa de Max, devo acentuar algo: o trabalho meticuloso de pesquisa, condensação e o mergulho às profundezas de Perkins e seus pupilos geniais. A. Scott Berg transpõe em palavras as emoções, frustrações, lealdade e desvelo do editor com a literatura e seus criadores. É um livro delicioso de ler, e ele consegue transportar à simplicidade as complexas relações entre os vários protagonistas e inúmeros figurantes. É quase impossível abandoná-lo. À medida que Berg tecia a sua rede, é irremediável tornar-se presa, já no início da construção. Por muitas vezes, vi-me descuidar de outros afazeres para devotar, e devorar, mais algumas páginas e tempo na companhia de tão ilustres personalidades. Scott Berg construiu, com talento e sensibilidade, o gênio e seus gênios, sendo ele também, sem exagero, um deles.

Por fim, a biografia serviu de base para uma versão cinematográfica de 2016: “O Mestre dos Gênios”(ainda não assisti, e o farei em breve; talvez até poste a resenha aqui), com Jude Law, Colin Firth, Guy Pearce e Nicole Kidman. E, se praticamente todas as versões cinéfilas de livros nunca conseguem sequer igualar a obra original, não espero algo de proporções similares quanto ao resultado, mesmo sabendo que são formas de comunicação e arte distintas. Desejo, contudo, que a produção e direção consigam agarrar o “espírito” do livro e transpô-lo para a tela. Já seria um grande feito.

William Maxwell Evarts Perkins, nasceu em 1884, em Nova York, filho de Elizabeth Evarts (filha de William M. Evarts, proeminente jurista, procurador e político) e de Edwards Clifford Perkins, advogado. Viveu a maior parte da infância em Plainfiel, New Jersey. Formou-se em economia na prestigiada Harvard University, em 1907; e, quando se decidiu pela carreira de editor, foi auxiliado pelo professor de literatura Charles Copeland que se tornaria um grande amigo. Nesse período, trabalhou no New York Times como repórter (1907 a 1910).

Sem muitas expectativas com a carreira jornalística, mas com alguma influência nos círculos literários da Big Apple, é contratado para o departamento de publicidade da Charles Scribner’s Sons, editora considerada “conservadora” e que detinha títulos de autores como Henry James, Sherwood Anderson, Rudyard Kipling, Robert Louis Stevenson, John Galsworthy e Edith Wharton, entre outros nomes considerados ultrapassados pelo mainstream da época. Muitos dos autores emergentes, durante o pós-Primeira Grande Guerra, jamais seriam publicados se não fosse o trabalho investigativo e “depurador” de Perkins, uma vez que o conselho diretivo da Scribner’s não somente era reticente, mas se opunha aos novos rumos em que a linguagem literária se aventurava, mantendo-se firme na disposição de investir nos clássicos. Com leitores fiéis, não estava disposta a romper a sua tradição editorial e investir em livros experimentais: novas estruturas, conceitos e estéticas.

Em pouco tempo, foi promovido para uma espécie de “auxiliar de edição”, onde ajudava na leitura e avaliação de textos originais e inéditos. Nessa época, chegou-lhe às mãos um livro intitulado The Romantic Egotist”, de um jovem desconhecido, F. Scott Fitzgerald. Enquanto os colegas recusaram o livro, com a alegação de não estar de acordo com a linha editorial, Perkins leu-o de uma sentada e ficou maravilhado; então, rapidamente, escreveu ao autor sugerindo algumas modificações a fim de convencer o velho “Charles” a publicá-lo. Scott empenhou-se em reescrevê-lo, e alguns meses, entregou-o a Max com todas as alterações propostas. Após um embate interno, Max persuadiu o “chefão”, e recebeu o aval para publicá-lo.

Em 1920, é lançado “Este lado do Paraíso”, e o livro se tornou um sucesso de crítica e público, lançando quase instaneamente Fitzgerald ao estrelado, confirmando o acerto de Max e seu “feeling” editorial.

Apesar da resistência de parte da equipe, Perkins começava a ganhar admiração e chamar a atenção. Foi ele quem lançou todos os livros de Scott, a quem tinha por amigo, a quem aconselhou e orientou, não somente em relação ao aspecto profissional, mas também financeiro e emocional. A relação do autor com a esposa, Zelda, era conturbada, e Scott se submetia a despesas enormes, um padrão de vida ostentador, noites e mais noites envolvidas no “glamour” a que Zelda impunha o casal. Com isso, Fitzgerald teve, por muitas vezes, que escrever literatura de segunda, terceira linha (Hemingway, de quem também era amigo, acusou-o várias vezes de prostituição, e de desperdiçar um talento inestimável em troca de dinheiro para munir os caprichos de Zelda), roteiros para Hollywood (Max considerava essa opção um verdadeiro desastre na carreira do pupilo), e palestras que odiava. Ao mesmo tempo em que Scott era um escritor talentosíssimo, tinha as suas fragilidades: o vício do alcoolismo, ostentação social e a indigência financeira, arrastando-o para um final onde a degradação artística, por fim, fez claudicar e aniquilar a pessoa.

Berg ressaltou:

“Anos depois, em Paris é uma festa, Hemingway resumiu a carreira de Fitzgerald com a imagem que primeiro chamou sua atenção quando lia ‘O Último Magnata’: ‘Seu talento era natural como desenho feito pela poeira nas asas de uma borboleta. A certa altura sua compreensão dele não era maior do que a que tinha a borboleta e ele não sabia distinguir se estava comprometido. Mais tarde, tornou-se consciente de suas asas danificadas e da estrutura delas e aprendeu a pensar e não pôde mais voar porque perdera o amor pelo voo e só constituía se lembrar de quando ele não exigia esforço’”.  

