26 outubro 2020

Conta-Gotas: 3 - Cristo fez!

 


Jorge F. Isah


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        Como Igreja, cada um de nós é visto pelo Pai como que por um filtro, no qual nossos pecados e inimizade são apagados, atravessados pela luz, pulverizados pelo poder gracioso de Cristo, o qual nos substituiu, tomando o nosso lugar, pagando o que era para nós impossível pagar; fazendo o que estava irremediavelmente inalcançável diante de nós. 
        Em suma: tudo o que precisávamos e não podíamos fazer, Cristo fez!
        Honra e glória e louvor somente a ele!


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16 outubro 2020

O amanhã póstumo em "Ópera dos Mortos", de Autran Dourado

 




Jorge F. Isah


Nos últimos meses, me aventurei pela leitura da ficção mineira, algo negligenciado há muito; e me fazia sentir um senso de injustiça quanto à minha própria terra. Por isso, comecei com Fernando Sabino e o seu “Encontro Marcado” (concluído, e cuja resenha pode ser lida aqui mesmo), ando às voltas com “Crônica da Casa Assassinada”, de Lúcio Cardoso (a conclusão desse demandará ainda um bom tempo) , “Obra Completa”, de Murilo Rubião (em fase de leitura), e “Ópera dos Mortos”. Ah, não posso me esquecer de Luiz Ruffato e o seu “Flores Artificiais” (resenha por aqui, também), e a próxima leitura, já adquirida, de “Verão Tardio”, do mesmo autor.

“Opera dos Mortos” é considerado o maior romance de Autran Dourado, que é comparado a Guimarães Rosa, de quem ainda não consegui concluir nenhuma leitura, e me é, em algum aspecto, um escritor intragável. Espero mudar de ideia, pois pretendo novas tentativas de leitura dos seus principais livros, e talvez ele se torne digerível. Mas entendo a comparação, já que Rosa é considerado o maior prosista mineiro e, ao lado de Machado de Assis, do Brasil. Mostra a envergadura de Autran Dourado, e um pouco de quem estamos a falar. Escrito em 1967, o livro é o primeiro volume da trilogia cuja sequência se dá com “Lucas Procópio” e “Um Cavalheiro de Antigamente”.

A história se passa no interior mineiro, e tem como principal personagem um “Casarão”, isso mesmo, onde se desenrolam os conflitos, intrigas e a solidão dos demais personagens. Esses são como vultos, fantasmas, a assombrarem com seus desvios e pecados as paredes, tetos e pisos da construção, numa sequência interminável de feridas expostas e das quais é impossível se esquecer; sem alívio, uma dor interminável. O ressentimento, o orgulho, a amargura áspera, permeia a vida dos ocupantes e o restante da cidade, em um sentimento de culpa sem qualquer perdão. Tudo porque, no passado, a cidade traiu a confiança e boa-fé do patriarca da família Honório Cota, pai de Rosalina, moça que conserva a tradição familiar de isolar-se em casa e evitar, a todo custo, o contato com os demais habitantes da cidade. Do avô, Lucas Procópio, odioso em seu comportamento desumano, frio e egoísta, Rosalina parece herdar a loucura, uma loucura melancólica, trágica, quase inofensiva (a não ser a si mesma), enquanto o ancestral impregnou-se de uma demência maligna, perversa.

Moram no casarão a empregada Quiquina, uma descendente de escravos e que criou Rosalina, tendo-a por filha, após a morte da patroa. E a chegada do maledicente e preguiçoso e errante Juca Passarinho, exímio caçador, a despeito de ter apenas um olho bom; o outro, era uma névoa branca. Ele se apaixona pela figura nobre, circunspecta e altiva de Rosalina. Com o tempo, angaria alguma simpatia dela e a aversão de Quiquina. Com o tempo também, as coisas mudam; se de dia o aspecto geral da casa e suas relações é austera, formal e corriqueira, a solidão de Rosalina, que não tem com quem conversar, já que Quiquinha é muda, acaba por “ceder” à bisbilhotice atrevida de Juca; e este passava as tardes ouvindo as resenhas da patroa, atropelando-a vez ou outra com os seus palpites despropositados e perguntas indelicadas. À noite, o convívio tomava ares completamente distinto, fazendo lembrar ao narrador (indistinguível) as diatribes do velho Procópio.

O Casarão contém, em seu espaço, duas realidades diferentes, em que as vidas se encontram no limiar de uma tragédia grega. E acaba por consumar-se.

É impossível não relacionar o título da obra com o enredo, no qual se vislumbra a realidade em que os mortos de verdade estão vivos, e tão vivos que impregnam os habitantes da casa com a própria morte; como se a resistência estivesse no estigma de leva-los, os ainda vivos, à morte, de forma a unirem-se a eles. E se os ainda vivos agem como mortos, e os mortos como vivos, nas lembranças, objetos, e condução da vida na velha mansão, ali se enterram, e são enterradas, as esperanças, os desejos, as almas dos moradores. Nem mesmo quando a casa é aberta e os habitantes da cidade têm a oportunidade de invadirem os seus cômodos, a tortura, o martírio permanecem como presenças graves em cada parte, cada detalhe, cada som, sem que ninguém se sinta ou esteja livre da mancha a gravar o vestígio da condenação e a clausura de todo o povo, dentro ou fora do Casarão. Ele é o centro da sociedade, da atividade, da vida pregressa e futura da cidadezinha.

Ópera dos Mortos é uma grata surpresa. Um livro em que Autran Dourado traça a ponte entre o passado e o presente, e um futuro tão embebido neles que se transforma em “amanhã póstumo”, onde a morte traz da vida outros defuntos.


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Avaliação: (****)

Título: Ópera dos Mortos

Autor: Autran Dourado

No. Páginas: 212

Editora: Civilização Brasileira

Sinopse: 
           "O senhor atente depois para o velho sobrado com a memória, com o coração", adverte o narrador, que aos poucos se confunde com a própria cidade onde mandava o coronel Lucas Procópio Honório Cota. Tratava-se de um homem valente, que impunha respeito pela força e truculência, traços que passavam distante da personalidade de seu filho e herdeiro, João Capistrano. Melancólico, em luta permanente para se livrar do fantasma do pai, João fracassa na política ― sua única chance de se impor na cidade ― e passa o resto de seus dias trancado no sobrado que ergueu como uma espécie de monumento à família. Com o correr dos anos, o casarão vai se impregnando cada vez mais dos fantasmas dos antepassados, que transformam tudo, de objetos a ambientes, em signos da morte. É neste ambiente opressivo e desolado que Rosalina, filha única de Capistrano, vai viver depois da morte dos pais. Solteira, isolada do mundo e tendo como única companhia a empregada Quiquina, que é muda, ela passa seus dias fazendo flores de pano e vagando entre paredes carcomidas e relógios parados. Mas a rotina do sobrado será alterada com a chegada de José Feliciano – ou Juca Passarinho, como é conhecido. O biscateiro vai à cidade em busca de trabalho e acaba entrando aos poucos no universo enigmático da casa e, principalmente, na vida da austera Rosalina. Lançado pelo célebre romancista mineiro em 1967, Ópera dos Mortos foi incluído pela Unesco numa coleção das obras mais representativas da literatura mundial. Autor vencedor do Prêmio Camões (2000) e do Prêmio Machado de Assis (2008)."




29 setembro 2020

Conta-Gotas: 2 - Teologia

 



Jorge F. Isah

      

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        A luta contra a Teologia é uma luta contra a Escritura também, que é o foco da Teologia. Há bons e maus teólogos, boas e más doutrinas, boas e más aplicações e práticas, mas isso não depõe contra a Teologia em geral. 

        Se alguém faz mau uso dela, a culpa não lhe pode ser imputada. Que se ataquem os maus teólogos, as más doutrinas, as igrejas e pessoas que as defendem. Mas, para isso, o sentimento, ou sensações, ou achismo e senso comum, será de pouca ou nenhuma utilidade.

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14 setembro 2020

Conta-gotas: 1 - Ao mal chamam bem


Jorge F. Isah


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          Como nós, os holandeses primeiramente liberaram a maconha e outras drogas. Agora eles praticam o extermínio assistido ou eutanásia de idosos e doentes. E tudo isso porque, negar o Cristianismo e o Deus bíblico, é uma batalha interminável.
         Tudo começa com a falsa ideia de se garantir direitos individuais a partir do direito coletivo, para depois negar que o indivíduo tenha direitos. E como caminhamos para a legalização das drogas, do aborto, do homossexualismo, da pedofilia, zoofilia, etc, preparemo-nos para a eutanásia ou eugenia estatal. 
         Se Deus não tiver misericórdia, será apenas questão de tempo, como em outros países. Pois o mal é persistente, reinventa-se, e ilude muitos com uma “aparência “ de bem. Como disse o profeta: "Ai daquele que chama o bem de mal e mal de bem" (Isaías 5:20).


