31 maio 2016

“A ADORAÇÃO VERDADEIRA É SERVIÇO AO SENHOR E A NEGAÇÃO AO LOUVOR SELF-SERVICE”






Jorge Fernandes Isah


“Celebrai com júbilo ao SENHOR, todas as terras.
Servi ao Senhor com alegria; e entrai diante dele com canto.
Sabei que o Senhor é Deus; foi ele que nos fez, e não nós a nós mesmos; somos povo seu e ovelhas do seu pasto.
Entrai pelas portas dele com gratidão, e em seus átrios com louvor; louvai-o, e bendizei o seu nome.
Porque o Senhor é bom, e eterna a sua misericórdia; e a sua verdade dura de geração em geração” (Salmo 100)


A) UM LOUVOR SELF-SERVICE:

O que você, meu irmão e irmã, compreende por adoração a Deus?

É o ato de se curvar diante de uma imagem?

Respondam, irmãos, sim ou não?

Ou repetir frases como em um mantra ou ladainha?

Sim ou não?

Ou extravasar, como um louco ensandecido (rolar no chão, urrar ou imitar um animal, afastar a consciência), emoções e sentimentos de forma irresponsável, tendo um comportamento leviano e que em nada agrada a Deus?

Sim ou não?

Ou apresentar-se em um formalismo desinteressado, preso em uma rotina, repetitiva e enfadonha, da leitura da Escritura, ou na oração, em que não haja real significado, sem comunhão e relacionamento com Deus?

Sim ou não?

Ou, ainda, promover atividades sem reverência, temor, e nitidamente com vias de satisfazer a carne e não agradar o Espírito?

Sim ou não?

Pois bem, sabemos o que não pode ser adoração, mas estamos cônscios do que ela realmente seja ou representa?

Infelizmente é possível ver, na maioria das igrejas, uma disposição à diversão, à distração, à satisfação da assistência com coisas e atitudes nada santas, cuja finalidade é, de alguma maneira, fazer com que a assembleia se sinta suficientemente confortável, e dentro de uma visão positivista e pragmática sinta-se bem, e queira, nas próximas vezes, voltar àquele lugar que tanto o entreteu.

É duro constatar, mas poucas igrejas, em nossos dias, se dedicam ao verdadeiro louvor, à verdadeira adoração e proclamação do evangelho de Cristo. A busca é por agradar a assistência de tal maneira que ela permaneça confortável em seu estado de autoengano quanto à comunhão com o Senhor. Então, tudo o que poderia ser admitido no culto como uma forma de trazer satisfação ao homem, é aplicado sem qualquer cuidado com aquele que merece toda a honra, glória e louvor. “Pataquadas” são apresentadas como algo espiritual, quando não passam de repetições insonsas e descabidas de tudo a afagar o seu ego.

Quantas vezes ouvimos que determinada igreja não agrada a sicrano e beltrano por que lá ele não se sente bem? Ao ser inquirido sobre os motivos pelos quais a igreja não o satisfazer, se ouve as mais esdrúxulas opiniões:

- O lugar é muito frio. O louvor é chato, não tem instrumentos, e eles cantam aqueles hinos da época da minha avó. Afinal, gosto de um louvor mais “quente”.

Em boa parte das vezes, o que esse crente quer é apenas e tão somente que a igreja seja uma extensão do mundo, e o mesmo apelo que as músicas seculares têm em sua alma, ele a quer sentir ali, como se fosse algo feito para Deus, mas que é exclusivamente para si mesmo, para o seu deleite, e satisfação egoísta.

Não é raro ouvir, também, o testemunho de outros cristãos que não se conformam com uma igreja que pregue o evangelho e trabalhe para a obra do Senhor, e onde não haja atividades extras e à margem do evangelho: uma pelada santa, uma rave santa, um churrasco santo, ou outra coisa colada à expressão santa, a qual é necessária para legitimar, numa tentativa louca, o profano em sacro, como se elas fossem o alicerce, o fundamento, da vida cristã.

Parece que estou a fazer um estereótipo do crente comum, aquele que se move entre o pentecostalismo e o neopentecostalismo; entre a teologia da prosperidade, o G12 e igrejas com propósito; ou seja, a maciça maioria daqueles que se enquadrariam no evangelicalismo moderno. Porém, o que dizer de certo grupo de cristãos, considerados superiores, que fazem uma descarada apologia à bebida, ao fumo, à política, às artes, tudo para “glória do Senhor”? Convencidos de não haver separação entre o mundo e a igreja, entre o santo e o mundano, e de, ao agirem assim, estarem louvando a Deus?

Não seria esse um louvor “Self-Service”, ou seja, louva-se a si mesmo e serve-se a si mesmo, em atitude de autoagradecimento, cujo mérito é exclusivamente pessoal, cujo pretexto seria a ilusão de fazê-lo ao Senhor?


B) O QUE É ADORAÇÃO?

A palavra adoração tem o significado de “veneração”, “de curvar-se perante”, algo ou alguém. No AT é comumente utilizada a expressão “shaha”. No NT é expressa pela palavra “proskyneo”, significando “beijar a mão”, “adorar” e “fazer reverência a” e, algumas vezes, também pela palavra “sebomai”. Outra expressão grega para adoração é “latreuo”, significando “venerar publicamente”, “ministrar”, “servir”.

Porém a adoração tem como princípio ou propósito fundamental estabelecer, instituir, um relacionamento entre homens e Deus. Ela nunca será uma mera teoria ou doutrina sem aplicação. A adoração é essencialmente prática, em uma atitude de reverência, cujo adorador se entregará de corpo e alma ao ofício, ao serviço, de estar inteiramente ocupado por e com Deus. É a integral, completa e total, ação de graças, para o Senhor a quem devemos tudo; e em tudo ele deve ser louvado, adorado.

A adoração não é algo que se possa fazer pela metade, muito menos envolve-la em aspectos outros e diversos que não sejam focados e dirigidos ao Deus santo. É a manifestação do nosso amor por ele que primeiro nos amou, nos resgatou, nos tirou da lama e nos vestiu com roupas alvas e limpas. Se em algum momento pensamos em dividir a adoração a Deus com as banalidades da vida, onde esteja misturada a sentimentos e ações a desviar-nos do foco e motivo real do louvor, estamos equivocados, e não compreendemos a real dimensão do que seja adoração.

Primeiro, no texto de meditação desta manhã, lemos sobre o chamado à adoração ser universal. A todos os homens é ordenado adorá-lo; porém, nem todos, ou mesmo a maioria, estão capacitados a fazê-lo, pela grande distante a afastá-los, pelo próprio pecado e inimizade a Deus impedindo que o homem exerça o privilégio da adoração. Alguns o fazem de maneira errônea, seguindo os próprios anseios, pois não conhecem a Deus nem a sua vontade, logo estão impossibilitados de reverenciá-lo de maneira santa. Esses se especializaram em um tipo de culto no qual a idolatria (e idolatria é qualquer coisa, objeto, pessoa ou “paixão” que tenta ocupar o lugar divino, fazendo-se como ele, negando-o) é a imitação, o embuste, da verdadeira adoração. Se o foco da adoração é o relacionamento com Deus, o Deus verdadeiro, ao se criar um outro deus a reverência não se destina a quem a detém digna e legitimamente. Adora-se o que não se conhece, pelo fato de não poder ser conhecido além de uma representação da corrupção da alma humana, e deixa-se de adorar o único Deus conhecível.

Contudo, nem todos podem conhece-lo; mas apenas aqueles chamados pelo próprio Deus, através do seu Filho Jesus Cristo, estão capacitados a adorá-lo em espirito e em verdade (Jo 4.23-24).

Segundo, a palavra “celebrar”, do hebraico “rûa’”, não tem, no texto, relação com festas ou confraternizações, como é utilizada em nossa língua. Não é o mesmo que você participar de um aniversário, uma formatura, ou da festa de fim-de-ano no trabalho. É muito mais do que isso. O seu caráter é completamente religioso, um grito de alegria em resposta à atividade criadora ou libertadora de Deus em favor do seu povo.