Após a publicação de “O Grande Gatsby”, Perkins recebeu de Fitzgerald, a indicação de outro autor: Ernest Hemingway. Scott e Ernest se conheceram em Paris, na casa de Gertrude Stein, local onde o círculo de escritores se encontrava para, em primeiro lugar, abastecer o ego de Stein, insaciável, e orgias regadas a álcool e drogas sem freios e fim (muito foi descrito em “Paris é uma festa”). Hemingway era o oposto de Fitzgerald, o tipo de “macho alfa”, seguro e audacioso.

Novamente, Max teve de suar gotas de sangue para a Scribner’s publicar “O Sol Também se Levanta”, em 1926. O livro era considerado excessivamente obsceno, ao ver da direção, e não satisfazia as exigências editoriais. Depois de inúmeras reuniões e o jeito diplomático, mas convincente de Max, o romance veio à lume. Novo sucesso de crítica e público. E, até a sua morte, Perkins seria o editor de Hemingway.

Certa vez, depois de insistir muito com Max (havia anos que não tirava férias), Hemingway levou-o para pescar em Key West, Flórida, no Golfo do México, e contou-lhe muitas das aventuras no mar, histórias sobre pescadores, touradas e caçadas, algumas das quais ele mesmo estava envolvido. Perkins ouviu-as e percebeu material suficiente para “Hem” escrever um livro até então inédito: algo sobre a pesca e o mar. Fez sugestões, considerações e incitou “Hem” a planejá-lo. Durante anos, o autor esquivou-se de fazê-lo, mas em 1951 publicou “O Velho e o Mar”, dedicando-o ao velho amigo, que havia falecido em 1947.

Em 1928, chega às suas mãos um calhamaço de páginas amarradas por barbantes, de um tal Thomas Wolfe, jovem escritor da Carolina do Norte. Havia sido recusado por todas as editoras em que enviou a sua obra, “O Lost: A Story of the Buried Life”. Tinha cerca de 1.100 páginas e entre 300.000 e 350.000 palavras. Era um excesso para um escritor iniciante, e fora dos padrões de edição da época. Max leu-o, considerou a ideia genial, mas era uma obra caótica e carecia de ajustes: um corte de 100.000 a 150.000 palavras e a reestruturação da história. Ele as sugeriu a Tom que, mesmo não gostando da ideia, concordou e trabalhou com o editor na nova formatação.

 Marcia Davenport descreveu:

Tudo que Max faz visa o efeito integral do livro (...) Ele acredita nos nossos personagens, que se tornam reais para ele (...) Mas pode pegar algo caótico, nos dar um andaime para construirmos uma casa em cima dele (...) Sua tarefa é grande, longa, cheia de agonia e confusão”. Berg acrescentou: “Como tantos de seus autores, ela (Marta) descobriu ao voltar ao trabalho que os comentários de Max eram eficazes de uma forma quase subliminar; que ele tinha um jeito de atirar observações com delicadeza como se atirasse seixos em um lago, criando anéis de significado que cresciam até tocar a consciência do autor”(pg. 572).

Lançado em 1929, “Look Homeward, Angel” foi estrondoso sucesso de crítica e público, e provavelmente pela ligação quase filial de Wolfe com Perkins: para Max, o filho que não teve (tinha cinco filhas), para Tom, o mentor e tutor único, a relação ia do céu ao inferno e vice-versa. A ligação entre eles é o centro da biografia de Berg e ocupa a maior parte. É possível ver o relacionamento ultrapassar o caráter profissional e tornar-se pessoal, emocional, quase familiar, como já descrevi. Thomas participa da rotina dos Perkins como se fosse um membro; e, ao mesmo tempo em que ganhava o carinho da esposa e filhas do editor, também se metia em cenas deploráveis e cruéis, ao ponto de causar certos “tremores” na relação.

Muitos críticos e executivos da própria Scribner’s acentuavam os méritos de Perkins nos livros de Wolfe, o que certamente deixou o autor enciumado e rancoroso. É comum, após as crises intempestivas, Tom se desculpar e buscar os conselhos do “papai”. Max, apesar de não se envolver na vida dos pupilos, que também eram seus amigos, especificamente Scott, Ernest e Tom, servia como confidente e orientador. Tentava, sempre que possível, auxiliá-los em qualquer situação ou problema. Era generoso, amigo, confiável, leal e um pacificador, no sentido de nunca promover disputas e impor sua vontade, apesar de, quase sempre, convencê-los. Se Fitzgerald era frágil e maleável, Hemingway impetuoso e confiante, Wolfe ficava no meio do caminho, entre a vaidade, a insegurança e o melindre.

Sobre isso, Berg escreveu:

“Na raiz de toda a raiva de Wolfe estava a crença geral de que sem Perkins ele era impublicável – um escritor fracassado. O próprio Wolfe dera fôlego a essa noção, tornando públicos fatos que Perkins lutara para manter privados” (pg. 451).

Em carta, Max ponderou com Wolfe:

“A minha impressão, porém, é de que você pediu minha ajuda, de que a deseja(...) E também tenho a impressão de que as mudanças não lhe foram impostas (você não é muito propenso a aceitar imposições, Tom, nem eu, muito dado a fazê-las), mas, sim, discutidas, muitas vezes por horas”(...) Acredito que o escritor, de todo jeito, deva sempre ter a última palavra, e minha intenção sempre foi essa. Sempre adotei tal postura e às vezes cheguei a ver o prejuízo que isso teve sobre certos livros, mas, ao menos, em igual medida, o quanto também foi útil. O livro pertence ao autor”(pg. 457).