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31 julho 2020

Luz em Agosto: O mundo idiossincrático de Faulkner






Jorge F. Isah


Gastei um bom tempo lendo este livro. Para ser mais exato, quase um ano. E não foi uma leitura fácil. Em muitos momentos me vi refletindo em algo do texto, sem poder continuar. Um certo “peso” me fazia parar e buscar uma literatura mais digerível, menos estafante. Com isso não estou dizendo que não gostei de “Luz em Agosto”, pelo contrário, já estou engatilhando o próximo livro do autor.

Como Thomas Mann, Faulkner não é para leitores apressados, ao menos, é o que penso. Em um mundo onde a literatura se tornou refém das imagens, como subproduto criado para a TV ou Cinema, é possível afirmar que a maioria das pessoas não se interessará pelo livro. Alguns o considerarão difícil. Outros indesejado. Para muitos outros, ignorado. É o preço a se pagar por gerações e gerações de pessoas cada vez mais apequenadas em seu mundo tubular, de lcd ou led. Mesmo os e-readers pertencendo ao “mundo” dos LEDs, a grande massa ignora-os por completo.

 Faulkner tece a sua linguagem de forma minuciosamente orquestrada, onde cada palavra parece desempenhar uma função além do próprio significado. Ela transcende a si mesma, revelando um mundo muito mais vasto do que o sentido que se atribui. Como se fosse um tubo de imagem (os mais velhos saberão do que estou falando) a emitir uma explosão de ondas capazes de formar uma paisagem nem sempre nítida, nem sempre identificável, mas sempre abrangente. Ainda que os indivíduos tenham nome, endereço e cpf, qualquer um de nós pode se identificar ou identificar algum conhecido entre as figuras criadas pelo autor.  

Os personagens desfilam sua ordinariedade (no sentido trivial, comum), mas por meio de uma narrativa sofisticada e, por vezes, hermética. Penso que nenhum escritor deseja ser impenetrável ou complexo, mas são características que permeiam grandes nomes da literatura (James Joyce me parece o expoente entre todos). Eles gostam de “brincar” com o leitor, em um jogo de charadas intricadas, ou não tão reveladoras, deixando a cargo da imaginação e da intuição o complementar a informação. Há quem goste. Há quem desgoste. Há quem não se importe. O certo é que, uma mesma história pode ser contada de maneiras diferentes. Algumas afloram asco, outras indiferença, ainda outras encanto. Faulkner está no terceiro e último grupo, bastando a atenção necessária, e a paciência ainda mais primordial para degustá-la calma e parcimoniosamente.

O livro conta a história de Christmas (e não é por aqui que cessam as referências cristãs), um homem branco que se considerava negro. Desde a mais tenra idade, viveu o dilema de carregar um sangue que não refletia a cor da sua pele. Na verdade, na casa dos 30 anos, não se identificava com qualquer dos aspectos da sua origem. Apenas se sentia abandonado, jogado à própria sorte. Não se sentia branco, apesar de parecer; e atormentava-se com a negritude, a qual assumiu e alardeou aos quatro ventos, mas que o consumia. Na parte sul da América, onde a escravidão havia sido abolida, mas a segregação estava a pleno vapor, ser negro não era o melhor dos mundos. E Christmas parecia se autoflagelar, ou não ser capaz de escapar do estigma que supunha distingui-lo. Era uma espécie de autoexpiação, de purgar a si mesmo pelo que não tinha, enquanto abandonava o que lhe restava.

Antes, e a narrativa principia daí, temos uma jovem grávida, Lena, prestes a conceber, que atravessa metade do país em busca do pai do seu filho, o qual prometera se casar, mas fugiu, deixando pistas ambíguas do seu paradeiro. Ela viaja solitária, contando com a ajuda de estranhos para alimentar-se e cruzar os territórios à caça do aspirante a marido.

Talvez a figura mais marcante e atormentada seja a do pastor Hightower, homem confuso quanto a sua fé, o relacionamento com Deus, e as lembranças de sua esposa nada sincera. Ele faz várias reflexões, sem contudo chegar a alguma conclusão. Passa boa parte do tempo se torturando com as lembranças e o próprio rumo que a sua vida tomou, quando não está a desgraçar os outros. Não somente através dele, e pelo viés de outros personagens, Faulkner utiliza-se das descrições de lugares, situações e ações para “filosofar”, e trazer um certo aspecto racional, ou intelectual, à profusão de sentimentos. Enigmas que precisam ser desvendados, na busca da verdade, mas que são abandonados pelos dilemas cotidianos. Apenas como aperitivo, transcreverei dois trechos em que Hightower pondera:


“‘Mas no céu e na terra há outras coisas além da verdade’, pensa... ‘Muitas outras coisas’, refletindo em que a inteligência foi, segundo parece, dada ao homem para, nos momentos de crise, ele poder proporcionar a si mesmo formas e sons com que defender-se da verdade” (Pg. 390). 

“‘Talvez tivessem razão em introduzir o amor nos livros’, pensava Hightower. ‘Talvez ele não pudesse viver em nenhuma outra parte’” (Pg. 392)

Não falarei mais sobre a obra em si, dado o meu desprazer em escrever resumos e estragar a curiosidade e o divertimento do futuro leitor.

“Luz em Agosto” não pretende iluminar a vida dos personagens, como se viesse reabilitá-los. Não existe a pretensão de tirá-los da escuridão, na qual todos parecem estar imersos, de uma forma ou de outra. Apenas reconhece-os como são, com todos os seus pecados, dúvidas e as complexidades da natureza humana, permeadas por um mundo tão humano e, por isso, idiossincrático em suas relações. Não há heróis. Há, sim, indiferença, ódio, conflitos, mas também bondade ingênua, como a de Burch. Se existe desapego de um lado, há obstinação do outro. E nem mesmo o desapego sobrevive ao crivo do apego, teimoso.

Este é um livro altamente recomendado para não preguiçosos, e que buscam uma leitura “quase idílica”.



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Avaliação: (****)

Livro: Luz em Agosto

Autor: William Faulkner

No. Páginas: 448

Editora: Cosac & Naify

Edição: 3a, 2015


Sinopse: "Este livro de William Faulkner em nova tradução é um romance de arquitetura complexa. A ruptura com a linearidade desconcerta o leitor. O tempo é estilhaçado e é pela valorização dos estilhaços que Faulkner multiplica os pontos de vista, iluminando figuras sublimes e grotescas. Da atmosfera de violência e horror do Mississippi surgem personagens profundamente humanas. Mas a história não termina aí. Toda a maestria da construção de "Luz Em Agosto" se confirma no último capítulo, numa reviravolta narrativa que o consagrou definitivamente. O leitor, guiado pelo autor, encerra o livro em estado de assombro. Viveu intensamente o horror, tomou contato com os recônditos da alma. Percebeu o passado como um inimigo que não dá trégua. Será assombrado por imagens poderosas. Um livro que não tem fim."







28 julho 2020

Sermão em Atos 4.8-12: A exclusividade de Cristo





              Por Jorge F. Isah



“Ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de esquina. E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” 



INTRODUÇÃO: 

- Pedro e João foram presos e estavam sendo julgados pelo Sinédrio, o Tribunal sacerdotal, por pregarem sobre Jesus, curarem um paralítico e levar multidões à conversão. 

- O objetivo dos judeus era calar os apóstolos, impedindo-os de proclamar o evangelho e curar em nome de Cristo (Atos 3.1-9). 

- O mesmo lugar onde Jesus fora escarnecido, zombado e condenado era agora o local onde Pedro e João também seriam julgados. 

- Da mesma forma que o Senhor foi perseguido, agora os seus discípulos também seriam. Confirmando o que o próprio Senhor havia falado a respeito: 

“19. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. 20. Lembrai-vos da palavra que vos disse: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa.”(João 15.19-20) 

- A promessa se cumpria na vida dos apóstolos, e também há de cumprir em nossas vidas, se somos realmente servos do Senhor e proclamamos o seu santo Evangelho. 



A FÉ QUE VEM DE CRISTO E RETORNA A ELE EM LOUVOR:

- Aquele homem paralítico queria dinheiro ou comida ou roupas, ou algo que pudesse ser útil em sua subsistência. Se atentarmos para a tradição judaica, alguém que estivesse doente, tivesse uma deficiência ou fosse pobre assim o era por causa do seu pecado, e por não ser abençoado por Deus. 

- O exemplo de Jó (Jó 1.8-11) é o mais claro. Enquanto teve riqueza, gado, casa, tesouros e servos, foi um homem respeitado, estimado. Até mesmo Satanás compreendia que ele era fiel a Deus porque Deus o cobria de mimos e cuidados. Na visão de Satanás, se Deus lhe tirasse tudo, Jó não teria motivos para permanecer fiel. Em outras palavras, a fé era consequência daquilo que ele recebia, e não de Deus que a sustentava. 

