12 setembro 2017

Cristo: o Verbo comunicando-nos com Deus




Jorge F. Isah


Paulo já alertava para aqueles que aprendem sempre, mas nunca chegam ao conhecimento da verdade (2Tm 3.7). Se esforçam, mas são incapazes de reconhecer o erro, e insuflados pelo orgulho, persistem tenazmente em transitar pelos caminhos de morte. O apóstolo chega a dizer que eles têm aparência de piedade, mas negam-a com as suas ações (2Tm 3.5). Têm uma palavra açucarada, parecem se preocupar com as pessoas e suas necessidades, acolhem-nas como protetores, zelosos tutores, amigos fraternos, entretanto, utilizam-se destes artifícios para o engano, a corrupção, e a destruição de suas vidas. Querem afastá-las do Deus verdadeiro, impedindo-as de ouvir a verdade, enlaçando-as em suas teias, atando-as em seus palavratórios, tirando-as da consciência de que Deus somente pode ser encontrado em seu Filho, e revelado pela sua palavra. 

Não é interessante como João se refere a Cristo como o Logos? A Palavra? O Verbo? De que apenas ele pode comunicar o Pai? E de que aprouve ao Pai fazer-se ver no Filho? A nós que tivemos os ouvidos silenciados pelo pecado? E as vistas escurecidas pelas transgressões? Cristo é quem faz Deus ser inteligível a nós, quando estávamos perdidos em um labirinto de truques, baratinados pelos enganos a nos rodear, seduzidos pelos desejos ilusórios, na barafunda caótica que ele veio desfazer. Pelo seu poder e graça, somos retirados do dédalo para a ordem; das trevas para a luz; de nós mesmos para sermos como ele; abandonando a vida estéril para uma vida frutífera; aniquilando o eu corrompido para existir nele em santidade (Gl 2.20).

Nota: Fragmento de um texto sobre a dupla natureza de Cristo.  


01 setembro 2017

Jó: O livro das belezas





Jorge F. Isah




Este foi um livro surpreendente! Dos melhores que li ultimamente. 

Indicação sempre bem-vinda do professor e crítico Rodrigo Gurgel. 

Um aviso: muitos que não leram o livro poderão achar confusa a minha resenha; e o objetivo é esse mesmo, não tirar do leitor o desejo de ler o livro, entregando-lhe um resumo ou pistas muito claras do que encontrará. Contudo, se você o leu, ou reler a resenha após lê-lo, entenderá melhor os pontos que ressaltarei a seguir. 

Vamos a eles, então. 

O título do livro remete ao personagem histórico/bíblico Jó, um homem poderoso, rico e justo diante de Deus, o qual perdeu tudo, de uma hora para outra, e passou a viver na indigência e na enfermidade, sendo abandonado até pela esposa, tendo por companhia alguns amigos a questionarem a sua fé e moral, por conta dos seus infortúnios. 

Mendel Singer, um homem comum, piedoso e temente a Deus, mora em Zuchnow, com a esposa e quatro filhos, levando uma vida simples, na qual é um professor da Bíblia para crianças. Esta é a principal fonte de renda da família. Ele não é um homem de muitas alegrias, mas uma tristeza o aflige sobremodo e à sua esposa, o filho caçula Menuhim, uma criança débil de nascença, e pela qual eles oram, incessantes a Deus, por cura. 

Alguém disse que ao contrário do verdadeiro Jó, Mendel não manteve a sua fé e esperança, em meio as vicissitudes. Não penso assim. Mas antes, sem contar propriamente a história, para não tirar a curiosidade e o gosto dos futuros leitores, faz-se necessário dizer que, em dado momento, ele e sua família se veem obrigados a ir para a América, lugar onde um dos filhos se estabeleceu e prosperou, fugindo do recrutamento do exército russo. Lá, ele é conhecido como Sam, ao invés de ser o Schemarian da terra natal. Uma alusão à perda da identidade ou o esquecimento de quem se é. 

O motivo da viagem está diretamente relacionado com a filha Miriam, mas não o citarei. Um detalhe importante é o fato de dois dos seus filhos não viajarem. Novamente, não darei os motivos; mas há aqui, também, um simbolismo, a perda de elementos de identidade, de coisas que eles são obrigados a deixar para trás, numa fuga dolorosa a impossibilitá-los de estarem por inteiro; e para aonde vão estarão sempre fracionados, incompletos. Nunca serão os mesmos, enquanto as partes separadas não se unirem novamente. 

Na América, em uma cultura completamente diferente (uma referência a um exílio, uma diáspora para os Singer), Mendel mantém os seus hábitos judeus, suas orações e rituais, que o faz permanecer sendo quem é, ao menos como uma tentativa, mesmo não estando onde deveria estar; mas sempre com um desejo íntimo, indolente, de voltar à sua terra, à vida e ao lugar dos quais não consegue se separar, nem pode escapar. 

Porém, tudo muda em uma sucessão de tragédias a aflorarem em sua vida, tal qual o personagem bíblico. Ele, então, rejeita a sua fé e a crença em Deus, e mesmo admoestado pelos amigos, recusa-se a voltar a ela. É a obstinação do homem em lutar contra Deus, contra a realidade, uma tentativa impossível de, pela rebeldia, encontrar-se consigo, com o homem perdido, e desconhecido; de encontrá-lo em um esconderijo, de onde nada se sabe, nem o lugar, nem como alcançá-lo. Negar-se a si mesmo passou a ser a maneira de Mendel conviver com a dor; negar a Deus o afastaria do seu passado; negar a esperança o distanciaria do seu futuro. Mendel era o homem fora do tempo, a vagar como um espectro pelas ruas de Nova York, como uma caixa pesada imóvel, na qual todos tropeçam.

De alguma maneira, havia uma esperança oculta no sofrimento, e ela o chamava pelo que ainda poderia reencontrar, a identidade perdida no abandono da fé e na ausência de elementos que o fizeram, até então, ser quem era Mendel Singer, agora eram ansiados como uma última chance de se reencontrar, de mitigar o novo homem nos lombos do velho homem, e vislumbrar alguma alegria, ou a resignação dolorosa do sofrimento, caso tudo estivesse realmente perdido. 

Entretanto, há milagres; e Mendel vivencia-os. Algo inimaginável, em meio às seus sofrimentos, acontece, como se Deus finalmente olhasse para aquele homem miserável, e triste, e amargurado, lançando uma intensa onda de favores. Há a restauração da alma de Mendel, há a esperança, novos dias, um futuro no qual Deus o conduziu à reparação, o mesmo que levou Jó a receber tudo o que perdera em dobro e muito melhor. 

Cenas emocionantes acontecem quando ele ouve, em um disco, a "Canção a Menuhim", e o encontro com o seu passado, porém tornado em um futuro esplendoroso. Mendel renasce; e não lhe é reserva apenas a morte, o abandono, a personalidade soterrada no dissabor, mas o alvissareiro frescor da felicidade, do reencontro consigo mesmo, do homem perdido em si, mas encontrado no milagre, no sobrenatural, na vida transformada e abundante, em proporções muito maiores ao que sentira, mesmo na existência aparentemente completa do velho homem. 

