01 fevereiro 2020

O fracasso humano em "Um Homem Bom é Difícil de Encontrar"






Jorge F. Isah


O que dizer de Flannery O'Connor?

Fui levado à leitura pelos comentários entusiastas do Prof. Rodrigo Gurgel e do meu amigo, ainda que um amigo intermitente, Leonardo Galdino. Comprei-o, e amargou a estante e o envoltório por três longos anos. Antes deles, nunca ouvira falar da autora, e devo-lhes a gratidão de tê-la me apresentado. 

Quando, enfim, no final de 2019, tomei-o em mãos, arranquei-lhe o plástico, e comecei a leitura, vi-me diante de uma obra impactante, brutal, macabra, em alguns momentos até mesmo fantástica, mas suficientemente bela, lírica e, não se assuste, espiritual. Sim, Flannery descreve a incapacidade humana de alcançar a paz interior, e entre os seus semelhantes, mesmo que a busque com ânsia e persistência. Via de regra, o homem é mau, em sua soberba, independência, autossuficiência, egoísmo e na frieza do trato comum. Não parece haver solução; e a morte, algumas vezes, pode ser um alívio, até mesmo para o leitor compadecido com a dor, a angústia e o sofrimento da(s) personagem(ns). 

Vivendo e descrevendo pessoas, lugares e situações dos EUA sulista, a autora perpassa pela vida de agentes e indolentes, com a candura de uma madre ensinando repetidas vezes aquilo que o aluno teima em não aprender. Todos somos pecadores, em maior ou menor grau; e se um bandido pode matar friamente uma velhinha com tiros no peito, enquanto ela se considerava, por toda a vida, a si mesma uma alma boníssima. Diante da morte iminente, os pecados são-lhe expostos; percebe que, ela mesma, não é muito diferente do facínora. E assim, sonhos são desfeitos; desejos rejeitados... Um círculo vicioso leva o homem a se prender na própria carência, que pouco ou nada pode colaborar para a sua interrupção. Quase nada sobra em um mundo fadado ao fracasso, se a busca de salvação encontra-se no homem em vertiginosa queda. 

As pessoas são de um automatismo absurdo, de uma indiferença desagradável, ou uma proximidade doentia. Um dos exemplos encontra-se no conto “Gente boa da roça”, onde uma jovem loura e corpulenta, que perderá uma das pernas na infância, após a maioridade, troca o nome de batismo “Allegra” por “Hulga”. A mãe não conseguia entender a opção da filha, por apropriar-se legalmente de um nome que a remetia a “um casco largo e cor de pulga de um navio de guerra. Recusava-se a usá-lo”. A filha demonstrava rejeitar os valores familiares, sem qualquer apego ou gratidão pelo cuidado e esmero que a mãe devotava. Ela declinava de qualquer convenção familiar ou social, colocando-se em posição arrogante, orgulhosa de seus feitos, ainda que fossem uma proteção natural para a sua deficiência. Mas tudo desmorona com a chegada de um caixeiro-viajante. Que planeja humilhá-la, com um plano ignóbil de roubar-lhe o membro artificial. 

Se o intento foi minuciosamente planejado e aplicado, a fim de dar o golpe, a vítima, insensível, dura, orgulhosa de seus diplomas e cultura, não é menos inocente. Na verdade, ela merecia cair no ardil, pois considerava a sua razão e intelecto o suficiente para compensar a perna perdida na infância; e de torná-la superior, elevada, diante dos seus semelhantes. Se faltava-lhe um membro, sobrava o desprezo às pessoas, a Deus, e a si mesma (ainda que, nesse aspecto, não tivesse a percepção suficiente para compreendê-lo); o orgulho gélido com que se autoexaltava, desdenhando da própria mãe, da empregada (uma mulher que tinha duas belas filhas e uma paixão lânguida por tragédias, doenças crônicas e incuráveis) e de suas demais relações, tornavam-na não a mais esperta das mulheres, como supunha, mas uma presa fácil nas dissimuladas intenções do jovem vendedor. 

Nos momentos finais, sem poder se locomover, ouviu o algoz lançar-lhe em rosto a sua estultice, enquanto guardava a prótese na valise. Ele também é um incrédulo, arrogante, explorador de velhinhas e mulheres ingênuas, orgulhoso dos seus feitos, impenitente, vendendo Bíblias e livros religiosos como se um religioso fosse, não passando de um vigarista. Mas aqui é colocado em xeque a fragilidade do racionalismo, como âncora das virtudes humanas e da ostentação, quando os adeptos são prosélitos, dísticos de otário. 

Ainda assim, a aleijada queria um relacionamento. Desprezando a mãe e conterrâneos, é seduzida pelo jovem, quatorze anos mais novo, e o apelo que ele faz, à sua maneira, a beleza de Hulga. No fim das contas, toda a pompa intelectual, o cuidado racional, o ceticismo como estilo de vida, sucumbiu ao mais comum dos rogos: a vaidade. A sinceridade dos românticos deu lugar à lábia do astuto, a arrancar a confiança, a intimidade, guardada estoicamente na fortaleza da alma da mulher. Entretanto, o que considerava o alicerce do caráter, foi a sua fraqueza, o calcanhar de Aquiles. A força não estava na confiança, mas na inveja, e nela não existe pujança, mas debilidade. E a debilidade acaba por tomar-lhe o cuidado, o distanciamento necessário para reconhecer no estranho cafajeste. 

Mas ela não queria ver a realidade, nem de si, nem dele; de, por algum motivo oculto, não haver a menor possibilidade de imperfeição na relação... Pouco a pouco ela se encanta, abre a guarda, se submete, crê. Bastaria o arrependimento, ver-se como realmente era, para não ser tragada na patifaria. Soberba e queda caminham juntas; autoengano é a própria morte, se não se desperta do letárgico delírio, do orgulho, e das mentiras incansáveis que consideramos reais. Indefesa, nada pode fazer diante da  ridícula exposição, enganada por um garoto iletrado, mas astuto. E a constatação dolorosa do seu erro a silencia. Não mais apela à civilidade, ao bom-senso; vítima de si mesmo e à mercê do próprio esnobismo. A sua fé cai por terra, desbarata-se, como castelo de areia em meio à tormenta. 

Não sabemos o que aconteceu depois, enquanto o jovem trapaceiro se afastava triunfante do celeiro, onde abandonou-a solitária. Mas, certamente, se ela não reconheceu os erros e a incapacidade de autorredenção, apenas asseverou-se a amargura e o ressentimento por uma vingança, sem perdão. E o ceticismo certamente tomou-a de si mesma: não era confiável, nem suficiente. Da parte dele, sua revanche era itinerante; jamais passaria disso, da mesma forma que o cego somente pode ver a escuridão. 

Flannery trata, via de regra, da impossibilidade humana de apagar as manchas do pecado original, enquanto o homem labora incessantemente para extinguir de si o “Imago Dei”, como se o negar a Deus e o seu auxílio pudessem impedi-lo da miséria e desgraça nas quais sucumbiria. 

Não é um livro triste, não premeditadamente triste. Chega a ser engraçado em vários momentos. O desacerto das relações humanas pode resultar em leveza e divertimento. Também não é um livro sisudo, amargo, pois a autora indica um caminho em meio à estranheza de suas histórias. E nada disso é pouco; quando se está às voltas com a vulnerabilidade e desequilíbrio humanos, enquanto se acredita soberano de si mesmo. Talvez, por isso, ela insista em afirmar no título, e em um dos contos, que “Um homem bom é difícil de encontrar”. Sem Deus, o homem é o que é, e não pode deixar de sê-lo, por mais simplório que isso possa parecer.