- Pedro não tinha dinheiro ou bens para aquele homem, mas o que tinha, a fé em Cristo para curá-lo ele deu. Eles estavam na porta do Templo, e uma multidão, que conhecia aquele paralítico que diariamente estava ali esmolando, maravilhou-se, correndo para junto dos apóstolos. 

- Pedro, notando que estavam perplexos com o milagre, e acreditando que o poder era deles, disse: 

“12. Homens israelitas, por que vos maravilhais disto? Ou, por que olhais tanto para nós, como se por nosso próprio poder ou santidade fizéssemos andar este homem? 13. O Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, o Deus de nossos pais, glorificou a seu filho Jesus, a quem vós entregastes e perante a face de Pilatos negastes, tendo ele determinado que fosse solto. 14. Mas vós negastes o Santo e o Justo, e pedistes que se vos desse um homem homicida. 15. E matastes o Príncipe da vida, ao qual Deus ressuscitou dentre os mortos, do que nós somos testemunhas. 16. E pela fé no seu nome fez o seu nome fortalecer a este que vedes e conheceis; sim, a fé que vem por ele, deu a este, na presença de todos vós, esta perfeita saúde.”. 

- Aqui cabe um adendo: a fé não pode ser uma fé qualquer. De se crer em qualquer coisa ou feito por meio de outra pessoa. Não. A fé verdadeira é aquela depositada exclusivamente em Cristo e em seus méritos. A fé em si mesma, em outros deuses, santos ou qualquer outra coisa ou objeto, ainda que produza resultados, não é capaz de louvar e honrar o único merecedor da nossa fé: Cristo! 

- Em outras palavras, mesmo que milagres aconteçam em nome de outra pessoa ou objeto, ele não glorificará o Senhor, e, portanto, é um evento cuja origem está em Deus, mas a reputamos a outrem, tirando a glória de Deus. 

- Nesse sentido, o mesmo desprezo que os israelitas tiveram ao escolher um assassino, Barrabás, e condenarem Cristo à crucificação é reprisado. Não dar glórias a Deus pelo que somente Deus faz é desmerecê-lo. Sendo Cristo o único a nos ligar ao Pai, menosprezamos e desdenhamos dele. 



O CHAMADO AO ARREPENDIMENTO:

- Temos esta vida para nos arrepender. Não haverá qualquer chance de arrependimento após a nossa morte. Este é o momento de colocar diante de Deus todos os nossos pecados, inclusive os cometidos diretamente contra ele. Sim, há pecados cometidos diretamente contra o Senhor, e existem pecados que, mesmo não cometidos diretamente contra o Senhor, também o atingem. 

- Exemplos: 

1 – Dar honra e glória a outro deus, ou anjo, ou santo, ou a si mesmo, ou à ciência, ou à natureza, ou a qualquer outra coisa que não seja o Deus Trino, é pecado. 

2 - Furtar ou cobiçar o que não nos pertence mas está na posse de outra pessoa, é um pecado cometido diretamente contra essa pessoa, contudo, o Senhor como Legislador e Juiz é ofendido com o nosso ato, e pecamos também contra ele. Todo o pecado é contra Deus. Tanto que nos 10 mandamentos, os primeiros 5 pecados são cometidos diretamente contra Deus: p. ex. Êxodos 20.3-5a 

2¹- Os demais 5 mandamentos se referem à relação entre os homens, mas ao infringir a lei, criada pelo próprio Deus, tem por objetivo atacar a sua santidade: p. ex. Êxodos 20.12-16 

- Pedro, ao chamar o povo ao arrependimento, não o faz somente em relação aos pecados cometido uns contra os outros, mas o faz, sobretudo, pelo pecado de não honrarem a Cristo como o Filho de Deus, quebrando assim os primeiros 5 mandamentos da lei que eles diziam reverenciar e obedecer. 

“19. Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e para que venham assim os tempos do refrigério pela presença do Senhor” (Atos 3.19) 

- Portanto, arrepender-se de uma mentira ou cobiça desprezando Cristo e não lhe dando a honra devida, é o mesmo que não se arrepender. Jesus tem de ser a razão do nosso arrependimento, pois foi ele, e mais ninguém, que morreu na cruz, carregando sobre si as nossas iniquidades, os nossos pecados, todos eles, para nos levar ao Pai e fazer-nos seus filhos adotivos. 



CRISTO A PEDRA DE ESQUINA:

“Ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de esquina” (v.11) 

- Pedra angular, como o próprio nome define, é a primeira pedra a ser assentada em uma construção. Ela é colocada exatamente na esquina (ou quina) entre duas paredes, formando um ângulo de 90 graus. É a partir dela que se constrói o restante do edifício. 

- Pedro está citando o Salmos 118.22. Ele afirma que os judeus, os construtores, rejeitaram a pedra de esquina, Jesus Cristo, e por isso todo o “edifício” espiritual e da fé construido não se sustentaria. Em outras palavras, ao rejeitarem Jesus como o Messias, o Filho de Deus, toda a fé judaica estava firmada em nada, ou seja, estava prestes a ruir. 

- De nada serviriam os seus sacrifícios (encerrados em 70 d.c., na destruição do Templo); o apego à lei, à salvação por obras; a tradição; seus códigos e doutrina, porque tudo se desmoronaria e viria abaixo, porque estavam fundados em mentiras e na negação de Cristo, como Senhor e Salvador. 

- Da mesma forma, muitos de nós acabam por desprezar o fundamento da fé e do relacionamento com Deus, o Pai, entregando a todo o tipo de sincretismo, sacrifícios, esforços próprios que invalidam exatamente o encontro com Deus. 

- Sem Jesus, não existe qualquer possibilidade de redenção, de aproximação de Deus; e ninguém, seja uma pessoa, uma instituição, uma religião, um amuleto, ou qualquer outra coisa, pode ligar o homem a Deus. Somente Cristo, e por meio do seu sacrifício vicário na cruz, podemos nos achegar a Deus, e sermos chamados verdadeiramente de filhos. 



CRISTO O ÚNICO NOME A SALVAR: 

“E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos”(v.12) 

- Pedro reafirma os méritos de Jesus, ao novamente afirmar que em nenhum outro há salvação. A salvação é algo que não pode ser conquistada pelo homem. Ninguém pode se salvar a si mesmo por meio de boas obras, de sacrifícios, cumprindo rituais, pagando promessas, ou participando desta ou daquela igreja, desta ou daquela religião. 

- O batismo não salva. Unção com óleo não salva. Orar no alto do monte não salva. Ir à igreja não salva. Participar da ceia ou comunhão não salva. O sinal da cruz não salva. Carregar uma cruz não salva. Nem um culto ou missa fúnebre salva. Nem as bênçãos do pastor ou padre salvam. 

- Em um sentido primário, nem mesmo ler a Bíblia salva. Ela é instrumento divino para a instrução, revelando-nos a nossa condição de inimizade com Deus, os nossos pecados, e necessidade urgente de reconciliarmos com Ele. Mas ela, por si só, não salva. Se fosse assim, muitos leitores da Bíblia não estariam no inferno. 

- Apenas Jesus Cristo salva. Ele sim é o Redentor, Senhor e Justificador do homem. E é isto o que Pedro diz: 

“debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos”. 

- É urgente que você, caso creia em alguma outra maneira de salvação, reveja os seus conceitos e, à luz da Palavra de Deus, arrependa-se dos seus pecados e se coloque inteiramente nas mãos daquele que tudo fez, inclusive pagar sofrer na cruz a pena que nos era devida, quitando-a, e tornando-nos santos como Ele é santo. 

- Cristo foi quem saldou a nossa dívida; e ela não existe mais, extinguiu-se e fomos libertos da condenação e separação eterna de Deus. Não porque fiz isso ou aquilo, acreditei nisso ou naquilo, mas porque Cristo o fez em meu lugar, e agora me chamou para estar eternamente com Ele, e pregar o seu Evangelho de vida, a outros que, como eu, e você, estávamos mortos em nossos delitos e pecados. Mortos para Deus. 

- Ele é o único capaz de nos levar à vida, à vida com Deus. 



CONCLUSÃO: 

- Portanto, neste momento, oro para que cada um de nós faça uma reflexão, busque em seu interior as razões pelas quais ainda não entregamos a nossa vida em suas mãos santas, puras, eternas e perfeitas. Por que resistimos, crendo que o “poder” de salvar está em nós. Por que nos iludimos com a tradição, práticas pagãs, com a ideia de sermos salvos por uma igreja ou religião, ou mesmo por outrem, seja deus, anjo ou santo, e rejeitamos a Cristo. 

