21 agosto 2025

Peter Sellers: O vendedor de risos

 





Jorge F. Isah



É provável, em algum momento, você ter ouvido falar ou visto um dos filmes de Peter Sellers. Por três décadas, ele formatou o estilo de humor refinado, sofisticado, meio desastrado, às vezes irônico (muito humor negro), em outros, caricato, mas sempre genial. É considerado justamente um dos maiores humoristas de todos os tempos. Versátil, se aventurou por todos os gêneros interpretativos e artísticos, inclusive imitando celebridades, tocando bateria em sketchs e shows e, vez ou outra, atuava em papéis dramáticos. Como ótimo artista, se saia bem em quase tudo, do ponto de vista profissional, enquanto a vida privada se arrastava aos trancos e barrancos, em meio aos constantes ataques de insegurança e depressão. Certa vez, em uma entrevista, disse não saber o porquê de as pessoas gostarem do seu trabalho, pois odiava praticamente tudo o que fazia; à revelia das inúmeras influências deixadas em astros como Steve Martin, Robin Williams, Martin Shore, Dudley Moore e tantos outros.

Nascido em Hampshire, Inglaterra, Richard Henry Sellers, era filho de Peg Marks e Bill Sellers, artistas de Vaudeville. Desde pequeno, Richard, cujo irmão mais velho Peter nasceu morto, atuava nos palcos juntos aos pais e o avô. Estranhamente, todos na família o chamavam de Peter (talvez venha daí a sua vulnerabilidade emocional), então decidir-se pelo nome artístico não foi involuntário, apesar de haver aquela fibra de ironia e sarcasmo, típico dos seus maneirismos pessoais e caprichos estilísticos. Tornou-se no que já era ou ficou conhecido: Peter Sellers.

Dos palcos, após um interlúdio na II Grande Guerra, quando se voluntariou, migrou para o rádio onde misturava música e esquetes cômicas e entre seus colegas estava o ator Dudley Moore. Contratado pela BBC por causa do seu talento nato em imitar vozes de famosos, teve grande sucesso sob a batuta do produtor George Martin, que se tornaria o “quinto” Beatles, de quem Peter seria grande amigo.




Estreou no cinema em 1951, em Penny Points to Paradise, daí em diante não parou mais, intercalando a presença nas telas com a dublagem de filmes. Teve o primeiro grande papel em 1955, ao viver um dos criminosos em Quinteto da Morte, The Ladykillers, cujo remake teve Tom Hanks no papel principal (no Brasil, Matadores de Velhinhas, de 2004). Como protagonista estreou em 1959 em I'm All Right Jack, cujo título em português, horrível por sinal (a capacidade tupiniquim de quase invariavelmente torná-los ruins), chamou-se Papai é nudista.

Dirigiu a primeira película em 1961, Mr. Topaze (BR:A solidão da riqueza), onde também estrelou.

Contudo, o auge artístico se deu nas décadas de 1960 e 1970 onde construiu sua carreira magistral e insólita, primeiro sob a direção de Stanley Kubrick, em Lolita (baseado na obra homônima e polêmica de Vladimir Nobokov), em 1962, e posteriormente Black Edwards, com quem faria diversos filmes, inclusive a saga A pantera cor-de-rosa, onde viveria o atrapalhado e desastrado Inspector Closeau, certamente o mais icônico dos seus personagens. A partir dessa estreia, em 1963, Sellers se tornaria um nome mundialmente conhecido e seria um enorme sucesso de bilheteria.

Em 1964, novamente sob a regência do exigente e meticuloso Kubrick, Peter interpretaria três personagens, um alemão, um britânico e um americano, em Dr. Fantástico (Dr. Strangelove of: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb), e lhe renderia a indicação ao Oscar de melhor ator, por sua marcante e polivalente atuação.




Ele contracenou com Sofia Loren (por quem se apaixonou, mas não foi correspondido), Goldie Hawn, o amigo Ringo Star, George Sanders, Shirley McLaine, Ursula Andress, David Niven, Robert Loggia, Melvyn Douglas, Richard Basehart, George C. Scott, Shelley Winters, James Mason e tantos outros renomados nomes do cinema mundial, como os diretores Vittorio de Sica, Billy Wilder e John Huston, além de ser o primeiro homem a figurar na capa da revista Playboy (vestido, claro!).

Enquanto obtinha estrondoso sucesso, por causa do seu temperamento difícil e encrenqueiro, fruto da insegurança e depressão, diretores e atores começaram a evitá-lo, rejeitando-o nos sets, e filmes antes inevitavelmente destinados a ele tomaram outros rumos pelas mãos de atores não tão geniais, mas menos voláteis. Instável emocionalmente, começou a beber e usar drogas, a culminar em grave lesão cardíaca decorrente de uma série de enfartes quase fulminantes, em 1964, obrigando-o a implantar um marca-passo em 1970... o seu coração jamais seria o mesmo.