Max lidava da melhor forma com temperamentos tão distintos, sempre gentil e econômico. Não era dado a exibições, rechaçava elogios, e escondia a timidez no silêncio; os livros eram o refúgio para afastar-se do mundo das pessoas, ao menos as reais.

A exceção foi a relação platônica com  Elizabeth Lemmon. Durante a maior parte de sua vida, correspondeu-se com ela por meio de longas cartas, nas quais se abria de uma maneira singular. Ela era a sua confidente, a pessoa em quem mais confiava, e com quem, certamente, caso não tivesse casado com Louise Saunders, se uniria. Não houve qualquer relacionamento lascivo entre eles. Havia, sim, um envolvimento emocional, fraterno, que poderia se estender a outros aspectos, caso Max não fosse completamente leal à família. Algo verdadeiramente difícil, não impossível, nos dias atuais. Sobretudo, era um homem de caráter, princípios e, mesmo não havendo qualquer referência a algum relacionamento com Deus (algo que a esposa, nos anos derradeiros do casamento, aceitou, ao converter-se ao catolicismo), Max tinha em seu temperamento e atitudes um espírito cristão.

A relação entre Maxwell e Beth foi dedicada, honrada e sincera, mas nada a permitir “avanços” ou aventuras extraconjugais. O fato de Louise se dar bem com a “rival”, de se confraternizarem nos raros momentos em que a distância (os Perkins moravam em Connecticut, os Lemmon em Baltimore, distante 460 km) e a vida profissional exaustiva e compulsiva de Max permitiram.

Perkins mentoreou e obteve, para outros dos seus pupilos, grande sucesso, como Edmundo Wilson, Alan Paton, Erskine Caldwell, John P. Marquand, Marjorie Kinnan Rawlings, S.S. Van Dine, Ring Lardner, James Jones (autor de “A um Passo da Eternidade” e “Além da Linha Vermelha”),  Marguerite Young, e a lista cresce...

A coletânea de cartas, publicada em 1950, “Editor to Author”, descreve como foram os relacionamentos entre o gênio e seus gênios. Em especial, Perkins foi não somente o pai às filhas que amava devotadamente, mas também aos outros que adotou, quase gerou, e, enquanto pôde, protegeu, orientou e entregou-os ao mundo.

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FRASES:


“A melhor sensação que existe é a de ir dormir cansado”.

“Quanto mais é um homem, menos ele deseja”.

“A verdadeira escrita faz-se na cabeça, onde as impressões estão armazenadas, e faz-se com o olho e o ouvido. A agonia vem depois, quando passamos para o papel, mas isso pode tornar-se fácil se, através da leitura, soubermos como os outros o fazem.”

“A base genuína da amizade é ter um ou dois preconceitos em comum”.

“A obrigação mais importante da amizade é ouvir”.

“A verdade é que os melhores escritores não são aquele que, via de regra, fazem sucesso de imediato”.

“Creio, na verdade, que a melhor escrita é aquela que vem muito depois dos acontecimentos com que se relaciona, numa altura em que já houve assimilação e reflexão, e o autor consegue finalmente entendê-los por inteiro. É bom jornalismo aquele que é feito rapidamente enquanto tudo é novidade, mas essa não é a melhor escrita.”

“Mal posso crer, na verdade, mas prefiro fingir que é verdade”.

“Minha sensação é de que o primeiro compromisso do editor é para com o talento. E se não vamos publicar um talento como este (F. Scott Fitzgerald), a coisa fica muito séria”.

“A meu ver, a universidade é o lugar para o indivíduo se expandir, superar preconceitos, olhar para tudo através dos próprios olhos”.

“Os homens medem o sucesso social pelo tipo de clube a que pertencem”.

“Não existem duas moças iguais, como também nenhuma moça é a mesma, exceto por pura coincidência, em duas ocasiões diferentes”.

“Mesmo quando as pessoas estão totalmente erradas, não se pode senão respeitar os que falam com tal sinceridade passional”.

“Estou tentando dizer a um escritor e à sua esposa como ele deveria escreve. Não é engraçado, já que é uma coisa que eu mesmo não sei fazer? Cheguei até a lhe dar para escrever uma história que inventei — e ele ficou encanto com ela. É um bocado difícil falar a noite toda de coisas sobre as quais você não entende nada”.

“Quando o tumulto e a gritaria da turba de críticos e mexeriqueiros esmorecer, ‘O Grande Gatsby’ se destacará como um livro extraordinário”.

“Seria uma lástima o próprio significado de um livro tão original ser desconsiderado devido aos uivos de um bando de tagarelas mesquinhos, puritanos e idiotas”.

“Como esperar, me diga, que um homem entenda as mulheres?... Ou uma única mulher, que seja?”

“Tenho a ambição de pegar a estrada aos sessenta anos. As chances são mais ou menos de uma em mil de que isso venha a acontecer”.

“A forma como se ensina literatura e escrita na faculdade é prejudicial. Faz com que se adquira o hábito de ver tudo através de uma espécie de fotografia da literatura, em vez de captar o que está à volta através dos próprios sentidos. Diria que alguns anos num jornal, para alguém que ambicione ser escritor, é muito melhor do que alguns anos na faculdade”.