Mendel nunca será o mesmo; aquele homem foi aperfeiçoado pelo sofrimento, restando agora o homem completo, como jamais pode imaginar ser. Assim é retratado pela última frase: 

"E descansou do peso da fortuna e da grandeza do milagre".

Um livro onde nada, nem mesmo as mazelas e o sofrimento, tira-lhe a beleza.




Dados Técnicos: 
Título: Jó - Romance de um homem simples
Autor: Joseph Roth
Editora: Cia das Letras
No. Páginas: 200

23 agosto 2017

Sermão em Romanos 13.10; "O amor é o cumprimento da lei" - 2a. Parte




Jorge F. Isah







INTRODUÇÃO

Na meditação anterior, observamos que Deus é a origem de todo o amor, e de que este é um atributo comunicável com o homem. Ou seja, somos capacitados por ele a amar. Pelo amor com que nos ama, e do qual somos objetos, somos capazes de amar. Na verdade, o homem é o receptáculo do amor divino; o mesmo amor com o qual Deus nos criou. 

“Amados, amemo-nos uns aos outros; porque o amor é de Deus; e qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a Deus.
Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor.” [1 Jo 4.7-8]


Entretanto, com a queda de Adão no Éden, e a consequente contaminação do pecado, o sentido do amor divino foi corrompido e afetado. De forma que o homem não somente afastou-se do amor [o distanciamento natural, tendo em vista a sua natureza antinatural], mas o negou, implantando em seu lugar o ódio e o mal, a antítese do amor. Tudo isso como manifestação de desamor e rejeição a Deus. 

Ora, se rejeito algo divino, e o amor é divino, rejeito o próprio Deus, e é esta rejeição que leva o homem a anelar o ódio e o mal; a confrontação e oposição a Deus pelo que ele é, resultando no pecado como única forma de refletir a insurreição contra o Criador. 

O bem que o homem negou, foi ocupado naturalmente pelo seu oposto: o mal; o amor igualmente negado foi ocupado pelo ódio; a santidade pelo pecado. Deus por um ídolo ou ídolos. E a marca de todas essas “ocupações” não é outra senão o afastamento de Deus; movimentos com o fim de expurga-lo, negá-lo, em um sentimento de aversão profunda, o estado de demência em que se reputa capaz destruí-lo. Como não é capaz, o homem trata de construir em si mesmo a figura diabólica, pela ausência do bem e a superabundância do mal. 

No frigir dos ovos, a contribuição humana foi apenas o pecado, o qual não criou originalmente, já que essa obra é proveniente, primeiramente, do Diabo, mas o homem a adequou aos seus interesses, e criou uma variação, digamos, não tão singular como a empreendida nos Céus, mas uma cópia cujos efeitos são igualmente drásticos, terríveis e maléficos. 

Alguém pode dizer que o meu pensamento é dualista, de que não existe, na vida real, essa dicotomia e franca oposição entre o bem e o mal. O homem é capaz de manifestar tanto uma como outra coisa. E até mesmo as variações delas em algum momento. Pois bem, ele não está errado, ainda que não esteja certo. Na verdade, o homem, ao afastar-se de Deus e entregar-se a si mesmo, contaminou todo o seu ser com o pecado, que o atinge de várias formas e maneiras. Temos então as variações do mal no indivíduo não como “confusões” entre o bem e o mal, mas pela própria corrupção dos seus sentidos. Esses são os efeitos noéticos do pecado, onde a mente, a razão, os sentimentos e os atributos comunicados por Deus se corromperam, foram afetados, e, muitas vezes, anulados pela transgressão, pela rejeição da vontade divina, a negação de Deus como absoluto e origem de todo o bem. O bem que o homem não quis, e o mal com o qual se acostumou até não mais poder viver separado dele. 

O homem tem sérias dificuldades de definir o que venha a ser o bem e o que venha a ser o mal, se lhe faltam parâmetros absolutos para medi-los. O pecado afetou a compreensão e o entendimento do que são verdadeiramente, por isso é necessário que o homem tenha uma ordem superior a inferir valor em tudo, a fim de que o bem e o mal, o certo e o errado, o justo e o injusto, o santo e o profano, não se confundam como uma mesma coisa, originários de uma mesma matriz. 

Posto isto, veremos, a seguir, o porquê da necessidade da Lei. Ela é a resposta para a confusão humana. Colocará as coisas em seus devidos lugares, revelando o senso correto de proporção de cada uma delas, na sua origem santa ou pecaminosa. Proveniente de Deus, ou do homem caído.

Contudo, Deus, em sua infinita graça, bondade e amor, propiciou a encarnação do seu Filho Amado, Jesus Cristo, para que, por ele, e a ação do Espírito, o amor fosse redimido e restaurado. 

Como igreja, nós somos alvos do amor divino, o qual refletimos [ainda que não completamente, o que acontecerá na eternidade] e testemunhamos como filhos do Pai, e coerdeiros de Cristo, que o amor perdido e negado pode, pela graça, ser encontrado naquele que é o amor, e reconhecido daqueles que, por ele, são amados. 



A LEI

A lei é a manifestação do amor de Deus. Quando o homem cai de sua condição natural de santidade, e está diante do próprio pecado praticado e feito natureza, Deus nos deu o redentor, Cristo. Que viria para restabelecer a ordem perdida, a santidade perdida, a comunhão perdida, a direção perdida, o amor perdido. Sem Cristo, e seu sacrifício, o homem estaria irremediavelmente condenado; não uma condenação apenas ao inferno, mas a impossibilidade de qualquer comunhão com o Deus vivo. 

Vale lembrar que o homem foi criado para comungar, se relacionar com o Criador. Originalmente, ele se deleitaria na Criação harmoniosa, perfeita e santa. A mordomia era o deleitar-se naquilo que era de Deus e ele entregou em confiança nas mãos de Adão. A lei do Senhor estava escrita no coração do homem, sem a necessidade de decretos ou normas. Havia o bem. O santo. Louvor e honra a Deus. Ele estava em sintonia perfeita com o Criador. Capaz de produzir o bem e mantê-lo vivo se não existisse cobiça, mas o satisfazer-se plenamente no Senhor. 

Entretanto, o pouco cuidado de Adão consigo mesmo se refletiu na corrupção do Cosmos, no caos. Onde havia a paz, a ordem, a vida, o santo, agora, pós-queda, eram permeadas pelas disputas, as desordens, a morte e o pecado. No lugar do bem, o mal se insurgia como um adversário vigoroso e implacável. E o coração, antes um lugar frutífero e fértil, se tornava pouco a pouco insalubre e estéril. A pureza perdia cada vez mais espaço para o pecado, ao ponto de algumas gerações depois da queda, Deus, em sua justiça, destruir praticamente tudo na face da terra, por causa da corrupção a chegar aos céus. 

