17 outubro 2015

Um Deus preso no tempo




Por Jorge Fernandes Isah



  
É sempre complicado falar das coisas de Deus, mesmo guiados pelo Espírito Santo, a nossa visão é limitada pela infinitude, transcendência e perfeição divinas, então entender e compreender tudo é impossível, sendo seres limitados e imperfeitos, muitas coisas nos serão ininteligíveis e incompreensíveis, no sentido de sabermos em detalhes explica-las. Devemos, logo, ter a humildade de reconhecer os termos demarcados pelo Senhor a impedir-nos de esmiuçar e descrever toda a verdade. Ainda que nos seja revelado tudo nas Escrituras, tudo aquilo que ele quis manifestar, muitas delas serão aceitas pela fé, sabendo ser a Bíblia a palavra divina, ela é a verdade, e de que, se o Senhor escreveu, independente da capacidade de entender um ou outro enunciado, deve ser simplesmente aceita e jamais questionada, evitando-se a especulação, exatamente por sua complexidade. Enquanto Deus vê o todo, vemos, quando atentamos corretamente, fracionada e parcial. Deve bastar-nos, e ser suficiente para deleitarmo-nos, reconhecer a realidade da Escritura, posto Deus tê-la escrito e revelado, mesmo sem nos dar maiores explicações. Rejeitar algo maravilhoso, sublime, porque não as alcançamos, pela insignificância e limitação da mente e espírito, torna-nos em arrogantes, presunçosos, incapazes de admitir a própria realidade, auspiciando nas divagações e especulações uma vantagem suficiente para igualar-nos a Deus (ou até mesmo tornar-nos superiores), e assim encobrir a debilidade inerente e contemplada na natureza humana.

Eleição incondicional é, então, o ato divino de escolher pessoas entre a totalidade da humanidade caída, condenada, morta espiritualmente, e fazer delas o seu povo, regenerando-as e salvando-as da condenação advinda pelo pecado; sem que elas tivessem condição alguma a favorecê-las na escolha, pois a escolha é dele, feita exclusivamente por ele, pela liberdade e vontade soberanas que ele tem de escolher sem qualquer restrição, coação ou limitação exterior a ele. Deus é absoluto, supremo em suas decisões, implicando ser ele livre para escolher quem quer, da maneira que quer, sem ninguém poder questioná-lo, como Paulo, peremptoriamente, declara em Romanos:


“Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? ” (Rm 9.20)

         Deus livremente escolhe, segundo a sua vontade, de entre os seus inimigos, pessoas as quais separou para serem o seu povo.

           Como Deus é eterno, e tudo relacionado com ele é eterno, a eleição também é eterna. Há várias passagens na Escritura afirmando a nossa eleição antes da fundação do mundo. Esta expressão não está limitada a um momento histórico, a um evento temporal, mas significa que, desde sempre, desde quando o Senhor existe, ela foi planejada, estando sempre em sua mente, assim como a sua causa também é eterna. Pense um pouco, e tente responder: Você pode dizer o motivo pelo qual, não havendo nada em nós a agradá-lo, Deus elege?

 Seria por ele ter antevisto, no tempo, que responderíamos prontamente ao chamado santo do Senhor? De ter ele previsto que alguns creriam e, por isso, predestinou-os à salvação? Esta é, certamente, a resposta mais óbvia, uma solução humana que não contempla a realidade divina, porém tem uma aceitação quase unânime, em nossos dias. Também chamado de presciência, advoga o conhecimento prévio de Deus de todas as coisas como o motivo para a eleição. Acontece haver duas definições de presciência, uma antibiblica e a outra bíblica. A primeira, definida como Deus não estando no tempo, mas este sendo parte da criação, vê tudo e todos num mesmo instante. A dificuldade em se dar um sentido exato à sentença é facilmente verificada em como dispomos de uma linguagem restrita para um conhecimento também restrito. Um instante é uma fração de tempo, contido no tempo, mas não há como abandoná-lo na tentativa de trazer significado ao termo “presciência”, pois, de outra maneira, tornar-se-ia, por completo, incompreensível. Ao dizer que Deus vê tudo num instante, mesmo esse “instante” sendo infinito e eterno, é prova da delimitação reservada ao homem de não alcançar a amplitude indeterminada, a perfeição intangível, a santidade ilimitada, da mente divina. É preciso, muitas vezes, para a nossa compreensão, rebaixarmos a magnitude de Deus ao nível da insignificância humana.
 