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Avaliação: (****)

Autor: A. Scott Berg

Editora: Instrínseca

Páginas: 544



15 maio 2025

O Demônio da Cidade Branca - Erik Larson

 





Jorge F. Isah



 Foi o primeiro livro de Erik Larson que li. A impressão, no geral, foi boa, pois ele descreve em detalhes os eventos históricos da "Grande Feira Mundial de Chicago", em 1893, concomitantemente com os ataques do primeiro serial killer americano, H. H. Holmes, na mesma Chicago e na mesma época.

 Primeiramente, ressalto a profusão de citações, a extensa bibliografia apontada, e fotografias que me pareceram oriundas de um trabalho historiográfico dispendioso, acurado e rigoroso. 

 Em segundo lugar, a narrativa se assemelha muito com os romances históricos, em voga nas últimas décadas. A diferença é que a obra se mostra claramente histórica, mas escrita em uma linguagem cativante, simples, íntima, onde as várias fases da feira (e da vida de seus realizadores), de Holmes e suas vítimas, se intercalam, favorecendo a leitura, tornando-a leve, didática, estimulante e mantendo um certo clima de suspense “noir”. Podemos encontrar as lutas, desejos, frustrações, rivalidades, cooperações, traições e tudo o mais que se pode ler em qualquer drama. Com isto, não estou dizendo que Larson desejou escrever um romance, não o é, ainda que se assemelhe em muitos pontos. Entretanto, ele se utilizou da linguagem "romancesca" para trazer leveza e criar empatia com o leitor. Ponto para ele. 

 Ao traçar um paralelo entre a Feira, Holmes e seus crimes, faz com que coisas diametralmente díspares, como a criação de um evento suntuoso e monumental, de caráter e apelo global, corram em paralelo à destruição provocada pelo “gênio” diabólico de Holmes. Alguém pode dizer que, em algum aspecto, o serial killer também era um criador, ao planejar e pôr em prática seus projetos bárbaros e atrozes. Bem, não entendo assim, e reputo Holmes como um homem com algumas habilidades e magnetismo pessoal, mas apenas os usando para a destruição, inclusive pessoal; e se para destruir é necessário "criar" algo, essa criação não passa de meios para a destruição, e não pode ser incluída no rol daqueles que constroem a beleza do nada, como é o caso dos grandes arquitetos David Burnham e F. L. Olmsted, entre outros, os gênios por trás da Feira de Chicago.

Se imaginarmos que a Feira abriu espaço para as maiores inovações tecnológicas, muitas das quais se tornariam imprescindíveis na sociedade moderna, como a eletricidade, tubos de vácuo elétricos iluminados por correntes sem fio, o telautógrafo (uma espécie de fac-símile primitivo), esteiras rolantes, o rádio e transmissões por ondas elétricas, equipamentos sonoros elétricos, a roda-gigante (criada para rivalizar com a Torre Eiffel, a principal atração da Feira de Paris, em 1889); e cientistas ilustres como Tesla, Edison, Bell, Gray; mais de 2 km quadrados de área iluminada, com réplica monumental de pirâmides, transatlânticos, colunas greco-romanas, tudo abarcado com o que de mais inovador e futurista a tecnologia podia reunir e proporcionar à época, temos um evento monumental e fascinante. 

Os visitantes das mais de 200 instalações se deslumbraram com a gigantesca, inusitada e profética demonstração do que viria a acontecer nas próximas décadas, em termos científicos, e a beleza incomum que os idealizadores da Feira ergueram e revelaram ao mundo. Chicago foi, durante a Feira Mundial, a antevisão do futuro naquele presente. 

Portanto, não dá para dizer o mesmo de Holmes, um psicopata, frio, dissimulado e covarde (inspirador de outros tantos malignos homens). Holmes era a antítese de Burnham e seus colegas, e, certamente por isso, Larson colocou-os lado a lado na narrativa; uma amostra ou lembrança, ou melhor, um alerta de que se existe criatividade construtiva, existe o labor para o mal e a deficiência. Neste sentido, Holmes foi um "criador" incompleto, negativo, cruel, fraco. Sem forças e talento para produzir o bem, contentou-se em destruir; e, durante o seu julgamento, tentou se passar por vítima, utilizando-se do delírio intelectual (presente em muitos acadêmicos e cientistas modernos), a fim de suprimir a realidade, distorcendo-a, na vã tentativa de enganar, se possível, alguns quanto à sua verdadeira imagem: um homem maldito, cruel e insensível!

Larson poderia ter reduzido em algumas dezenas de páginas a sua história, talvez não se entregando tanto a detalhes técnicos mais, digamos, enfadonhos. Entendo, contudo, que lhe pareceu necessário, a fim de poder aquilatar, um século depois, a grandiosidade e dispêndio criativo, econômico e de esforço, na construção da Feira das Feiras, a “World’s Columbian Exposition”, revelando a genialidade e o empreendedorismo humano.

Quanto a Holmes, aproveitando-se da ingenuidade e boa-fé das pessoas, utilizando-se do seu carisma para torturar e assassinar gente comum, colocou-o no rol dos maiores infames da humanidade e da história. De forma que, em meio ao brilho inventivo da arquitetura, física, engenharia e tantos obstáculos ultrapassados pela engenhosidade humana, temos a figura nefasta e torpe do primeiro serial killer e sua odiosa, e não menos feia e aterradora, "criação", fazendo jus ao título do livro. 