________________ 

Avaliação: (****)

Título: Um homem Bom é Difícil de Encontrar

Autora: Flannery O'Connor

Editora: Nova Fronteira

No. Páginas: 224 

Sinopse: "Um homem bom é difícil de encontrar e outras histórias, lançado em 1955, é a mais famosa de todas as obras de Flannery O’Connor e aquela que a consagrou como uma das maiores escritoras do século XX. Enraizados na tradição gótica do sul dos Estados Unidos, os dez contos aqui reunidos revelam uma visão de mundo um tanto peculiar, em que o grotesco, o simbolismo religioso, o humor, a violência, a presença da graça divina e situações excepcionalmente tragicômicas se mesclam para revelar as complexidades do comportamento humano e, acima de tudo, a busca dos homens pela redenção"




24 janeiro 2020

Morte em Veneza: A morte por um desejo







Jorge F. Isah



“Morte em Veneza” é um livro, no mínimo intrigante. A prosa suave, plácida e incrivelmente detalhista de Mann, o torna em um dos escritores mais caudais da história. Sua obra, composta de poucos, mas densos livros (tanto no volume, quanto na trama e personagens) não tem cortes repentinos e situações bombásticas, como boa parte dos escritores modernos parece querer esculpir seus livros. Ela vai em uma crescente, lenta e cuidadosamente se desenvolvendo, até que o leitor se vê irremediavelmente fisgado, e incapaz de largar o livro, por maior que seja.



Este, contudo, seria uma exceção, ao menos quanto ao seu tamanho. É uma novela de pouco mais de noventa páginas, que se pode ler de uma sentada, o que não seria aconselhável. Mas, do que trata o livro? Ele fala da beleza, sobretudo da beleza perdida pelo protagonista (um homem de meia-idade), escritor famoso e laureado, que está com a vida consolidada no âmbito profissional, pessoal e familiar, e em busca de novos ares, a fim de injetar um novo rumo a sua carreira.


Em férias, von Aschenback, chega a Veneza, e encontra, no hotel, o jovem Tadzio (jovem é eufemismo, pois o rapaz é quase uma criança), um garoto polonês de beleza arrebatadora, causando assombro ao escritor. Aschenback sente-se seduzido pela graça e encantado com a perfeição escultural do jovem, tornando as suas férias em uma obsessiva perseguição visual, no vislumbre delirante de um amor platônico, na intocabilidade do tato, no desejo ilícito, na reprovável insídia de acalentar o amor infame.
Mann retrata os dramas e ensejos do velho escritor, mostrando os seus conflitos morais e íntimos, a insanidade e vergonha com que ele se avalia, entretanto, incapaz de detê-lo do desejo imperfeito do amor indigno. Um amor fadado à morte, e que consome a alma de Aschenback. Não há paz, nem consolo, ou alívio na atormentada cobiça, pelo delito de um adulto ansiando o amor de uma criança. Nem mesmo as cenas mais pueris, em que os infantes se envolvem, são o alerta para demover o escritor da sua obsessão. O ridículo se vislumbra como um fato mais que comprovado. O crime, às portas da concepção, ao menos na mente perturbada do escritor.

Mann constrói um livro que, pela mão de outro soaria apelativo, quando não um pastiche de dramalhão gay. Há momentos de ternura, de cumplicidade e afeição, provando que até mesmo os loucos e doentes têm a sua porção sensibilidade. Mas ela não absolve Aschenback, nem cria empatia no leitor, por mais tortuoso seja o seu dilema.

Quando o barbeiro se oferece para “repaginar” o visual de Aschenback, pintando-lhe os cabelos grisalhos, maquiando-o para esconder-lhe a idade, perfumando-o, ele se apercebe do ridículo em que se apresenta, mas o desejo suplanta-lhe a razão e o bom senso, cedendo ao escárnio, a zombar-se de si mesmo.

O texto de Mann, como sempre primoroso, serve como o retrato de uma causa indigna, de uma defesa não sustentável, mesmo que se possa, em algum sentido, se compadecer da aflição romântica do protagonista (pela qual muitos de nós já passamos também; afinal, quem não morreu de amores ao menos uma vez?), ela não traz enlevo, mas a certeza de ser imoral e perversa. Mesmo que Mann discuta a perda da beleza, da juventude, e a sua busca na beleza e juventude alheia, a narrativa nos remete à pedofilia, o controle do mais forte, a animalidade humana. Se no início havia o fascínio pela formosura, remetendo-o à perfeição da criação humana, e o próprio Imago Dei presente no homem, ao espírito que eleva o homem até o ser divino, ele se transforma num desejo indigno, perscrutador, maligno.

É possível até mesmo se discutir a arte pela arte, e encontrar vários elementos simbólicos na narrativa de “Morte em Veneza”, mas a despeito da capacidade de Mann de analisar e abordar praticamente tudo em suas obras, não há como não sentir uma aversão pelos sentimentos importunos, a ideia fixa de Ashenback por Tadzio.

Mann traça com maestria as fraquezas de um homem entregue a si mesmo e a sua impotência: a de ver o belo sem desejar corrompê-lo.
E a morte não poderia se dar em outro lugar, a não ser na idílica, angustiante e fatal Veneza.


________________ 

Avaliação: (**)

Título: Morte em Veneza

Autor: Thomas Mann

Editora: Saraiva

No. Páginas: 70





Sinopse: "'Morte em Veneza' aborda o fascínio mortal que a beleza física pode exercer. Gustav von Aschenbach é um escritor que, diante da pouca aceitação de suas últimas obras, decide viajar para Veneza para descansar. Já na cidade, depara-se com o belo inatingível, a perfeição estética do adolescente Tadzio, por quem se apaixona platonicamente. O velho escritor passa a vagar pelos decadentes, inspiradores e famosos canais venezianos, seus dias girando em torno da visão do rapaz, o que o impede de dar atenção aos boatos que circulam a respeito da epidemia de cólera que assola a cidade."


17 janeiro 2020

A Ilha do Tesouro ou Construindo Jackyll & Hyde





Jorge F. Isah


Depois de algumas décadas, refiz a leitura de “A Ilha do Tesouro”, meio que despretensiosamente, já que sempre considerei o livro infanto-juvenil (talvez por tê-lo lido umas duas ou três vezes até os 14 ou 15 anos). É um livro que prendeu-me a atenção pela volta à nostalgia, dos dias em que me imaginava um aventureiro corajoso e destemido em um mundo perigoso, mas completamente desconhecido. Devo tê-lo lido em dois ou três dias, nos momentos disponíveis entre o trabalho, os estudos e os afazeres familiares; o que acabava me deixando ansioso para uma folguinha e a volta à narrativa de Stevenson. 

Como curiosidade, vale lembrar que a ideia inicial de R. L. Stevenson era escrever uma história para o seu sobrinho (alguns julgam ser o enteado), algo que aguçasse a imaginação e fantasia do jovem; publicada inicialmente na forma de capítulos em uma revista da época, surgiu na forma de livro em 1883. 

A grande importância do livro, além do próprio enredo, foi trazer para o gênero (que não existia como tal) elementos que o caracterizariam depois. O mote de tudo é a busca pelo tesouro do “Capitão Flint”, um pirata terrível que supostamente havia enterrado uma grande fortuna. O motim dos tripulantes e a luta pela sobrevivência, enquanto a corrida ao baú continuava, são o pano de fundo para o desenrolar da estória. 