- Sim, quando não reconhecemos a suficiente da sua obra, depositando-a em qualquer outra coisa ou pessoa, rejeitamos o único que pode salvar, e efetivamente salva. 

Como está escrito: 

“23. Disse-lhe Jesus: Teu irmão há de ressuscitar. 24. Disse-lhe Marta: Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia. 25. Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; 26. E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca irá morrer. Crês tu isto? 27. Disse-lhe ela: Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo.” (João 11.23-27) 

- O Senhor nos capacite a crer somente nEle; e nos livre das tentações e distrações que nos afastam de uma vida plena em salvação e graça.

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Nota: Para ouvir o áudio da pregação, clique em Tabernáculo Batista Bíblico


08 julho 2020

O Encontro Marcado e Desmarcado em Eduardo





Jorge F. Isah



A primeira coisa que me chamou a atenção foi a fluidez da narrativa, quase uma corrida tresloucada empreendida pelo autor para “prender” o leitor. Há uma profusão de imagens, diálogos e cenas a se atropelarem umas sobre as outras, como se estivessem a competir entre si; tal qual o personagem principal Eduardo Marciano (um alterego de Sabino?) fazia enquanto atleta da natação. Há também cortes abruptos e “finais” sem fim, para que o próximo ato não se perdesse em meio às superficialidades narrativas. Mais do que uma apreciação, e menos do que uma censura, o fato é que dá para ler “Encontro Marcado” de uma sentada só. Nesse aspecto, temos um ponto a favor. 

A segunda coisa que me chamou a atenção foi a futilidade ou melhor, a falta de propósitos de uma geração, especialmente dos autores mineiros. Em meio ao “Estado Novo”, a 2ª Guerra Mundial, a “Guerra Fria”, e a ascensão comunista na Europa, Eduardo e seus amigos Hugo e Mauro (a tríade etílica mais que literária), se consumia em porres homéricos, sexo fortuito, intrigas, arruaças, e uma busca existencialista, quase niilista, que os levava à angustia e ao desespero. Mesmo sabendo que a juventude é palco para as aspirações menos “nobres” e dignas da vida, eles se aplicavam a superar, em muito, o vulgar e ordinário. Ainda que tudo parecesse uma “farra”, onde os desejos eventuais se pareciam vícios, no desequilíbrio de uma rotina nociva e autodestrutiva, Eduardo, um católico não praticante, atormentado pelas dúvidas em relação a Deus, apegava-se à invocação carnal, intelectual, como remédio para a insatisfação espiritual. E não se pode livrar de um problema com o tratamento para outro problema. Na verdade, a baixa disposição moral, o orgulho exacerbado e pretensa superioridade faziam agravar ainda mais a insatisfação existencial, à medida em que o tempo passava e nada daquilo a que se propunham chegava a bom termo. 

A terceira coisa, foi a nítida impressão de um livro escrito “às pressas”, de aparente superficialidade, mas que, na verdade, discute, e, quando não o faz, apresenta os temas mais importantes da humanidade e que torna o homem no que ele é, um ser ambíguo, duplo, quebradiço, instável. A modernidade fez, no sentido do ceticismo, hiperbolizar essas características ao ponto de perder-se tal qual o cego buscando a agulha em um palheiro. 

Portanto, não se iluda com a linguagem pretensamente despojada, porque ela guarda muitas surpresas ao leitor atento. 

Com o mote de um “encontro marcado” entre os amigos, no futuro (coisa que quase todo mundo prometeu fazer mas não cumpriu), temos na verdade a busca pela realização e o encontro com uma realidade nada idealizada. Eduardo, por exemplo, buscava sempre a ideia brilhante para um grande romance despontar, e nunca acontecia. Se dispunha a sacrifícios em prol da arte da escrita, mas ela se lhe apresentava ingrata e nula. Apesar dos artigos, contos e poemas esporadicamente publicados na imprensa, a sua obra notável permanecia irrealizada, inédita. Persistia, contudo, a busca pelo sentido; e este cada vez mais se mostrava distante da vida burguesa a qual se propunha, regada a “sexo, drogas e rock”. 

Interessante notar que, pelas vias biográficas, a história nos mostra que o homem sempre esteve às voltas com a distração; os prazer carnais e intelectuais seriam a “ponte de salvação” para a humanidade, mas se mostrou, em todos os casos, apenas devastadora e falaz. Enquanto o homem busca, em si mesmo, a razão para a “vida”, seus esforços serão menos do que insensatos e mais do que tolos. Existe no homem a necessidade de Deus, e ela não pode ser preenchida por nada além do próprio Deus. Por isso o homem ergue ao “patamar de Deus” o conhecimento, a ciência, o sexo, os vícios, o dinheiro, o poder, o trabalho, e qualquer outro ídolo a substituí-lo, sem, contudo, se sentir plenamente realizado e satisfeito. Eduardo é assim. Na busca de sentido, perdeu-o em alheação e descuido. Restou-lhe a solidão e os vícios a tentar preenchê-la. 

Algo nele está a apontar para Deus, na forma da religião ou tradição religiosa, mas ele não a busca verdadeiramente, até se ver por completo alijado do mundo construído à sua volta (este sim, à custa dos seus esforços), e restar-lhe os conselhos do amigo monge. Ainda assim, não existe disposição para encarar a realidade da sua auto-insuficiência, e seus questionamentos parecem mais uma satisfação à sua (in)consciência, sem a pretensão ou o desejo de encontrar respostas às perguntas. Não parece haver sinceridade, apenas desespero. Nem uma busca real, mas o despiste e a negação da razão. Sim, interpelar-se significava acomodar a consciência, em uma fuga contingente, sem o objetivo de alcançá-la. Nesse sentido, o “encontro é desmarcado”, e suas buscas infrutíferas e não desejadas. 

Eduardo é a personificação de uma geração, digo, de muitas gerações de artistas, em épocas e lugares diferentes, envolvidas pelo fracasso. Tinham todos os recursos para se destacarem em seu tempo, mas preferiram a permanência em uma “zona de desconforto”, no qual a insatisfação e a autovitimização encarregaram de derrotá-los. O ego exacerbado e o orgulho jogaram uma pá de cal no talento e na disposição natural, levando-os ao fiasco. Não apenas como artistas, mas como homens. 

Fernando Sabino trata desse homem, o homem perdido e não encontrado. O homem buscado e nunca achado. O homem de intentos, mas sem sentido. Os sentimentos prevalecendo sobre a razão. Cada vez mais ressentido, contristado, combalido. E o tempo passa, e nada muda. Porque o sentimento verdadeiro se perdeu em meio à algazarra de todos os espíritos consternados, aflitos. De uma aflição artificial, feita a fórceps, e por isso ainda mais desordenada e letal. 

Este livro foi uma grata surpresa, especialmente porque, na minha adolescência, havia lido alguns livros de Sabino, e não guardava nada daquelas leituras. Abriu-me o apetite em reler, e ler, outras de suas obras.

 

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Avaliação: (***)

Título: O Encontro Marcado

Autor: Fernando Sabino

Editora: Record

Número de Páginas: 296

Sinopse: "Esta é a história de um jovem em desesperada procura de si mesmo e da verdadeira razão de sua vida. Quase absorvido por uma brilhante boêmia intelectual, seu drama interior evolui subterraneamente, expondo os equívocos fundamentais que vinham frustrando sua existência e sufocando sua vocação. O encontro marcado é a história de Fernando Sabino? Sim, mas não se trata de uma autobiografia. É a história atormentada de toda uma geração, naquilo que ela tem de essencialmente dramático. Em meio às confusões da vida, procura-se um valor que dê sentido à desconcertante experiência pessoal de quem trava um duelo de morte com a vocação furtiva. História de adolescência e juventude, de prazeres fugidios, desespero, cinismo, desencanto, melancolia, tédio, que se acumulam no espírito do jovem escritor Eduardo Marciano, um homem que amadurece num mundo desorientado. Ele vê seu matrimônio quebrar-se quando já não pode abdicar; por força de sua própria experiência, o suicídio deixa de ser uma solução. Nessa paisagem atormentada, ele deve renunciar a si mesmo, para comparecer ao encontro com uma antiga verdade." 





23 junho 2020

Um jardim quase real em "Flores Artificiais"






Jorge F. Isah



Este é o primeiro livro de Luis Ruffato que li. Se considerar que “Eram muitos Cavalos” passou por duas tentativas, mas foi impossível conclui-la, “Flores Artificiais” é o meu livro de estreia no universo “Ruffatoniano”. Aquele era um livro por demais experimental, na pior concepção do termo (travado, caótico, impermeável), e que não consegui prosseguir. Ainda penso em uma terceira investida, mas não sei quando se dará ou se dar-se-á.