Prosseguindo, a ideia de presciência, definida segundo uma ótica não bíblica, tem a conotação de Deus prever, antever, conhecer de antemão, todos os atos e eventos históricos, antes deles se realizarem. Assim, Deus, conhecendo que fulano responderia positivamente ao chamado ou “esforço” do Espírito, através da fé, crendo para a sua salvação, tornou-se um eleito, em definição corrente e usual entre os cristãos. Ao ver os eventos descortinados diante dos olhos, e a resposta positiva do homem, Deus o predestinou, elegendo-o. Encontramos um sério problema nesta definição, posto Deus escolher quem o escolheu, mesmo o fazendo antes dos eventos, mas apenas um momento após vislumbrá-los, antevê-los, significando, de qualquer maneira, que a escolha divina se deu após a decisão, a escolha humana estabelecendo-se efetivamente. Ou seja, do ponto de vista lógico, Deus escolheu depois da escolha do homem, logo, não é, na verdade, a escolha divina, mas a ratificação divina à escolha humana. Somente depois de confirmado pelo antever, Deus tornou-a firme, validando a eleição, cuja causa e origem está no homem, cuja atitude de responder positivamente ao chamado divino é a razão, o agente eficaz que justifica a existência do não existente, sendo a origem da eleição, o ato motivador e o princípio gerador. Deus nada pode fazer, como um agente passivo, se tornando prisioneiro da vontade humana. Mas há algo ainda pior: este esquema faz de Deus prisioneiro do tempo, ou seja, prisioneiro da sua própria criação.

Se a presciência é a antevisão de Deus dos fatos futuros, e ele elege o homem a partir dessa visão, mesmo Deus não estando no tempo, ele estaria “refém” do tempo, posto somente "validar" a eleição após certificar-se da resposta positiva do homem. Ora, há uma visão do futuro, o próprio futuro é um fragmento temporal, e a resposta humana se dará nele, então a presciência, como um “decreto comprobatório” dessa visão, depende essencialmente da resposta transitória do homem, levando a uma decisão temporal, não eterna, tornando o próprio Deus em um ser limitado por sua própria criação. Neste sentido, Deus elegeria e predestinaria somente "após" observar a resposta positiva ou negativa do homem. Há, aqui, uma condição de subordinação de Deus, passível de afetar o atributo da soberania, na qual ele pode tudo, ontologicamente, mas está condicionado à iniciativa humana, no tempo, no sentido de o seu conhecimento, ainda que completo, amplo, o restringe e o faz dependente, podendo tornar-se imobilizado nos casos das respostas serem negativas. Sendo eterno, se sujeitaria a efemeridade, resignando-se a uma mera coadjuvância, não o causador e gerador do ato, mas uma testemunha ocular; onde a sua vontade não é imperiosa, determinante, mas sancionada por uma ação futura, temporal, a não apenas influenciar, mas ocasionar a eternidade. Ou seja, não é o eterno a fundar o tempo, mas uma fração ou frações dele a sedimentar o perene. E a própria ideia de Deus conforme revelado na Escritura tornar-se-ia impossível, ou, no mínimo, questionável. 


Uma analogia possível, guardadas as devidas proporções, seria um copo de suco de laranja ser a causa da existência da laranjeira e seus frutos; em outras palavras, o menor, o suco de laranja, fundacionaria o maior, a laranjeira, quando na verdade acontece o contrário. O temporal nunca poderá justificar e fundamentar o eterno, posto ser este a instituir aquele. E Deus estaria aprisionado em sua própria criação, não somente agora mas para sempre, dadas as consequências da eternidade firmarem-se nas ações transitórias, das quais ele não tem poder de decisão, nem são por ele controladas.

Podemos resumir este estado de coisas em duas frases:

“Deus escolhe, elege, o salvo”. Esta proposição não fere, enfraquece a soberania divina, ou transforma-o em um mero espectador, mas em um agente ativo na ação de escolher. É ele quem, por sua exclusiva vontade, decide, a partir de si mesmo, quem será eleito, sem atentar para nenhum fator externo a ele. 

“O homem, ao responder positivamente, pela fé, é escolhido por Deus”. Esta proposição faz de Deus um agente passivo, que decide a partir de uma ação exterior a si, como uma reação à resposta positiva ou negativa do homem; pois, antes, a sua motivação está associada, ou melhor, parte da resposta humana, da manifestação da sua vontade, sem a qual Deus está incapacitado de condenar ou não, posto o homem ser autônomo e detentor do livre-arbítrio. Em linhas gerais, Deus está em uma camisa de força, imóvel, podendo apenas assentir ao movimento humano, concordando ou discordando mentalmente, mas ratificando-o, independente da resolução tomada pelo homem, a qual, em última instância, põe termo à questão, dando-lhe o desfecho final. 

Isso faz de Deus, em algum aspecto, refém da autonomia humana, de tal maneira que ele estará condicionado a ela, submetendo-se (e a ideia de voluntariedade inexiste como explicação), numa posição subjacente, secundária, ao desígnio estabelecido pelo homem a partir da própria vontade; esta, sim, determinante da eleição, enquanto a divina é apenas confirmatória, e não causativa, ratificando o que Deus já havia vislumbrado, por verdadeiro, pela antevisão. 