Casou-se quatro vezes, sempre em relacionamentos tumultuados, nos quais os filhos acabaram sendo envolvidos e, quando morreu, a despeito de tentar anular o testamento em favor da última esposa, a atriz Lynne Frederick, ela acabou herdando toda a sua fortuna após a morte e todos os seus direitos autorais, cabendo a cada um dos filhos o valor simbólico de $800,00 (oitocentas livras esterlinas)... Mas, chega de fofocas, porque não é o que nos interessa...




Sellers foi um dos maiores gênios do cinema, e as atuais gerações pouco ou nada sabem dele. Infelizmente, a sutileza, a ironia e, porque não, o sarcasmo de seus personagens, roteiros e direção, deram lugar às peças vulgares, infames e apelativas (óbvio, não estou a generalizar, mas em sua maioria são estúpidas e sem graça) de forma que, se não fosse por um ou outro remanescente do velho humor, mesmo remodelado, o que é natural, o estilo já estaria morto. Neste aspecto, o politicamente correto, o outro lado da moeda, trabalha sempre contra o bom humor, ao enrijecer obstinadamente o discurso ideológico e pragmático. Aos apreciadores da arte, resta deliciarem-se com as fitas de Sellers, Lewis, Stan e Lauren, Cantiflas, Oscarito e Grande Otelo, Buster Keaton, Chaplin, Irmãos Marx, Mel Brooks, Golias e tantos quanto o cinema e os palcos produziram e quase não forjam mais. Ainda nos restam Rowan Atkinson, Steve Martin, Martin Shore, Jerry Seinfeld e Woody Allen, e mais uns poucos.

Peter Sellers morreu em 1980, aos 54 anos, vítima de... enfarte, desta vez fulminante. Em seu testamento pediu a execução da canção de Glenn Miller, In the Mood, em seu último ato de cínico deboche, pois odiava a música. Assim viveu e morreu o grande astro, sempre com aquela pontinha de humor inigualável, perspicaz e quixotesco.

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Citações de Peter Sellers (traduzidas livremente)



· “Sou como todos os humoristas, me divirto enquanto estou atuando”

· “Conversa como televisão em lua-de-mel... é desnecessária!”

· “As pessoas nadarão na merda se lhe derem um pouco de dinheiro”

· “Quando uma amiga se torna muito cara, não há outra escolha senão se casar com ela”

· “Houve um tempo em que meu "eu" autêntico existia, mas eu o removi cirurgicamente”

· “Aprendamos a apreciar os momentos em que descobrimos as árvores e podemos recolher os frutos”

· “Cavalheiros, vocês não podem lutar aqui! Esta é a Sala de Guerra!”

· “Quem eu sou no mundo? Ah, um grande quebra-cabeças!”

· “Não será fácil, isto porque sempre fracasso onde outros têm sucesso!”

· “Se não consigo encontrar um jeito de viver comigo mesmo, não posso esperar que alguém viva comigo!

· “Como ‘Dr. Strangelove’ em ‘Dr. Strangelove’ (1964)”

· “Algumas formas da realidade são tão horríveis que recusamos enfrentá-las, a menos que sejamos encurralados nela pela comédia. Considerar qualquer assunto inadequado para a comédia é admitir a derrota”

· “Ver-me como uma pessoa na tela deveria ser a experiência mais monótona que você deveria querer ter” 

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga 



14 agosto 2025

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 44: "Marcas da Igreja Verdadeira"


 
Jorge F. Isah






Um  rápido resumo da aula anterior:
  • Igreja como organismo [corpo vivo]; 
  • Igreja como organização [corpo local]; 
  • Igreja invisível e universal [todos os santos em todos os tempos];
  • Igreja visível [onde há os joio e o trigo, ainda que o trigo seja verdadeiramente a parte visível da igreja universal.
Como distinção, temos o exemplo do ladrão da cruz, que faz parte da igreja universal, a igreja espiritual que reúne os crentes de todos os tempos, mas não chegou a fazer parte da igreja visível, do corpo local.

Mt 13.24-30; Mt 13.47-50; Mt 3.12


As Marcas da Igreja

1. AS MARCAS DA IGREJA EM GERAL.

PERGUNTAS: 
  • PODEMOS DIZER QUE HÁ MARCAS QUE INDIQUEM UMA VERDADEIRA IGREJA? 
  • QUAIS? 
  • ATÉ QUE PONTO ELAS SÃO NECESSÁRIAS PARA QUE SEJA PARTE DA IGREJA DE CRISTO?
a. Sentia-se pouca necessidade destas marcas quando a igreja era claramente uma só. Mas, quando surgiram as heresias, tornou-se necessário indicar certas mudanças pelas quais se pudesse reconhecer a igreja verdadeira. Enquanto a igreja crescia, cresciam também as investidas do inimigo para destruí-la. Já, à época dos apóstolos, um número grande e heresias conviviam com a sã doutrina; elas mesmas, as igrejas heréticas, se autodenominavam igrejas de Cristo, como membros do Corpo. Portanto, com o passar do tempo, foi necessário indicar algumas marcas pelas quais se pudesse distinguir a igreja verdadeira da falsa.