Em “Flores Artificiais”, o texto flui, porque existe uma história, ainda que a narrativa não seja convencional. Nada de novo debaixo do céu, mas sem invencionices estilísticas e herméticas que mais afastam do que aproximam o leitor, existe uma sobreposição de relatos. Alguém pode considerar que a minha experiência é a de um leitor comum, mas comum ou incomum (não sei a que os termos se referem), certos livros são chatos, demasiadamente chatos, pretenciosos, e não contam uma boa história, se é que contam.

Ruffato parece se preocupar com a linguagem e o estilo mais do que a narrativa, ao menos foi uma das primeiras impressões que tive com essas duas obras. Não há nada de mal, mas muitas vezes compromete o relato. Ainda sou daqueles que apreciam uma boa história e bem contada, aos moldes de Dickens, Machado, Dostoievski, Faulkner e Mann, para citar alguns. Quando o estilo ou a forma prevalecem sobre o relato, é sinal de uma história ruim embalada em uma prosápia.

O livro é basicamente composto de histórias dentro de uma história. O personagem principal, Dório, é um funcionário do Banco Mundial, sem residência fixa, um “homem do mundo”, sem identidade, sem pátria, sem um porto seguro. Vive de trabalhar em vários continentes (nunca sabemos ao certo o que faz), e acaba por descrever a vida das figuras que o cercam. Seria um “voyeur”, a viver a vida através das vidas alheias. Ao menos, quanto ao objetivo de narrá-las, ou um “resumo” de vida.

Tudo começou quando, por conselho da sua psiquiatra, decidiu escrever suas “memórias”, a fim de colaborar no tratamento da solidão ou isolamento. Na meia-idade, solteiro, sem amigos ou parentes, encontrava-se em estado de letargia; então a resolução em compilar muitas das histórias que presenciou, e faziam parte da sua própria história. Por isso, disse, que este era um livro de histórias dentro da história. Na verdade, pouco se sabe sobre o personagem em si, porque a narrativa se atém mais ao que ele vê, e interage, do que propriamente seus sentimentos e pensamentos.

Com o material em mãos, envia-o ao autor (Ruffato?) para aprimorá-las e dá-las um toque final, romanesco; ciente da incompetência em escrevê-las, do ponto de vista literário. Prova é que, na introdução, o autor diz não ter aproveitado nem metade do material enviado.

Não o classificaria como um romance, ainda que o façam. Se aproximaria mais de um livro de contos, já que as narrativas não têm conexão, a não ser na figura do intérprete ou narrador.

Quanto a Dório, ainda que o autor tente convencer o leitor da sua existência, como um personagem real e não fictício, não há como não entender a sua presença longe do escopo virtual. Dório é criação de Ruffato, fruto da sua imaginação, ainda que jure não ser.

E o livro, como ficção, é bom, mas nada além do comum, porque Ruffato quer comunicar o comum, a vida comum, pessoas comuns, mesmo com algum malabarismo estilístico e formal. E consegue, as vezes, manter o equilíbrio entre elas. Criando um jardim quase real de flores artificiais. 



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Avaliação: (***)

Título: Flores Artificiais

Autor: Luiz Ruffato

Editora: Cia das Letras

No. Páginas: 152

Sinopse: 

"O escritor Luiz Ruffato recebe em sua casa a correspondência de um desconhecido. Trata-se de um manuscrito, uma compilação de memórias que Dório Finetto, funcionário graduado do Banco Mundial, redigiu a partir de suas muitas viagens de trabalho. Como consultor de projetos na área de infraestrutura, Finetto percorreu meio mundo numa sucessão de simpósios, reuniões e congressos. A mente de engenheiro, no entanto, esconde um observador arguto e sensível, uma dessas pessoas capazes de se misturar com naturalidade num grupo de desconhecidos. De Beirute a Havana, passando por Hamburgo, Timor Leste, Buenos Aires e incontáveis lugares mundo afora, Finetto colecionou grandes histórias e pequenos acontecimentos. Foi tão capaz de se misturar à vida local quanto de saber a hora exata em que o prudente é tomar distância e não se envolver. Por alguns momentos, fez parte da vida dessas pessoas. Em outros, foi protagonista involuntário do drama alheio. Às vezes, assistiu a essas realidades quase como de um periscópio. Foi a partir dessas observações que Finetto compôs seu Viagens à terra alheia, o manuscrito que mandou ao conterrâneo Luiz Ruffato. E é este livro dentro do livro que Ruffato irá transformar no romance Flores artificiais. Partindo de um esqueleto ficcional, Ruffato - o autor, e não o personagem do próprio livro - irá embaralhar as fronteiras entre ficção e realidade, sem jamais perder de vista a força literária que é a grande marca de sua obra."





04 junho 2020

Os loucos não reconhecem a própria loucura!







Jorge F. Isah
 


Em matéria de Cristianismo, os chamados "cristãos-marxistas" não entendem nada do que seja o Evangelho, desconhecendo o seu real significado e objetivo que é não tornar o homem perfeito na terra, nem criar o homem ideal, mas que os cristãos sejam exatamente aquilo para o que foram chamados: imitadores de Cristo. 

Em qual mundo é possível se defender uma ideologia que, em sua história, massacrou e ainda massacra milhões de irmãos? Cuja única culpa é amarem o Senhor de suas vidas? Culpados por professarem a fé indestrutível? Culpados por não se sujeitarem a "rezar" na cartilha esquerdista? Ou de qualquer governo, ou ideologia, ou movimento, a torná-los idólatras? E não adorarem o deus-estado? E não crerem num falso-salvador?

Seria o mesmo que cristãos primitivos defendessem a prisão e execução dos irmãos pelo governo romano, ou, ainda defendessem a crucificação de Cristo. Alguém pode dizer que devemos amar os nossos inimigos, mas não estou falando de amá-los, porque o amor pressupõe o desejo de levá-los à compreensão do "bem supremo. Pregando-lhes Cristo como Senhor e Salvador, mas também aquele que mudará a natureza do pecador, tornando-o santo e conformando-o à sua imagem. Quando evangelizamos um criminoso queremos que ele, conhecendo a Cristo, liberte-se dos crimes e faça o bem. 

Amar o próximo e amar o mal que ele produz não é amor ao próximo, mas amor ao que ele faz. Para amá-lo verdadeiramente desejamos a sua transformação, a sua conversão, e de que ele tenha a mente de Cristo, abandonando o mal para apegar-se ao bem. 

Ao defendermos governos e pessoas malignas, no mal que praticam, negamos qualquer efeito do Evangelho sobre elas. De que adiantaria proclamar a verdade se apoiamos as suas mentiras?

Somente neste mundo caído, e miserável, e cego, e nu, no qual vivemos, essa incoerência é possível. Em que vale mais dizer o que se quer ser, como uma possibilidade ainda que irreal, do que viver o que se diz ser... ou deveria ser. 

Utopia regada a sangue inocente e fundamentada no mal que dizem combater. Terminando por solapar e destruir também inúmeras almas. 

Como diz o Senhor Jesus: 

"Por que não entendeis a minha linguagem? Por não poderdes ouvir a minha palavra. Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira" (João 8.43-44)

Os loucos nunca reconhecem a própria loucura!



19 maio 2020

Prefácio de Fábio Ribas ao livro "Esconderijo de Dias Intangíveis"





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“O mistério é assimilar,

por que Deus se fez homem,

viveu e se ofereceu

aos inimigos?”

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Todo livro é um encontro. Um encontro não meramente com seu autor, mas com todas as vozes, lugares e tempos proporcionados pela narrativa que lemos. E a poesia de Jorge Isah me trouxe ao encontro de inúmeros personagens, sujeitos dispersos, que, senti eu, o autor arrancava de dentro de si. Como se percorrêssemos 20.000 léguas para dentro do mar sem fim desse universo criado pelo autor, mas o capitão tem mão segura e, assim, verso a verso, leva-nos numa cadência existencial que nos coloca diante de nós mesmos.

Encontrei-me com um poeta que, além das narrativas, amadurece e domina a métrica, o ritmo e a rima de forma cada vez mais precisa. Um poeta que desapossa de si sua poesia e nos oferece um encontro conosco também, porque é de nossos vãos e recônditos, da nossa carne e da nossa espera por intervenção divina que nos deparamos com a nossa humanidade. As lutas, os devaneios, as indagações e o desespero dos personagens de Jorge Isah são os mesmos de todos nós. Estamos sempre nos esbarrando com estes sujeitos múltiplos - este vaso que caiu das mãos da criada descuidada e se fez em mil pedaços - e nos surpreendemos ouvindo tantas vozes. Eu me assombrei quando li a voz que também sempre ouço: “Calma, ninguém nunca quer”! 