Nesse aspecto, a soberania divina é frágil, enquanto a força encontra-se na vontade determinada do homem; e nem mesmo Deus pode demovê-lo para o bem, pois sua vontade permanece imperiosa; assim, se o homem desejar permanecer em sua rebeldia, Deus não poderá fazer nada. Como observador, resta-lhe a condição de testemunha, estando apto a confirmar e declarar o assistido, cumprindo o papel de passividade cabível. Ainda mais angustiante é saber que, segundo essa definição, o Senhor ama a todos os homens, indistintamente, e não pode exercer nenhuma ação visando preservar o objeto do seu amor, antes, porém, deve respeitar e salvaguardar as decisões tolas de suas criaturas, culminando em lança-las, os amados, no Inferno. Após a condenação, o amado tornar-se-á em odiado, e sobre ele a ira e justiça divinas recairá. Temos, via de regra, um deus esquizofrênico, o qual ama suas criaturas, derramando sobre elas a sua graça, morrendo por todas elas na cruz, pagando o sacrifício impossível de ser quitado, mas, na hora “h”, nada disso se torna relevante, pois se o homem não quiser receber todas essas dádivas, pode recusá-las, anulando os seus eventuais efeitos, tornando-os inócuos como uma rosca espanada. 

Outra analogia seria a de um garoto, de dez anos, subir no alto de um prédio de cinco andares, vestido de Super-Homem, e ameaçar atirar-se do telhado. Ele acredita possível voar, e espera alcançar a mesma velocidade do Homem-de-aço, vista no último filme. Ainda que tenha machucado algumas vezes, e tirado sangue de joelhos e cotovelos, sempre reputou ser aquilo fruto de uma kriptonita invisível, enfraquecendo-o. Porém, agora, ele está certo de não haver nenhuma ameaça, nem mesmo tênue. Sente-se corajoso como nunca para realizar o mesmo feito do seu ídolo. Seu avô chega a tempo de impedi-lo, e tenta demovê-lo dessa ideia, dizendo que, se pular, ele morrerá, não verá mais seus pais, seus irmãos, os colegas de escola, não tomará mais sorvete, nem jogará futebol, o seu PlayStation será dado ao irmão caçula, que herdará também o quarto e todos os demais brinquedos... Além do mais, diz, você não é o Super-Homem, o Super-Homem não existe, é uma história, e homem nenhum jamais voou por si mesmo. Então, durante a conversa, ele se aproxima o suficiente para agarrar a criança, salvando-a de precipitar-se no vazio, mas insiste em convencê-la, argumentando, crendo que ela acreditará na própria insensatez e gravidade do seu ato, e pelo seu livre-arbítrio¹ decidirá com correção. Mas o garoto está cheio da conversa do avô e, mentalmente, quer provar que está certo; o Super-Homem não é uma mentira, ele viu, estava lá, voando, atravessando paredes, segurando aviões em pleno voo, mostrando o quanto era hábil no que fazia. Num átimo, lança-se do topo do edifício, estatelando-se no chão. O avô, no momento em que podia segurá-lo, recua a mão, lembrando-se de que a decisão é do netinho, e ele não pode interferir em suas escolhas, mesmo danosas e mortais. Quase teve remorsos, mas entendeu ser impossível ir contra a decisão da criança. Mesmo sabendo que o conhecimento dela da realidade era insuficiente para tomar uma decisão acertada, mesmo sabendo que esteve, até aquele tempo, enganada com a ilusão hollywoodiana de um super-herói voador, que sua mente estava mais afeita à fantasia do que à verdade, mesmo assim, não poderia intervir. Considerou-se impotente, entristecido, mas convicto de haver preservado a vontade da criança, a qual, em última instância, não a teve cumprida, posto não ter voado, nem permanecido vivo, como supunha, chegando a um final impensado e não desejado. 

Se porventura, todos os homens negassem a graça, a expiação e a justificação de Cristo (hipoteticamente, claro, a despeito de muitos já o fazerem efetivos), as quais não saíram da categoria de possibilidades, jamais, e em tempo algum, alcançaram o estado de certezas, elas não teriam qualquer sentido, e seriam um retumbante fracasso. Deus teria malogrado em seu propósito, o de salvar alguns, e ainda hoje, segundo essa visão, ele fracassou, pois, se Cristo morreu por todos e sua graça é resistível, não há eficiência na expiação e justificação, em salvar todos, mas apenas a contingência de, eventualmente, um e outro decidir abandonar o pecado e aceitar a salvação (mais por um mérito pessoal que pelo convencimento sobrenatural); além do quê, Deus passaria o atestado de incompetência.

Diante desta descrição, como não julgar esse "Deus" um miserável, e cego, e nu, submetendo a sua sabedoria, perfeição, santidade e poder, às vontades de suas criaturas imperfeitas, tolas, pecadoras e frágeis? 

Pois bem, a maior parte desse esquema não provém da Bíblia, nem da revelação divina, mas de distorções interpretativas do texto sagrado (ainda que exista uma lógica interna culminando nessa conclusão, contudo, o pressuposto do livre-arbítrio e do tempo, onde a vontade está atrelada, e sob os efeitos da transitoriedade, não se harmoniza com a realidade bíblica, sendo um equívoco) aliadas à especulações filosóficas e a necessidade de justifica-las, tendo como ponto comum a rebeldia e intransigente autoglorificação humana, em que o seu destino depende exclusivamente de si mesmo. Mas, se nos aspectos mais comuns e insignificantes da vida, nem assim o homem tem o poder de estabelece-los, muitas vezes, por que haveria de deter praticamente a totalidade das virtudes necessárias à salvação da alma, garantindo um lugar ao lado de Deus, na eternidade (algo que demandaria uma sabedoria próxima da perfeição)? Se está à mercê de forças externas a si, capazes de determinarem parte do curso existencial terreno, em um aspecto temporal, o que dizer de algo grandioso e dependente de um grau superlativo de virtudes? Ao ponto de ser necessário um estado de harmonia absoluta entre o espírito do homem e o Espírito de Deus? De onde tiraria essa superioridade espiritual sendo detentor de uma alma caída, pecadora e corrupta? Qual transformação seria indispensável à essa conversão? Uma vontade dominada pelo pecado? Controlada pela carne? Em oposição a Deus? 