Cabe lembrar que qualquer comemoração nas quais o nosso coração esteja por completo dedicado, como, por exemplo, a paixão por um time de futebol capaz de fazer com que o torcedor se entregue de corpo e alma a ele, já não é uma simples apreciação entusiástica, mas um culto, no qual o “deus” é o time ou o esporte. Nesse caso, o torcedor se transforma em um adorador, com o foco distorcido em um ídolo. Isso pode acontecer em várias de nossas relações pessoais, tais como o trabalho, uma pessoa, uma entidade, uma ideologia e, pasmem, até mesmo em relação a uma igreja. Muitos se tornam em devotos, cegados pelo pecado, e tratam certas denominações ou igrejas como se fossem o próprio Deus. Há uma substituição e uma usurpação onde a igreja se transforma em um ídolo também. Não é difícil encontrar ferrenhos defensores de determinada igreja (no sentido denominacional), da mesma forma que há em relação à ideologia ou uma figura pública, na qual passamos da simples admiração para a veneração, cultuando um ídolo. Nesse ponto, há o que se chama de fanatismo, onde o seguidor ou discípulo não vê os erros, o engano, os desvios, a mentira e o embuste, porque não há mais nele os olhos da razão, mas da devoção. Ocorre uma “lavagem cerebral”; a pessoa perde todo o contato com a realidade e vive em uma segunda realidade, criada pelos “mestres” e aceita integralmente pelos discípulos. É a falsa adoração, posta em um falso deus, ou seja, voltada para um ídolo. Esse estado é chamado na Bíblia de “prostituição”, que nada mais é do que você se entregar para alguém ou algo ilegítimo; neste caso, adorar alguém ou algo que não seja o Deus bíblico, o único merecedor e detentor de adoração. Qualquer objeto de adoração, na qual você estabelece uma relação falsa, estranha e infiel, é uma intimidade aleivosa, traidora, onde se transfere para outro uma relação possível somente com Deus; e quanto mais você se empenha nessa relação, ou relações, mais se parecerá com o ídolo criado. Foi assim, no Éden. Adão e Eva, ao entregarem-se a uma nova relação, substituindo-a pela com Deus, foram seduzidos pela serpente, pecaram, e se tornaram muito mais parecidas com o novo interlocutor do que com o Criador. Houve uma mudança em suas naturezas, e se antes eram a imagem de Deus, essa imagem se corrompeu pelo afastamento de Deus e pela intimidade com o pecado e o inimigo.

A verdadeira adoração é, sobretudo, uma forma de agradecimento, de ação de graças, de reconhecimento do favor e da graça divinas sobre o adorador. Em outras palavras é a expressão máxima de gratidão do homem para com Deus; refletida em seu desejo íntimo, profundo, de ter comunhão, de estar completamente envolvido pelo ser divino; é deseja-lo plena e por completo, apenas e tão somente ele, mais nada ou alguém.

Terceiro, significa renunciar-se a si mesmo. A adoração depreende uma entrega, como já foi dito, tal qual uma oferta integral de si mesmo a Deus, por meio de Cristo; de maneira a não haver espaço para nada além do culto exclusivo ao Senhor. E, então, vem-me a pergunta: sempre que leio as Escrituras, entoo cânticos ou oro, minha mente, meu coração, meu espírito, estão completamente cheios de Deus, ao ponto de não haver espaço para nenhuma distração, para nada interferir na comunhão com o Senhor?

Certa vez, li o relato de um homem que estava com o casamento em crise; pouco se interessava por sua mulher. Ele chegou em casa, após o trabalho e algumas cervejas com os amigos, e sua esposa disse-lhe que tinha algo importante para falar. Enquanto se assentava e ligava a tevê, ele disse a ela que estava cansado, e que não queria ouvir nada importante ou não, naquele momento. Eles poderiam conversar no dia seguinte; não tinha cabeça para mais nada. Ele permaneceu diante da tevê até o sono vir, e cochilar algumas vezes antes de dormir em definitivo.

No dia seguinte, cumprindo o mesmo ritual de chegar em casa, lavar as mãos, sentar-se, ligar a tevê, ele viu um papel debaixo do controle remoto. Ao pegá-lo, observou que era o resultado de um exame de gravidez, indicando que a sua esposa, e ele, esperavam um bebê para dali a oito meses.

Como aquele marido, não estaremos sendo negligentes, dispersos e pouco interessados, em nossa comunhão com Deus? Ao ponto em que a adoração não passa de mera repetição de versos, de um entoar rítmico superficial, sem que a música, as palavras impregnem-nos, atingindo o profundo da alma? Em nossa adoração não estamos mais em corpo do que em espírito? E o corpo anseia poder estar no mesmo lugar do espírito, longe de Deus e sem reverência? O mesmo não acontece quando ouvimos uma pregação, lemos as Escrituras, ou oramos? Até que ponto estamos cem por cento envolvidos com a verdadeira adoração a Deus? Até que ponto ele é uma entre tantas outras coisas, sem ter preeminência sobre elas?

Cada um de nós, individualmente e como igreja, deve pensar no que Deus tem se transformado para nós, e se o temos reconhecido como ele é, merecedor de toda a nossa gratidão, de todo o nosso serviço, de toda a nossa devoção, com ardor e amor; e, ainda assim, sequer poderemos arranhar a excelência de retribuir o quanto ele é merecedor. Mesmo se juntarmos todo o louvor dos santos, em todos os tempos, Deus merece a gratidão infinita, e podemos dar-lhe apenas algo finito, mas que, em sua bondade e amor infinitos, ele o reconhece como tal, sendo o que não é, porque ele é e quis que assim fosse do seu agrado. Logo, muito mais do que sentimentos extravasados, a adoração é um serviço a Deus.

A palavra hebraica para servir é “abhadh”, significando trabalhar, servir, ser escravo. Neste verso, ela é o mesmo que adoração, no serviço religioso, mas não por obrigação, algo árduo e cansativo, mas uma experiência feliz de libertação. Não basta apenas servir, mas há de servir com alegria, gozo, e essa também é uma maneira de demonstrar gratidão, por tudo o que Deus fez e tem feito por nós, pelo seu amor, cuidado, misericórdia e graça infinitas derramadas sobre nós.

É claro que podemos inferir o fato do salmista possivelmente relacionar o servir com toda a vida cristã, indicando o dever de, em todos os momentos, Deus ser reverenciado, adorado; devendo fazê-lo com entrega de coração e alma. Porém, mais diretamente, ele indicava para um louvor verdadeiro e espiritual, quando o povo se reunia no Templo. A música é, na maioria das vezes, uma demonstração de alegria, de felicidade.

Há um velho ditado que diz: “Quem canta seus males espanta”; um sinal de que o ato de cantar implica em uma alma em gozo. E era este o objetivo do salmista, mostrar ao povo que Deus não somente era merecedor de adoração, mas de que a adoração, como expressão máxima de gratidão e serviço, revelava uma alma em íntima comunhão com o seu Senhor; um relacionamento somente possível de se realizar por aqueles amados e chamados por Deus, homens que o conhecem assim como ele é, porque ele se deu a conhecer por eles.

O serviço religioso não deveria se circunscrever apenas ao Templo e, em nosso caso, à igreja, como uma obrigação ou uma prática formal, um rito exterior incapaz de alcançar o interior (ainda que o foco do autor é não dar ao culto exterior uma prática mecânica e gélida). Pelo contrário, ele deveria brotar e crescer de tal maneira que se extravasasse para além da intimidade, de forma a que todos os homens pudessem compreender o real sentido do relacionamento com Deus, de como o adorador é agradecido pelo seu favor, por intermédio da adoração exterior.


C) POR QUE DEVO ADORAR?

O salmista revela os motivos pelo qual devemos adorar com alegria: a gratidão de ter Deus por nosso Deus. Adoramos por não haver outra forma melhor de reconhecer nele tudo o que ele é. O Senhor é Deus, e se não fosse, qualquer outra forma de reverência ou culto, não passaria de idolatria, de perda de tempo. Apenas o Senhor é digno de ser bendito e louvado; ele nos fez e não nós a ele, como muitas religiões se empenharam em fazer através dos séculos. Deus não é uma construção social como os pensadores modernos acreditam; nem é uma ideia humana para aplacar a angústia da própria finitude e fragilidade do homem, da natureza, do cosmos. Muito menos de estar em nosso poder o aproximarmo-nos de Deus, e cultuá-lo como bem entendemos ou consideramos melhor.