Se o relacionamento com Deus era a maneira pela qual o casal se guiaria e conduziria no Éden, sem ele, o homem estava desnorteado, entregue a seu próprio julgamento, posto em seu próprio caminho, que não é outro senão a morte e destruição. Era um homem sem norte, sem rumo, a tropeçar em si mesmo; e a cada tombo, cheirando a terra seca ou afundando-se na lama, ele perdia a capacidade de olhar para o alto e vislumbrar a glória de Deus, a sua bondade infinita pela qual fora criado, e pela qual subsistia. A vaidade e o orgulho foram-lhe enchendo o coração, produzida em profusão e na medida da própria corrupção, tornando-se iminente o distanciamento de Deus, e a sua substituição por ídolos que o mantinham preso ao delírio de uma existência insana sem Deus. 

Ainda que o Imago Dei não fosse completamente apagado, impedindo que o homem se entregasse totalmente ao mal, produzindo apenas danos e desgraças [se podemos chamar assim, há um aperfeiçoamento na imperfeição; camuflada pela disposição ao autoengano, produzindo um pensamento, um conceito de bondade inerente ao homem, mas que é negado pelos seus frutos. Assim ele se mantém intocado em sua pecaminosidade, sem se dar conta dela, ignorando-a, por um despiste a encobrir a verdade. O ídolo nada mais é do que isso: criar uma “realidade” postiça, delirante, ilusória, oposta à verdade de Deus], a maior parte do tempo ele estava dominado, sob o controle do pecado. Usando de uma analogia, seria o mesmo que manter um presente valioso soterrado em toneladas de entulhos, lama, destroços. 

Diante da inaptidão e corrupção humana, o Senhor, em sua infinita bondade, nos deu a lei. E o que é a lei? 

Se Adão a tinha escrita em seu coração, mas foi-se perdendo à medida que o afastamento de Deus se intensificava, o bem e o justo se dissipavam da consciência, e uns poucos vestígios eram encontrados parcimoniosamente nos indivíduos, para que o homem não fosse completamente consumido por si mesmo, e o caos imperasse nas sociedades, foi-nos dada a lei. Não mais escrita nos corações, onde não havia lugar para ocupar, mas nas tábuas e pedras. Se antes não havia sanções, mas o deleite em executá-las, mantendo-as acessas, sustentando as almas puras, a partir daquele momento elas estavam postas exteriormente, como lastro a reter a maldade interior. Seria bússola a orientar o homem em um caminho de volta à ordem manifestada na vontade divina. Paulo a chamou de “aio”, um preceptor, a educar o homem sem limites nos fins agradáveis a Deus. 

A lei não pode jamais ser entendida como um peso, seguida de um castigo doloroso. Ela tem de ser compreendida como outra prova irrefutável do amor divino para com o homem, ainda que os transgressores sejam punidos. A lei se enquadra perfeitamente no escopo da providência: a bondade de Deus para com criaturas rebeldes e indolentes. E é pela lei que a humanidade sobrevive; pelas normas de manutenção da ordem e afastamento do caos. A lei também coloca o homem em seu devido lugar, revelando a sua dependência divina, já que ela procede de Deus, de que o homem não é apenas sustentado por ele, mas é posto na linha, a fim de se manter o mínimo necessário à convivência social, a impedir a extinção radical da espécie; capacitando-os a exalar eflúvios benéficos pelo fortalecimento do bem interior, não completamente arruinado pela queda. 

Sim, a lei educa e fortalece aquilo que ainda resta de divino no homem, fazendo com que ele o manifeste, mesmo em pequenas e esparsas porções. O homem é mal não porque seja completamente incapaz de emanar frações do bem, mas por rejeitar o bem supremo, aquele que é o próprio bem, julgando sê-lo outrem ou a si mesmo. Como Agostinho disse, o bem é a ausência do mal, de forma que é impossível ser bom à revelia de Deus, sendo ele essencialmente o bem, a justiça e a santidade. 

Como Paulo nos diz sabiamente, a lei divina é um sistema de orientação, nos dispondo, impulsionando-nos à prática do bem, a fim de que o homem evite o pecado, a transgressão, tal qual os sinais de trânsito nos impedem de provocar e sofrer acidentes, se os observamos, não os rejeitando: 

“Logo, para que é a lei? Foi ordenada por causa das transgressões, até que viesse a posteridade a quem a promessa tinha sido feita; e foi posta pelos anjos na mão de um medianeiro.
Ora, o medianeiro não o é de um só, mas Deus é um.
Logo, a lei é contra as promessas de Deus? De nenhuma sorte; porque, se fosse dada uma lei que pudesse vivificar, a justiça, na verdade, teria sido pela lei.
Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, para que a promessa pela fé em Jesus Cristo fosse dada aos crentes.
Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar.
De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados.
Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio.
Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus.”
[Gl 3:19-26]



Cristo e a Lei

Alguns cristãos reputam a lei como maléfica, como um entrave à santificação e à comunhão com Deus. Tendo em vista o seu caráter obrigatório, uma exigência, entendem ser isso danoso para a vida espiritual do homem. A premissa é, muitas vezes, a de que: se não se é capaz de cumpri-la totalmente, não se deve preocupar em cumpri-la em qualquer de seus preceitos. Ora, essa não é outra senão a heresia do antinominialismo, que defende a vida cristã sem qualquer lei, apelando para a graça absoluta. É claro que a graça é absoluta, pois procede do Deus absoluto, mas estaria o homem dispensado de cumprir a Lei por um mero capricho da graça? Ou seria a graça o fomentador do cumprimento da Lei, de maneira que o homem se aprimoraria no desejo íntimo e sincero de obediência a Deus e à sua vontade? Estaria a Lei alijada da graça e vice-versa? Ou ambas seriam manifestações divinas unidas por sua vontade sobrenatural de nos fazer semelhantes a Cristo? Homens imperfeitos sendo cada vez mais identificados com o Senhor que os salvou, chamou, transformou e santificou? A salvação prescinde o zelo? E a eleição a obediência? Penso, categoricamente, que não!

A alegação de quem defende uma posição de antinomia é de que cumprir a Lei seria farisaísmo, hipocrisia, e uma atitude legalista, manifestações pecaminosas daquele que não tem a graça sobre a sua vida. Acreditam que a graça se manifesta cada vez mais onde o pecado abunda. Tomam de Paulo uma afirmação e lhe dão outro sentido, distorcendo-o, tornando em mentira a verdade, em engano a fidelidade, em morte a vida. 

“Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça;
Para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor” [Rm 5.20-21]


Este trecho não sanciona o pecado, muito menos o estimula ou anula, como se o homem, debaixo da graça, pudesse abusar dela, tornando-a em desgraça. O apóstolo não está dizendo que quanto mais se peca, mais a graça se manifesta, mas que Deus, em seu amor e bondade infinitos, não levou em questão a multidão de pecados do seu povo, derramando sobre a propiciação dos pecados, ou seja, o sangue de Cristo derramado na cruz nos livra da condenação e separação eterna de Deus. Não é um salvo-conduto para o pecado. Nem o tratar com desprezo ou trivialidade. Muito menos uma forma de incentivo ou ânimo. Paulo está a dizer que onde haveria condenação e punição, Deus nos entregou a sua absolvição. Sendo todo o pecado uma ofensa direta a ele, somente o Senhor poderia nos perdoar e absolver. O duro e feroz julgamento ao qual fazíamos jus, recaiu sobre o seu Filho. Alguém teve de pagar a pena, e não fomos nós. Porque nos era impossível quitá-la. Apenas o Deus-Homem, 100% Deus e 100% Homem poderia realiza-lo; ninguém mais. 