De um lado temos o “bem” nas pessoas do jovem Jim Hawkins (o narrador, em primeira pessoa), Capitão Smollett, Dr. Livesey e o Lorde Trelawney; em outro lado temos Hands, Papy, Arrow e o carismático, mas não menos temido, Silver. Ele é um caso à parte. E será dele a maior parte deste comentário. 

Situemos “A Ilha do Tesouro”, escrito cinco anos antes de “O Estranho Caso do Dr. Jackyll e o Sr. Hyde”, também conhecido como “O médico e o Monstro”. Encontramos na figura do cozinheiro Long John Silver (um disfarce para encobrir as suas reais intenções) características, ainda que preliminares, a comporem a personalidade central de Jackyll e Hyde, os conflitos entre o bem e o mal. É claro que nada disso é traçado de forma límpida, o tal do preto no branco, como se fossem meros espectros antagônicos, sem conflitos interiores, dúvidas e muito pouca certeza. Não sou dualista; entretanto, entendo que existe um conflito em curso na vida humana, ora pendendo para um lado, ora outro,  as vezes entrelaçados; ainda que boa parte das pessoas esteja em lados opostos, aparentemente, numa guerra de interesses. 

Silver é uma mente culta, de intelecto privilegiado, de retórica apurada, mestre tático, ardiloso, sedutor, capaz de convencer a pulga de que é o cachorro. Em contrapartida, é uma mente atormentada, capaz de cometer atrocidades e crimes sem um leve pestanejar, sem qualquer arrependimento ou compaixão. Da mesma forma que transparece eloquência, e uma boa dose de submissão aos seus empregadores, se o fim é apossar-se do tesouro de Flint, a fúria, a qualquer um que atravesse o  caminho, o tornará sanguinário e cruel. Nem mesmo o carinho e interesse quase paternal pelo jovem Jim (de certa forma, ainda que momentâneo, protegendo e ensinando-o os segredos da navegação) o impedirá de afastá-lo como um mero obstáculo a ser transposto até a posse do tesouro. 

Estando na meia-idade, e tendo uma perna-de-pau, sua força física, aliada a uma violência natural (sem nos esquecer da sua sagacidade), torna-o em um oponente quase imbatível. O temor pelo qual perpassam inimigos e aliados é completamente justificado pelo corpo e mente diabólicos de Silver. A luta dele é pela sobrevivência, mesmo que decida-se por um lado, e depois por outro, os interesses são os de preservar-se a todo custo, ainda que resulte em dupla traição: aos antigos inimigos feitos novos amigos, e aos antigos amigos em inimigos. 

Existe alguma semelhança na construção de Silver e Jackyll/Hyde, numa luta ferrenha entre as virtudes e os vícios, travadas na alma do mesmo homem. 

Na teologia cristã, e na vida de cristãos conversos, essa batalha se trava no âmago, em que, transformados e regenerados por Cristo, ainda se vive com a natureza pecaminosa. Em vários textos bíblicos temo-la como a “luta entre o espírito e a carne”. Essa é uma realidade vivenciada em maior grau pelos cristãos, cientes do que seja o bem e o mal, o moral e imoral, vida e morte. Mas mesmo os não-cristãos têm em si a centelha do Imago Dei; e trava-se a mesma disputa, por causa dos atributos divinos transmitidos ao homem quando da sua criação. 

Por que toquei nesse ponto? Porque a boa literatura não prescinde a realidade, muito menos a realidade moral, da qual Silver e Jackyll/Hyde são exemplos do que somos, fomos ou seremos, em algum momento e alguma proporção. Ainda que a crueldade de Silver e Hyde não aflore em nossos atos, a certeza é de que, sem os aspectos da moral divina a nos frear, seríamos tão ou mais sanguinários que eles. 

Se levarmos em consideração que “O Médico e o Monstro” é uma aventura pela loucura, cobiça e depravação de Jackyll, a pretensão de se fazer Deus, como certo personagem do Éden, “A Ilha do Tesouro” não é menos uma aventura pela alma conturbada de Silver do que a caça à riqueza e poder. Por isso, Long John se inscreve no rol dos grandes personagens literários de todos os tempos, como um alerta para vencermos o mal. Por pouco, não pagou por seus atos, debaixo da benevolência do Dr. Livesey e de um acordo interessante a ambos. Fica contudo a imagem de que o homem sem Deus pode resistir ao apelo do mal por algo de divino que ainda reside em seu ser, mas de que, invariavelmente, ele será apenas o que é, um fugitivo do bem a cair nas malhas ou teias dos vícios e pecados. 

Ben Gunn entendeu, à sua maneira, aplicar engenhosamente os princípios morais, negando o que fora, para aliar-se àqueles que o salvariam. Ainda que tenha voltado novamente ao vômito como o cão... tempos depois. Mas vou parar por aqui, senão um comentário pode se tornar um ensaio. E estou longe de escrevê-lo.


__________________ 

Avaliação: (***)

Título: A Ilha do Tesouro

Autor: Robert Louis Stevenson

Editora: L&PM Pocket

No. Páginas: 366

Sinopse: "Stevenson concebeu A ilha do tesouro para o divertimento de seu enteado, Lloyd Osbourne, que tinha doze anos em 1881. Escrevendo a seu amigo W. H. Henley a respeito do novo livro, ele declarou que "se isto não encantar os garotos, ora, então eles mudaram muito desde que eu era criança". Uma história de piratas, com um mapa, um tesouro, um motim e um cozinheiro de bordo com uma perna só, A ilha do tesouro permanece uma das histórias de aventuras mais amadas da literatura. - L&PM"





14 janeiro 2020

Prefácio ao Livro "O Morto Inacabado", por Michel Salomão




Jorge F. Isah


"O Morto Inacabado" está disponível para compra no site da Kálamos Editora (kalamoseditora.com) ou em amazon.com.br, em ebook e em papel (amazon.com) ao custo de, respectivamente, R$ 4,99 e R$ 46,55 + frete (o produto vem, em formato livro físico diretamente dos USA). 

Abaixo, deixo o prefácio do livro escrito por Michel Salomão (escritor, dramaturgo, ator, desenhista, e outros tantos talentos que Deus lhe deu), amigo de longa data, desde a época em que adentramos na Faculdade de Direito da UFMG. 

Chamar o prefácio de "aperitivo" seria injusto, ele faz parte de toda a refeição, que espero, seja lauta e possa levar o leitor a se identificar com o personagem e as situações, sabendo que, cada um de nós, pode, em algum momento da vida, receber a alcunha de o morto inacabado. 

Boa leitura!

___________________



PREFÁCIO AO LIVRO "O MORTO INACABADO", 
POR MICHEL SALOMÃO
  

A desolação e a dúvida da morte permeiam essa obra de Jorge F. Isah, que traz um personagem cheio de angústias, as mesmas que todos nós possuímos e procuramos ignorar, as incertezas da existência, as impressões acerca do pai agonizante, da mãe sofredora, de parentes e amigos que passam e deixaram suas marcas, os remorsos, os medos, o abandono, um futuro que não se concretizou, um amor rompido premeditadamente, filhos que não nasceram, entre outros sofrimentos que fazem de nós, humanos, tão parecidos. 

Não, o livro não fala de zumbis, mas é quase isso: fala sobre o vivo quase morto, ou sobre o morto ainda vivo, condição que muitos de nós passamos a assumir por inconsciente negligência. Fala sobre as impressões de uma vida quase sempre entediante, bem diferente do que acontece na maioria dos filmes e livros. 