Em sua santidade, Deus não aceita nada que seja pecaminoso, vindo de pecadores. Por isso, ele mesmo veio ao mundo para morrer na cruz (maravilhas das maravilhas, ele se deu a si mesmo, o santo e puro, para resgatar transgressoras e impuras criaturas), nos reconciliar consigo mesmo, entregar-se a nós para nos receber em comunhão santa e eterna. Se deu a nós, e por meio de Cristo, nos recebeu como filhos amados. A glória que vimos e recebemos, pela sua graça, transforma-se em adoração, e retorna ao Senhor, em gratidão, como expressão da sua glória. É Deus em tudo, por tudo, por todos. Infelizmente, muitos não se apercebem, cegados pelos seus vícios, pela sua corrupção, incapazes de vislumbrar o esplendor da glória, do abismo imensurável a mantê-los preso no ego autônomo e tolo de não haver Deus (Sl 14.1).

Aos que são ovelhas do seu pasto e povo seu, não resta outra constatação a fazer senão a de que adoramos a Deus porque simplesmente ele é o Senhor. E todas as virtudes e maravilhas encontram-se nele, que as distribuiu generosamente entre os seus. Louvá-lo e glorifica-lo não pode ser por nenhum outro motivo a não ser o desejo entranhável na alma de querer ser dele e de mais ninguém, nem de nós mesmos. A satisfação encontra-se nele, somente nele, e isso nos faz desejar ainda mais conhece-lo, tal qual ele nos conhece. Adoração, também, é a busca incessante e obstinada de conhecer mais e mais a Deus, para ser, na mesma proporção do conhecimento, mais íntimo.


D) A VERDADEIRA ADORAÇÃO:

Sabendo que o alvo do crente é a adoração verdadeira ao Deus verdadeiro, e qualquer coisa diferente disso não é adoração. O Senhor merece toda a nossa honra e louvor, e não o fazer, ou fazê-lo equivocadamente, significará a incompreensão e o desconhecimento de quem ele é e de quem nós somos. Ninguém pode se arvorar a ser adorado sem incorrer em usurpação da glória divina; e ninguém ficará impune a isso.

Sendo assim, listarei alguns aspectos fundamentais da verdadeira adoração:

1) Como disse anteriormente ninguém poderá adorar, em espirito e em verdade, se não for resgatado, regenerado por Deus. Em João 4, o Senhor Jesus tem um diálogo revelador com uma samaritana. Os irmãos sabem que judeus e samaritanos tinham uma rivalidade histórica, ao ponto de se considerarem inimigos naturais. A parábola do “bom samaritano”, deixa claro que, aos judeus daquela época, a atitude do viajante de socorrer o judeu ferido, era algo impensável.

Portanto, o fato de um judeu, o Cristo, conversar com uma mulher samaritana, era algo igualmente estranho, para não dizer inadmissível.

A parte mais importante do nosso estudo, refere-se aos versos 21 e 24, nos quais o Senhor diz:

“Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos judeus. Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade”.

Ora, a ideia que se tem é a de que Cristo estava negando a adoração naquele monte e em Jerusalém, como algo falso; mas não é isso. A expressão “verdade” aqui não se contrapõe à mentira ou falso, mas a uma atitude efetiva, real, completa. Ele não nega a validade de se adorar em Jerusalém e no monte, como uma forma terrena, asseverando uma adoração celestial, não negando aquela, mas afirmando esta.

Conhecedor de todas as coisas, ele sabia que, em breve, a adoração, como os judeus a conheciam, estava prestes a se inviabilizar, pois seriam espalhados pelo mundo, seu Templo seria destruído, e, a partir de então, não haveria mais Jerusalém como o lugar de adoração, mas ela se daria em qualquer local, em qualquer parte do mundo.

Ele faz uma distinção entre a adoração terrena e a celestial, no sentido de não estar mais limitada a um lugar, a uma forma, ainda que se realize em lugares e dentro de uma ordem, mas na efetivação do louvor dirigido ao Pai na plenitude do Espírito, seja aqui ou acolá, seja por uma ordem religiosa ou não.

Contudo, o cerne da questão está não na adoração em si mas em quem se adora. Ele afirma textualmente que os samaritanos adoravam o que não sabiam, não conheciam, e de que a verdadeira adoração era a devotada ao único salvador, o Cristo. Não é possível qualquer forma de adoração se o Cristo não for o centro, o alvo, do louvor e da ação de graças. Sem ele qualquer forma de veneração é não apenas falsa, mas repulsiva e afrontosa a Deus. Mesmo os incrédulos louvam, à sua maneira, a Deus; e por não o conhecer, erram, e sua adoração é uma perversão da verdade.

Todos os homens deveriam, em princípio, reconhecer o verdadeiro louvor a Cristo, sem o qual nenhuma adoração é possível, é real. Sem ele, ela não passará de uma farsa, de um engodo; negá-lo é não ser adorador, mesmo que se suponha um. Estando o homem em pecado, em inimizade com Deus, nenhuma adoração é aceitável, antes é rejeitada por ele.

Então, é necessário ao homem ser transformado por Deus, ter os seus pecados perdoados, para adorar corretamente. Sem a regeneração, pelo arrependimento e a fé; sem a mente de Cristo; sem a comunhão com o Espírito, nenhuma adoração é verdadeira, apenas uma cópia distorcida e maligna do louvor santo.

2) Deus só pode ser adorado se a alma do homem estiver apenas nele. Engana-se quem acredita que pode “acender uma vela para Deus e outra para o diabo”, como os antigos diziam. O coração tem de estar apenas focado no Senhor, sem distrações, sem subterfúgios, sem esquemas que visem dividir a sua glória entre ele e os ídolos. Novamente, o erro dos samaritanos era não conhecer a Deus, mas também dividir a adoração com outros deuses (2 Rs 17.28-41). A adoração requer completo e íntimo relacionamento com o único a merecê-lo: O Senhor!

Quando nos entregamos às paixões, sejam elas quais forem, o futebol, o trabalho, a esposa ou esposo, os filhos, a ideologia, criamos um ídolo, e fazemos dele objeto de veneração. Qualquer coisa, pessoa ou entidade, que ocupe o lugar exclusivo de Deus no coração, é a negação de todo o bem e favor divinos, e um desvio da alma na direção da ingratidão. Adorar outro ídolo é não reconhecer o bem recebido, o favor concedido; é traição, a forma mais profunda de adultério, de infidelidade, a qual é entregar-se a alguém ou algo ilegítimo, quando a entrega deveria ser ao legítimo detentor de adoração.

Apenas Deus deve satisfazer o coração do homem, e somente ele o pode.

3) A adoração está intimamente ligada ao conhecimento divino. Quanto mais o conhecemos, mais somos capazes de adorá-lo. E só o conhecemos, principalmente, pela sua revelação especial, as Escrituras Sagradas. Aprouve a Deus revelar-se de duas maneiras aos homens:

a) Pela Criação, na qual podemos ver a grandiosidade do Senhor, capaz de fazer um universo maravilhoso, diversificado, belo e funcional. O poder de Deus fica patente nas obras da sua mão. Podemos perceber a sua bondade e generosidade em cada aspecto da criação.

b) Pela revelação especial, a qual Deus se faz conhecer em detalhes. Nela podemos compreender muitos dos seus atributos que não ficam evidentes na Criação, tais como o amor, a misericórdia e a sua graça derramada sobre o seu povo.

c) Através da oração reconhecemos em Deus o pai cuidadoso, que não somente nos ouve, mas nos conforta, fortalece, e nos molda à semelhança do seu filho Amado.

Portanto, sem o conhecimento de Deus, e o desejo entranhável de conhece-lo mais e mais, não há comunhão, nem intimidade, muito menos é possível haver adoração.