Havia um padrão da verdade ao qual a igreja deve corresponder, e reconheciam esse padrão na Palavra de Deus.


2. AS MARCAS DA IGREJA EM PARTICULAR.

a. A fiel pregação da Palavra. [Mt 28.18-20 – Evangelização e discipulado]
Esta é a mais importante marca da igreja. A fiel pregação da Palavra é o grande meio para a manutenção da igreja e para habilitá-la a ser a mãe dos fiéis. Que esta é uma das características da igreja transparece em passagens como:
  • Jo 8.31, 32, 47; 14.23; 1 Jo 4.1-3; 1Ts 5.21; Ap 2.2
Atribuir esta marca à igreja não significa que a pregação da Palavra na igreja terá que ser perfeita para que ela possa ser considerada como igreja verdadeira. Tal ideal é inatingível na terra; só se pode atribuir à igreja uma pureza "incompleta" de doutrina.

Uma igreja pode ser relativamente impura em sua apresentação da verdade, sem deixar de ser uma igreja verdadeira. Paulo escreve à igreja de Corinto, onde os pecados campeavam, e muitos deles eram mais vergonhosos e infames do que os produzidos pelos ímpios, contudo, ainda assim, o apóstolo se refere a ela como igreja, e aos seus membros como irmãos. 

Mas há um limite além do qual a igreja não pode ir, na apresentação errônea da verdade ou em sua negação, sem perder o seu verdadeiro caráter e tornar-se uma igreja falsa. É o que acontece quando artigos fundamentais de fé são negados publicamente, e a doutrina e a vida já não estão sob o domínio da Palavra de Deus.

E é a palavra de Deus que retém as instruções instituídas pelo próprio Deus e que devem ser cumpridas pela igreja – At 2.41-42.
[Esta passagem sugere a seguinte ordem: conversão, batismo, admissão à igreja local, andar ordeiro, observância da Ceia do Senhor e da oração coletiva]

b) Ordenanças: Ordem, lei, prescrição [1Co 1.2].
Que a reta administração das ordenanças é uma característica da igreja verdadeira, segue-se da sua inseparável conexão com a pregação da Palavra e de passagens como:
  • Mt 28.19; Mc 16.15, 16; At 2.42; 1 Co 11.23-30.

1- Batismo: Mc 16.15-16; Mt 26.19-20.

2- Ceia do Senhor – Lc 22.19-20; 1Co 11.23-26

C) O fiel exercício de disciplina.

É deveras essencial para a manutenção da pureza da doutrina e para salvaguardar a santidade dos sacramentos. As igrejas que relaxarem na disciplina, descobrirão mais cedo ou mais tarde em sua esfera de influência um eclipse da luz da verdade e abusos nas coisas santas. Daí, a igreja que quiser permanecer fiel ao seu ideal, na medida em que isto é possível na terra, deverá ser diligente e conscienciosa no exercício da disciplina cristã. A Palavra de Deus insiste na adequada disciplina a ser exercida na igreja de Cristo - Mt 18.15-18;

  • 1 Co 5.1-5, 13 [1Tm 1.20 e 2Co 2.4-11] – Igreja como proteção ao crente. Paulo parece dizer que aquele que é expulso do convívio da igreja está entregue a Satanás, ao mundo, estando sujeito a ele e sem a proteção do Corpo.
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Notas: 1- No áudio, os pontos apenas tocados levemente aqui são expostos mais detidamente, sobre as marcas primordiais da verdadeira Igreja de Cristo. 2- A seção 2C, que se refere à disciplina eclesiástica será discutida mais à frente, em outra aula.
3- É discutida também a questão dos sacramentos [batismo e ceia], do ponto de vista católico e reformado, como meios de graça, os quais, nós, batistas, não reconhecemos, já que os temos por ordenanças e, em momento algum, acreditamos que eles tragam uma "sobre-graça" sob a "graça", e que sejam os aspectos visíveis da "Aliança" ou "Pacto".
4- No áudio, confundi Tomás de Aquino com Agostinho, o qual formulou primeiramente a doutrina dos sacramentos, ainda que o primeiro tenha-o seguido na questão. 
5- Faço também, na aula, um pequeno comentário sobre o filme "Redenção", cujo título em inglês é "Machine Gun Preacher", analisando o batismo bíblico.
6 - Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Bíblico  
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ÁUDIO DA AULA 44: