27 junho 2013

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 47: Autoridade pastoral - parte I



Por Jorge Fernandes Isah


Dando sequência ao nosso estudo sobre a igreja, analisaremos o aspecto da autoridade e sustento pastoral. Neste estudo, já falamos sobre vários pontos da igreja verdadeira e as marcas que ela detém, inclusive, a sua autoridade sobre o crente. Apesar desta doutrina ser extensamente descrita na Escritura, há cristãos que não a reconhecem, e, por isso, desprezam-na. O que está ligado mais ao individualismo e à autossuficiência do homem moderno [o qual tolamente se acha "senhor de tudo" e autoridade final] do que da sua não expressividade canônica. Vivemos tempos em que os crentes encontram-se tão ou mais rebeldes do que os mundanos, acreditando em uma liberdade capaz de prescindi-los de qualquer autoridade, ainda que muitos digam reconhecê-la em Cristo, mas rejeitam-na completamente ao desconsiderar a autoridade que ele deu à igreja e aos seus ministros; o que acaba por levantar a seguinte dúvida: se não reconhecem a autoridade eclesiástica que veem, como reconhecerão a Cristo que não veem? Eis a questão!

Iniciemos então pelos versos de 1Ts 5.12-13: "E rogamo-vos, irmãos, que reconheçais os que trabalham entre vós e que presidem sobre vós no Senhor, e vos admoestam; e que os tenhais em grande estima e amor, por causa da sua obra. Tende paz entre vós". 

A palavra "presidir" significa “estar à frente”, “governar”, “superintender”, mostrando uma qualidade de liderança, comando, de alguém que tem autoridade sobre outro(s), que os direciona, levando-os à obediência e ao cumprimento de determinadas ordens. Interessante frisar que a obediência do crente em relação ao seu pastor ou presbítero é a mesma a qual o pastor e presbítero devem estar sujeitos, a qual é a autoridade da igreja; e, por isso, não é possível que eles ordenem ou orientem um ou mais membros a agirem divergentemente das deliberações do corpo local. É uma via de mão-dupla, na qual o pastor e presbítero são aqueles que primeiro devem proteger as resoluções que a igreja deliberou e não transtorná-las. Não há lugar para o despotismo ou a autoridade à revelia do corpo local, pelo contrário, a autoridade pastoral se fundamenta no poder com o qual o Senhor investiu a sua igreja, e a ela está sujeita.

Apenas como um adendo à nomenclatura, já que utilizo termos correlatos e que em algumas denominações referem-se a funções distintas, creio que os vocábulos, bispo, pastor e presbítero são sinônimos e significam, de maneira geral, a posição daquela pessoa madura e experiente na fé capaz de guiar e alimentar o rebanho do Senhor. Os oficiais da igreja governam não para si mesmos, como dito, nem a partir de autoridade própria, mas da autoridade investida por Deus, como servos [1Pe 5.1-4, conf Mt 20.26-27].

E a prova maior de que nada do que estamos dizendo é falso, baseia-se no fato de o próprio Deus, através do seu Espírito Santo, dar esses dons à igreja. É o que Paulo nos diz em Efésios 4.10-13: "Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas. E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguem à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo".

Deus deu a alguns membros da igreja funções e ministérios especiais, de forma que nem todos estão num mesmo nível funcional, numa igualdade de atribuições, o que não pode ser nem significa inferioridade ou superioridade espiritual de um membro sobre o outro. Se entende-se a questão como uma mera disputa de poder, em que um pode mais sobre o outro, a coisa deixa de ser espiritual para ser essencialmente carnal. Afinal, todos são servos do mesmo Senhor, e o que nos diferencia é o dom que o próprio Deus entregou a um e não a outro, e que entregou a outro e não àquele. Parece, contudo, que o pastor, bispo ou presbítero são os alvos mais adequados para os insubordinados, que chegam ao extremo de desqualificá-los, menosprezá-los e até alegando a antibiblicidade de seus dons. Ora, se não são bíblicos, por que a Escritura se esmera em designá-los, descrevê-los e qualificá-los? O fato de haver falsos pastores e mestres serve de negação para que não sejam reconhecidos os pastores verdadeiros e que temem ao Senhor, servindo-o? Em quê a quantidade daqueles que não honram o seu ofício e, em muitos casos, são servos de satanás, anula a biblicidade do ministério e autoridade pastorais? Com a palavra, os detratores...