Amigos há três décadas, aconteceu de conhecer o Jorge em uma sala de aula do curso de Direito, na Universidade Federal de Minas Gerais, quando vi aquele rapaz entediado, sentado no fundo da sala, olhando para o vazio através da janela. Eu tinha 17 anos à época, era um rebelde tímido, me aproximei e logo começamos a disparar sobre literatura. Daí começou a nossa amizade, que teve longos intervalos, pois cada um foi cuidar de sua vida, de sua família, da profissão, mas o laço permaneceu, mesmo que por longos telefonemas ou por intermináveis textos trocados pelas redes sociais, além de encontros esporádicos que quase sempre davam continuidade ao assunto interrompido no anterior; e não foi com surpresa que recebi este convite para fazer o prefácio de seu novo livro, “O Morto Inacabado”, quando alertei para o fato de que talvez não tivesse capacidade para tal, pois, sem falsa modéstia, considero-me um escritor “descompromissado”. Bem diferente do Jorge, que é muito técnico e dedicado. 

Eu o aconselhei a dar títulos aos capítulos, para facilitar o entendimento dos leitores (entendo o porquê dele não ter aplicado a sugestão, mas não vem ao caso expô-la), pois não é uma leitura fácil, a não ser que você esteja acostumado a ler Dostoievski, na minha opinião, sua mais forte influência, pois ele entra com facilidade daqueles questionamentos existenciais entrecortados com pequenos diálogos triviais, possivelmente, apenas para comprovar que seus personagens estão mesmo vivos. 

Também conheço seu incansável trabalho religioso, na tentativa de salvar as pessoas dessa “morte em vida”, e aprecio sua determinação, apesar de, nesse trabalho, não entrar tão profundamente nessas questões como em seus outros livros, talvez para despertar determinados questionamentos nas pessoas que passam por idêntica situação de seu personagem central, que vive essa aparente morte. 

Uma aventura instigante e investigativa da alma de todos nós. 


Michel Salomão







Livro: O Morto Inacabado

Autor: Jorge F. Isah

Editora: Kálamos

Número de Páginas: 261 (ebook) e 453 (papel)


____________________



30 dezembro 2019

O Descanso





Jorge F. Isah


As notícias são tão tristes e devastadoras, e se repercutem em uma profusão ainda mais angustiante, parecendo não haver solução para o caos em que o homem moderno vive. As conversas, a mídia, as leituras, em sua maioria, falam de tragédias e apontam para um beco-sem-saída, a despeito da crença quase ingênua de um mundo melhor, de um novo futuro, do homem para o homem e pelo homem. 

De alguma maneira, vivemos um mundo de faz-de-contas, onde se esperam soluções por um "passe de mágica", magia ou encanto; tudo a um passo das mãos, enquanto nenhum esforço é empreendido para se conhecer a causa e a origem da miséria na qual o homem se vê atolado até o pescoço. Vivemos um deslumbramento, em uma roda ilusionista que faz dos sonhos pesadelos. 

Ninguém, ou quase ninguém, está em busca da verdade; primeiro, interior, na sincera perspectiva do autoconhecimento, para, depois, enveredar-se no conhecimento exterior. É fato que o homem não se conhece, preocupado em tecer brumas, camuflagens, a fim de ocultar o seu verdadeiro "eu". Talvez por não suportá-lo, tal como é; talvez porque seja melhor mantê-lo escondido, para o caso de necessitar usá-lo no futuro; talvez por covardia ou medo de se defrontar com a sua própria realidade... E não faltam bajuladores, de todas as espécies, para dizer-lhe que nada a indicar-lhe uma natureza pecaminosa e inimiga é verdade. Pelo contrário, não faltam estímulo para mantê-lo em uma casca, prestes a se romper (se já não estiver rompida), a afirmar que está protegido por si mesmo, e pode se tranquilizar.  

Certo é que somos o nosso pior inimigo, e não medimos esforços para manter a hostilidade. Como se um inimigo não pudesse nos atingir, fazer mal, derrotar. É o caminho do avestruz com a cabeça enfiada no buraco: não quer ver, se recusa a ver, insiste em não ver... enquanto o sofrimento estende-se indefinidamente.

No entanto, quando se olha para Cristo, sabe-se que mesmo no terror há descanso, mesmo na guerra há paz; mesmo o pior entre todos os homens pode ser transformado, feito à semelhança do Filho, em amor e bondade. Esta promessa está disponível a todos os homens, mas apenas aqueles sujeitos à vontade do Filho podem alcançá-la, ainda que seja o Filho a trazê-lo da morte para a vida, da maldade para o bem, da fraqueza para a força, do ódio para o amor. Sim, em uma perspectiva humana, nós o aceitamos, mas não antes dEle nos aceitar primeiro. E isto é fantástico, porque Ele nos aceita quando ainda somos inimigos, transgressores.

Eu mesmo, não tão poucas vezes, deixo-me envolver pelo pessimismo, pelo abraço do mal, como se tudo estivesse perdido. Mas, na verdade, não está. Porque se olho para o meu interior, e vejo a imagem de Cristo se formando, de tal forma que Ele cresça e eu diminua, a esperança já não é mais uma expectação, tornou-se em realidade. Ainda que ela não exista para o mundo, existe para mim. Ainda que o mundo a despreze, acolho-a em meu íntimo, porque Ele me ajuntou antes a Si.

Desta forma, deixo a inimizade com Deus, o mundo, e comigo mesmo, para me tornar amigo de todos, mesmo daqueles que me odeiam, desprezam e querem-me morto. Porque o amor infinito e eterno de Cristo perpassa pelo meu corpo como a eletricidade pelos filamentos de metais. E se está capacitado a lutar o bom combate, esmagar o único inimigo verdadeiro: o pecado! E a sua derrota significa a minha vitória e daqueles que não estarão mais sujeitos à sua malignidade. Claro que tudo isso é uma subdivisão ou subseção ou derivativo da verdadeira vitória, e a única realmente meritória: Cristo e seu ministério terrestre. 

Portanto, oro para que eu, e todos os crentes, seja envolvido pelo Bem Supremo, pelo doador da vida, por Aquele que não rejeitará a mim, nem o seu povo; pois os dias são maus, mas o Senhor é fiel, e estamos guardados e preservados Nele. E nada poderá tirar-nos a paz!


"Bem-aventurado é o homem a quem tu castigas, ó Senhor, e a quem ensinas a tua lei; para lhe dares descanso dos dias maus, até que se abra a cova para o ímpio. Pois o Senhor não rejeitará o seu povo, nem desamparará a sua herança. Mas o juízo voltará à retidão, e segui-lo-ão todos os retos de coração." (Salmos 94:12-15)


23 dezembro 2019

Perseguição aos verdadeiros discípulos em "Torturado por Amor a Cristo"







Jorge F. Isah



Já no início do livro, percebe-se duas coisas:

Primeiro, o pr. Wurmbrand não tem a menor pretensão de escrever uma obra literária, antes ele nos entrega um testemunho de vida cristã. 

O livro é simples na linguagem e, de certa forma, em alguns aspectos, rústico, porém a objetividade tem um significado, o de expressar correta e fielmente o período em que a Romênia, terra natal do autor, esteve dominada pela ideologia marxista, e foi uma "colônia" soviética, controlada pela extinta U.R.S.S.

Os relatos de prisões arbitrárias, de torturas, mortes, confinamentos e das práticas mais cruéis de persuasão, a fim de que os presos delatassem amigos, parentes e irmãos de fé, e a tentativa de "convertimento" ao comunismo, são dignas dos períodos mais bárbaros que a humanidade já vivenciou.