4) Sendo a lei de Deus a sua vontade expressa para o homem, não há como adorá-lo sem observar os seus mandamentos. O Senhor Jesus disse:

“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele” (Jo 14.21).

O amor é também uma forma de adoração. Se atentarmos para o ensino bíblico veremos que tudo em nossa vida deve estar direcionado para o louvor e a glória de Deus. A obediência é nos colocar em posição de submissão e dependência a Deus, pois quanto mais íntimos do Senhor, mais reconhecemos a nossa fragilidade e insuficiência, e somos atraídos por sua benignidade, pelo seu amor. Como o amor é prático e não apenas uma construção teórica, amamos quando nos entregamos completamente ao alvo do nosso amor; então, obedecemos porque o amamos, e o amamos porque somos obedientes.


E) CONCLUSÃO:

Por muitos anos servimos a nós mesmos, ao pecado, ao inimigo de nossas almas, e não encontramos a paz, o gozo e a alegria verdadeira. Tudo foi um simulacro, uma cópia mequetrefe, tal qual um produto vendido como se fosse igual ao original, aparentando ser original, mas deformado em sua concepção e incapaz de atingir o objetivo, de realizar o que o verdadeiro faz. Em tudo ele se assemelha ao autêntico, contudo, guarda em si mesmo a marca da farsa, do engano, da ilusão.

Assim são os prazeres mundanos, que nos ludibriam, vendendo uma ideia de serem capaz de nos satisfazer, mas em sua funcionalidade nos trará apenas prejuízo e dor de cabeça. Nada pode substituir a Deus; e se o homem se dedica a buscar a alegria e o contentamento nas coisas etéreas e transitórias, engana-se. Somente o Deus infinito pode dar ao homem, mesmo finito, o júbilo perene. De forma que nele, e apenas nele, se pode receber, como dádiva preciosa, a plenitude da satisfação. Deus é quem nos apraz integralmente, e é nele que encontramos a razão da adoração. Só o adoramos porque ele é quem é, e porque quis se revelar a nós, para nos arrebatar, em toda a sua glória, ao perfeito e sublime louvor e veneração. 

02 maio 2016

A origem da doença é sempre diabólica?




Jorge Fernandes Isah


   Quando a gente deve entender que a enfermidade é porque Deus a determina, ou porque é obra de satanás? Como distinguir uma enfermidade física de uma enfermidade produzida por satanás? 
 O primeiro ponto a ser elencado é de que a doença, pela ótica do Israel antigo, era o sinal de o doente estar em pecado, ou sobre ele recair a maldição divina.
 Essa ideia antiga ainda ganha contornos modernos através da teologia da prosperidade, que fez uma leitura equivocada e distorcida do Antigo Testamento. Em várias culturas ou religiões, esse conceito também é sustentado, muito mais pela ignorância quanto à natureza humana e quanto à revelação divina, o que as colocam no rol das crendices, das superstições, sem que nelas haja qualquer verdade. O exemplo de Eliseu é emblemático, o qual foi consumido por uma doença, levando-o à morte [2Rs 13.14, 20]. 
  Então, o que podemos dizer, de Eliseu? Dele ser um homem sem fé? Um depravado? 
  A Bíblia nos diz que Deus, através dele, operou muitos milagres e, para mim, há somente um homem na Escritura a realizar mais feitos do que ele: Cristo, o Filho de Deus! Então, dizer que o Senhor não estava com ele, de que era um homem amaldiçoado, ou outra bobagem qualquer, simplesmente revela o desconhecimento e a rejeição da verdade, e o apego ao engano. 
  Há o caso de Isaque que, cego na velhice, não podia distinguir entre os seus dois filhos, Esaú e Jacó, sendo enganado por este e sua esposa, no caso da primogenitura devida a Esaú, de quem Deus não se agradava. [Gn 27].
 Não se pode esquecer dos casos de Paulo, Epafrodito, Timóteo e Trófimo, servos e ministros de Deus que sofreram enfermidades, dos quais não se pode alegar falta de fé ou uma vida amaldiçoada por causa de pecados. 
 Acontece de muitas vezes nos esquecermos do que somos e do que nos tornamos. Como seres caídos e contaminados pelo pecado, demos causa à desordem no universo, o qual foi criado ordeiramente por Deus mas, com a Queda, no Éden, todo o Cosmos entrou em colapso, desequilibrou-se e a degeneração [ao contrário do que darwinistas insistem em afirmar] passou de nós a toda a criação. Assim, onde não havia a morte, ela veio a existir; onde não havia a dor, ela sobreveio; onde não havia doenças, elas fizeram-se presentes. Logo, o que não se pode negar é de que a doença, assim como a morte, é consequência direta do pecado, não necessariamente de um ato pecaminoso, mas daquele que tomou conta da nossa natureza, tornando-a em corruptiva [essa a verdadeira maldição: a de se rebelar contra a vontade e a lei divina, trazendo para o homem toda a sorte de infortúnios; tornando-nos enfermos de corpo e alma]. É ela que nos faz corromper, dia a dia, ano a ano, e acabará por nos levar à morte física. 
 Alguém pode dizer que estou errado, pois a morte de muitos é consequência da velhice e não de alguma doença específica. Ao qual pergunto: não seria a velhice uma doença? Que nos consome silenciosamente até a completa ruína física? E esta é apenas uma das consequências do pecado, a degradação de toda a criação. Desta forma, parece-me claro o fato das doenças não terem por causa ou origem apenas o diabo ou as maldições, mas algo que, dentro do padrão natural pós-Éden, podemos dizer ser inerente à nossa natureza; não somente nossa, mas de todos os seres da Criação, sejam animais, vegetais e até mesmo minerais. Tudo se corrompe como parte da herança maldita de Adão e, como tal, dentro desse contexto deve ser encarada, na maioria das vezes, como algo natural, no sentido de que todos, sem exceção, estão sujeitos. 
 Contudo, existem pecados originados por satanás? 
 A resposta é sim. O exemplo mais famoso é o do justo Jó, como nos diz o Senhor: "Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; era este homem íntegro, reto e temente a Deus e desviava-se do mal" [Jó 1.1]. Porém, satanás, pediu a Deus para tocar na sua carne, argumentando que, se Deus tocasse nos seus ossos, na sua carne, veria o quanto Jó blasfemaria contra ele. Ao que o Senhor respondeu: "Eis que ele está na tua mão; porém guarda a sua vida" [Jó 2.4-6]. 
 A partir deste texto, podemos entender duas coisas: 
1) Satanás tem poder para tocar na nossa pele, carne e ossos e produzir doenças; inclusive ser instrumento divino na disciplina do crente ou na levado do incrédulo à fé em Cristo [vide 1 Coríntios 5:1-13].
2) Ele pode tocar a tal ponto de nos levar à morte. Por isso Deus o alertou para "guardar" a vida de Jó, ou seja, não matá-lo. 
 Em Lucas 13:10-13, lemos: "E ensinava no sábado, numa das sinagogas. E eis que estava ali uma mulher que tinha um espírito de enfermidade, havia já dezoito anos; e andava curvada, e não podia de modo algum endireitar-se. E, vendo-a Jesus, chamou-a a si, e disse-lhe: Mulher, estás livre da tua enfermidade. E pôs as mãos sobre ela, e logo se endireitou, e glorificava a Deus". Claramente temos a referência a uma doença cuja origem provinha de um espírito de enfermidade, um demônio. 
 No entanto, não é raro encontrar casos de cura na Escritura, em que não existe qualquer referência ao inimigo e seus asseclas, e que podem ser consideradas como "doenças naturais", cuja origem está ligada à própria degradação humana. Sabemos que certas deficiências de vitaminas e sais minerais provocam doenças; de que o uso e, em alguns casos o abuso, de substâncias tóxicas geram doenças; bactérias, vírus e outros organismos microcelulares também foram corrompidos pelo pecado no Éden, e podem invadir o corpo, adoecendo-o ou matando-o; o sedentarismo pode provocar, na maioria das pessoas, graves problemas de saúde, mas é-se possível também que o homem gere em si mesmo doenças psicossomáticas, que são aquelas doenças cuja origem está na mente. É o caso de alguém sentir dor, quando o seu corpo não apresenta nenhum sintoma de enfermidade. Ou seja, o homem cria para si mesmo um mal que de fato não existe, mas que o consome, destruindo-o, caso o problema mental não seja curado. Penso, também, que pecados não assumidos podem se tornar em doenças, e de que o arrependimento e o voltar-se a Cristo é a única solução. Fica, contudo, uma questão: até que ponto o diabo pode intervir na vida humana? 
 Creio ser possível até o ponto em que Deus o autoriza a fazê-lo; por mais que o delírio ou a imaginação humana tenda a crer no diabo como um ser autônomo [assim como reputa-se a si mesmo], definitivamente, perpassado em toda a Escritura, ele não o é. No caso de Jó, as tragédias e doenças que lhe acometeram tinham um propósito específico, o qual não era provar alguma coisa a satanás (como alguns crentes imaginam, ser possível dar satisfação ou responder-lhe por seus atos), mas fazer com que Jó viesse a conhecer verdadeiramente o seu Senhor, como ele mesmo proclamou: "Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido. Quem é este, que sem conhecimento encobre o conselho? Por isso relatei o que não entendia; coisas que para mim eram inescrutáveis, e que eu não entendia. Escuta-me, pois, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás. Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te veem os meus olhos. Por isso me abomino e me arrependo no pó e na cinza." [Jó 42.2-6]. 
 No caso da mulher encurvada, o propósito, ao meu ver, indica aos judeus, e também a nós, que Cristo tem poder sobre tudo e todos, inclusive satanás e seus demônios. Aquela doença teve por fim glorificar a Cristo, fazer com que os seus adversários se envergonhassem, e que o povo se alegrasse e o glorificasse por seus feitos. Exemplos como estes trazem, para todos os crentes hoje, a esperança de que, por mais dores e sofrimento padeçamos, temos um Senhor  Todo-poderoso, capaz de nos trazer o alívio, mesmo na doença. Muitas vezes ele não se reflete na cura de um mal, que pode até mesmo destruir o nosso corpo, mas sabemos que a nossa alma está segura, e de que nada, nem a mais cruel enfermidade nos separará do seu amor. Como Paulo disse: "Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia; Somos reputados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor" [Rm 8:36-39]. 
 No fim-das-contas, isso é o que importa; saber que somos de Deus e de que a doença é algo inerente à nossa natureza, porém, quando estivermos na eternidade, nem ela, nem a morte, exercerão qualquer influência sobre nós. Tal qual o pecado, elas serão definitivamente destruídas pelo Senhor; e, talvez, nos reste a lembrança daqueles momentos de tristeza, de angústia, de dor, momentos de comoção, levando-nos a ter as lágrimas enxugadas por Cristo, e sabendo, desde já, que até mesmo a aflição cumpriu o seu papel de nos aproximar ainda mais do Senhor, a fim de receber o seu consolo; para, mesmo na fraqueza, saber que o poder divino se acentua, e nos faz fortes, mesmo que o corpo esmoreça. 