O que Paulo exorta-nos é, ao contrário, reconhecer a autoridade pastoral, não como algo a ser realizado por soberba, orgulho ou vaidade, mas reconhecendo que o pastor ou presbítero é aquele que serve mais humildemente dentro do corpo local. É por isso que atitudes como a de crentes que difamam e denigrem o dom pastoral, de maneira genérica, agem com soberba e orgulho muito superiores à que afirmam denunciar. De forma irresponsável e insana querem colocar todos no mesmo balaio em que deveriam estar alguns. No fundo, toda essa empáfia serve apenas para desculpá-los diante de si mesmos, demonstrando, via de regra, desdém para com a igreja e o Evangelho, e um ensimesmamento, em que o intento é a glória do próprio umbigo.

A alegação de que tratam é que, se a maioria dos pastores está preocupada com os seus próprios interesses, conclui-se que todos os pastores também estão; se a muitos roubam, todos são ladrões; se há farsantes, todos são impostores. Isso é de uma arrogância sem par! E de uma leviandade ainda mais diabólica, nada condizente com a vida cristã. Alegam-se oniscientes a ponto de mapearem todo o universo eclesiástico, condenando-o, sem saírem de suas poltronas. Têm por fato algo que não passa de especulação; e por direito algo que não foge de uma reivindicação. É por isso que a Bíblia zelosa e sabiamente detalha em minúcias quem está apto e quem não está ao ministério pastoral. Infelizmente, há aqueles que querem os holofotes sem que tenham o chamado de Deus. Há os que nem mesmo são convertidos, ou os que são declaradamente ímpios em suas atitudes e desregramentos. Porém, nada disso invalida o dom dado por Deus. E ele se preocupou em evitar que tais trapaceiros se instalassem no seio da igreja. Paulo em 1 Tm 3:1-7 e Tt 1:5-9, adverte para as qualidades que um pastor, presbítero ou bispo devem ter, e o cuidado necessário para que a igreja decida-se em alçá-los a esses postos. E as características, como indicativas de um chamado divino, são reveladas exteriormente, de forma que qualquer um possa vê-las, percebê-las e confirmá-las. Paulo nos dá uma lista de distintivos que não são subjetivos, mas claramente objetivos e assinaláveis. Especialmente que ele não seja neófito, "para não se ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo" [1Tm 3:6]; a maturidade espiritual e a experiência na vida cristã devem ser pontos fundamentalmente analisados pela igreja para sancionar um líder. E isso não nos remete, necessariamente, à questão da idade, pois há jovens muito mais maduros que velhos, ainda que, cronologicamente, espera-se que um velho seja mais sábio que um moço.

A questão é que o erro está, na maioria das vezes, no pouco zelo com que a igreja estabelece seus líderes. Há casos em que um ministro é chamado à liderança sem que preencha correta e adequadamente os princípios estabelecidos pela Escritura para assumi-la. Indicações e até mesmo a excelência acadêmica [graus e títulos que ele tenha] falam mais do que a sua vida cristã. Prima-se hoje mais por um diploma teológico do que pelo testemunho cristão. Com isso não estou desmerecendo o estudo, e, sobretudo, o esforço de quem estudou anos para obter uma designação acadêmica. Mas ela não é tudo, e muitas vezes torna-se em nada, dada as inúmeras heresias que campeiam entre seminários e faculdades teológicas, além de um desprezo a Deus e sua palavra, e o próprio fato de alguns estarem no ministério sem chamado, santidade, zelo, e, mesmo sem conversão. O que me leva a defender severamente a formação de líderes no âmbito da igreja, dentro da própria igreja, primeiramente para que o seu chamado seja confirmado por ela, segundo, para que o testemunho do candidato, no decorrer dos anos, sirva de "certificado" para o cargo, e, terceiro, para que ele seja conhecido de todos os membros, e ele os conheça igualmente. Mas este é outro assunto, para outra hora...

Voltando ao ponto central, da autoridade pastoral, leiamos Hb 13.17: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros.”