Alguém dirá: Mas o Senhor derrama a sua graça sobre aquele homem, e ele pode então ver...

Ao que digo: será? Se ele é capaz de vislumbrar as benevolências, o amor, o sacrifício, a misericórdia e a graça divinas, e permanece resoluto em manter o seu estilo de vida, depravado, corrupto, e maldito, terá entendido de verdade quem é Deus? Quem ele é? E, caso não tenha entendido, de que adiantará a graça se não pode, ao menos, movê-lo ao conhecimento divino? Será uma graça inútil, anulada por sua estupidez.
 

Nota: 1- A própria noção de "livre-arbítrio" está equivocada, posto a criança estar "presa", de alguma maneira, a uma coação exterior a si mesmo, ou seja, o personagem "Super-homem", o último filme, a sua fantasia de homem-de-aço, tudo isso cooperando para mover a sua vontade a fim de realizar o ato desejado. O livre-arbítrio não é sinônimo de vontade, pois esta é controlada pelo Espírito Santo ou pelo pecado. Não há meio termo; enquanto o livre-arbítrio pressupõe neutralidade, uma neutralidade livre de qualquer influência ou coação externa e interna (somos, desde cedo, expostos à moral, à ética, a valores sociais, leis, etc, capazes de formar o nosso caráter, e, ao se ter um caráter, levando-nos para um lado ou outro, em nossas decisões, já não somos "neutros", significando na impossibilidade da neutralidade, logo, do livre-arbítrio)
2- Advogo que nem mesmo Deus detém o livre-arbítrio, pois ele não pode fazer, nem como hipótese, algo que contradiga o seu Ser, de maneira que ele somente fará e decidirá por atitudes segundo a sua natureza, e jamais contra ela.
3- Fragmento de um esboço, a tornar-se apostila ou livro, sobre a Eleição Incondicional , portanto, são ideias e exposição preliminares, podendo sofrerem alterações, no futuro.  

 

29 julho 2015

"What Happened, Miss Simone?"








 Por Jorge F. Isah

   
           Ontem, assisti a um documentário da Nina Simone​, no Netflix.

      Primeiro, quero salientar, sou fã da cantora. A sua voz potente, crua e profunda, sempre me emocionou, ao mesmo tempo causando um espanto, surpresa, com as suas variações tonais e uma melodiosa tristeza com rompantes de alegria comedida. Seria, guardadas as devidas proporções, como ouvir um mudo produzir, de uma hora para outra, uma frase operística. Talvez, não esteja expressando-me adequadamente em relação ao seu talento, mas foi o que me veio à mente a primeira vez que a ouvi, e, novamente quando a ouço. Mas não é sobre o seu dom inegável para a música o assunto deste texto. No filme, ficou evidente como ele pode se tornar em uma maldição, quando mal aproveitado, conduzido, e contaminado pelo discurso ideológico, onde a arte deixa de ser arte para se tornar em militância, empobrecendo o autor(a) e o público.

      Foi possível perceber o mal e a destruição que a ideologia fez em sua vida, tornando-a uma paranóica, violenta e solitária, além de drenar e minar todo os seu talento, em nome de uma "causa"; entregando-se de corpo e alma ao ativismo, penetrando as fronteiras mais densas da escuridão, do ódio, do terror, e da escravidão mental e espiritual, numa defesa intransigente do indefensável, da revolta alucinada por um mundo terreno perfeito, onde finalmente seus anseios e deficiências seriam satisfeitos por uma "nova realidade", utópica, etérea, delirante. Na busca por alguma justiça (uma guerra "racial" intentava a supremacia negra na sociedade americana), qualquer meio (protestos, terrorismo, assassinatos) eram legítimos, necessários, mesmo que viesse apenas e tão somente implantar outro padrão de injustiça, mas que, no final, era apenas o restabelecimento de uma justiça perdida, a verdadeira justiça proclamada pelo ativismo negro¹, onde a igualdade significava a humilhação, a transformação e o aniquilamento da sociedade "branca". 