Quando Adão cai, todos nós caímos. O pecado nos foi transmitido como por uma doença altamente contagiosa, da qual ninguém a não ser o Santo estava imune. Sim, ainda que fosse uma possibilidade, a de que Cristo pudesse pecar, não havia potencialidade nele para a transgressão, para a rebeldia. Pelo contrário, como ele mesmo disse, viera ao mundo para fazer a completa vontade do Pai, cumprindo toda a Lei, e padecendo como um inocente. 

Naquela cruz, o Santo, imaculado, sofreu o castigo que nos pertencia, do qual não poderíamos nos livrar, se o esforço empreendido fosse nosso. Por mais empenho e disposição no sentido de obediência à lei divina, ela estava a nos acusar a todo momento, espetando-nos com sua ponta dura e letal, desferindo golpes mortais na carne e na alma, fazendo-nos definhar pouco a pouco ao seu castigo, à sua implacável justiça. 

Com isto, não estou dizendo que a Lei é pérfida ou injusta, mas de que ela, sobretudo, aponta-nos a condição de perdidos, afastados, inimigos de Deus, quando a transgredimos, quando insidiosamente tentamos burlá-la, negligenciá-la, desafiá-la, desrespeitá-la. Assim fez Adão. O homem que deveria cuidar da mulher, de toda a criação, como mordomo instituído por Deus, sucumbiu aos apelos néscios de Eva. Da serpente. Não foi a Lei a instiga-lo, mas a cobiça. Não o preceito a inflamá-lo, mas a soberba e a vaidade. A santidade já não era possível ao coração inclinado à desobediência. A pureza não mais o dominava; a fleuma da concupiscência tomava-lhe o lugar. Nem toda a profusão de bênção e favores dados por Deus seriam capazes de impedir o ingrato de desprezá-lo. Adão olhava o fruto. Apetecia-lhe o fruto. Desejava-o. Não resistiu a tocá-lo. Nem o comer. O cravar-lhe os dentes foi apenas o ponto final de uma longa trajetória de declínio e morte. Não foi o início, mas o desfecho final da tentação, da rebeldia presente nos primórdios do seu desejo. 

Adão pouco a pouco se convenceu de que a realidade apresentada por Deus era falsa, mentirosa, e de que a ilusão proposta pela serpente era factível e verdadeira. Não sabemos quanto tempo durou o convencimento para a queda. Segundos, minutos, horas. Talvez dias. O certo é que quanto mais se deixava enredar pela fraude, mais ela se solidificava em seu coração. O pecado se agigantou, tomou-lhe a vida, e não mais era possível resistir, a partir de certo ponto. Adão poderia manter-se fiel a Deus com uma simples recusa: bastaria expor a serpente ao ridículo, lançar-lhe em rosto a sua desfaçatez e ignominia. Como ele poderia se deixar enredar por alguém de quem pouco ou nada conhecia? 

Ao contrário, Deus já havia lhe provado quem era, não poderia existir dúvidas de quem era; os seus feitos, a sua bondade, o seu cuidado, misericórdia e providência falavam por si. Era clara e nítida a boa-vontade divina para com o casal; entretanto, negaram ouvir a sua voz, dando trela à serpente [deixando-se enganar] que se viu estimulada a permanecer firme no intuito de destruí-los. 

Não é assim que procedemos, negando ouvir a voz de Deus, em favor do nosso eu ou de outro eu? Em disposição, ainda que sincera, de sermos ludibriados? De não reconhecer aquele que é o doador de todas as coisas, que age com infinita misericórdia, para entregar-nos a nós mesmos ao ladrão de corações? O inimigo odioso de almas? Ah, quão triste será para aqueles que se entregaram ao grito estridente de morte do diabo; passar a eternidade em tormento e castigo indescritível com o algoz. Não satisfeito em aniquilar-se, arrogante e presunçoso, arrasta consigo multidões de tolos que se entregam às suas artimanhas. Vê-lo sendo castigo poderá trazer algum alívio, mas não impedirá aqueles que o seguem de compartilhar da sua dor. Não importa em que nível, o flagelo de satanás e seus anjos será o mesmo do homem reprovado. Se o sangue de Cristo não o alcançar, a vara imperdoável de justiça do Pai o flagelará. Apenas o Filho pode livrá-lo da tormenta no inferno; e bom seria se cada um dos homens se apercebesse disso o mais rapidamente possível. Mas sabemos que o coração indolente e obstinado somente poderá reconhecer-se como tal se quebrantando, se esmagado pelo amor de Cristo, o qual nos constrange. A dureza e impertinência da morte tem de ser esmigalhada, pulverizada, pela graça, a fim de que um coração de carne viva. 

Se Cristo não o encontrar, o homem jamais será achado. E se perderá definitivamente na própria multidão de pecados. Enquanto as transgressões o sufocam, o imobilizam em correntes de contenção, o desespero antecede a dor, enquanto o verdugo se aproxima, e não lhe restará nada além de lamentar amargamente, ou praguejar estupidamente, pela derrota que tão desleixadamente acalentou, cultivou, em meio aos alertas insistentes da palavra, e à exortação para reconciliar-se, abandonando os caminhos erradios, a fim de seguir os passos de Jesus. 

Enquanto Adão for o protótipo do homem, a voz da serpente estará sempre a soar em seus ouvidos, como o sibilar da mais terrível desgraça. E mesmo quando for picado fatalmente, acreditará ouvir o som matinal dos pássaros, como se o despertassem para a vida, quando ela é uma lembrança antiga dos tempos em que o homem vivia no paraíso; mas em sua confusão, desnorteado, era incapaz de retomar o caminho. O único guia e mestre foi desprezado; o cego a acurar os ouvidos ao chamado próprio, ou ao apelo de outro perdido. 


[Continua...]


03 agosto 2017

Sermão em Romanos 13.10: O amor é o cumprimento da lei - 1a. Parte






Jorge F. Isah




INTRODUÇÃO
Há uma abundância de referências ao amor na atualidade. Se você ler as mensagens efusivas no WhatsApp, no Facebook, em muitos sites e blogs, verá que a palavra “amor” é quase onisciente em nosso vocabulário. Ela, juntamente com outras palavras de estímulo e conforto, é uma presença constante nos textos. De muitas maneiras, se tornou quase uma banalidade. Da qual as pessoas ouvem, mas não sabem o que é, ou ignoram.

As pessoas, de maneira geral, acreditam que o amor seja apenas um sentimento, um desejo, uma sensação, quando ele é muito mais do que isso. Comparar relações sexuais, idolatria [seja a qualquer ídolo, físico ou mental], um entusiasmo, ou atração, não tem nada a ver com o amor, com o amor divino de onde procede toda a forma de amor verdadeiro.

O que temos, nos casos citados acima, é a corrupção do amor, a sua degradação de forma a se tornar em um sentimento frívolo e passageiro.

Por essas e outras é que existe a máxima que diz existir uma linha tênue entre o amor e o ódio. E muitas vezes é possível observar, em questão de segundos, manifestações de um suposto amor seguido de desprezo, de uma disposição de fazer o mal a alguém que se dizia amar. Por isso há tantas disputas, brigas, guerras, detratações, traições, e inimizades irreconciliáveis.