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Avaliação: (***)

Título: O Demônio na Cidade Branca

Autor: Erik Larson

Editora: Intrínseca

Páginas: 448

01 maio 2025

Diário de um Velho Louco - Junichiro Tanizaki

 




Jorge F. Isah

 

 

                Como o título denuncia, o livro foi escrito na forma de diário, pelo patriarca da família Utsugi. Quase um octogenário, impotente, com terríveis dores lombares e na mão, a gastar boa parte do dia com terapias, remédios e reclamações sem fim, é um homem relativamente culto, que gosta de teatro, poesias e domina muitas das tradições japonesas; é crítico, ácido, egoísta e despreza a família. Nutre antipatia pela esposa, velha como ele, as filhas e netos. Talvez a única pessoa a se relacionar pacificamente seja o filho Jokichi (talvez, e somente talvez, haja algum respeito por ele; não por ele, mas pelo que conquistou na vida. Mais adiante, entenderá), cujo distanciamento o mantém reservado a maior parte do tempo, não somente durante as inúmeras viagens a trabalho, mas também nas constantes reuniões que varam a noite. Utsugi quase sempre não se abstém de humilhar e escarnecer os demais membros, de maneira insolente e nada sutil. É rico, e isso o deixa senhor da situação, e evidência ainda mais o inconformismo que sente com a família e a vida.

    Nutre, contudo, uma obsessão pela nora, Sasaki, mulher de Jokichi. Como disse, se existe alguma inveja quanto ao sucesso do filho, provavelmente reside no fato dele ter amealhado o seu objeto de adoração. Sim, o velho tem fetiche pelos pés de Sasaki (ex-dançarina de clubes noturnos), os quais descreve com arrebatado deleite. Tudo faz para tocá-la e desfrutar dos parcos e raros momentos em que a esperta nora submete-se aos arroubos senis do vovô, assim chamado carinhosamente. Não sem cobrar o silêncio quanto as suas escapadas com o amante, Haruhisa, que o velho recebe em sua própria casa, e a presenteia com um anel valiosíssimo, em detrimento de, por exemplo, emprestar certa importância (muito inferior ao do anel) para a filha quitar o débito da casa. Talvez sejam vinganças de um louco, o homem que perdeu completamente a noção da razão e tem a sua consciência amortecida pela luxúria e traição, mas talvez seja o dane-se que a proximidade da morte pode se encarregar de exibir.

   Tanizaki descreve toda essa amálgama de desgraças de maneira burlesca e caricata, como se estivesse a brincar, ironizar as maluquices do velho e o assombro dos demais personagens. Existem cenas de nítido humor, um humor distendido, quase negro, permeado pelo ridículo e sarcasmo. Assim, a narrativa é fluída, simples e transmite com eficiência o clima picaresco e satírico da trajetória do ancião. A tragédia tem sempre elementos absurdos e espalhafatosos, e aqui não é diferente.

   Algumas pessoas reputam o livro como libertador, o frescor do sexo livre, sem amarras, e desse ser um traço da literatura japonesa não afeita aos rigores morais do Ocidente e, em especial, do Cristianismo, uma vez que o budismo e o xintoísmo são religiões mais, digamos, flexíveis quanto aos princípios. Será mesmo?... Não seria o contrário?  No sentido de o Japão ser um país muito mais apegado às tradições, à honra, à família, uma moral ainda mais palpável e elevada (no sentido de graduação) do que a nossa? Ou Sade, Diderot, Laclos, Boccaccio, Roma, Atenas e tutti quanti autores e palcos centenários e milenares escreveram e foram descritos em orgias e libertinagem? A comparação colocaria o personagem de Tanizaki como um velhinho inofensivo e bocó, mas ainda assim um hedonista, como outros em diferentes épocas e culturas. Porém, existem graus de imoralidade, de vícios, assim como virtudes e bondade. O homem, seja ocidental, oriental e, caso exista algum, marciano, é sempre o mesmo homem, indisposto ao bem e predisposto ao mal, ainda que o mal não se manifeste em toda a sua virulência, nem o bem algo inerente, mas fruto dos resquícios, conta-gotas, do Imago Dei. Sem entrar nos pormenores teológicos, do ponto de vista literário, o autor denuncia a degradação e o apodrecimento da sociedade japonesa, ao contrário da conclusão libertária que alguns, ou muitos, depreendem do livro. 

  O velho, culto e abastado, ao manter uma relação incestuosa com Sasaki, em seu ceticismo com o mundo e as pessoas, a vida, a morte e qualquer possibilidade de esperança, transforma-a em ídolo, a deusa não somente momentânea, mas da qual, inclusive, quer esculpir as formas exatas dos pés e colocar sobre o seu mausoléu, e substituir os símbolos religiosos pela sua própria deidade. E isso me leva a questionar se, no fim das contas, Utsugi não é o seu próprio deus a estabelecer os ritos do autoculto, autoveneração e autodevoção. E Sasaki não seria o sacrifício através do qual os seus súditos, a família, amigos e serviçais, conheceriam os caprichos de um deus idoso e caquético?

 Deparei-me também com a ideia de toda a narrativa não ser nada além de imaginação e delírio do velho safado (apropriação de Bukowski), em sua condição decrépita e caduca, já que a maior parte do livro é narrada por ele, à exceção de dois capítulos onde a enfermeira e o médico descrevem a sua particular condição. Seja ou não alucinação, a verdade é que Tanizaki compôs a face de um homem com a qual muitos podem se identificar, velho ou não, onde as consequências afetam não somente o indivíduo, mas todos ao seu redor, especialmente os que, por um motivo ou outro, tenham intimidade e convívio. Sem contar o pouco caso com aqueles a auxiliá-lo, a se preocuparem, independente da motivação. Convenhamos, ele é um velho esquisito, manipulador em sua obsessão tardia e caduca; depende de todos, mas arrasta-os consigo para a queda vertiginosa. 