Nota: Indico outro de meus textos sobre o assunto: Cura bíblica ou placebo psicológico?

21 abril 2016

Docta Ignorantia



Jorge Fernandes Isah

A ideia de Deus é gigantesca; mas a inexistência dele é um abismo sem fim, sinistro, devastador; uma vida sem esperança... O vislumbrar no escuro.

18 março 2016

O lugar que imagina seu, mas está desocupado!




Por Jorge Fernandes Isah


Muitas pessoas querem ir ao céu, não pelo que ele verdadeiramente significa (a graça, amor e bondade divinas), mas como uma recompensa, um prêmio, pelo que cada um é. Ora, você é um pecador, miserável, e cego, e nu, inimigo de Deus, portanto, merece exclusivamente a condenação e a ira divina sobre a sua vida. 

Porém, se entender que o céu é uma extensão da terra, não pelo que você é, mas por aquilo que Cristo fez por você, e ansiar andar com ele, buscá-lo, honrá-lo e servi-lo, mesmo não merecendo, o céu será o fim da jornada iniciada aqui, neste mundo. Por que, mesmo estando morto para Deus, ele lhe dá vida, pelo Senhor e Salvador da sua alma, seu Filho Amado. 

Este é o seu lugar, aqui ou lá, mas sempre com Cristo; pois é ele quem o coloca assentado onde, pelos seus "méritos", você não estaria. Isso é graça, bondade e amor, não uma retribuição à justiça "trapos de imundicia" que, porventura, você considere merecedor.

29 fevereiro 2016

O homem e a autoprisão



Jorge Fernandes Isah


A relação do homem com Deus e sua Criação é permeada pela rebelião; e esse estado somente é desfeito quando ele se submete a Cristo, em obediência e humildade (quero dizer, humilhando-se e reconhecendo-o como Senhor). Pois assim ele falou: 

"Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me.  Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, salvá-la-á. Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida? Ou que diria o homem em troca da sua vida?" (Mc 8:34-37)

De outra forma, qualquer tentativa, por mais dedicada, caridosa ou enlevada, por mais que agrade aos nossos olhos e coração, significará o recrudescimento da insubordinação (a teimosia levada às últimas consequências; ao limite da rebeldia, pois está a tentar mascarar algo evidente, do qual não há reconhecimento, nem entendimento, mas obstinação), onde o autonomismo e o ego são os seus principais fomentadores.

É o homem preso em si mesmo; em uma espécie de autoprisão, da qual é incapaz de sair sem a graça e misericórdia divinas.

12 fevereiro 2016

Cristo: Verdade e Vida!





Por Jorge Fernandes Isah

 
Em meio à crise moral, institucional e econômica (nessa ordem e não o contrário) há pessoas insistindo em dizer que está tudo bem, que não há convulsão. 

Ora, não sou empirista, mas a realidade fala por si mesma. Basta ter amigos, vizinhos e parentes; passear pelas cidades; visitar as lojas; comprar e vender; ou seja, viver e observar ao derredor, para constar o fato de que estamos no "olho do furação", em um estado agudo de degradação e inversão da ordem cultural, social, política e econômica. 

Porém, como exigir delas a constatação do que acontece ao seu redor se, por um passe de mágica ideológico, são transportadas para um mundo utópico, inconsciente e simulado? Beirando o irracional? Acho que é pedir muito... 

Como confirmação, sobra histrionismo e "baianas rodadas" nas terras tupiniquins... E a atitude do avestruz, de enfiar a cabeça no buraco, tem se tornado em ofício e regra.

Mas Cristo nos redime também da tristeza e da angústia deste mundo... "Regozijai-vos sempre nos Senhor!", afirma o apóstolo. E este é o nosso desafio; deixar Cristo operar em nós, dando-nos a sua beleza, suavidade e paz. Penso que a paz é isso! E não o digo como se fosse uma novidade para você, mas para os não acostumados com esta verdade, que porventura estejam lendo. 

Cristo o fortaleça, animando-o cada vez mais a perseverar em um mundo disposto a tudo para que renunciemos à Verdade e Vida. 

 

02 fevereiro 2016

Silenciados

Por Jorge Fernandes Isah

Essa é a realidade do país (mais de 60.000 assassinatos por ano; maior do que todas as guerras civis em curso no mundo) que a esquerda não consegue ver sem arrumar uma justificativa estúpida, irracional e delirante para o monstro criado por eles mesmos, com o objetivo de reengenharia social, o desmantelamento da sociedade ocidental, cuja base é a tradição judaico-cristã substituindo-a por valor imorais, antiéticos e anticristãos. Para eles o que são milhares de mortes se a utopia ideológica, o delírio messiânico, de substituírem o Salvador pelo "Estado Destruidor", vai de vento em polpa?

A canalhice não tem limites, enquanto o povo, bovinamente, deixa-se usar, como experimento social, por uma horda de assassinos. Sobre eles, Paulo escreveu: 

"Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos" Rm 1:21,22. 

E, ainda, um pouco mais: 

"Tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te... Que aprendem sempre, e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade" 2 Tm 3.5, 7. 