A expressão "guias" fala daqueles que vão à frente e conduzem o rebanho, nitidamente dando-nos a ideia de liderança, daqueles que exercem o cuidado das almas, dos membros do corpo local. Mas, com isso, se quer dizer que há um grupo de irmãos que "fazem" o trabalho de Deus e outro que somente assiste? Não! Ao menos, nunca devia ser assim. Uma igreja que age dessa forma não entende o seu papel, nem compreende a obra que tem de realizar. Uma igreja assim é presa fácil para homens astutos, os lobos vorazes e cruéis que desejam destruir o rebanho, conforme Paulo descreveu em Atos 20.29. Devemos nos lembrar de que uma igreja bíblica não se constitui de um grupo de irmãos ativos e um grupo de irmãos passivos, aqueles controlando estes e estes, simplesmente, submetendo-se ao controle daqueles: “pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros” (1Co 12.25). Isso é sabedoria, que vem dos céus, para a glória de Deus.

Continuaremos, na próxima aula, analisando a biblicidade da autoridade pastoral.

Notas: 1 - Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Bíblico;
2 - Para maior consideração e detalhes, ouça o áudio da aula;
3- Baixe esta mensagem em aula 47.mp3

16 junho 2013

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 46: "Uma marca cristã desprezada"


Por Jorge Fernandes Isah



A Bíblia aponta-nos vários dos nossos deveres como cristãos e como membros do corpo local:

- Orar uns pelos outros [Tg 5.13-16];

- Exortar e edificar uns aos outros [1Ts 5.11, Hb 3.12-14] - Exortar é uma palavra que traz vários significados, como: Aconselhar, persuadir; animar, encorajar, incitar; sempre em relação à uma vida de fé genuína e santa ao serviço de Deus;

- Levar as cargas uns dos outros [Gl 6.2];

- Sujeitar-nos uns aos outros [Ef 5.14-21].

Estes são princípios estabelecidos por Deus para que o seu povo caminhe em unidade e santidade, cumprindo o mandamento do Senhor de amar ao próximo como a si mesmo. Na verdade, o ensino que temos é até superior, de amar o próximo mais do que a nós mesmos, pois foi assim que Cristo agiu ao entregar-se por nós. Ele nos amou com um amor superior, levando-o à cruz para que fôssemos libertos do pecado e condenação, a morte eterna e definitiva. Devemos ter em mente sempre o outro, especialmente o irmão, caminhando com ele, lado a lado, em meio às tribulações, tristezas, sofrimentos e dores que o mundo nos infringe, sustentando-nos mutuamente. Por isso somos admoestados a orar, exortar, instruir-nos reciprocamente; a carregarmos os fardos duros e pesados uns dos outros, de forma que ele se torne mais leve para o irmão, o qual também auxiliar-nos-á a diminuir o peso das nossas cargas.

Sabemos que é pelo poder de Cristo, por sua bondade e misericórdia, que recebemos o consolo e o alívio nas atribulações, pois, sem ele, nada seríamos ou poderíamos realizar. Contudo, é estimulante saber que os irmãos se interessam pelo nosso sofrimento e dores, e esteja, cada um segundo o dom que o Senhor dá, disposto a reconhecê-las como também suas, já que os membros colaboram, cada um, para o bem do corpo. Creio que o Senhor nos deu essas orientações para não nos preocuparmos além da conta, além do necessário, com os nossos problemas, também. Este é o caráter pedagógico do auxílio, não nos deixar entristecer exageradamente, mais do que a tristeza convém e, de certa forma, alegrar-nos no zelo e sustento para com o irmão aflito [parece contraditório, mas o sofrimento do outro pode nos "tirar" do círculo vicioso em que muitas vezes nos encontramos, em meio aos problemas triviais e corriqueiros do dia-a-dia. E a nossa tristeza com a aflição alheia pode tornar-se na alegria dele, de não se reconhecer sozinho e abandonado em sua luta, fortalecendo-o, de forma que ele também nos fortalecerá. Na física esse princípio seria chamado de "lei da ação e reação", em que o amor e a piedade atribuídas retornam-nos de forma equivalente].