Em um mundo em que nunca o mal esteve tão enraizado na mente e nas ações humanas, parece, no mínimo, hipocrisia esse destilar amoroso nas redes sociais.

O mundo está cada vez mais distante dessa verdade: de que o homem foi feito em amor, e para viver em amor.

Mas, por que isso acontece?


A QUEDA
Teremos de ir ao princípio de tudo, quando Deus criou todas as coisas boas. Sim, o relato, no início do livro de Gênesis, não deixa dúvidas:

“Viu Deus que era bom.” [Gn 1.10; 1.12; 1.18; 1.21; 1.25; 1.31]

Elas foram criadas puras e perfeitas, no sentido de não haver mal, defeitos, ou corrupção nelas [Não me refiro à perfeição e santidade divina, a qual é intrínseca a Deus, e dela ele não pode jamais cair; ao contrário de nós que a tivemos por imputação, e a teremos, finalmente, na eternidade, também].

Assim, Deus criou o homem:

“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra.
E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra.
E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda a erva que dê semente, que está sobre a face de toda a terra; e toda a árvore, em que há fruto que dê semente, ser-vos-á para mantimento.
E a todo o animal da terra, e a toda a ave dos céus, e a todo o réptil da terra, em que há alma vivente, toda a erva verde será para mantimento; e assim foi.
E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto.” [Gn 1.26-31]


Não havia morte. Não havia corrupção. Não havia pecado. Nem caos. Apenas a harmonia entre o Criador e sua criação. O deleite divino com o labor das suas mãos, e o gozo suave e pacífico e imaculado entre as criaturas.

Então, o Senhor mostrou a Adão e Eva o seu jardim, e entregou-o, bem como tudo o mais, para que eles cuidassem e o preservasse como mordomos, administradores das coisas do Senhor. O jardim não era deles; não eram seus proprietários, ainda que construído para eles. Deveriam apenas manter a ordem e a harmonia da mesma forma que Deus lhes entregou. Bastaria que eles conservassem, para desfrutá-los eternamente.

Havia, contudo, um único senão, uma norma, regra:

“E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar.
E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente,
Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” [ Gn 2.15-17]

Deus estabeleceu uma condição para o casal, de não comerem da árvore do conhecimento do bem e do mal. Entre milhares de outras árvores disponíveis para eles, apenas essa era-lhes vedado o consumo. Dela deveriam se afastar, não tocá-la, nem utilizá-la como comestível.

Entretanto, veio a tentação. Por uma astúcia da serpente, mas também pela incredulidade de Adão e Eva. Eles preferiram acreditar na serpente, que lhes apresentava e dava uma ilusão, uma mentira revestida de promessa a não ser cumprida.

Vejamos o relato:

“Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?
E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos,
Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais.
Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis.
Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela.” [Gn 3.1-6]


A isca estava lançada, e bastaria a Adão manter-se firme, crer na promessa e no alerta divino, reconhecendo a sua soberania e poderio para não vacilar e cair da graça. Pois bem, ao comer do fruto eles estavam condenando não somente a si mesmos, mas a toda a humanidade, toda a sua descendência.

A lei divina fora quebrada. A harmonia do Cosmos foi quebrada. A ordem transformou-se em desordem. A vida em morte. A alma perfeita em imperfeita. A pureza em mácula, contaminada.

Não vou entrar muito na questão da queda, em seus detalhes mínimos e essenciais para entendermos o quão grave e trágica ela foi, ao significar descrença, desconfiança, e falta de respeito para com aquele que nos deu tudo, inclusive o seu amor, para entregar-se a algo que não daria nada além de morte e destruição.

A sequência que se segue é a de Adão e Eva tentando se esquivar da responsabilidade pela qual estariam sujeitos ao castigo, a amargar a separação de Deus, pois já não mais poderiam ter comunhão com ele, e o relacionamento pacífico e santo se tornaria em uma inimizade do homem natural para com Deus.

E a consequência dessa separação é que o sentido do amor, como emanação direta e original de Deus, se perdeu junto com a transgressão, e em seu lugar entraram o ódio, a inveja, a ira, em suma, o pecado.



O RESGATE
Deus contudo, em sua providência e vontade eternas, prometeu, ainda no Éden, a redenção e reconciliação consigo mesmo. Sabendo da incapacidade humana, a partir daquele momento [não vou me ater à questão da potência, se Adão antes da queda seria ou não capaz de resguardar-se do mal e do pecado], de se autorregenerar, de pagar o alto custo para a sua remissão, deu ao homem a esperança gloriosa de restauração. Como está escrito:

“E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” [Gn 3.15]

A promessa feita a Adão e Eva era a de que, na descendência da mulher, Deus suscitaria o Redentor, aquele pelo qual o homem seria restaurado para Deus, e a serpente seria definitivamente destruída.

Esse é o Cristo, o Senhor Jesus, que muito depois encarnaria, e viria ao mundo para realizar a vontade do Pai.

Como ele mesmo disse de si mesmo:

“Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” [Jo 6.38]

Cristo, o Filho de Deus, a eterna segunda pessoa da Trindade, encarnou, viveu, padeceu, e morreu por amor daqueles a quem o Pai entregou em suas mãos, e das quais ninguém poderá tirar.

Esta é uma promessa maravilhosa, promessa capaz de fazer-nos encher o coração de alegria, mesmo se estivermos passando por dores, tribulações, angústias e morte. Como o apóstolo Paulo disse:

“Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?... Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir,
Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.” [Rm 8.36; 38-39]


Esta certeza inexorável nos acompanhará em toda a nossa caminhada, na jornada que culminará naquele glorioso dia em que veremos o Senhor, aquele que eternamente nos amou, face a face.

O homem nada podia fazer por si mesmo, ainda que quisesse. Muitos buscaram em si a resposta para a reconciliação com Deus, houve tentativas de todos os tipos, mediante o esforço humano; mas por mais que o homem faça, nesse sentido, ainda estará muito, mas muito aquém da exigência necessária para a salvação. Ao depender unicamente de si, ele confirma a sua condição de reprovado, de réu a cumprir uma pena eterna, por ofensa direta ao Eterno.

Por isso, Cristo veio, e venceu!

E a sua vitória está em ele mesmo derrotar a nossa natureza. Ou seja, somos vitoriosos quando perdermos a batalha travada em nós, deixando de ser o que éramos, para sermos aquilo que Deus planejou na eternidade; abandonando a velha natureza, para Cristo nos fazer novas criaturas, matando o velho homem, fazendo surgir, em seu lugar, o homem redimido pelo Espírito, e que será semelhante a Cristo.

É quando o homem perde, na proporção exata da sua natureza caída, que ele ganha! Cristo nos livra de nós mesmos. E na sua vitória somos feitos vencedores.

Não é o que a Escritura diz?