Isolado em si mesmo, a sua excentricidade era impulso, de ser o que não podia mais ser, à cata de um elixir da vida e da juventude, onde, perdoe-me Cormac, os velhos ou fracos não têm vez!

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Avaliação: (***)

Título: Diário de um Velho Louco

Autor: Junichiro Tanizaki

Páginas: 208

Editora: Estação Liberdade

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24 abril 2025

Santuário - William Faulkner

 






Jorge F. Isah



Imagino a receptividade e a comoção gerada pelo lançamento do romance de Faulkner, em 1931, na América. O assunto versa sobre o estupro de uma jovem e como isso afetou a vida de inúmeras pessoas. O ambiente é o sul dos EUA, nos momentos finais da Lei Seca, onde a degradação moral, ética e, sobretudo, espiritual, descreve o estado de miséria, perturbação e desequilíbrio em uma sociedade marcada pelos novos ventos da modernidade e ruptura das tradições. Este livro, guardadas as devidas proporções, é a conclusão, melhor, o aperfeiçoamento e amadurecimento em relação aos temas originalmente propostos por Fitzgerald e a geração perdida, no início dos anos 20.

O primeiro terço do livro é de tirar o fôlego, digno de um manifesto de horror e terror. É impossível conter e não se impressionar com as descrições e o clima caótico e claustrófobo, descomedido e perverso no qual o casal de amigos se vê arrostado pelos moradores de um alambique clandestino. Lembre-se, os EUA viviam a proibição do álcool, e o que se viu foi a proliferação de destilarias e bares ilegais, onde o consumo não somente era possível como a corrupção se encarregava de deixar tudo legítimo, a seu modo. E havia toda uma sorte de crimes associados a ela. 

Temple e Gowan, este um bêbado inveterado, egoísta e bufão, faz tudo por um gole e a satisfação do seu desejo. Temple é a adolescente ingênua, excessivamente vaidosa (sempre com o seu espelhinho e maquiagem), mas isso em certas circunstâncias que, alteradas, transfiguram-na. Não que ela perca ou suprima todas as suas peculiaridades, existem coisas que se leva para a vida toda, mas assim como o papel de vários personagens vai se moldando no decorrer da narrativa, Temple não resistirá à sua própria natureza, a tomá-la de assalto, como se ela mesma fosse refém de si.

Procuro, na medida do possível, manter um certo mistério; em geral, há êxito, mas nem sempre. A verdade é que a história nos pega de uma maneira onde abandoná-la é inconcebível. De todos os livros de Faulkner, os lidos, claro, este foi, juntamente com Luz em Agosto, a me deixar mais impressionado com o estilo e complexidade, não apenas narrativa, mas temática e profundamente desenvolvidas.

Seja ao acentuar e potencializar certas personalidades e apresentar outras de maneira indecisa e apática (e não raro, esses aspectos alternam-se, a não deixar o autor um mero replicante da sua moralidade); entender os enredos de Faulkner não é a garantia de que as aparências são somente aparências. Ao lançar o leitor no mundo caótico, imoral, às vezes sensível, quase sempre trágico e ironicamente cruel e paradoxal, o leitor se vê às voltas com uma profusão de ambiguidades, hipérboles e subjetividades a demolir o cartesianismo, e por tabela o sentimentalismo, presente no imaginário de escritores e leitores modernos. No final, não ficará pedra sobre pedra, mas se terá material suficiente para, ajuntado, erguer algo novo, ainda que o novo não seja originariamente inédito, já que isso não existe debaixo do céu, tal qual afirmou o Pregador.

 Do ponto de vista faulkneriano, a resposta para o desenrolar da vida é metafísico, mas fatalista, quase determinista, se não houvesse as implicações de agentes e pacientes a alterarem o curso das coisas dentro do fluxo previamente estabelecido. Ao que parece, o início e o fim estão definidos pelos deuses do destino, enquanto os meios, as causas secundárias, estão ao sabor dos ventos humanos. Se não, por que uma espécie de chefão, homem rico e poderoso, mas impotente, se daria ao luxo de empreender uma saga a fim de manter uma amante? Ou o acusado de homicídio se sujeitaria à morte por medo de morrer pelas mãos do verdadeiro assassino? Ou a mulher humilhada, até o último momento, se mantém fiel ao seu algoz? Na simplicidade ou reducionismo dessas súmulas, o autor tece um emaranhado denso, complexo e intricado, que nenhuma imagem jamais será capaz de falar, seja por uma frase ou parágrafo.

Faulkner descreve o mundo não preparado para os homens, e homens não preparados para o mundo; não importa quem seja, o que seja, quanto tenha ou não, a vida está muito além da superfície e, como o mar, esconde enigmas que se não são impenetráveis, demandará empenho e compromisso.

Em Santuário temos o sagrado aos olhos de Deus, o homem como o ápice da criação; para Faulkner, ele foi profanado. E não haverá nenhum santo que sobreviva.