A poesia anseia um dia ver o perfeito face a face e a obra de Isah é uma obra de santidade, pois relembra que a divindade ou, melhor dizendo, o Espírito Santo, é quem reunirá os sujeitos dispersos e nos dará, um dia plenamente, mas, aqui neste front de guerra, a cada dia e todo dia, o ajuntamento necessário e preciso dos nossos cacos, dos nossos pedaços, até que nos olhemos no espelho e possamos ver, em nós, Jesus, o Cristo, completo.

Todavia, ainda seguimos tateando o velho arcano. E os versos são os campos de batalha, porque todo poeta também necessita ser santo. Fugindo da religiosidade, embora se deparando com ela todo dia, o poeta força a palavra como quem força a vida no intuito de recriar a criação. E o que seria do ourives sem sua prata e seu ouro? E o que seria do poeta sem suas palavras? A árdua disputa do poeta contra seu verso se faz necessária, porque fomos chamados para dominar a natureza dos signos e o universo dos significados. É um embate, é mesmo uma guerra de conquista, por isso o verdadeiro poeta sabe que o texto - fruto desse esforço espiritual e físico - é símbolo de sua terra definitiva. Finalizado e dominado no espaço exato da forma, todo poema é para seu autor sua terra prometida: nossa escritura é nossa pátria! 

Eu quero convidar você a ler estas páginas com a reverência necessária - o respeito pelo sagrado - que nossa geração perdeu, mas que tanto carece, ainda que não consiga discernir isso na confusão da nossa decadente modernidade.  

 

Fábio Ribas

 

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Livro: Esconderijo de Dias Intangíveis

Autor: Jorge F. Isah

Editora: Kálamos

No. Páginas: 162

Sinopse: "Este livro promove um encontro não meramente com seu autor, mas com todas as vozes, lugares e tempos proporcionados pela narrativa. Os poemas apresentam inúmeros personagens, sujeitos dispersos, que o autor parece arrancar de dentro de si. No mar deste universo criado pelo autor, o capitão tem mão segura, verso a verso conduzindo a uma cadência existencial que coloca o leitor diante de si mesmo."



09 março 2020

Sermão em Efésios 2.8-10: A graça com que fomos amados









Jorge F. Isah



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Efésios 2:8. Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. 9. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; 10. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas.
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INTRODUÇÃO¹

- Em 2.1-3, fala de nós, pecadores. Somos informados de que Deus vivificou os efésios, quando eles estavam mortos em ofensas e pecados.

- Paulo mostra a condição de que éramos inimigos de Deus, e estávamos afastados de sua comunhão.

- Em 2.4-7, fala de Deus, que, por ser rico em misericórdia e amor, mesmo estando mortos em ofensas e pecados, nos vivificou, ressuscitou e nos fez assentar nos lugares celestiais, por Cristo nosso Senhor.

- Agora, nos deparamos com as conclusões de Paulo sobre o assunto. Somos levados a um nível de maior entendimento da obra de redenção, e do quão inútil é o nosso esforço em alcançá-la.



SALVOS PELA GRAÇA

1) Pela graça sois salvos:

- O homem está irremediavelmente condenado: “17. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. 18. Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.” (Jo.3.17-18).

- Analogia do naufrago que não pode colaborar com o seu salvamento.

- Apenas a graça salva.

2) Por meio da fé

- As pessoas se enganam achando que a fé é quantitativa, quando ela é objetiva.

- Cristo é o objeto da nossa fé.

- Ter muita fé em objetos errados (deuses, o esforço próprio, duendes, ets, etc) ainda que seja uma fé grandíssima não pode salvar, pois estão no objeto errado. Pode ser uma fé suficiente para mover os montes (lembre-se de que satanás pode aparecer como anjo de luz e fazer muitos prodígios [2Co 11.14]), mas não será para salvar quem crê nessas distrações ou armadilhas.

- A fé tem de ser em Cristo e somente nele. É o que Pedro diz em Atos 4.12: 
“E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos.”

- Justiça apenas em Cristo: 
“Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus. 25. Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; 26. Para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.24-26)


3) Não vem vós e das obras

- As obras não justificam:
“1. QUE diremos, pois, ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne? 2. Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não diante de Deus. 3. Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. 4. Ora, àquele que faz qualquer obra não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida. 5. Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça." (Rm 4.1-5)

- A glória é somente de Deus, não do homem: 
“28. E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são; 29. Para que nenhuma carne se glorie perante ele. 30. Mas vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção; 31. Para que, como está escrito: Aquele que se gloria glorie-se no Senhor."  (1Co 1.30-31)

- Gálatas 2.16: “Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Cristo Jesus, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada” (Pelas obras da lei nenhuma carne será justificada).


4) Dom de Deus

- Tanto a graça como a fé são dons de Deus derramados sobre os pecadores. Mas antes é necessário que Deus leve o pecador aos pés de Cristo: 
“44. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia... 65. E dizia: Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido." (João 6.44, 65).

- Pode parecer que é uma iniciativa humana, mas não é. Antes é o Pai quem leva-nos aos pés do Filho, tirando-nos a venda, abrindo-nos os olhos, renovando o nosso espírito para então, somente então, crermos que ele é o único Senhor e Salvador.

- A relação do Pai e do Filho quanto à salvação: (João 12.44-46).

- Conhecer a Cristo não é um conhecimento apenas histórico, bibliográfico, mas um relacionamento, comunhão, intimidade. Algo que Paulo sentiu e também podemos sentir, como ele descreve em Gálatas 2.20: 
“20. Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim”.



CRIADOS EM CRISTO

- Nascidos em Adão, para uma vida afastada de Deus, fomos “recriados” em Cristo, para uma vida de comunhão e união e serviço a Deus.
- Qual o fim de tudo isso? As obras.
- Elas não são a causa da salvação, mas a consequência da salvação.
- Porque somos salvos, somos capazes de produzir boas obras.
- E isso é possível porque fomos criados em Cristo para as boas obras.
- É algo possível apenas depois da regeneração e novo nascimento.
- Tiago 2.14-26 (ler o texto e comentar).

Que a graça e o amor de Deus estejam em nós, e sobre nós, para sempre!


Notas: 1- Para ouvir a pregação, clique em Tabernáculo Batista Bíblico




26 fevereiro 2020

O Filósofo e a Teologia - Étienne Gilson










Jorge F. Isah



O livro escrito por Étienne é uma delícia de se ler, mesmo para um não iniciado em filosofia como eu. É quase uma confissão, por isso, a obra tem um caráter autobiográfico, de depoimento, de esclarecimento, de explicação.

É daqueles livros difícil de se largar. Dá até vontade de abandonar os outros afazeres até terminá-lo. Não somente pela fluência narrativa, mas porque tem de ares de confessionalidade, íntimo e generoso compartilhar experiências, emoções e descobertas. 

Deixemos, portanto, que o autor esclareça o significado da sua obra: "O assunto próprio do livro é a aventura de um jovem francês que, educado na religião católica, deve toda sua educação à Igreja e toda sua formação filosófica à Universidade" (pg 13).

Desta forma, tem-se o desenrolar, segundo o autor, do fio que o conduziu à filosofia e a se tornar filósofo, por meio da teologia. Como testifica, ele próprio, ao afirmar que uma vez cristão, todos os outros campos científicos têm de se curvar à fé cristã: "Ela é teologia, uma vez que se fundamenta em nossa fé naquilo que Deus pessoalmente nos diz acerca de sua natureza, de nossos deveres em relação a ele e de nosso futuro. Se a filosofia deve intervir, ela só falará quando chegar a sua vez, mais tarde, e como jamais, em nenhum caso, ela terá o poder de nada acrescentar aos artigos de fé, nem de retirar qualquer elemento que seja, pode-se dizer que, na ordem do conhecimento para nossa salvação, a filosofia virá não somente mais tarde, mas muito tarde" (Pg 19).

O que se pode ser acrescentado? 

Capítulo interessantíssimo é o que trata da "Desordem" (cap III). 

Entre outras coisas ele analisa o kantianismo e sua tentativa de anular o tomismo, e a flagrante derrota daquele. 

Étienne se declara claramente escolástico; e faz uma defesa de Tomás de Aquino diante da impossibilidade de compreensão por alguns de seus detratores. 

Mas o que mais me chamou a atenção foi uma crítica de certo padre a Tomás de Aquino, acusando-o de afirmar que "Deus é desconhecido", e mais, de que ele disse ser Deus "um sei lá o que:'Deus est ignotum'"

Naquele instante, veio-me à mente a pessoa de Cristo, e pude perceber o quanto é ridícula tal afirmação. Não me importa se está metafisicamente correta, se está epistemologicamente correta, ou em algum ponto do conhecimento humano pode estar correta. O certo é que, biblicamente, ela é falaciosa, e tem de ser rejeitada prontamente. Porque Cristo é a imagem e a plenitude de Deus. Somente por ele podemos conhecer a Deus verdadeiramente, sendo o Evangelho a sua palavra. Portanto, é possível ao homem conhecer Deus por intermédio de Cristo. Foi o que Paulo nos disse: "O qual, sendo o resplendor da sua glória e a expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder" (Hb 1.3). 