Apenas como reflexão, não é interessante como todo esquerdista acusa os EUA de colonialista, enquanto a antiga URSS e os atuais países comunistas, incluindo-se Cuba, são tratados como centros democráticos e que não se interessam pela expansão de suas ditaduras mundo afora? Como Lênin definiu a estratégia do seu governo: acuse-os daquilo que você mesmo defende e é!¹

Segundo, os relatos da fé e do preço pago pelos cristãos por não se sujeitarem à ditadura do Estado marxista (isto mesmo, cristãos são perseguidos pelos esquerdistas em todos os lugares, exatamente por não se sujeitarem à idolatria Estatal, à "onipresença" da burocracia, como um "deus" a cuidar de todos os aspectos do indivíduo, tornando-o em menos do que um escravo, um objeto descartável e descartado ao bel-prazer do governante), pois, um dos objetivos do marxismo é a criação de uma "nova sociedade", de "um mundo perfeito", e, para isso, a tradição judaico-cristã, a família, a propriedade privada, a moral, e tudo o que fundamentou a civilização ocidental, tem de ser destruído; afinal, o Estado não é laico, mas ateísta. O Cristianismo é o principal empecilho, já que os cristãos verdadeiros não terão como Senhor ninguém além de Cristo e, para os ideólogos de esquerda, tal convicção é simplesmente inaceitável.²

Em tempos de cristãos-marxistas (a incoerência e imoralidade das imoralidades e incoerências), defendendo governos que perseguem, torturam e matam cristãos por todo o mundo, visando destruir a Igreja e a ideia de Deus, pergunto: a quem esses religiosos servem?

De maneira demoníaca, tem-se alastrado em nosso meio os chamado "evangelho social", uma porta para a entrada do marxismo em suas formas mais dissimuladoras, virulentas e perversas, colocando cristãos contra cristãos, num mundo onde o discurso e não a evangelização ganha cada vez mais "relevância", uma palavra sempre a sair da boca dos defensores da esquerda, como um dogma.³

O número de testemunhos de fé e amor a Cristo, ao Evangelho e ao próximo, relatados pelo pr. Wurmbrand é comovente (e em muitos aspectos deixam-nos envergonhados), e deve servir de um "despertar" para a maioria de nós, cristãos, adormecidos e embalados por um discurso de acomodação e leniência em relação ao pecado, à moral, e a um Inferno cada vez mais cheio, onde as pessoas não têm a oportunidade de ouvir o verdadeiro evangelho, a palavra divina e inspirada de Deus, contentando-se com uma diluição maligna da sua mensagem, em favor de "um mundo melhor", onde as vidas, via de regra, estão cada vez piores e mais afastadas de Deus.

Desde já, ainda no início do livro, aconselho a cada um dos cristãos, e mesmo os não cristãos, a comprarem o livro e lerem-no, avaliando-se, a si mesmos, se são aquilo que imaginam ser ou se estão, verdadeiramente, sendo formados em Cristo e por Cristo.

Leitura mais do que recomendada; necessária, essencial, vital!



Alguns trechos pinçados do livro:

1) Richard, conversando com um preso russo, na Romênia ocupada pelos nazistas, durante a II Grande Guerra:
"Era um trabalho dramático e muito comovente. Nunca me esquecerei do meu primeiro encontro com um prisioneiro russo. Ele me havia dito que era engenheiro. Perguntei-lhe se cria em Deus. Se ele houvesse dito "não", jamais me incomodaria tanto. É direito de cada homem crer ou descrer. Porém quando lhe perguntei se cria em Deus, ele levantou os olhos para mim, sem me entender, e disse: "Não tenho ordem militar para crer. Se eu tiver uma ordem, crerei".

Lágrimas correram no meu rosto. Senti meu coração quebrantado. Diante de mim estava um homem com uma mente morta, um homem que havia perdido o maior dom que Deus dera à humanidade - o de ser um indivíduo. Ele havia passado por uma lavagem cerebral e se tornado um instrumento nas mãos dos comunistas, preparado para crer ou não em uma ordem. Não podia mais pensar por si próprio. Era um russo típico depois de todos esses anos de domínio comunista!"

2) Definindo a experiência sobre o poder comunista, em relação à experiência sobre o poder nazista (lembre-se, Wurmbrant é um nome judeu):
"A partir do dia 23 de agosto de 1944, um milhão de soldados russos entraram na Romênia e logo após os comunistas assumiram o poder do nosso pais. Então começou um pesadelo que fazia o sofrimento sob o Nazismo parecer nada."

3) Na cooptação da igreja:
"Desde que os comunistas assumiram o poder, cuidadosa e astutamente para os seus propósitos, têm seduzido a igreja".

4) Sobre o Congresso de cristãos, no Parlamento Romeno:
" Ali estavam quatro mil padres, pastores e ministros de todas as denominações. Esses quatro mil padres e pastores escolheram Joseph Stálin como presidente honorário do Congresso. Ao mesmo tempo era presidente do Movimento Mundial dos Ateus e assassinos dos cristãos. Um após outro, bispos e pastores se levantou ao nosso Parlamento e declararam que Comunismo e Cristianismo são fundamentalmente a mesma coisa e podem muito bem coexistir. Um após outro, os ministros ali presentes pronunciaram palavras laudatórias ao Comunismo e asseguraram ao novo governo a lealdade da igreja... Então me levantei e falei ao Congresso, exaltando não aos matadores de cristãos, mas a Cristo e Deus, e afirmei que nossa lealdade é devida em primeiro lugar ao Senhor... Depois tive de pagar por isto, mas valeu a pena!"

5) Sobre as traições:
"Aqueles que se tornaram servos do Comunismo, em lugar de servos de Cristo, começaram a denunciar os irmãos que os não acompanhavam".


CONCLUSÃO

Uma leitura reflexiva quanto ao sofrimento e martírio dos santos modernos, mas que revelam o amor a Deus, e o cuidado e amor sobrenatural dEle para com os seus filhos. E um alerta para a igreja acomodada, e agarrada ao conforto, de que o inimigo está sempre à espreita, pronto a nos infligir dor e perseguição (Jo 15.20). 

Porém, como está escrito: as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja!


Notas: 1- Não estou apontando a "perfeição" ou superioridade dos EUA, mas a incoerência de homens, eivados pelo veneno marxista, acusarem e condenarem a América, enquanto inocentam e silenciam-se diante das atrocidades cometidas em nome de uma suposta "liberdade" e "democracia" prometida por governos de esquerda. 

2- Não tenho qualquer intenção de polarizar a questão ideológica, no sentido de afirmar a supremacia da direita e dos conservadores sobre o marxismo. Em momento algum, falei disso. Quero apontar, com o texto, a incoerência de quem se diz "cristão" e ainda assim defende governos que perseguem, torturam e matam cristãos (ideologia que tem como princípio, desde as primeiras formulações, destruir qualquer noção de fé no Deus bíblico e nos fundamentos do Cristianismo).


3- Pelo contrário, afirmo, sim, a superioridade inconteste do Cristianismo sobre todas as formas de governo humanas, posto estabelecida pelo próprio Deus. E nós, salvos pela graça infinita e eterna de Cristo, experimentaremos o verdadeiro governo: justo, santo, pacífico, perfeito; erguido pelo amor igualmente infinito e eterno de Deus. 