      Nina passou a odiar o mundo (literalmente), Deus, seu país, sua música, a si mesma. Tornou-se em  suicida, aniquilando-se pouco a pouco; não estava preparada para compreender as implicações de sua militância, e deixou-se apenas seduzir por um discurso falacioso de igualdade em que as consequências seriam a perpetuação da desigualdade, da injustiça, usando o seu talento de maneira panfletária, estereotipada, impessoal. Perdeu espaço na mídia, foi rejeitada por gravadoras, acusando-as de lançarem-na no limbo; mas, afinal, o que esperava do seu inimigo declarado? Que ele a munisse de mais subsídios em sua batalha destrutiva? Ou que ouvissem os seus absurdos, aplaudissem-na, louvassem-na, aprovando a insanidade e a indigência moral? Ainda assim, houve espaço, e muito espaço, nos palcos, universidades, protestos, marchas, e em todos os eventos revolucionários da época, sendo uma "garota-propaganda" do movimento progressista americano. O seu talento mingou a olhos vistos... As músicas eram apenas veículos para o discurso de ódio racial (aos brancos), o mesmo que julgava combater, em relação aos negros.

      Acabou por autoexilar-se na África, abandonando a música, odiando-a; abandonando o piano, seu companheiro desde os quatro anos (ensinada por uma velha senhora branca que a patrocinou em suas primeiras exibições, como concertista clássica), odiando-o; jamais se arrependeu da sua militância, mesmo quando abandonada pelo "movimento", visto não lhe ser mais útil. Por fim, acusava a indústria fonográfica, a sociedade branca, os EUA, por todos os males advindos em sua vida, sem jamais fazer um autoexame, crítico, sincero, de seus equívocos.

      Nos últimos anos, acolhida por amigos (os mesmos brancos que desejou mortos), voltou ao jazz, mas sem o brilho da primeira década profissional. Ainda assim era possível ver uma mulher autoritária, intransigente e perturbada com os rumos que sua vida levou, após coabitar no universo revanchista e da luta pelos direitos civis. A sua militância no ativismo negro acarretou-lhe sequelas incuráveis, especialmente em uma alma atormentada, inquisitora e odiosa, incapaz de adentrar a realidade, reconhecer a verdade, absorta em um mundo fictício, cínico, niilista, a atormentá-la incessantemente. Uma vida desperdiçada (ao menos, boa parte dela), enganada pelo discurso "intelectual" da época, buscando significado no absurdo, na mentira, no delírio, tornou-a psicótica, amarga, deprimente, sem identidade.

      No fim das contas, quando não mais era útil, viu-se perdida em um mundo inexistente; porém, sua mente adestrada não quis se libertar, arrepender-se, e manteve-a prisioneira.

      Posso parecer dogmático, insensível, até mesmo cruel, mas quando há obstinação no pecado e uma revolta, em primeiro lugar, contra Deus, as trevas são os lugares mais próximos a nos recolher. Se ela tivesse a honestidade de reconhecer a sua situação, como o salmista teve, perceberia que "um abismo chama outro abismo, ao ruido das tuas catadupas; todas as tuas ondas e tuas vagas têm passado sobre mim" (Sl 42.7). E concluiria, arrependendo-se, como o mesmo salmista, que "assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo" (Sl 42.1-2).

     Vida nenhuma vale a tristeza da inimizade com Deus; e qualquer movimento, nessa direção, significará em destruição e morte, mesmo que o tolo não as reconheça, fruto da própria vaidade ou seja, da própria morte instalada em sua alma.

Nota: 1- Nina Simone estava despreparada para entender as falácias do ativismo negro americano (não tinha a bagagem cultural necessária para criticá-lo, para entender suas contradições e desatinos); entregou-se a ele de corpo e alma, arruinando a sua vida, carreira, e afastando-se da realidade, vivendo em um mundo perdido na sua confusão mental. O problema não está apenas nas universidades, nos sindicatos, na mídia, mas está presente no cotidiano: levar a cabo a loucura e a quem puder se arrastar.
Um abismo chama outro abismo, ao ruído das tuas catadupas; todas as tuas ondas e as tuas vagas têm passado sobre mim.
Salmos 42:

15 junho 2015

Preâmbulo sobre o ativismo cristão



Por Jorge Fernandes Isah




Muito do que escreverei não será novidade para as pessoas que leem, se informam adequadamente (muito além dos jornais e telejornais), e têm acuidade com a realidade. Em especial, os que se interessam por história, e veem-na repetir-se em ciclos, naquilo que de pior ou mais nefasto produziu. Portanto, não esperem originalidade ou descobertas impactantes nas meditações a seguir; são triviais, e estão ao alcance de qualquer um minimamente instruído.

Também, não tenho intenção de ser exaustivo; haverá pontos que apenas os tocarei de leve, visto serem, como já disse, do conhecimento de qualquer um bem-informado, e análises mais profundas e detalhadas podem ser encontradas em diversas fontes, ao alcance daqueles desejosos em perscrutar os temas abordados. Então, cientes de tratar-se de um artigo, não de um tratado, espero que compreendam as suas limitações e, principalmente, as minhas.

Pois bem, após os incidentes da última parada gay, em São Paulo, muito se tem falado sobre a necessidade de reação dos cristãos diante da provocação gratuita do movimento LGBT; opiniões que acompanhei dispersamente, de um modo geral, focando-me em comentários mais abrangentes e profundos de cristãos verdadeiros, os quais conheço com alguma propriedade. 