“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. E tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação;
Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação.” [2Co 5.17-19]


Oh!! Quão glorioso amor tem o Senhor por nós! Que mesmo o ofendendo diariamente com nossas iniquidades e pecados, ele entregou o seu Filho na cruz; e por seus méritos exclusivos nos reconciliou consigo, resgatando-nos das trevas para a luz; da condenação para a libertação; da sua ira infinita para o seu amor eterno; da morte para a vida; de bastardos para filhos queridos!


O AMOR REDIMIDO
Somente por obra de Deus o amor transgredido pode ser redimido, e feito em verdadeiro amor. O homem pode amar de muitas maneiras, e elas se aproximam daquilo que podemos considerar a essência do amor, mas ele estará sempre aquém, sempre em débito e distante do original.

Prova disso é que as relações humanas, mesmo num ambiente amoroso, são conflituosas, deficientes, e reproduzem, via de regra, os desvios aos quais o homem se entregou, ao se rebelar contra Deus.

Para exemplificar, utilizar-me-ei da parábola dos dois filhos. Ela está em Mateus 21.28-32:

“Mas, que vos parece? Um homem tinha dois filhos, e, dirigindo-se ao primeiro, disse: Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha.
Ele, porém, respondendo, disse: Não quero. Mas depois, arrependendo-se, foi.
E, dirigindo-se ao segundo, falou-lhe de igual modo; e, respondendo ele, disse: Eu vou, senhor; e não foi.
Qual dos dois fez a vontade do pai? Disseram-lhe eles: O primeiro. Disse-lhes Jesus: Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus.
Porque João veio a vós no caminho da justiça, e não o crestes, mas os publicanos e as meretrizes o creram; vós, porém, vendo isto, nem depois vos arrependestes para o crer.” [Mt 21.28-32]


Jesus está falando com os fariseus. O assunto aqui é fé, mas também apontar a hipocrisia dos sacerdotes, que diziam uma coisa e faziam outra. Negando assim a verdade que juravam defender. Eles falavam coisas boas, como se as realizassem; entretanto, suas obras eram más, e opunham-se ao que diziam.

Mesmo não sendo o foco principal da parábola, podemos utilizá-la para uma outra analogia, a de que mesmo em relações amigáveis e respeitosas, o homem tem dificuldade de compreender e aplicar o sentido real do amor.

Quando o pai pede a um dos filhos para trabalhar na vinha, este recusa-se e responde mal: “Não quero”. Contudo, ele se arrepende da desobediência, percebendo que havia pecado contra o pai, e vai à vinha trabalhar. Nesse caso, podemos fazer uma analogia com a condição do homem natural, que ofende e peca contra Deus, mas ao arrepender-se, e fazer a sua vontade, manifesta o amor sincero, que mesmo errando, ao não querer fazer a vontade do pai, reconhece a sua autoridade e zelo [qual pai quer um filho preguiçoso, infrutífero e vagabundo? Apenas se ele for um pai mau, e não amar o seu filho], mas, também, o amor que aquele lhe devota. Vai, e cumpre a ordem recebida.

Por outro lado, o segundo filho, exemplo dos fariseus, diz que cumpriria a ordem dada, mas se recusa a fazê-lo, em flagrante desobediência, e sem qualquer marca de arrependimento.

O arrependimento é necessário e fundamental para que o homem, em constante rebeldia, na profusão dos pecados cometidos, abandone-os em favor de cumprir a vontade divina. Este experimentou o verdadeiro amor, que é obediente.

Como disse no início, o amor não é um sentimento apenas, ou tão somente uma disposição, mas é a prática, o colocar em ação aquilo que sentimos e desejamos para o bem e pelo bem.

Cristo, ao morrer na cruz, prova o seu amor por nós!

Cristo, ao ressuscitar, confirmou a eternidade do amor!

Cristo, ao nos transformar, deu-nos o seu amor!

E quando fazemos a sua vontade, cumprindo os seus mandamentos, amamos como ele ama.

E o amor passa a ser algo verdadeiro e perene em nós, ainda que apenas o experenciamos em porções, não de maneira completa e integral; amostras do que teremos na eternidade, quando viveremos o perfeito e integral amor.

Ainda que não entendamos, com efeito, o amor de Cristo, ele nos será por verdade imutável; tornando-se essência em nós. Indissociável e para sempre!


CONCLUSÃO
Para terminar esta primeira parte, que é uma grande introdução, quero deixar os versos de Paulo acerca da maravilhosa transformação que já se dá em nós, e será concluída na eternidade, quando seremos como Cristo, e teremos, como ele, o verdadeiro amor:

“Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior;
Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e fundados em amor,
Poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade,
E conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus.” [Ef 3.16-19]


A graça do Senhor esteja sobre nós, para conhecer cada vez mais o seu amor, e experimentá-lo, testemunhando-o neste mundo, para a glória e louvor do seu nome!


24 julho 2017

Sermão em Atos 12.6-8: Entre o sono e o despertar de Pedro



Jorge F. Isah




“E quando Herodes estava para o fazer comparecer, nessa mesma noite estava Pedro dormindo entre dois soldados, ligado com duas cadeias, e os guardas diante da porta guardavam a prisão.
E eis que sobreveio o anjo do Senhor, e resplandeceu uma luz na prisão; e, tocando a Pedro na ilharga, o despertou, dizendo: Levanta-te depressa. E caíram-lhe das mãos as cadeias.
E disse-lhe o anjo: Cinge-te, e ata as tuas alparcas. E ele assim o fez. Disse-lhe mais: Lança às costas a tua capa, e segue-me!”



INTRODUÇÃO:

· Vimos, na última meditação, que Pedro estava preso, e Herodes, passada a Páscoa, iria sacrificá-lo, assim como fez com Tiago.


· A igreja orava por Pedro, incessantemente, pelo período de uma semana.

· Pedro, na véspera da sua morte, era guardado por 16 soldados, sendo dois deles atados aos seus braços.

· Ainda assim, Pedro dormia. 

· Porque confiava no Senhor.

· Tinha a sua vida entregue no altar do Senhor. 

· Confiando que, se fosse liberto, o seria por Deus. Se não fosse, morreria para a glória de Deus. 

· A vontade divina, seu poder onipotente e amor infinito, estavam diante de Pedro, como algo perfeito, bom e agradável, pela qual ele era instrumento de Deus, tanto na vida como na morte. 

· Como aquele hino ouvido na Congregação Reformada do Bairro Bonsucesso, no domingo, “Deus é Deus”, revela-nos uma grande verdade: 

“Dele vêm o sim e o amém
Somente dele e mais ninguém
A Deus seja o louvor

Se Deus fizer, Ele é Deus
Se não fizer, Ele é Deus
Se a porta abrir, Ele é Deus
Mas se fechar, continua sendo Deus

Se a doença vier, Ele é Deus
Se curado eu for, Ele é Deus
Se tudo der certo, Ele é Deus
Mas se não der, continua sendo Deus

Minha fé não está firmada
Nas coisas que podes fazer
Eu aprendi a Te adorar pelo que és”

· Deus é Deus! Não importa o que eu pense, no que eu creia, independente do que eu ache, do meu desejo ou frustração, Deus continua sendo Deus. Porque ele é muito antes de eu ganhar vida, ele é muito antes de eu sequer pensar nele a primeira vez. Ele continua Deus, e jamais cairá de sua condição divina. 