Acredito que esses são pontos que não suscitam muitos debates, gerando divergências. Normalmente são esquecidos ou relegados ao nível do desinteresse, seja por considerá-lo algo trivial, reles, sem muita importância, ou por certa soberba de se achar que já o alcançou e de que as etapas a serem vencidas são outras. Ledo engano! Em um mundo cada vez mais individualista e rebelde, a igreja também tem se individualizado e se rebelado contra os preceitos divinos. Igualmente, cada vez mais, os crentes se consideram autônomos e donos dos seus narizes, de forma que o sustento, auxilio e piedade se tornam escassos, quase invisíveis. Não que devemos alardear aos quatro cantos o auxílio ou consolo ou sustento que devotamos ao próximo, mas é que o próprio estado de coisas tem revelado o quão distantes estamos de viver uma vida verdadeiramente cristã, aos moldes bíblicos. Quase ninguém se interessa mais por uma prática cristã, no sentido de fidelidade à Escritura e de dar os frutos que o Espírito produz no homem regenerado. Os holofotes estão ligados e cada um quer a sua porção de luz, sem se preocupar em ser ele próprio a luz. Muitos reduzem a vida cristã a falar de Cristo para as pessoas, e eu já vi incrédulos repetirem versículos, referirem-se a Jesus, como muito crente não é capaz de fazer. Mas, então, tem-se um detalhe: ele fala bem, até mesmo com probidade e correção, mas a sua vida pessoal não espelha sequer um milímetro do que diz. E é este o ponto principal do qual não podemos nos esquecer, e do qual o Senhor alertou-nos: pode uma árvore má dar frutos bons e vice-versa? [Mt 7.17-20].

A parábola dos talentos assevera mais fortemente este ponto [Mt 25.14-30 cf. Lc 12.42-48]; no sentido de que somos mordomos do que Deus nos dá, e quanto mais ele nos dá, mais devemos honrá-lo, produzindo os frutos proporcionais à sua dádiva. Ou seja, somos ordenados a cuidar com amor, empenho e dedicação de tudo o que dispomos e que nos foi ofertado graciosamente. Não fazê-lo implicará em omissão, negligência e desobediência, resultando na ordem que o Senhor profere: "Tirai-lhe pois o talento, e dai-o ao que tem os dez talentos. Porque a qualquer que tiver será dado, e terá em abundância; mas ao que não tiver até o que tem ser-lhe-á tirado".

Assim devemos proceder em tudo, na vida pessoal, profissional, e na igreja. Há os que pensam ser possível uma vida aparente ou "mínima" no corpo de Cristo. Penso que se enganam a si mesmos os que assim agem. A vida cristã tem de ser intensa em seu zelo, amor, e em produzir os frutos para a glória de Deus. É claro que tudo isso é proporcional ao que Deus nos deu e capacitou-nos a gerir. Ele não dará mais do que podemos suportar, como está escrito: "Não veio sobre vós tentação senão humana, mas fiel é Deus que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar" [1Co 10.13]. O verso se refere diretamente à tentação para o pecado, mas podemos, por princípio, levá-lo a todos os aspectos da vida, pois Deus não dá um fardo maior do que podemos carregar, já que, com o fardo, nos dá juntamente os meios de suportá-lo.

Voltando à parábola dos talentos, um servo ganhou cinco talentos, enquanto o outro dois, e o último um. Quando o Senhor voltou, os servos foram prestar-lhe contas. O primeiro devolveu-lhe dez talentos, o segundo quatro, e o último o mesmo talento que recebeu. Ou seja, este não soube o que fazer com o que Deus lhe dera, não soube aplicar o seu dom, ao contrário dos demais. Por isso foi reconhecido como mau e negligente servo, e lhe foi tirado o dom. A parábola nos remete a reconhecer Deus como o doador de tudo, inclusive dos nossos talentos e dons. Aquele que não sabe aplicá-los correta e convenientemente é como se não os tivesse; como um cego que quer ver ou um surdo que quer ouvir, com o agravante de que ele tem olhos e ouvidos bons, mas não sabe usá-los ou não os quer usar [Rm 12.4-8].

Na igreja do Senhor, devemos sempre buscar o melhor para nós e os demais irmãos e sermos o melhor que podemos ser, inclusive para nós mesmos, sem nos esquecer de que maior amor tem aquele que dá a vida por seu irmão. Parece um refrão de um cântico antigo ou um slogan, mas para nós tem de ser uma bandeira pela qual vivamos.

Este preâmbulo tem o objetivo de se chegar a dois outros pontos, que considero mais polêmicos e problemáticos dentro da igreja:

1) A autoridade eclesiástica – [1Ts 5.12-13, Hb 13.17]. Os oficiais da igreja governam não para si mesmos, nem a partir de autoridade própria, mas a autoridade investida por Deus, como servos [1Pe 5.1-5, conf Mt 20.26-27];

2) Sustento pastoral - 1Tm 5.17; Lc 10.7; At 28.8-10.

Os quais serão expostos e discutidos nas próximas aulas. 


Notas: 1) Baixe esta mensagem em Aula 46.MP3
2)  Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Biblico