____________________________

Avaliação: (****)

Título: Torturado Por Amor a Cristo

Editora: Voz dos Mártires

No. Páginas: 160

Sinopse:

"O Pastor Richard Wurmbrand foi o pastor evangélico que passou quatorze anos como prisioneiro dos comunistas, torturado em sua própria terra natal, a Romênia. Poucos nomes são tão conhecidos naquele país, onde ele é um dos mais reconhecidos cristãos, como líder, autor e educador.Em 1945, quando os comunistas tomaram o poder na Romênia e tentaram submeter as Igrejas aos seus propósitos, Richard Wurmbrand imediatamente deu início a um ministério “subterrâneo” – eficiente e vigoroso – destinado à pregação do Evangelho tanto a seus compatriotas escravizados quanto aos soldados russos que invadiram o país. Foi preso em 1948, com sua esposa, Sabina, que cumpriu pena de trabalhos forçados por três anos, no Canal do Danúbio. O Pastor Richard passou três anos na solitária, sem ver ninguém a não ser seus torturadores comunistas. Depois foi transferido para uma cela comum, onde as torturas continuaram por mais cinco anos.

Devido a sua posição internacional como líder cristão, diplomatas de embaixadas estrangeiras questionaram o governo comunista acerca da segurança de Wurmbrand, dizendo que ele fugira da Romênia. Agentes da polícia secreta, fingindo-se de ex-companheiros de prisão, disseram a Sabina terem assistido ao funeral de seu marido no cemitério da prisão. Recomendaram à família na Romênia e aos amigos de outros países que o esquecessem, porque já estava morto.

Após oito anos e meio de prisão, ele foi libertado e imediatamente retomou seu trabalho com a Igreja Subterrânea. Dois anos depois, em 1959, ele foi preso mais uma vez, e sentenciado a vinte e cinco anos de prisão.

Wurmbrand foi libertado quando de uma anistia geral ocorrida em 1964, e novamente continuou seu ministério clandestino. Levando em consideração o grande perigo de ser preso pela terceira vez, cristãos noruegueses negociaram com as autoridades comunistas sua permissão para deixar a Romênia."




21 novembro 2019

Conversando com C. S. Lewis





Jorge F. Isah


Alister McGrath é um teólogo, historiador e bioquímico britânico, autor profícuo de livros sobre apologética, biografias, e outros relacionados com a história da teologia e Cristianismo, além de profundo conhecedor da obra de C.S.Lewis. Tendo lançado, inclusive, uma biografia sobre ele. Ou seja, tem amplas credenciais para esmiuçar o pensamento de Lewis e levá-lo até um público ainda não "iniciado", ou que tem pouco contato com os seus livros.

Ambos nasceram em Belfast, Irlanda do Norte, o que pode aproximar ainda mais o campo de interesses entre eles, levando McGrath a estudar detidamente o trabalho grandioso do conterrâneo.

Conversando com Lewis é um livro despretensioso, com o objetivo de levar um novo grupo de leitores a se interessarem pela literatura "Lewisliana". São rápidas pinceladas sobre alguns dos principais trabalhos do literato, mostrando o fundo histórico e pessoal no qual estava envolvido no momento de escrevê-los. Informações suficientes para instigar o futuro leitor a se debruçar mais detidamente sobre eles. No que, acredito, seja o maior trunfo e sucesso de McGrath.

Eu mesmo, que tenho negligenciado a literatura de Lewis (identifico-me mais com Tolkien, apesar de não ser um leitor assíduo), vi-me obrigado a reconsiderar essa posição, e tratei logo de comprar um box com quatro volumes, estimulado também pelos apelos do amigo e pr. Celso Souza. 

Voltando ao "Conversando...", como disse, ele tem o mérito de levar novos leitores a se interessarem por Lewis. As informações são suficientes o bastante para não confundir os não "iniciados", mas o necessário para mapear-lhes o caminho enquanto futuros leitores.

É uma leitura agradável, fluída, em uma série de almoços fictícios com o autor, no qual o seu pensamento é clarificado.

Para aqueles que já conhecem e estão familiarizados com a literatura Lewisliana, penso que a leitura do "Conversando..." é dispensável, a menos que seja por completa curiosidade.

Recomendo para os não aficionados, especificamente, e para os fás compulsivos, aqueles que não perdem absolutamente nada, nem mesmo as notícias requentadas.

Boa leitura!


_____________________ 

Avaliação: (***)

Título: Conversando com C. S. Lewis

Autor: Alister McGrath

Editora: Pórtico

No. Páginas: 163

Resenha: "Você já imaginou como seria conversar com C. S. Lewis sobre diversosassuntos polêmicos? Você já pensou como seria uma entrevista com ele, falando sobre assuntos atuais e o que ele pensa sobre isso?"



01 novembro 2019

O Poirot coadjuvante em "O Assassinato de Roger Ackroyd"





Jorge F. Isah


Leio Agatha Christie desde os 11 anos, mais ou menos. Iniciado por minha mãe, que era fã dos seus livros, e, também, muito fã de Edgar Wallace. Perdi a conta, quantos dos seus romances passou por minhas mãos. Na verdade, não faço ideia. Até, porque, a obra da autora é prolífera. Normalmente, são enredos possíveis de se ler em um dia ou dois, e divertir-se bastante ao fazê-lo.

Então, passadas duas décadas, decidi retornar ao universo do detetive Poirot, já que a maioria dos livros policiais lidos recentemente foram do estilo noir. Iniciei por este, “O Assassinato de Roger Ackroyd”, considerado a sua obra-prima, e que ainda não lera (ao menos, não me lembrava de tê-la lido).

Romances como os de Agatha, Simenon e Wallace têm uma malha profusa de personagens secundários, ações, insinuações, blefes, acidentes e casualidades que tornam a figura do vilão quase inidentificável na trama. Ao menos, é o que eles tentam, e alguns conseguem. Não é raro você se deparar com a convicção de quem é o assassinato muito antes do clímax final. Mesmo com todas as pistas falsas, não é difícil, se houver atenção aos detalhes e particularidades de cada envolvido, desvendar o mistério; questão de tempo, mas acontecerá. Por isso, a necessidade de muitos personagens, ou suspeitos, para, no embaralhar das cartas, a almejada permanecer escondida.

E se este aspecto pode ser considerado negativo, o que não considero, o positivo são os detalhes, as minúcias, presas ao novelo enquanto se desenrola. As vezes a conclusão é tão óbvia porque, mesmo as pontas soltas, existe uma a uni-las.

Poirot é aquele detetive arguto, racional, meticuloso, desconfiado e, de alguma maneira, dissimulado e trapaceiro (um velhaco), muito diferente de um Sam Spade, por exemplo, que “tropeça” nas evidências e tem, na teimosia e algum senso de moral e justiça, o mérito para desvendar os seus casos. Poirot é um racionalista empedernido, autoconfiante e um diletante da própria inteligência e talento. Chega a ser entediante, às vezes, o seu egotismo.

De uma forma geral, “O Assassinato de Roger Ackroyd” é um típico exemplar do estilo “Whodunnit”, entretendo, divertindo, instigando e fazendo passar aquelas modorrentas horas sem ter o que fazer, ou sem estar disposto a fazer nada. Não é brilhante, mas é um livro condizente com a fama de Agatha Cristie.

Não espere personagens profundos e psicologicamente bem construídos. Eles não são os protagonistas. O crime, e o seu desvendar, é o personagem principal do livro. Toda a construção da história se baseia nele, inclusive dos personagens. Estes são adereços e penduricalhos a permitir a fluência do grande “herói”. Como luzes a iluminar um monumento. Poirot não é o herói. Nem o transgressor. Nem a vítima. São apenas acessórios. E estamos conversados!

Em tempo: lá pela metade do livro, já sabia quem era o criminoso. Suspeita iniciada quando Poirot entrou na trama, mas confirmada depois.