Ah! que alegria ao poder olhar para o meu Senhor e Salvador reconhecendo nele o próprio Deus, não apenas uma imagem disforme, um espectro, mas a essência de tudo o que Deus é! 

Meus olhos encheram-se de lágrimas, e meu coração de viva esperança, por saber que o verei face a face, um dia, e de que honrá-lo pelo tempo que me resta neste mundo, tem de ser o meu dever e prazer. 

Não sei se o conceito de incognoscibilidade divina de Aquino chegou ao ponto em que é acusado de chegar ao "Deus est ignotus", mas o certo é que se o fez, o fez erroneamente, pois Deus é conhecido por seus filhos, na pessoa de Jesus Cristo. 

Mas entendo que há "entremeios" entre os meios filosóficos que justifiquem essa suposta afirmação, por isso, concordo com Gilson: a fé cristã virá sempre primeiro, e a filosofia depois, bem depois, é verdade. 

*****

A partir do ensino do catecismo católico, no transcorrer de 100 anos, aproximadamente, Étienne nos revela as influências que determinaram uma queda sensível na forma de ensinar.

Ele argumenta que "a doutrina permaneceu a mesma, a ordem ficou diferente" (pg 75). O que entendi, foi uma mudança nos pressupostos, antes firmados na razão escriturística, pela revelação do próprio Deus em se autodenominar o único Deus. Depois de algumas décadas, numa lógica evidencialista, em que se busca a razão ou razões para se crer à margem da revelação; ou seja, simplesmente, se basear a revelação nas evidências cientificas, como se essas fossem, inexoravelmente, infalíveis, inerrante e ocupassem o lugar de primazia ante a revelação divina. 

Étienne censura abertamente essa mudança no enfoque do ensino:"Cedendo nesse ponto, como em tantos outros, à ilusão de que o espírito democrático consiste em tratar os cidadãos como se eles fossem, em princípio, uns débeis mentais, decidiu-se por rebaixá-la (a teologia) ao nível das massas, ao invés de elevá-las ao nível dela" (pg 72).

É mais ou menos o mesmo processo que aconteceu e está em cristalização entre os evangélicos: a ignorância teológica quase absoluta; mas mais do que isso, o desprezo e a insignificância com que a tratam. 

A afirmação do catecismo, que o autor usa como exemplo e endossá-a (Eu creio que há um Deus porque ele mesmo nos revelou sua existência), parece-me prova do pressuposicionalismo de Étienne. Não sei se é possível um católico, escolástico, ser pressuposicionalista, já que não entendo lhufas de Escolástica; porém, suas afirmações e a defesa da revelação especial até mesmo em relação a revelação natural (aceita no seio católico como superior à Escritura) parecem garanti-lo como pressuposicionalista. Não é uma certeza, nem o autor o faz claramente, mas há indícios mínimos, diga-se, a indicar a questão. Certamente, precisaria estudar mais outros livros de Étienne para certificar-me dessa condição. 

Em suma, o autor defende a superioridade da fé sobre a filosofia, e de que a filosofia, mal aplicada e calcada em falsos fundamentos, deteriora e corrompe a teologia e, por conseguinte, a fé: "Custe o que custar, a fé possui antecipadamente toda a substância daquilo que o filósofo jamais conhecerá a respeito de Deus e algo mais... o intelecto não sabe e não crê na mesma coisa, sob o mesmo ponto de vista [filosófico e teologal], pois a filosofia nada sabe da existência do Deus da Sagrada Escritura. A filosofia sabe que existe um deus, mas nenhuma filosofia pode sugerir a existência daquele Deus específico" (pg 87-88). 

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Étienne assevera que é necessária a revelação cristã (provavelmente ele inclui aqui a autoridade da ICAR e a tradição juntamente com a Bíblia) para que se possa crer no Deus cristão, assim como é impossível e sem sentido imaginar que se possa conhecer esse mesmo Deus de outro modo que não pela fé em sua própria revelação. 

Ele baseia a fé no sacramento do batismo, e em momento algum fala sobre novo-nascimento ou regeneração, no que discordo potencialmente da sua definição de fé, contudo, no atacado, ele está correto, e desmascara os vários movimentos infiltrados na igreja e que acreditam ser possível um "cristão", que não crê na revelação cristã, ou um "cristão" sem qualquer traço de Cristianismo ortodoxo. Existem cada vez mais pessoas se autointitulando cristã sem se convencer ou defender os princípios cristãos estabelecidos nos últimos dois milênios, que vão desde a rejeição à doutrina da Trindade até as várias formas modernas de arianismo (algumas explícitas, outras nem tanto; mas todas com a mesma origem em Ario). Chega-se ao cúmulo de se desprezar ou ignorar os relatos dos evangelhos como fontes falsas ou insuficientes para se conhecer Cristo. 

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Outra afirmação interessante, e que demonstra o criticismo do autor à nova forma de catolicismo, é o fato dele dar razão a um pastor calvinista que afirmou ser a metafísica (revelação natural) "incapaz de fundar o conhecimento religioso" (pg 84). Entendo que a metafísica não cuida especificamente da revelação natural, mas da sua relação com as questões últimas da vida e do mundo, em geral. 

Étienne argumenta que se os calvinistas pensam que o catolicismo defende um deus genérico e geral, e não o Deus pessoal e bíblico, é porque, em algum momento, deixou de ser fundamental o conhecimento propriamente religioso: "Se há calvinistas acreditando que a doutrina da Igreja católica lhes proíbe reconhecer essa verdade (de que apenas pela revelação especial se conhece o Deus bíblico), ou que ela a ignora, alguns professores mal informados podem ser responsabilizados pela ilusão deles" (pg 85).

O pensamento de Gilson, quanto ao assunto, pode ser definido assim, em suas próprias palavras: "A metafísica pode apresentar à fé certos preâmbulos, mas somente a palavra de Deus pode fundamentá-los" (pg 84).

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Étienne faz uma defesa de Tomás de Aquino e da sua escolástica, apaixonadamente, o que não quer dizer de maneira desarrazoada, tola. 

Interessante que se utiliza de um filósofo, Henri Bergson, que não era cristão nem religioso (de origem judaíca) para uma defesa de Aquino a partir da defesa de Bergson.

Gilson diz que entre os filósofos gregos e os filósofos modernos houve apenas um padrão de filosofia: a escolástica ou cristã (ele, como tomista, equipara o escolasticismo com o Cristianismo). 

Porém, a filosofia cristã não produziu o Cristianismo, nem mesmo a alegação de filósofos não-cristãos de que Aristóteles é quem determinou as bases do Cristianismo, especialmente o medieval. Ele afirma que a teologia cristã precede a qualquer filosofia, inclusive a escolástica, a qual se apresenta muito mais como teologia, assim como a filosofia de Aquino está a serviço da sua teologia, e procede dela. 

Um trecho que confirma essa ideia é: "Foi de tanto tratar São Tomás como filósofo que eu pude finalmente reconhecer que ele não filosofava como os outros... Não se pode interpretar uma teologia como se fosse uma filosofia, mas a maneira de estudar em um teólogo o que ele chama de teologia é igual à maneira de estudar como um filósofo concebe a filosofia... É comum pensar, ou pelo menos dizer, que toda conclusão cujas premissas são conhecidas pela única luz da razão é necessariamente filosófica. E isso é verdade, mas logo se acrescenta que, uma vez que esse tipo de raciocínio é filosófico, ele não poderia encontrar espaço na teologia. Uma outra maneira de expressar a mesma ideia é dizer que toda conclusão teológica é tirada de um silogismo no qual pelo menos uma das premissas é amparada pela fé. 

Essa maneira de entender a teologia é verdadeira naquilo que ela afirma, mas insuficiente naquilo que ela nega. É certo que a matéria da teologia sobrenatural seja o revelado propriamente dito, ou seja, aquilo cujo conhecimento não é acessível ao homem senão pela via da revelação. Ora, o revelado como tal só pode ser recebido pela fé... Mas a questão não é só isso, pois o fato de uma conclusão de fé não poder pertencer à filosofia não implica que uma conclusão puramente racional não possa pertencer à teologia... é da essência mesma da teologia de tipo escolástica apelar com frequência e liberdade para o raciocínio filosófico. É pelo fato de recorrer à fé que ela é uma teologia escolástica, mas é pelo uso característico que faz da filosofia que ela é uma teologia escolástica" (pg 103-104). 