· Ele não tem de satisfazer os meus desejos e anseios como se fosse um gênio da lâmpada. Se o fizesse, não seria Deus. Ele cumprirá exata e precisamente tudo aquilo que planejou na eternidade, colocando em ação a sua vontade. 

· Ele não depende de ninguém, porque é autossuficiente em si mesmo; e a sua glória não pode ser dividida com ninguém. Ele continua, e sempre será, Deus!

· Certa vez, uma irmã, de uma igreja que defende a teologia da prosperidade, teve um baque muito grande. Sua filha, que estava de viagem com o noivo, envolveu-se em um acidente automobilístico, no qual o noivo morreu, e a filha esteve entre a vida e a morte, por semanas, no hospital. Ela me contou o ocorrido, o que me compungiu o coração, mesmo eu sabendo, por meio dela, que a filha já estava em recuperação e não corria mais risco de vida. 

Durante o seu relato, ela me disse que exigiu de Deus a vida da filha. Não aceitaria que ela lhe fosse tirada. E assim o fez por dias, exigindo e ordenando que Deus satisfizesse a sua vontade. 

Bem, aquilo me incomodou muito (e sobretudo a forma como ela o disse; de maneira imperiosa, determinada). Como as pessoas podiam se aproximar do trono do Altíssimo e exigir algo dele? Ainda mais de uma maneira belicosa, ingrata e mal-educada? Como se ele fosse um simples serviçal? 

Acontece que Deus é Deus, e não será a satisfação ou não dos meus caprichos que lhe tirarão a honra e glória que somente ele merece. 

· Fiquei imaginando se, por acaso, a filha daquela mulher falecesse... O que ele faria? Praguejaria? Se revoltaria? Acusaria a Deus? 

· Pois bem, Pedro, na prisão, e sendo ele apóstolo, poderia reivindicar para si alguns benefícios divinos. Mais do que ninguém, ele poderia exigir de Deus a sua pronta liberdade.

· Mas este hino, também, além de revelar a natureza divina, revela e simplifica o sentimento de Pedro na cadeia, em Jerusalém. Ele descansava no Senhor, não pelo que pudesse lhe acontecer, segundo a visão humana triunfalista, ou pela descrença, mas pelo que Deus é.

· Acontece que a segurança dele não estava na certeza de ser liberto, de poder escapar dali, mas em Deus que faria conforme a sua santa vontade, usando-o para a sua glória.

· E Pedro buscava a glória de Deus. 

· Penso mesmo, que Pedro considerava mais provavelmente a sua execução, e a libertação como algo menos provável. Mas é uma conjectura, já que o texto não nos dá margem para pensar nisso ou naquilo que ele não diz. 


PEDRO ENTRE O SONO E O DESPERTAR:

· Pedro estava preso, e recusou-se a negar a sua fé. Não é um contraste com o antigo Pedro? Que durante a prisão, e julgamento do Senhor, negou-o três vezes? 

· Marcos 14.26-31: 

“E, tendo cantado o hino, saíram para o Monte das Oliveiras.
E disse-lhes Jesus: Todos vós esta noite vos escandalizareis em mim; porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas se dispersarão.
Mas, depois que eu houver ressuscitado, irei adiante de vós para a Galiléia.
E disse-lhe Pedro: Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu.
E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes me negarás.
Mas ele disse com mais veemência: Ainda que me seja necessário morrer 
contigo, de modo nenhum te negarei. E da mesma maneira diziam todos também...” 

Escandalizar = O sentido no texto é de vergonha; não querer ser associado a Cristo. Resultado do orgulho e amor-próprio, que impede o amor ao próximo, o sacrifício. O exemplo de Cristo foi amar mais o Pai e a igreja do que a si mesmo. Se ele amasse a si mais do que o Pai e os eleitos, jamais teria se entregado por favor de nós.

· Pedro estava convicto e certo da sua lealdade ao Senhor. Ele afirmou-o de forma enfática, assim como os demais apóstolos. Havia uma firme convicção e confiança em suas capacidades: coragem, destemor.

· Pedro depositava em si mesmo uma força e valor que não tinha. 

· Ele também não entendia o real propósito de tudo aquilo. Como um homem forte, um pescador, afeito a todos os tipos de dificuldades, ele acreditava que passaria tranquilamente por aquela situação sem fraquejar. 

· Pedro estava orgulhoso de si mesmo. Da sua capacidade de resistir. E, se dependesse dela, seria a sua completa ruina. 

· Paulo, anos depois, nos alertaria: 

“Assim, aquele que julga estar firme, cuide-se para que não caia” [1 Co 10.12]

· Podemos ver, alguns versículos à frente, qual foi a reação, o comportamento de Pedro. 

· Cristo após a última ceia com os seus discípulos, foi para o Monte das Oliveiras orar, e ali foi preso. Levado ao Sinédrio, Pedro o seguiu, ao longe. Então, foi abordado por uma mulher.

· Marcos 14.66-72: 

“E, estando Pedro embaixo, no átrio, chegou uma das criadas do sumo sacerdote;
E, vendo a Pedro, que se estava aquentando, olhou para ele, e disse: Tu também estavas com Jesus, o Nazareno.
Mas ele negou-o, dizendo: Não o conheço, nem sei o que dizes. E saiu fora ao alpendre, e o galo cantou.
E a criada, vendo-o outra vez, começou a dizer aos que ali estavam: Este é um dos tais.
Mas ele o negou outra vez. E pouco depois os que ali estavam disseram outra vez a Pedro: Verdadeiramente tu és um deles, porque és também galileu, e tua fala é semelhante.
E ele começou a praguejar, e a jurar: Não conheço esse homem de quem falais.
E o galo cantou segunda vez. E Pedro lembrou-se da palavra que Jesus lhe tinha dito: Antes que o galo cante duas vezes, três vezes me negarás. E, retirando-se dali, chorou.”


· Quando criança, na época da Páscoa, essa passagem era sempre lida, na missa. Eu me indignava com o apóstolo, pensando: “Por que Pedro negou o Senhor Jesus?”. E eu o considerava fraco, pois dizia para mim mesmo, que se estivesse no lugar de Pedro, jamais o negaria. Ou seja, agi como Pedro agiu, insuflado no meu orgulho, ainda que fosse um orgulho infantil. 

· Esse sentimento perdurou até a minha conversão, e mesmo depois dela, eu tinha em mente que Pedro era um “bufão”, um fanfarrão, um contador de vantagens. Hoje, porém, tenho que Pedro era apenas humano, muito envaidecido consigo mesmo, muito senhor de si, mas humano, e desesperadamente carente da graça e misericórdia divina, assim como eu e você somos. 

· Agora, na prisão, prestes a morrer, quão diferente era agora aquele homem? Pedro não era o mesmo. Não temia. Não se envergonhava. Se negava a rejeitar o seu Senhor. 

· Um pouco antes, de ser encarcerado por Herodes, ele passara pela mesma situação, de prisão, de ter a vida em jogo. Deus o estava preparando para muitas e muitas perseguições e ameaças que viriam em seu ministério. 