Primeiro, quero afirmar que, tanto o movimento LGBT, como o MST, prostitutas, abortistas, feministas, sindicatos em geral, e outros movimentos “sociais”, fazem parte do processo de dominação marxista do país (como se ele já não estivesse dominado pela ideologia do Karl e seus asseclas, infiltrados em igrejas, escolas, universidades, Ong’s, e disseminado por quase todo o Estado), e, como tais, clamam por uma “democracia” (seja lá o significado que deem ao termo) onde o objetivo é o controle da maioria pela minoria (um contrassenso e abuso político do termo). A escalada com que os fundamentos da civilização ocidental, cuja origem e sustentação encontra-se na tradição judaico-cristã, está sendo galgada sistematicamente de dentro e por dentro, pela militância marxista, com o fim de se criar uma “nova sociedade” ou uma “nova ordem social”; é algo assombroso, e, ao mesmo tempo, parece inexistir aos olhos da grande massa, como se fosse a “cabeça-de-bacalhau” dos últimos cento e poucos anos: ninguém viu, sabe-se que existe, mas o fato é irrelevante, quase uma teoria da conspiração, já que não há evidências, apesar do restante da carne dar uma refeição suculenta. O apelo a sofismas, tais como liberdade, igualdade e fraternidade (os quais são imediatamente rejeitados tão logo a ditadura de esquerda consolide-se) são o chamariz para a causa ganhar ares de justiça e bondade, levando uma legião de incautos, ignorantes e devotos a abraçarem o movimento como se nele próprio estivesse instalada a essência da piedade e generosidade. 
 
O pressuposto, erradamente deduzido e espalhado como praga pelo Iluminismo, via Russeau, da bondade inerente do homem e de que a sociedade é a causa da sua corrupção (por isso ele postulava a “criação” de um novo homem e de uma nova ordem social, onde a moral baseava-se em princípios naturais, quase animalescos) foi tomado de assalto pelos ideólogos e difundido como a última verdade ocultada pela história, especialmente pelos cristãos que insistiram, por séculos, na ideia dominadora do Pecado Original, da Depravação Total do Homem, com vistas de cabrestear a humanidade, privando-a da liberdade. Para eles, liberdade significa tudo o que podem e possam fazer com os demais da sua raça, ou seja, os homens são “livres” para obedecê-los, seja por vontade própria, sobre coerção, indução, e “jogos” mentais, ou pela força física, pois eles são os salvadores, os novos messias, os restauradores da ordem perdida por séculos de controle religioso, econômico e social (ainda que a sociedade seja uma entidade presumível, ela não tem uma mente, um corpo ou alma a defini-la e identifica-la, não passando de um espantalho). Logo, fica-se evidenciado a necessidade de embutir no discurso os três lemas, jamais alcançados, pela Revolução Francesa: igualdade, fraternidade, liberdade; dando ares de espiritualidade, benevolência, tolerância e amor fraternal, quando, na prática e muito além da retórica, tanto a Revolução Francesa, como todas as revoluções, e onde o marxismo e suas vertentes tomaram o poder (inclusive na Alemanha Nazista e na Itália Fascista), instalou-se o “governo de terror”, onde os indivíduos eram expropriados, torturados e mortos em nome de uma “paz”, de uma perfeição impossível e inalcançável, significando o estabelecimento do controle, do poder e da autoridade estatal. Paz, para eles, é o mesmo que um Estado todo-poderoso, subjugando tudo e todos, livremente. Perfeição é esse mesmo Estado funcionando em máxima potência, sem opositores, inimigos, perseguindo, expropriando, torturando, confinando e matando. Mas, se atentarmos para o fato de o Estado não ser um ente, não passando de um organismo controlado por um grupo de pessoas, a autoridade investida é para aquelas pessoas que formam a burocracia, o poder é para elas, e o controle é delas. São homens vitimando outros homens ao seu bel-prazer ideológico; tirania e despotismo são os sinônimos para a autocracia de uma elite estadista.

Bem, e o que tem isso a ver com os movimentos citados no primeiro parágrafo? É que eles, dentro do planejamento, são instrumentos para a dominação estatal, a ideia de um pequeno grupo, minoria, controlando a vivência social, ditando leis e normas que subvertam a ordem estabelecida, negando a individualidade ou, ao menos, o direito de sê-la, em favor da coletividade presumivelmente ordenada pelo Estado, o seu legítimo executor, como se fossem os “iluminados” (e a relação com o iluminismo não é apenas mera coincidência). O primeiro aspecto a se apontar é este: os chamados movimentos sociais nada mais são do que artefatos destinados a propiciar e fazer avançar o absolutismo estadista, o ápice das revoluções.  