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Nota: Este não é um livro presente nas listas dos melhores de Faulkner, onde Luz em Agosto, O Som e a Fúria, Enquanto Agonizo e Absalão são os mais, digamos, populares. Não li ainda o último, mas Santuário não está a dever a nenhum deles, pelo contrário, em vários aspectos é melhor. Acredito que do ponto de vista bestseller, algo que Faulkner jamais se propôs a fazer, ele facilmente seria o seu livro mais palatável. Ainda assim, é o mesmo que comer espinha de peixe incandescente com pimenta jalapeño e tomar um suco de vidro moído. Infelizmente, está esquecido pelas editoras, e somente edições mais antigas, de mais de 20, 30 anos, estão disponíveis em sebos. Merecia, certamente, a atenção e uma nova edição. Mas como Faulkner não é politicamente correto, ou empenhado na militância ideológica, política e social, editores podem torcer o nariz e deixar o público ainda mais órfão de escritos universais, a expor a humanidade como ela é, e não como alguns querem que seja. No frigir dos ovos, até mesmo aqueles que acham estar ganhando, acabam perdendo o que não têm.

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Avaliação: (****)

Título: Santuário

Autor: William Faulkner

Editora: Abril Cultural

Páginas: 258

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17 abril 2025

A Ordem Luterana da Cruz Combatente - Sammis Reachers

 



Jorge F. Isah

 

 

                        O que monstros, anjos, demônios e uma conspiração secreta têm a ver com o Cristianismo? Simbioses, mutações, o bem e o mal disputando almas e o domínio do mundo? Para muitos, nada. Mas para aqueles que veem e estão dispostos a ver, tudo. Assim, de maneira simplista, podemos definir o primeiro romance de Sammis Reachers, A Ordem Luterana da Cruz Combatente, em seu tomo I: uma fábula repleta de magia, ação e surpresa. Mas seria toda a verdade?

    Conheço a obra de Sammis há mais de dez anos. Autor criativo e eclético, transita por vários gêneros literários. A sua produção explora com a mesma facilidade estilos que vão dos poemas, contos, ensaios, coletâneas e, agora, o romance. Como a maioria dos poetas, se considera um prosista de versos, porque a poesia nunca está distante, nunca é relegada ao segundo plano, ou deixa de ser a mola mestra da criação. Por mais que o gênero se distancie dessa linguagem, o poeta jamais dormita ou abandona-a.

    Permeada pela cosmovisão cristã, não espere temas proselitistas, dogmáticos ou definições teológicas. Não. Ele está disposto a mostrar a vida, a realidade, com seus becos-sem-saída, caminhos sem volta, naufrágios em terra e mar, mas também a possibilidade de sublimação e redenção. Enfim, ser guiado de volta para casa... A despeito dos percalços, ataques, aflições, as tentativas de obstruir e impedir a jornada, a ovelha ou peregrino estará segura em Cristo, ainda que ouça o rugido dos lobos, o esgueirar das serpentes, o tilintar de ouro e prata ou o estampido de trabucos. Como o monge diz a Martinho: A ordem por tantas e tantas vezes dorme. O caos, nunca (pg. 14). O mundo é o palco onde a arte desvela a saga humana, mas também os bastidores e arranjos, antes, durante e depois da representação em que cada um de nós tem papel crucial no cenário tripartite da guerra cósmica. 

    A Ordem Luterana... não obstante ter todos os elementos épicos, de remeter às grandes obras de aventura, capa, espada, e os mais eletrizantes thrillers de ação e combate, tem camadas as quais o leitor deve atentar. Não se trata de outra epopeia, onde bons e maus se assanham, ou o jirau das peripécias de bravos e covardes, nobres e canalhas, numa dicotomia reducionista. Por natureza, o homem é ambíguo, e suas dúvidas, tal qual as decisões, nem sempre encontram as explicações lógicas e racionais. Afinal, e não se turve a reconhecer, sentimentos e emoções gravitam e atraem as mais inesperadas e repentinas decisões, e denunciam não haver somente o físico, mas também o transcendente.

      De um lado, a Ordem, seus homens e anjos, do outro, o Deicídio (cujo objetivo, como o próprio nome indica, é a morte de Deus e seus filhos), constituído por homens e demônios. Entre eles, a humanidade em sua placidez ignota, capaz de acreditar somente naquilo que os olhos veem, ou não veem. Entretanto, existe um mundo, ou mundos, alheios aos olhos físicos e disponíveis exclusivamente aos olhos espirituais. E neste campo se desenrola a guerra iniciada no Éden, em que Adão se fez presa fácil para as artimanhas do diabo, vítima da sua soberba e inveja.

      Os cambiantes, mistura de humanos e seres angélicos, são a elite dos agentes de ambas as forças. E a maior parte dos embates se dá com eles. Por falar nisso, o terço final do livro é de tirar o fôlego, literalmente. Para quem gosta de ação, reviravoltas e emoções, é um prato cheio; sem esquecer as várias esferas subentendidas às quais o autor propositalmente ofertou ao leitor, não como um plus ou complemento, mas a essência, algo imprescindível... Ponderando mais sobre as entrelinhas, das camadas criadas pelo autor, e elas são tantas e tão distinguíveis que supor ou apegar-se à ideia do livro ser apenas distração não somente é simplista, equivocada, mas ilegítima; facilmente pode-se notar a sua condição ou posição (sim, caro leitor, estou a falar de si), à medida que a narrativa se desenrola. Pode-se vislumbrar o movimento no tabuleiro, qual a ameaça e o quanto se está ou não seguro.

    A história vai muito além das homenagens a Dumas, Stevenson, Scott, Tolkien ou Lewis, para ficar apenas em alguns. Ela trata da luta instalada no íntimo, onde o sopro divino, ou imago dei, colide com os efeitos noéticos da Queda. E este contexto é muito maior do que as explosões, perseguições, duelos, estratégias, complôs e tantos outros elementos a permear o gênero. Por mais que você resista, o livro fala e trata de você. E, por isso, é tão necessária a leitura de A Ordem..., pois, ao sentir-se preso, angustiado, certamente também se sentirá liberto e protegido.