É claro que os reflexos da "Depravação Total do Homem" não são exclusividade dos marxistas, mas, em uma coisa eles se aperfeiçoaram (sic), em elevar a sordidez e a barbárie ao limite máximo da imoralidade e do irracionalismo; e, para piorar, alçaram-nas à condição de virtude intelectual. 


Como Dalrymple escreveu, não dá para saber se o porco existe por causa do chiqueiro ou se o chiqueiro existe por causa do porco (não literal, mas de memória, do livro "Vida na Sarjeta"). 

E o mundo tem se tornado em uma grande pocilga.


Assista ao trailer do filme, abaixo. 


28 janeiro 2016

Comunhão com o Deus Triuno



Por Jorge Fernandes Isah



A comunhão com Deus não pode ter hora e data marcadas (de maneira geral e individual; não falo dos momentos comuns em que nos ajuntamos com outros irmãos para louvar e realizar a obra do Senhor), mas deve ser constante, a cada minuto. 

Nossa mente deve estar sempre voltada para ele. 

Nosso pensamento em contato ininterrupto com ele e, aí, já estaremos em um estado de permanente oração e adoração.

É colocá-lo em nossa vida inteira e por completo.

Assim como estamos em nós (e não há como não estarmos), que ele esteja também; tão indistintamente ligado a nossa alma que não notamos se somos nós ou ele, pois já temos a mente de Cristo.

23 janeiro 2016

Um povo (quase) anticristão!



Por Jorge Fernandes Isah


Graças a Deus, não tenho filhos em idade escolar, mas há filhos de parentes, amigos e conhecidos no ensino fundamental, e, simplesmente, estarrece-me (e temo) o estado de degradação moral e intelectual ao qual as nossas crianças estão expostas, diariamente, pelos órgãos e entidades responsáveis pela educação no Brasil. É um acinte, uma vergonha, uma aberração, todo esse projeto de reengenharia social visando transformá-las em protótipos de "classe" (ou sem), experimentos artificiais com o fim de destruir a alma dos pequeninos, tornando-os em bestas, estereótipos da impessoalidade, da deformação, da antinaturalidade.

Dizem amar o pobre, o povo, mas expõe-no ao ódio mais profundo da alma tresloucada dos gestores e administradores públicos.

Boa parte da culpa, por essa cultura de morte e degradação, se deve à omissão e contemporização da igreja com os ideais esquerdistas, os promotores, não de hoje, de todo o tipo de tática rasteira e desprezível com o fim de destruir o homem e em seu lugar colocar a sua criação: o anti-homem ou desumano.
Ela tem falhado também, e principalmente, em promover os valores cristãos na sociedade, sendo, muitas vezes, nós próprios, os primeiros a dar mostras de imoralidade, de associação com o mal, desprezando o Santo. É necessário acordar do sono profundo, antes que seja tarde, não apenas para dar um lugar decente, produtivo, criativo e saudável aos filhos e netos, mas, sobretudo, para realizar a obra que nos foi destinada pelo Pai , sob o poder do Espírito: nos conformarmos a imagem do Filho, Cristo, espalhando as boas novas. Se este não for o nosso objetivo e meta, de nada adiantará os demais esforços neste mundo; seremos uma nulidade como cristãos e um estorvo para o evangelho e aqueles que o amam de verdade. 

No vídeo, o dep. Jair Bolsonaro, em pronunciamento na Câmara, revela a face canalha do executivo (em conluio com boa parte do judiciário e legislativo); em seguida, a reportagem da TV Alterosa, de BH, mostra a perversa e asquerosa atuação da secretaria de educação de Contagem, da pedagoga e suas justificativas ardilosas e desonestas. 

Que Deus tenha misericórdia e apiede-se do Brasil; desperte o seu povo para a defesa da verdade, o evangelho de Cristo; e nos capacite a ser suas fieis testemunhas, ao invés de meros espectadores inebriados com a própria falta de luz e em repousar na mais densa escuridão.

11 janeiro 2016

Orai sem cessar!




Pr. Jorge Fernandes Isah


 
"Orai sem cessar" (1Ts 5.17)

Você já orou, hoje? O que está esperando?

Mas o orar não é apenas um ato de se ajoelhar, fechar os olhos e abaixar a cabeça (como a foto, acima, parece indicar); muito mais do que isso, é estar em comunhão constante com Deus, de forma a todo o seu pensamento estar ligado e voltado para ele; enchendo-se do Espírito; e pronto a responder, com a mente de Cristo, em todas as situações nas quais se é colocado, neste mundo caído. 

São ações responsivas a culminar na gratidão, confiança e esperança de ser conduzido em meio as vicissitudes da vida, das tristezas e aflições, culminando no gozo e alegria expressados no verso seguinte: dar graças em tudo (1 TS 5.18). 

Se entendemos estes versos como são, imperativos, e não condicionai (a ordem divina a ser cumprida pelos seus filhos), por que, então, desobedecemos?

07 janeiro 2016

A Escada da Vida









Por Jorge Fernandes Isah

      A existência humana, como a conhecemos, é uma fração irrisória na história, e o homem um nada em relação à criação, quanto mais se compará-lo a Deus. Não é estranho, portanto, o anseio obsessivo de, sendo nada, fazer-se como ele e querer tudo?... Ah, maravilhas das maravilhas, enquanto o homem tenta subir as escadas para o trono divino, em uma nítida intenção de invadir e conquistar o Reino; Deus, em sua sabedoria, desceu aos porões da terra, fazendo-se um de nós, para, assim, salvar o seu povo, os seus eleitos. E, somente então, as portas do reino eterno foram-nos abertas, escancaradas, para encontrarmo-nos com o Criador, Senhor e Salvador, e dele, e por ele, e para ele, gozarmos por toda a eternidade. Não foi o homem quem subiu aos céus, mas Cristo se fez homem, servindo-nos de escada, como uma ponte a ligar o mundo perdido e baixo ao Reino venturoso e sublime, finalmente alcançado, onde nos realizamos, filhos amados do Pai, pelos méritos exclusivos do Filho.

Disse Jesus: “Em verdade, em verdade vos asseguro que vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem”. [Jo 1.51]

04 janeiro 2016

Mordomia

Por Jorge Fernandes Isah

Se entendermos, dentro da Doutrina da Providência, que somos mordomos de tudo o quanto Deus nos dá, assim como Jó, não blasfemaremos, murmuraremos ou pecaremos, quando ele nos tirar o que deu.

28 dezembro 2015

Graça!



Por Jorge Fernandes Isah



Cristo pode salvar o pior dos homens; mas o melhor dos homens não pode salvar a si mesmo.

17 outubro 2015

Um Deus preso no tempo




Por Jorge Fernandes Isah



  
É sempre complicado falar das coisas de Deus, mesmo guiados pelo Espírito Santo, a nossa visão é limitada pela infinitude, transcendência e perfeição divinas, então entender e compreender tudo é impossível, sendo seres limitados e imperfeitos, muitas coisas nos serão ininteligíveis e incompreensíveis, no sentido de sabermos em detalhes explica-las. Devemos, logo, ter a humildade de reconhecer os termos demarcados pelo Senhor a impedir-nos de esmiuçar e descrever toda a verdade. Ainda que nos seja revelado tudo nas Escrituras, tudo aquilo que ele quis manifestar, muitas delas serão aceitas pela fé, sabendo ser a Bíblia a palavra divina, ela é a verdade, e de que, se o Senhor escreveu, independente da capacidade de entender um ou outro enunciado, deve ser simplesmente aceita e jamais questionada, evitando-se a especulação, exatamente por sua complexidade. Enquanto Deus vê o todo, vemos, quando atentamos corretamente, fracionada e parcial. Deve bastar-nos, e ser suficiente para deleitarmo-nos, reconhecer a realidade da Escritura, posto Deus tê-la escrito e revelado, mesmo sem nos dar maiores explicações. Rejeitar algo maravilhoso, sublime, porque não as alcançamos, pela insignificância e limitação da mente e espírito, torna-nos em arrogantes, presunçosos, incapazes de admitir a própria realidade, auspiciando nas divagações e especulações uma vantagem suficiente para igualar-nos a Deus (ou até mesmo tornar-nos superiores), e assim encobrir a debilidade inerente e contemplada na natureza humana.