________________


Avaliação: (***)

Livro: O Assassinato de Roger Ackroyd

Autora: Agatha Christie

Páginas: 296

Editora: Globo


Resenha: “Em uma noite de setembro, o milionário Roger Ackroyd é encontrado morto, esfaqueado com uma adaga tunisiana – objeto raro de sua coleção particular – no quarto da mansão Fernly Park na pacata vila de King’s Abbott. A morte do fidalgo industrial é a terceira de uma misteriosa sequência de crimes, iniciada com a de Ashley Ferrars, que pode ter sido causada ou por uma ingestão acidental de soníferos ou envenenamento articulado por sua esposa – esta, aliás, completa a sequência de mortes, num provável suicídio. Os três crimes em série chamam a atenção da velha Caroline Sheppard, irmã do dr. Sheppard, médico da cidade e narrador da história. Suspeitando de que haja uma relação entre as mortes, dada a proximidade de miss Ferrars com o também viúvo Roger Ackroyd, Caroline pede a ajuda do então aposentado detetive belga Hercule Poirot, que passava suas merecidas férias na vila. Ameaças, chantagens, vícios, heranças, obsessões amorosas e uma carta reveladora deixada por miss Ferrars compõem o cenário desta surpreendente trama, cujo transcorrer elenca novos suspeitos a todo instante, exigindo a habitual perspicácia do detetive Poirot em seu retorno ao mundo das investigações. O assassinato de Roger Ackroyd é um dos mais famosos romances policiais da rainha do crime."

23 outubro 2019

O "Meridiano de Sangue" sem fim, de Cormac McCarthy




Jorge F. Isah


Este é o terceiro livro de Cormac que leio. 

Em relação a "Onde os velhos não têm vez" e "A Estrada", noto grandes diferenças. Se a primeira história tinha todos os elementos presentes em "Meridiano", aquele se parecia mais com um enredo, digamos, comum (sabendo que nenhuma narrativa de Cormac pode ser considerada comum, no sentido mais... comum do termo), e  a "Estrada" é mais otimista, ainda que em um cenário apocalíptico, caótico e maligno, como gosta de ambientar os seus livros.

Em todos, contudo, temos a linguagem crua e nua, sucinta, seca, mesmo na multidão de palavras; frases inteiras sem pausa, vírgulas, escritas sem descanso; descrições de eventos e pessoas que compõem a escória da humanidade; e os que a ela não pertencem, assistem passivas, a se configurarem nos mais escabrosos e cruéis espectadores da desordem e destruição. Não raramente são estes as "vítimas", em um cenário onde o bem é a utopia mais visivelmente negligenciada. 

Cormac, no entanto, se utiliza da poesia para "atenuar", e as vezes reforçar, elementos em sua narrativa. Algo que pensei, e não sei se era a sua real intenção, é demonstrar que, mesmo na aridez da imagem (as paisagens rústicas e primitivas), ou o caráter bestial dos personagens, pode-se apreender algo de belo, natural, simplório, mas nunca inocente. Uma pureza primitiva, selvagem, mas jamais inofensiva. 

Não há psicologismos, nem se faz conhecer os personagens pelo que pensam, por suas elucubrações, mas pelos seus atos, ações, pois elas falam por si e por eles. Não se sabe de remorsos, arrependimentos, temores, dúvidas ou aflições, mas apenas aquilo que fazem, como agem, normalmente de maneira indiferente, brutal, impiedosa, quase mecânica. O fatalismo parece ser a máxima das ações, onde ninguém pode se esquivar de ser o que é, de fazer o que tem de ser feito ou foi destinado a fazer. 

Não existe espaço para a bondade ou companheirismo. Apenas a sobrevivência a qualquer custo e o poder acima de tudo, em um ajuntamento de homens sem escrúpulos, moral, não obstante, traindo-se e abandonando-se mutuamente. É como uma matilha de lobos sem alimento, onde um devora o outro; e o último morrerá de fome e à míngua. Mortes, assassinatos pelos motivos mais banais: um olhar atravessado ou uma zombaria, faz com que o sangue não seja o final, mas o meio de subsistência dos vencedores.

O enredo se passa em meados do século XIX. O cenário: o velho-oeste americano, mais especificamente na fronteira com o México, para aonde os EUA se expandiam.

Após concluir a leitura, posso garantir que este é um dos mais, senão o mais violento, que li. As atrocidades cometidas pela “criatura” de Mary Shelley, nem de longe ameaçam o pódio de Meridiano, como um livro sanguinário entre os mais bárbaros. Portanto, não poderia ser escolhido um título melhor: Blood Meridian, um meridiano banhado em cor vermelha escarlate.

O protagonista "Kid", um jovem sem destino, se vê acoplado ao bando de mercenários que foi dizimado pelos índios. Kid sobrevive e se junta ao bando de outro mercenário "Glanton", que também caça escalpos. Eles vendem seus serviços para dizimar grupos e povoados: brancos, negros, mestiços ou índios. Importa-lhes o dinheiro, nada mais, além do estigma aterrador que o nome, e a presença, desperta no ouvinte ou assistência.

A visão pessimista de Cormac, ateu, se apropria das tragédias e do mal para mostrar um mundo sem esperança, onde o bem é apenas ficção (não a sua ficção), e a maldade a própria essência humana. Não existe frescor, descanso, paz, apenas guerra, dor, morte e muitas batalhas a serem travadas. Não é o banho de sangue pelo sangue, mas a crítica por detrás do sangue. 

Por outro lado, parece reafirmar um conceito esquecido pela maioria dos cristãos, o da "depravação total do homem": de que todo o ser do homem foi contaminado pela Queda, no Éden; manchando e corrompendo o homem bom, puro, e induzindo-o  ao mal hegemônico. O autor, ao não ver bondade inerente no homem, hiperboliza a Queda, despreza o Imago Dei; e faz, em um mundo “desgovernado”, o inferno que muitos acreditam existir somente aqui. 

Não diria que ele seja um niilista clássico, mas existe uma porção niilista em sua narrativa. Não há uma "pregação" quanto à destruição das instituições e valores tradicionais, como se fossem obstáculos à vida ou liberdade humana, mas a própria ineficiência ou incapacidade delas coibirem verdadeiramente o caos e a destruição. Em muitos aspectos, elas mesmas fomentam, num tipo de transferir poderes para mercenários como Holden e Glanton (uma higienização estatal, onde a carnificina é patrocinada mas nunca é tocada diretamente), o mal que dizem combater.

Em tempo: sobre Holden, um personagem cínico, culto/erudito, carismático mas temível; capaz de esmagar um crânio com as mãos, mas também de dançar como um hábil bailarino; temos o "grande" personagem central. Ainda que possamos afirmar a centralidade da guerra como a protagonista (ao menos uma delas), Holden transpõe as páginas como um Quixote às avessas, sem os ideais heroicos deste, entretanto, de alguma maneira, vivendo uma vida de versos e canções clássicas, na pluralidade das línguas originais, na dissertação de cânones e meditações tracionais, como um alívio para a própria alma, e a afirmação da sua autoridade (diga-se, superioridade) para com os demais do bando, fazendo-se herói de si mesmo. Não raro, ainda que fosse o mais aterrorizante dentre os facínoras, era descrito como louco ou diletante; uma personalidade fascinante, irresistível, que trazia terror, admiração e, por que não, algo parecido à veneração.  

Um senão, que ainda não detectei a causa, é que a narrativa, a despeito dos muitos momentos de ação, pareceu arrastar-se um pouco e, em alguns momentos, chegou mesmo a entendiar. Raros, diga-se de passagem, mas existentes, o que não vivenciei em "Onde os velhos não têm vez" e “A Estrada”.