      Sammis conhece muito bem isso, porque viveu, e ainda vive, nessa corda bamba, mas na convicção de transpor seguramente o fio tênue, mas irrompível, a encerrar o fim da sua fé. Ele fala de si e, por isso, fala de mim, de você, com propriedade. Mesmo não havendo dois seres humanos iguais, existe uma essência que compartilhamos e que nos tornam membros de uma mesma ordem ou caos. E nas peculiaridades encontramos o universal, sem os malabarismos burlescos e artificiais dos antropófobos e fatuados.

      Mostra que é possível divertir e pensar, sem abrir mão da verdade, mesmo envolta em sombras e muita, muita fumaça e poeira.

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Avaliação: (****)

Título: A Ordem Luterana da Cruz Combatente

Autor: Sammis Reachers

Páginas: 321

Disponível na Amazon

Link do autor: httpd://linktr.ee/sreachers

Email: sreachers@gmail.com

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08 abril 2025

Carta aos Loucos - Carlos Nejar¹

 







Jorge F. Isah



Tive o privilégio de ler as provas do mais recente livro lançado pela Editora Sator, “Carta aos Loucos”, de Carlos Nejar, pelas mãos do editor e amigo, Felipe Sabino. Conhecedor do meu apreço pela poética do gaúcho, concedeu-me a honra de lê-lo mesmo antes da publicação. E o que dizer da prosa escrita pelo poeta?

  O mínimo é que, como sempre, o texto de Nejar é surpreendentemente belo, profundo e reflexivo. Onde as pistas e enigmas, como no desvendar de um mistério, nos revelam por meio dos símbolos, sonhos e pesadelos, alegrias e tristezas, dramas e comédias, o homem em sua essência diametralmente complexa. Constrói-se o integral a partir de fragmentos, reflexos, átimos da intrincada natureza e relações, muitas vezes evidentes e, outras tantas, inexpugnáveis... O leitor não tem a visão geral, do todo, mesmo diante da luz quase a cegá-lo; é necessário tatear, cuidadosa e lentamente a fim de não se ver arrastado para fora da trilha meticulosa e escavada impecavelmente na palavra. Certamente, não é um livro para o leitor apressado ou displicente, ou algo a se fazer de qualquer maneira.

  O fato de Nejar ser principalmente reconhecido por sua obra poética pode levar alguém a deduzir que se trata de um prosista menor, de segunda classe; ledo engano! As referências, citações e camadas sobre camadas de erudição não o tornam ininteligível, posto ser capaz de “traduzir” para o leitor o conhecimento e sabedoria e espírito luminares a permear cada frase, parágrafo, página, e encher os nossos olhos mortais dos encantos sobrenaturais. Ele deve ser lido. Tem de ser lido. Pode ser que a luz o sufoque, ou o afogue, caro leitor, porém a palavra estende-lhe a mão e puxa-o ao convés, o lugar seguro, onde poderá descansar a alma e não sucumbir às armadilhas das circunstâncias, do mundo a espreitá-lo, e vir a dizer como o personagem Almado: “Não me afogo”. Porque a palavra é viva e remissória, e envolve-nos em sua maravilhosa graça.

E as coisas grandiosas se embaralham às prosaicas sem que uma cause inveja ou dano à outra, e ambas, em meio às memórias, o discorrer do tempo, a razão e Assombro (nome da cidade onde se desenrola a narrativa e também da esposa do narrador, Israel Rolando, ex-capitão da marinha mercante e, portanto, alusão ao trabalho de conduzir os leitores, tirá-los do emaranhado de conjecturas e instalá-los na sã loucura), amores, perseguições e morte, seja no barulho ou silêncio, começam, desenrolam e se consumam no avassalador amor, sublime, transcendente, divino.

Mas nem tudo são flores. Há, entretanto, o lado menos esperançoso e otimista onde o homem censura, o poder silencia, enquanto se justifica em palavras, e o subterrâneo das consciências é raso, ou profundo demais. No primeiro, está tão visível aos olhos de quem não vê que é impossível notá-lo. No segundo, impossível alcançá-lo. Mas o poeta, sabedor das dores e angustias não se entrega a elas, nem mesmo ao obstinado tempo, onde o espírito não sai ileso, posto redimido pela palavra, avesso ao tempo, na eternidade. Não se desgruda dele o dizer de Alves: “Estou louco de bem”. Até que a paz não seja mais do que o encontro de inúmeras e incessantes batalhas.

Este é um livro do homem, mas também de Deus. Do Deus-Homem. De milagres, gênesis, recomeços e ressurreições. O sarau de ironia, humor e graça, e a destrambelhada loucura, cuja missiva, “Carta aos loucos”, é endereçada a mim, a você, a todos que, diante da sabedoria dos homens não conheceu a Deus, e aprouve a ele nos salvar e se fazer conhecido pela loucura do evangelho de Cristo. De forma que a loucura de Deus é mais sábia do que a dos homens, pois se discerne espiritualmente.  

Então, tem-se a luz. E ela nada pesa.

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Avaliação: (*****)

Título: Carta aos Loucos

Autor: Carlos Nejar

Editora: Monergismo (Selo Sator)

Páginas: 180

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Nota: 1- Resenha publicada no site da Editora Monergismo. Para visualizar, clique AQUI