Eleição incondicional é, então, o ato divino de escolher pessoas entre a totalidade da humanidade caída, condenada, morta espiritualmente, e fazer delas o seu povo, regenerando-as e salvando-as da condenação advinda pelo pecado; sem que elas tivessem condição alguma a favorecê-las na escolha, pois a escolha é dele, feita exclusivamente por ele, pela liberdade e vontade soberanas que ele tem de escolher sem qualquer restrição, coação ou limitação exterior a ele. Deus é absoluto, supremo em suas decisões, implicando ser ele livre para escolher quem quer, da maneira que quer, sem ninguém poder questioná-lo, como Paulo, peremptoriamente, declara em Romanos:


“Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? ” (Rm 9.20)

         Deus livremente escolhe, segundo a sua vontade, de entre os seus inimigos, pessoas as quais separou para serem o seu povo.

           Como Deus é eterno, e tudo relacionado com ele é eterno, a eleição também é eterna. Há várias passagens na Escritura afirmando a nossa eleição antes da fundação do mundo. Esta expressão não está limitada a um momento histórico, a um evento temporal, mas significa que, desde sempre, desde quando o Senhor existe, ela foi planejada, estando sempre em sua mente, assim como a sua causa também é eterna. Pense um pouco, e tente responder: Você pode dizer o motivo pelo qual, não havendo nada em nós a agradá-lo, Deus elege?

 Seria por ele ter antevisto, no tempo, que responderíamos prontamente ao chamado santo do Senhor? De ter ele previsto que alguns creriam e, por isso, predestinou-os à salvação? Esta é, certamente, a resposta mais óbvia, uma solução humana que não contempla a realidade divina, porém tem uma aceitação quase unânime, em nossos dias. Também chamado de presciência, advoga o conhecimento prévio de Deus de todas as coisas como o motivo para a eleição. Acontece haver duas definições de presciência, uma antibiblica e a outra bíblica. A primeira, definida como Deus não estando no tempo, mas este sendo parte da criação, vê tudo e todos num mesmo instante. A dificuldade em se dar um sentido exato à sentença é facilmente verificada em como dispomos de uma linguagem restrita para um conhecimento também restrito. Um instante é uma fração de tempo, contido no tempo, mas não há como abandoná-lo na tentativa de trazer significado ao termo “presciência”, pois, de outra maneira, tornar-se-ia, por completo, incompreensível. Ao dizer que Deus vê tudo num instante, mesmo esse “instante” sendo infinito e eterno, é prova da delimitação reservada ao homem de não alcançar a amplitude indeterminada, a perfeição intangível, a santidade ilimitada, da mente divina. É preciso, muitas vezes, para a nossa compreensão, rebaixarmos a magnitude de Deus ao nível da insignificância humana.
 
Prosseguindo, a ideia de presciência, definida segundo uma ótica não bíblica, tem a conotação de Deus prever, antever, conhecer de antemão, todos os atos e eventos históricos, antes deles se realizarem. Assim, Deus, conhecendo que fulano responderia positivamente ao chamado ou “esforço” do Espírito, através da fé, crendo para a sua salvação, tornou-se um eleito, em definição corrente e usual entre os cristãos. Ao ver os eventos descortinados diante dos olhos, e a resposta positiva do homem, Deus o predestinou, elegendo-o. Encontramos um sério problema nesta definição, posto Deus escolher quem o escolheu, mesmo o fazendo antes dos eventos, mas apenas um momento após vislumbrá-los, antevê-los, significando, de qualquer maneira, que a escolha divina se deu após a decisão, a escolha humana estabelecendo-se efetivamente. Ou seja, do ponto de vista lógico, Deus escolheu depois da escolha do homem, logo, não é, na verdade, a escolha divina, mas a ratificação divina à escolha humana. Somente depois de confirmado pelo antever, Deus tornou-a firme, validando a eleição, cuja causa e origem está no homem, cuja atitude de responder positivamente ao chamado divino é a razão, o agente eficaz que justifica a existência do não existente, sendo a origem da eleição, o ato motivador e o princípio gerador. Deus nada pode fazer, como um agente passivo, se tornando prisioneiro da vontade humana. Mas há algo ainda pior: este esquema faz de Deus prisioneiro do tempo, ou seja, prisioneiro da sua própria criação.

Se a presciência é a antevisão de Deus dos fatos futuros, e ele elege o homem a partir dessa visão, mesmo Deus não estando no tempo, ele estaria “refém” do tempo, posto somente "validar" a eleição após certificar-se da resposta positiva do homem. Ora, há uma visão do futuro, o próprio futuro é um fragmento temporal, e a resposta humana se dará nele, então a presciência, como um “decreto comprobatório” dessa visão, depende essencialmente da resposta transitória do homem, levando a uma decisão temporal, não eterna, tornando o próprio Deus em um ser limitado por sua própria criação. Neste sentido, Deus elegeria e predestinaria somente "após" observar a resposta positiva ou negativa do homem. Há, aqui, uma condição de subordinação de Deus, passível de afetar o atributo da soberania, na qual ele pode tudo, ontologicamente, mas está condicionado à iniciativa humana, no tempo, no sentido de o seu conhecimento, ainda que completo, amplo, o restringe e o faz dependente, podendo tornar-se imobilizado nos casos das respostas serem negativas. Sendo eterno, se sujeitaria a efemeridade, resignando-se a uma mera coadjuvância, não o causador e gerador do ato, mas uma testemunha ocular; onde a sua vontade não é imperiosa, determinante, mas sancionada por uma ação futura, temporal, a não apenas influenciar, mas ocasionar a eternidade. Ou seja, não é o eterno a fundar o tempo, mas uma fração ou frações dele a sedimentar o perene. E a própria ideia de Deus conforme revelado na Escritura tornar-se-ia impossível, ou, no mínimo, questionável. 


Uma analogia possível, guardadas as devidas proporções, seria um copo de suco de laranja ser a causa da existência da laranjeira e seus frutos; em outras palavras, o menor, o suco de laranja, fundacionaria o maior, a laranjeira, quando na verdade acontece o contrário. O temporal nunca poderá justificar e fundamentar o eterno, posto ser este a instituir aquele. E Deus estaria aprisionado em sua própria criação, não somente agora mas para sempre, dadas as consequências da eternidade firmarem-se nas ações transitórias, das quais ele não tem poder de decisão, nem são por ele controladas.

Podemos resumir este estado de coisas em duas frases:

“Deus escolhe, elege, o salvo”. Esta proposição não fere, enfraquece a soberania divina, ou transforma-o em um mero espectador, mas em um agente ativo na ação de escolher. É ele quem, por sua exclusiva vontade, decide, a partir de si mesmo, quem será eleito, sem atentar para nenhum fator externo a ele. 

“O homem, ao responder positivamente, pela fé, é escolhido por Deus”. Esta proposição faz de Deus um agente passivo, que decide a partir de uma ação exterior a si, como uma reação à resposta positiva ou negativa do homem; pois, antes, a sua motivação está associada, ou melhor, parte da resposta humana, da manifestação da sua vontade, sem a qual Deus está incapacitado de condenar ou não, posto o homem ser autônomo e detentor do livre-arbítrio. Em linhas gerais, Deus está em uma camisa de força, imóvel, podendo apenas assentir ao movimento humano, concordando ou discordando mentalmente, mas ratificando-o, independente da resolução tomada pelo homem, a qual, em última instância, põe termo à questão, dando-lhe o desfecho final. 

Isso faz de Deus, em algum aspecto, refém da autonomia humana, de tal maneira que ele estará condicionado a ela, submetendo-se (e a ideia de voluntariedade inexiste como explicação), numa posição subjacente, secundária, ao desígnio estabelecido pelo homem a partir da própria vontade; esta, sim, determinante da eleição, enquanto a divina é apenas confirmatória, e não causativa, ratificando o que Deus já havia vislumbrado, por verdadeiro, pela antevisão. 