O segundo ponto a se abordar é a necessidade, para se alcançar o “novo homem” e a “nova sociedade”, da destruição dos fundamentos, do alicerce da civilização ocidental, a tradição judaico-cristã e seus ordenamentos, como a família, a igreja, a propriedade privada, a liberdade, a alta cultura, etc, vistos como agentes repressores da “humanidade” (e a definição de humanidade é algo humanamente impossível para eles) e do bem-estar social; ou seja, nada do antigo, daquilo que deu certo (ainda que tenha falhas e equívocos como tudo produzido pelo homem), tem valor ou pode permanecer, senão a revolução não vencerá, não terá êxito. Não pode ficar pedra sobre pedra; todo o edifício deve ruir, para se construir, literalmente, a nova ordem segundo os preceitos marxistas, a imperfeição levada ao máximo, como o vértice da monstruosidade. O mesmo vale para o Islã e sua máquina destruidora: é a violência em suas formas mais bárbaras, odiosas e malignamente alcançáveis pelo homem. Levando, novamente, incautos e ignorantes a abraçarem as duas correntes inimigas como se fossem a mesma coisa, como se seus ideais fossem harmônicos, ainda que tenham o objetivo comum: a erradicação da cultura ocidental (leia-se, novamente, judaísmo-cristianismo). É o famoso “tiro-no-pé”, pois, em qualquer um dos dois sistemas, quando instados ao poder, a minoria, antes hegemônica, vê-se acossada assim como ela mesma fustigou e molestou seus perseguidos. Mas aí, quando a “ficha cair”, será tarde demais para muitos; e a realidade será a própria estupidez, o “nonsense” de uma vida inteira devotada à própria destruição, piscando como neon na consciência, para aqueles capazes de restaurá-la. 

Então, quando vemos a imoralidade via satélite, decantada como uma qualidade, lembro-me da advertência do profeta: 

“Ai dos que chamam ao mal bem e ao bem, mal, que fazem das trevas luz e da luz, trevas, do amargo, doce e do doce, amargo" (Is 5.20)

E do filósofo:

“Quando você não tem virtudes para louvar, começa a louvar seus defeitos, começa a se orgulhar dos seus pecados" (Olavo de Carvalho)

O terceiro ponto é que eles, os progressistas e libertários, rejeitam qualquer senso moral (ainda que, atacados pela imoralidade alheia, levantem suas vozes para a punição do ofensor; uma autocontradição sistêmica), e nada pode ser tratado como imoralidade, a não ser aquilo que pensam, com suas mentes psicóticas, utópicas e formatadas, sê-lo (Ah, originalidade! Onde estás?!). Isso sempre aconteceu, na história. A pós-modernidade e o relativismo é uma doença dos tempos de Sócrates, refutada pelo filósofo como irracional, no livro “Teeteto”, de Platão. Portanto, sempre houve aqueles que, desde o Éden, especializaram-se em evitar a realidade, valendo-se de todos os artifícios, inclusive lógicos, para ocultá-la em favor de uma presunção delirante (Adão e Eva nada mais fizeram do que “fugir” da realidade, negando-a).

O quarto ponto é o de que toda essa leva de imorais, como disse, desde o Éden, não quer ver o óbvio, que, de tão evidente, toma ares de obscuridade, contestável. A Bíblia diz, e a realidade, a vida, a história e o mundo, confirmam-na: 

“Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só” (Rm 3.10-12, cf. Sl 14.1-3 e 53.1-3).

Isto chama-se “A Depravação Total do Homem”, uma doutrina cristã ofensivamente detratada pelo mundo, mas também por boa parte dos cristãos, incapazes de reconhecê-la em sua inexorabilidade. Sem ela, a sociologia, a antropologia, a psicologia, e qualquer outra ciência, está em um beco-sem-saída, em um círculo vicioso, como um cão a morder o próprio rabo (ao exclui-la de seu campo de estudo, não estaria desvirtuando o seu próprio sentido de neutralidade cientifica, dogmatizando-se?).

Como o objetivo deste texto não é acadêmico, mas apenas expor a minha opinião sobre a questão (e explicar a doutrina da depravação seria empreender a elaboração de páginas e páginas sobre o assunto), deixarei os pormenores sobre essa doutrina para outro momento. Importa-nos, contudo, entender que as ações humanas são praticadas por indivíduos, detentores da escolha de fazê-las ou não, e, jamais, produzidas por uma entidade incorpórea, sem mente e corpo, culpada pelos atos estritamente pessoais, logo, praticados por uma personalidade individual, não por um espectro coletivo, um fantasma, um “homem de palha”. Alegar o caráter coletivista da culpa é a tentativa de eximir-se do pecado individual, um subterfúgio para a impunidade. Por isso, cada vez mais os homens introduzem-se a si mesmos em grupos ou associações revolucionárias com o intuito de tornarem-se “invisíveis” quanto as suas transgressões. A medida que nos distanciamos da moral bíblica, sustentadora da ordem social por séculos, adentramos céleres na imoralidade, o salvo-conduto para a degradação e destruição de toda a ordem, e a implementação do caos.

Os cristãos devem, pelo chamado divino, serem luz em meio as trevas (Mt 5.14-16), assim como Cristo é luz (Jo 1.3-4, 8.12), condenar e revelar a malignidade dos nossos tempos (Paulo usa a expressão “não sede conformados com este mundo”, em Rm 12.2), mas, sobretudo, viver uma vida diametralmente distante das práticas mundanas, do pecado, da imoralidade. Não adianta apenas denunciar o mal; deve-se amar e buscar incessantemente o bem, a verdade, somente possível para aqueles que têm um relacionamento sincero e íntimo com Deus, através do único intermediário e intercessor, Jesus Cristo, para que o mundo veja além do discurso, das palavras, mas na ação e disposição de amar a verdade e vivê-la. Não podemos ser como os ideólogos, ouvir o galo cantar, mas não saber onde; dizer uma coisa e contradizê-la com as atitudes diárias. 