Atos 5.14-25 diz:

“E a multidão dos que criam no Senhor, tanto homens como mulheres, crescia cada vez mais.
De sorte que transportavam os enfermos para as ruas, e os punham em leitos e em camilhas para que ao menos a sombra de Pedro, quando este passasse, cobrisse alguns deles.
E até das cidades circunvizinhas concorria muita gente a Jerusalém, conduzindo enfermos e atormentados de espíritos imundos; os quais eram todos curados.
E, levantando-se o sumo sacerdote, e todos os que estavam com ele (e eram eles da seita dos saduceus), encheram-se de inveja,
E lançaram mão dos apóstolos, e os puseram na prisão pública.
Mas de noite um anjo do Senhor abriu as portas da prisão e, tirando-os para fora, disse:
Ide e apresentai-vos no templo, e dizei ao povo todas as palavras desta vida.
E, ouvindo eles isto, entraram de manhã cedo no templo, e ensinavam. Chegando, porém, o sumo sacerdote e os que estavam com ele, convocaram o conselho, e a todos os anciãos dos filhos de Israel, e enviaram ao cárcere, para que de lá os trouxessem.
Mas, tendo lá ido os servidores, não os acharam na prisão e, voltando, lho anunciaram,
Dizendo: Achamos realmente o cárcere fechado, com toda a segurança, e os guardas, que estavam fora, diante das portas; mas, quando abrimos, ninguém achamos dentro.
Então o sumo sacerdote, o capitão do templo e os chefes dos sacerdotes, ouvindo estas palavras, estavam perplexos acerca deles e do que viria a ser aquilo.
E, chegando um, anunciou-lhes, dizendo: Eis que os homens que encerrastes na prisão estão no templo e ensinam ao povo.”


· Ele estava disposto a tudo por amor daquele que o amou antes da fundação do mundo, e o resgatara das trevas para a luz, da morte para vida.

· Estava pronto a morrer por Cristo. E nem mesmo a iminência da morte o perturbava, ao ponto dele dormir.


O NOVO PEDRO: 

· Voltando ao texto de hoje: 

“E quando Herodes estava para o fazer comparecer, nessa mesma noite estava Pedro dormindo entre dois soldados, ligado com duas cadeias, e os guardas diante da porta guardavam a prisão.
E eis que sobreveio o anjo do Senhor, e resplandeceu uma luz na prisão; e, tocando a Pedro na ilharga, o despertou, dizendo: Levanta-te depressa. E caíram-lhe das mãos as cadeias.
E disse-lhe o anjo: Cinge-te, e ata as tuas alparcas. E ele assim o fez. Disse-lhe mais: Lança às costas a tua capa, e segue-me!”


· E o sono de Pedro era profundo. 

· Nem mesmo a luz ofuscante e resplandecente, irradiada pelo anjo do Senhor, foi capaz de acordá-lo. 

· É notório notar que quando estamos aflitos, preocupados, inseguros, a dificuldade de dormir se torna quase impossível. Se existe o sono, ele é tumultuado, intermitente, quase uma vigília. 

· Alguém pode dizer: “Mas Pedro estava tranquilo porque já havia passado por situação semelhante, e Deus mandou um anjo para libertá-lo. A segurança dele estava no fato de ter sido salvo uma vez, e ele esperava que Deus o salvasse novamente”. 

· Acontece que Tiago também estava entre aqueles que foram salvos da primeira vez, e agora, enquanto Pedro estava preso, ele já não mais existia neste mundo, pois estava morto. 

· Se podemos deduzir algo, o certo era que Pedro talvez pensasse muito mais na morte avizinhando-se do que a libertação. 

· Seja como for, ele dormia, indicando não haver nele ansiedade quanto a uma coisa ou outra, quanto à morte ou a vida. Ele estava seguro no Senhor!

· Ecoava no seu coração as palavras de Cristo, das quais ele fora testemunha:


Mateus 6.25, 31-34: 

“Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário?... Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas;
Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.”


· Pedro experimentava, e era ensinado pelo Senhor, a esperar somente nele, na certeza do cuidado, favor e misericórdia divina. Aquelas palavras de Cristo faziam parte, agora, da sua vida: ele buscaria primeiro o Reino de Deus, e era o que fazia, como apóstolo, levando o evangelho aos perdidos, aos inimigos de Deus. 

· Ele buscava a justiça divina. Cristo As preocupações, quanto às coisas da vida, revelam a pouca confiança que temos em Deus; demonstra o quão inseguro estamos quanto ao seu cuidado; e de que desconfiamos ser ele capaz de suprir nossas necessidades, e preservar-nos, mesmo nas vicissitudes da vida. 

· Pedro demonstrou ter aprendido tudo aquilo que antes havia rejeitado, quando negou o Senhor. Ele havia depositado toda a sua fé em si mesmo, ao dizer que todos podiam se escandalizar de Jesus, mas nunca ele se escandalizaria. 

· A confiança de Pedro, em si mesmo, e posta no lugar errado, precisava ser revelada com algo frágil e inútil. Ele precisava coloca-la no lugar certo, na medida certa, na pessoa certa: Cristo!

· E é isso que ele faz. Ao invés de postular-se um “super-homem”, reconhece a sua fragilidade e dependência necessária do Senhor, reconhecendo nele, apenas nele, o Senhor da sua vida, mas também a rocha na qual ele estaria firmado.

Em João 21.15-22:

“E, depois de terem jantado, disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? E ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros. Tornou a dizer-lhe segunda vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Disse-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.
Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.
Na verdade, na verdade te digo que, quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias; mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queiras.
E disse isto, significando com que morte havia ele de glorificar a Deus. E, dito isto, disse-lhe: Segue-me. E Pedro, voltando-se, viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus amava, e que na ceia se recostara também sobre o seu peito, e que dissera: Senhor, quem é que te há de trair? Vendo Pedro a este, disse a Jesus: Senhor, e deste que será? Disse-lhe Jesus: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu.”

· E foi o que Pedro fez, seguindo-o, e observando a sua vontade. De forma que, assim como Paulo professou, ele, Pedro, já não vivia mais, mas Cristo vivia nele. E todo o seu serviço não era mais para mostrar-se forte, valente ou intrépido, mas para revelar a glória de Cristo, revelar o evangelho de vida e verdade, promover o reino de Deus, e fazer os perdidos, aqueles que buscavam como ele anteriormente a justiça própria, de que ela somente era possível em Cristo. 


CONCLUSÃO: 

· O que era a morte? O que era o sacrifício? O que era a vida? Senão viver e morrer por aquele que se fez justiça para que Pedro fosse tornado justo? 

· Portanto, por isso, e por causa disso, Pedro dormia. Na certeza de despertar, seja aqui, seja nos céus, para cumprir o propósito divino, e glorifica-lo. 

· Esforçando-se na pregação da paz, no auxílio aos necessitados, na evangelização dos perdidos, curando enfermos, expulsando demônios, ou simplesmente recostando-se no chão duro e frio e adormecendo, Pedro desejava satisfazer ao seu Senhor. 

· E nós?!! O que queremos e buscamos?

· Ele, o Senhor que se entregou por nós, derrame graça e misericórdia, a fim de podermos, como o apóstolo, viver e morrer para que ele cresça e diminuamos.