Nesse aspecto, a soberania divina é frágil, enquanto a força encontra-se na vontade determinada do homem; e nem mesmo Deus pode demovê-lo para o bem, pois sua vontade permanece imperiosa; assim, se o homem desejar permanecer em sua rebeldia, Deus não poderá fazer nada. Como observador, resta-lhe a condição de testemunha, estando apto a confirmar e declarar o assistido, cumprindo o papel de passividade cabível. Ainda mais angustiante é saber que, segundo essa definição, o Senhor ama a todos os homens, indistintamente, e não pode exercer nenhuma ação visando preservar o objeto do seu amor, antes, porém, deve respeitar e salvaguardar as decisões tolas de suas criaturas, culminando em lança-las, os amados, no Inferno. Após a condenação, o amado tornar-se-á em odiado, e sobre ele a ira e justiça divinas recairá. Temos, via de regra, um deus esquizofrênico, o qual ama suas criaturas, derramando sobre elas a sua graça, morrendo por todas elas na cruz, pagando o sacrifício impossível de ser quitado, mas, na hora “h”, nada disso se torna relevante, pois se o homem não quiser receber todas essas dádivas, pode recusá-las, anulando os seus eventuais efeitos, tornando-os inócuos como uma rosca espanada. 

Outra analogia seria a de um garoto, de dez anos, subir no alto de um prédio de cinco andares, vestido de Super-Homem, e ameaçar atirar-se do telhado. Ele acredita possível voar, e espera alcançar a mesma velocidade do Homem-de-aço, vista no último filme. Ainda que tenha machucado algumas vezes, e tirado sangue de joelhos e cotovelos, sempre reputou ser aquilo fruto de uma kriptonita invisível, enfraquecendo-o. Porém, agora, ele está certo de não haver nenhuma ameaça, nem mesmo tênue. Sente-se corajoso como nunca para realizar o mesmo feito do seu ídolo. Seu avô chega a tempo de impedi-lo, e tenta demovê-lo dessa ideia, dizendo que, se pular, ele morrerá, não verá mais seus pais, seus irmãos, os colegas de escola, não tomará mais sorvete, nem jogará futebol, o seu PlayStation será dado ao irmão caçula, que herdará também o quarto e todos os demais brinquedos... Além do mais, diz, você não é o Super-Homem, o Super-Homem não existe, é uma história, e homem nenhum jamais voou por si mesmo. Então, durante a conversa, ele se aproxima o suficiente para agarrar a criança, salvando-a de precipitar-se no vazio, mas insiste em convencê-la, argumentando, crendo que ela acreditará na própria insensatez e gravidade do seu ato, e pelo seu livre-arbítrio¹ decidirá com correção. Mas o garoto está cheio da conversa do avô e, mentalmente, quer provar que está certo; o Super-Homem não é uma mentira, ele viu, estava lá, voando, atravessando paredes, segurando aviões em pleno voo, mostrando o quanto era hábil no que fazia. Num átimo, lança-se do topo do edifício, estatelando-se no chão. O avô, no momento em que podia segurá-lo, recua a mão, lembrando-se de que a decisão é do netinho, e ele não pode interferir em suas escolhas, mesmo danosas e mortais. Quase teve remorsos, mas entendeu ser impossível ir contra a decisão da criança. Mesmo sabendo que o conhecimento dela da realidade era insuficiente para tomar uma decisão acertada, mesmo sabendo que esteve, até aquele tempo, enganada com a ilusão hollywoodiana de um super-herói voador, que sua mente estava mais afeita à fantasia do que à verdade, mesmo assim, não poderia intervir. Considerou-se impotente, entristecido, mas convicto de haver preservado a vontade da criança, a qual, em última instância, não a teve cumprida, posto não ter voado, nem permanecido vivo, como supunha, chegando a um final impensado e não desejado. 

Se porventura, todos os homens negassem a graça, a expiação e a justificação de Cristo (hipoteticamente, claro, a despeito de muitos já o fazerem efetivos), as quais não saíram da categoria de possibilidades, jamais, e em tempo algum, alcançaram o estado de certezas, elas não teriam qualquer sentido, e seriam um retumbante fracasso. Deus teria malogrado em seu propósito, o de salvar alguns, e ainda hoje, segundo essa visão, ele fracassou, pois, se Cristo morreu por todos e sua graça é resistível, não há eficiência na expiação e justificação, em salvar todos, mas apenas a contingência de, eventualmente, um e outro decidir abandonar o pecado e aceitar a salvação (mais por um mérito pessoal que pelo convencimento sobrenatural); além do quê, Deus passaria o atestado de incompetência.

Diante desta descrição, como não julgar esse "Deus" um miserável, e cego, e nu, submetendo a sua sabedoria, perfeição, santidade e poder, às vontades de suas criaturas imperfeitas, tolas, pecadoras e frágeis? 

Pois bem, a maior parte desse esquema não provém da Bíblia, nem da revelação divina, mas de distorções interpretativas do texto sagrado (ainda que exista uma lógica interna culminando nessa conclusão, contudo, o pressuposto do livre-arbítrio e do tempo, onde a vontade está atrelada, e sob os efeitos da transitoriedade, não se harmoniza com a realidade bíblica, sendo um equívoco) aliadas à especulações filosóficas e a necessidade de justifica-las, tendo como ponto comum a rebeldia e intransigente autoglorificação humana, em que o seu destino depende exclusivamente de si mesmo. Mas, se nos aspectos mais comuns e insignificantes da vida, nem assim o homem tem o poder de estabelece-los, muitas vezes, por que haveria de deter praticamente a totalidade das virtudes necessárias à salvação da alma, garantindo um lugar ao lado de Deus, na eternidade (algo que demandaria uma sabedoria próxima da perfeição)? Se está à mercê de forças externas a si, capazes de determinarem parte do curso existencial terreno, em um aspecto temporal, o que dizer de algo grandioso e dependente de um grau superlativo de virtudes? Ao ponto de ser necessário um estado de harmonia absoluta entre o espírito do homem e o Espírito de Deus? De onde tiraria essa superioridade espiritual sendo detentor de uma alma caída, pecadora e corrupta? Qual transformação seria indispensável à essa conversão? Uma vontade dominada pelo pecado? Controlada pela carne? Em oposição a Deus? 

Alguém dirá: Mas o Senhor derrama a sua graça sobre aquele homem, e ele pode então ver...

Ao que digo: será? Se ele é capaz de vislumbrar as benevolências, o amor, o sacrifício, a misericórdia e a graça divinas, e permanece resoluto em manter o seu estilo de vida, depravado, corrupto, e maldito, terá entendido de verdade quem é Deus? Quem ele é? E, caso não tenha entendido, de que adiantará a graça se não pode, ao menos, movê-lo ao conhecimento divino? Será uma graça inútil, anulada por sua estupidez.
 

Nota: 1- A própria noção de "livre-arbítrio" está equivocada, posto a criança estar "presa", de alguma maneira, a uma coação exterior a si mesmo, ou seja, o personagem "Super-homem", o último filme, a sua fantasia de homem-de-aço, tudo isso cooperando para mover a sua vontade a fim de realizar o ato desejado. O livre-arbítrio não é sinônimo de vontade, pois esta é controlada pelo Espírito Santo ou pelo pecado. Não há meio termo; enquanto o livre-arbítrio pressupõe neutralidade, uma neutralidade livre de qualquer influência ou coação externa e interna (somos, desde cedo, expostos à moral, à ética, a valores sociais, leis, etc, capazes de formar o nosso caráter, e, ao se ter um caráter, levando-nos para um lado ou outro, em nossas decisões, já não somos "neutros", significando na impossibilidade da neutralidade, logo, do livre-arbítrio)
2- Advogo que nem mesmo Deus detém o livre-arbítrio, pois ele não pode fazer, nem como hipótese, algo que contradiga o seu Ser, de maneira que ele somente fará e decidirá por atitudes segundo a sua natureza, e jamais contra ela.
3- Fragmento de um esboço, a tornar-se apostila ou livro, sobre a Eleição Incondicional , portanto, são ideias e exposição preliminares, podendo sofrerem alterações, no futuro.