Ao meu ver, é clara a noção de preeminência da teologia frente à filosofia. Em muitas partes do livro (o autor gasta dois ou três capítulos nesta questão), há a certeza de que a fé cristã somente ser possível, verdadeiramente, a partir da revelação, e de que nenhuma filosofia, por melhor que seja, pode defini-la ou delineá-la. É possível que ela a interprete e explique, mas jamais seja a causa ou origem da fé. Somente a Escritura é capaz de ser essa origem, ainda que Étienne defenda a infalibilidade da ICAR e da tradição. 

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Ao defender Tomás de Aquino e a filosofia escolástica, Étienne está a rejeitar a afirmação "moderna" de que, dos gregos até Descartes, não havia filosofia, mas uma filosofia atrelada à teologia, de tal forma que a filosofia estava aprisionada na teologia cristã e se desfigurava como tal; e de que qualquer volta aos princípios cristãos de filosafar representaria uma nova escravidão intelectual. 

O que os filósofos modernos querem reivindicam é o renascimento da filosofia, por suas mãos: mas seria possível desprezar os muitos séculos em que a filosofia foi sustentada e impregnada pelo pensamento cristão? Há uma "nova" filosofia sem nenhum resquício do pensamento cristão? Completamente original e a parte dele? Ou os "novos" filósofos se apropriaram de muito da filosofia cristã e, injustamente, não lhe deram o devido crédito? Antes a desprezaram por puro preconceito? 

E, por que o pensamento moderno pode se utilizar de várias bases do pensamento humano (inclusive do pensamento cristão), e a filosofia cristã não o pode? 

O que temos é o nítido caráter de desqualificar qualquer forma de pensamento a partir da Escritura, da fé cristã, e assim criar um ineditismo que não existe, mas engana a muitos.

É o que o autor nos diz: "É evidente que inutilmente se buscariam nela (fé cristã) instruções relativas à maneira de filosofar própria a mentes estranhas à fé numa revelação sobrenatural. Que estas tirem suas conclusões, o que é legítimo, mas nada justifica sua recusa em levar em consideração as doutrinas concebidas num espírito cristão... A origem do pensamento não diminui em nada o seu valor" (pg 186).

Bem, quanto a isso, tenho sérias dúvidas, pois, ao meu ver, o pensamento cristão se baseia sobretudo na revelação divina, o que o torna superior a qualquer pensamento humano, logo, nenhum pensamento em bases não-cristãs pode ter um valor em si mesmo, a não ser o de revelar-se como engano e falácia diante da verdade, da revelação especial divina: a sua palavra.

É evidente que estou a falar como cristão, e não rejeito o fato de haver alguma verdade nos pensamentos não-cristãos, mas, de maneira alguma, acredito que essas verdades estejam alheias ou, em seus princípios e fundamentos, surjam fora do escopo cristão. Deixando mais claro, a própria ideia de um não-cristão, seja filosófica ou teologicamente, construir um pensamento ou conceito verdadeiro indica a sua origem na essência do cristianismo: a revelação do Deus bíblico. Seja por assimilação, seja por usurpação, seja porque todos os homens, em menor ou maior grau, têm fragmentos do Imago Dei. São, via de regra, os efeitos noéticos do pecado na alma humana a impedi-lo de reconhecer toda a verdade, mas não de reconhecer alguma verdade. 

Mas vale a afirmação de Gilson como uma maneira de mostrar o quanto qualquer pensamento ligado à fé cristã tem um tratamento discriminatório e injusto por parte dos não-cristãos, que sequer o reconhecem como pensamento legítimo em si mesmo, numa forma fraudulenta de autoexaltação.

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O que mais ficou evidente no livro foi a defesa que Gilson faz da supremacia da fé cristã, da revelação proposicional e especial, sobre qualquer forma de filosofia e ciência, nos seus próprios dizeres: "Por mais úteis que a ciência e a filosofia possam ser à filosofia cristã, ajudando-a a constituir-se a si mesma como ciência, nem uma nem outra jamais acrescentarão nada à verdade da fé, que as coloca a seu serviço. As partes caducas de uma teologia são precisamente aquelas que ela teve de tomar emprestadas da ciência de seu tempo. A mesma observação se aplica às filosofias" (pg 234). 

Alguém poderá dizer que ele está a falar de filosofia, não de teologia. Mas há de se entender que Étienne não considera dissociadas e conflitantes a teologia e filosofias cristãs, antes estão intrínsecas no mesmo corpo. O que ele estabelece é uma hierarquia, onde a segunda está em direta dependência da primeira, e esta da revelação divina. Senão, vejamos: "A filosofia cristã é uma historia que se desenvolve a partir de um termo imutável, situado fora do tempo e, por isso, sem história. A filosofia cristã é o desenvolvimento de um progresso a partir de uma verdade que não está, ela própria, sujeita ao progresso. Essa verdade procede da natureza de Deus, que não muda, mas o mundo por ela iluminado não pára de mudar;o mundo da invenção científica, o mundo da invenção moral, social, econômica e política, da invenção artística, enfim, tantas contribuições sem cessar renovadas e às quais a sabedoria cristã deve prestar a mais afetuosa atenção, para purificá-las e delas extrair o sentido verdadeiro, benfazejo e até mesmo, uma vez purificado, salvador" (pg. 235). 

O entendimento da fé cristã como o instrumento transformador e regenerador não somente do indivíduo, mas da própria sociedade, é algo com o qual acredito, nós, cristãos, devêssemos dar um grau de maior importância. E Gilson se dispõe a explicar detalhadamente esse pensamento, sendo, portanto, revelador, e extraindo do Evangelho sua principal mensagem: a de ser ele o único meio pelo qual Deus operará por seu Espírito na alma/mente do homem natural, trazendo-o cativo a Cristo. 

Bem, por vários aspectos, a leitura deste livro me foi surpreendente.

Primeiro, por perceber como um católico pode se aproximar tanto da verdade bíblica, ainda que, provavelmente, ela não lhe seja de valia do ponto de vista prático, no que posso estar errado; e não é um julgamento mas uma suposição. 

Segundo, o fato de um filósofo se ver tão atrelado à fé bíblica, à revelação escriturística, de tal forma que mesmo a sua filosofia está sempre em sujeição a ela. 

Terceiro, não imaginava que Tomás de Aquino tinha tamanha importância no pensamento cristão, e de que, segundo o autor, o tomismo fosse a prova de que a filosofia não é verdadeira em si mesma, mas depende da verdade revelacional para se constituir como tal. Assim, estará sempre em subserviência à teologia, do contrário, não encontrará em si mesma as respostas às perguntas que faz. 

Quarto, Étienne é como um maestro a reger a nossa leitura. Ele pontua os textos com exemplos e analogias que nos faz entender o que é complexo; sua escrita é fluente, cativante, e nos faz saborear cada palavra. 

Com isso não estou dizendo que concordo com todas as suas proposições, não é isso! Como católico, ele tem algumas posições com as quais não concordo, mas de forma alguma tiram o brilho do seu texto. Digamos que eu fosse capaz de escrever como Étienne, e ele me lesse, perceberia diferenças, por causa do meu protestantismo, mas certamente concordaria com a maioria do meu pensamento. 

A reclamar o acabamento pobre e barato do livro. Papel de baixa qualidade, capa simples, sem orelhas, poucos erros de digitação; mas, para um livro nada barato, é um descuido e tanto!

Felizmente, o texto de Étienne Gilson supera todas as deficiências da edição, e com muita, mas muita folga. 

Se você ainda não leu, leia "O Filósofo e a Teologia"; caso não leia, arrependa-se! (rsrs)

Uma última transcrição para finalizar: "Bem longe de achar irracional minha confiança absoluta na verdade dessa metafísica cristã, o estudo que continuo a fazer dela me confirma sempre mais na certeza de sua perenidade.

Como se poderia acreditar que esse belo cargueiro, que há tantos séculos percorreu tantos caminhos sem nunca mudar de rota, esteja hoje prestes a trocar de direção ou chegar ao fim da linha? Nem a energia lhe falta para continuar sua viagem, nem a assistência daquele que prometeu estar conosco até a consumação dos séculos" (pg. 239).

À bientôt!


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Avaliação: (****)

Título: O Filósofo e a Teologia

Autor: Étienne Gilson

Páginas: 245


Sinopse: "Étienne Gilson (1884-1978), nascido em Paris, professor renomado da Sorbonne, Strassburg, Toronto Harvard e Louvain, é por muitos corretamente chamado de o grande medievalista do século XX. Durante sua longa trajetória publicou algumas das mais influentes obras do pensamento cristão contemporâneo, especialmente na sólida retomada do legado do Tomás de Aquino Quem se interessou e ainda se interessa pelos estudos de história de filosofia e das suas interfaces com a Teologia, não deixou nunca de recorrer aos livros deste cristão (com orientação católica) e que teve uma recorrente preocupação: há uma crise de Metafísica nos nossos tempos e isso deve à equivocada secundarização das concepções tomistas."