Mas McCarthy é McCarthy! Que venham mais livros dele!


______________ 

Avaliação: (****)

Título: Meridiano de Sangue

Autor: Cormac McCarthy

Páginas: 352

Editora: Alfaguara

Sinopse: "Meridiano de sangue é um romance épico. Nele, McCarthy reinventa a mitologia do Oeste americano para criar uma obra ao mesmo tempo grandiosa e arrebatadora sobre uma terra sem lei, em que o absurdo e a alucinação se sobrepõem à realidade. Desde as primeiras páginas, o leitor acompanha um rapaz sem nome e sem família, abandonado à própria sorte num mundo brutal em que, para sobreviver, precisa ser tão ou mais violento que seus inimigos. Recrutado por uma companhia de mercenários a serviço de governantes locais, atravessa regiões desérticas entre o México e o Texas com a missão de matar o maior número possível de índios e trazer de volta seus escalpos. McCarthy parte de fatos reais - a caçada aos índios, o destacamento de assassinos liderado pelo sanguinário John Joel Glanton - para compor uma obra que transcende a mera ficção histórica. Conduzidos por Glanton e o juiz Holden - uma figura quase sobrenatural, e um dos grandes personagens da literatura americana no século XX -, esses homens, que julgam já terem visto todos os horrores possíveis, irão aos poucos se aprofundar no verdadeiro inferno."

18 outubro 2019

O Voo linear de um Corvo





Jorge F. Isah



Este livro conta a história, ou a saga, de Charles Trumper, um garoto pobre do subúrbio de Whitechapel, em Londres, onde aprende o ofício de quitandeiro com o avô, e ganha o mundo com o seu obstinado empreendedorismo. Do início até o final das mais de seiscentas páginas, ele passa por uma série de infortúnios, desencontros, vitórias, perdas, sucesso e a megalomania de se tornar, “o maior carrinho do mundo”, a glória mercantil da Inglaterra.

Transcorre-se sete décadas na vida do protagonista.

Há de tudo um pouco: amor, traição, perfídia, vingança, amizades, alianças, conchavos, cobiça, morte, manipulação. É um daqueles “dramalhões” clássicos, com todos os seus ingredientes. Ah, e tem, sim, um vilão!

História e narrativa simples, sem nada de extraordinário, sem rebuscamentos, em linguagem coloquial, mas que manteve a minha atenção e interesse até o fim.

Tenho de convir que, em muitos momentos, vi-me cansado e meio enfadado com descrições pormenorizadas de eventos que pouco, ou nada, importavam à trama. Um detalhamento excessivo, como se o autor tivesse de fazê-lo a fim de cumprir um determinado número de páginas. E elas sempre aconteciam a qualquer mudança de situação, lugar ou personagem, deixando o fluxo um pouco arrastado, truncado, às vezes. Talvez umas cinquenta páginas a menos tornassem-no mais fluído e menos moroso.

Não chega a ser uma falha grave, pois é um recurso muito utilizado para se chegar a um “clímax” na narrativa (evento que precisa de um crescente até atingir o ápice da emoção), mas em muitos casos tal recurso não resultou em qualquer impacto na trama, sendo apenas e tão somente “encheção de linguiça". Cada capítulo foi dedicado a um personagem (alguns personagens tiveram mais de um), que é a “voz” da história. Este é outro ponto no qual as repetições são várias, pois no capítulo, “Charles Trumper”, são narrados fatos que, no capítulo, “Becky Trumper”, repetem-se, agora na ótica desta personagem. É um recurso interessante, mas a repetição, caso não exista algo de surpreendente, torna-se apenas enfadonha, e desnecessária. Bola fora do autor, Jeffrey Archer, neste quesito.

No mais, é uma boa leitura para o fim-de-semana; em que o leitor pode se entregar ao voo linear do corvo, sem se preocupar em pousar em algo mais sólido e consistente.


_________________ 

Avaliação: (**)

Livro: O Voo do Corvo

Autor: Jeffrey Archer

No. Páginas: 600

Editora: Bertrand Brasil


Sinopse: "O inicio dos negócios de Charlie Trumper se dá ao lado de seu avô, vendendo verduras e frutas em um carrinho de mão. A partir daí, o comerciante lutará para criar "O Maior Carrinho do Mundo", enfrentando uma guerra, encontrando o amor e descobrindo um misterioso e poderoso inimigo"

07 outubro 2019

Outra Volta do Parafuso: Muito mais que um suspense




Jorge F. Isah


Ouvira falar deste livro do James, e a euforia com que o descreviam, fez-me comprá-lo, por uma bagatela, em um supermercado de BH: R$ 5,99, capa dura. 

Sempre se referiam a ele como uma novela de suspense e terror, e, pela fama de James como romancista, achei que valia a pena iniciar a leitura, a despeito do gênero não ser o que mais me agrada.

Tudo seguia o curso natural, quanto ao que me fora dito; e, no início do livro, pareceu-me que o autor demorava um pouco a engrenar a história, mas depois de engrenada, percebi que parar de ler era uma empreitada impossível

O pano de fundo são aparições sobrenaturais (já percebíveis nas primeiras páginas) que mudam por completo a vida das pessoas que moram em Bly. Mas é o pano de fundo, pois o autor na verdade usa-o para falar de algo muito mais importante: a percepção da realidade, o que vemos, o que sentimos e imaginamos, e como reagimos diante delas, de maneira que as relações pessoais tomam um aspecto diferente à medida que a objetividade, de certa forma, é alterada pela subjetividade de um dos personagens. Pode ser que alguém esteja realmente a ver o que os outros são incapazes de fazê-lo, mas pode também ser que esse alguém esteja criando uma ilusão, como resposta ao que lhe acomete ao redor, concebendo um mundo de angústia, aflição, dúvidas, mas de cuidado, solidariedade e, também, amor.

Não farei uma sinopse porque não quero antecipar o enredo e estragar o prazer do leitor. Também não é o meu objetivo, visto que nunca gostei de ler resenhas de livros e filmes (se é para ouvir um "resumo" do livro, ou do filme, prefiro lê-lo e assisti-lo). Gosto mesmo é de tocar em pontos que eventualmente a maioria dos leitores não se apercebe (certamente existem pontos que os leitores notam e que me são imperceptíveis); detalhes que me chamam a atenção e me fazem saborear a leitura, como um deleite. 

Portanto, fica a dica: leia esta pequena novela, não como sendo apenas um livro de suspense, mas um livro em que a realidade e as relações interpessoais (suas nuances e alterações e sentimentos e percepções) são os personagens principais.


______________ 

Avaliação: (***)

Titulo: "Outra Volta do Parafuso" ou "A Volta do Parafuso" (Pode-se se encontrar os dois títulos para o mesmo livro)

Autor: Henry James

Editora: Abril

No. de páginas: 192

Sinopse: 
"Obra mais popular do renomado escritor Henry James Em uma trama perturbadora, o autor nos leva ao dia a dia de uma jovem governanta que tem a missão de cuidar de duas crianças, Miles e Flora, que vivem nos arredores de Londres. A moça é a narradora da história, e o que parece ser o trabalho dos sonhos, de um momento para outro, se torna um pesadelo. Os habitantes da casa são assombrados, ou influenciados malignamente, pelos fantasmas de Peter Quint, ex-mordomo, e da Srta. Jessel, a ex-preceptora. Neste clima de suspense, a jovem conta apenas com a ajuda da bondosa criada, Sra. Grose, para se livrar do mal que atormenta a família."