Esse é, ao meu ver, a militância cristã no mundo, não uma associação apenas contrária aos grupos disseminadamente imorais e anticristãos; isso seria moralismo; e, para impedi-lo de fomentar um falso cristianismo, faz-se necessária uma efetiva luta contra o pecado pessoal e o alheio, através de uma vida santa e da proclamação do Evangelho de Cristo. Querer a prisão do ofensor, a sua retratação, ou o seu ridículo apenas o tornará em vítima, algo que estão acostumados a utilizarem, e o saberão empregar quantas vezes for necessário, acusando-nos de intolerantes, perseguidores, algozes. Claro, o exercício da punição é algo instituído por Deus aos magistrados, e são eles os responsáveis pelo cumprimento da ordenação jurídica; mas, e quando esses homens, chamados de “ministros de Deus” (Rm 13.4) especializaram-se em aplicar o terror contra as boas obras, absolvendo as más? O que fazer quando estão tão afastados de Deus e sua Lei quanto os criminosos e violadores? 

Este é um dilema, e, sinceramente, ainda não tenho resposta para a questão. Por um lado, penso ser impossível obedecê-los, honrá-los, como governantes, contudo, por outro lado, entendo-os como ocupantes legítimos, ainda que agindo na impiedade, os quais ocupam seus cargos pela vontade soberana de Deus, sem a qual não ocupariam; talvez, como instrumentos de justiça, trazendo calamidade, dor e sofrimento a um povo que abandonou o Senhor (e abandonou-se a si mesmo), e está irremediavelmente opondo-se a ele. Como, um irmão e amigo, disse: 

“O mundo, Jorge, está afastado e sob juízo divino!”.

Quando alguém diz que não quer a sua vida social controlada pelos princípios morais do Cristianismo, no nosso caso, a maioria, exigindo que os cristãos vivam segundo os seus princípios imorais, há uma nítida intenção de absolutizar (em sua quase totalidade são relativistas, os proponentes) a maldição cristã e glamourizar as virtudes anticristãs. Com a desculpa de um Estado laico apelam para o Estado antirreligioso, que nem é tão antirreligioso assim, visto apoiar, inclusive financeiramente, com o dinheiro do contribuinte, as religiões minoritárias, especificamente as de origem afro-indígenas. Então, quando vejo uma chiadeira danada contra os Malafaias, os Edires, os Soares da vida, cujo dinheiro vem de doações e não do despojo tributário, não sei onde começa a burrice e termina o cinismo. Não dou dinheiro para os “vendilhões do templo”, como são costumeiramente chamados, mas sou obrigado, forçado, a financiar os terreiros de umbanda, os “trabalhos” das esquinas, as superstições indigenistas e as paradas gays.  Desejaria não fazer nem uma coisa nem outra, mas o Estado impõe-me a obrigatoriedade de satisfazer os seus caprichos, por mais que arvore uma laicidade inexistente. 

Em linhas gerais, querem impor aos outros o que não aceitam para si mesmos. Dizer que pouco interessa o que os imorais fazem, é dizer: o pecado não tem importância, é irrelevante! Acusa-los de imoralidade é, no discurso progressista, intrusão no direito à liberdade de expressão, porém, é contemporizar o mal, esquecendo-se das sérias e graves consequências advindas. Largá-los à própria sorte, em seus próprios pecados, é faltar com amor a Deus e a verdade, e ao próximo. 

Não reivindico uma “caça às bruxas” ou uma nova “inquisição”, mas calar-se significa assumir não ter nada a dizer, talvez como uma forma de autoproteção, onde outrem não poderá, também, denunciar a sua imoralidade. A omissão, e todos os seus argumentos, são despistes para uma vida afastada da comunhão com Deus e de qualquer traço cristão; ele jamais é passivo, mas um agente, ainda que a sua atuação consista “apenas” na oração pela conversão do iníquo, do imoral, a fim de não somente afastá-lo da imoralidade, odiando-a, mas amando a santidade e vivendo-a. O apóstolo diz: 

“Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14).

Irei mais além, sem a qual, neste mundo, ninguém terá paz; pois uma das características do pecado é a discórdia, a contenda, a inimizade, primeiramente com Deus e, em segundo lugar, com aquele que o teme e o tem por Senhor. Para o mundo, o pecado sequer pode ser nomeado, visto estar em uma balança sem pesos; claro, até que o transigente encontre-se vitimado pelo seu discurso, em apuros, então sairá aos berros como uma menininha assustada, gritando por socorro. Enquanto isso, para ele, o mal não existe, é mais uma construção da classe dominante; o que existe são as circunstâncias, os acontecimentos quase fortuitos, a tornar todos, sem exceção, vitimizados. Nessa demência intelectual, criminosos atacando inocentes para roubar-lhes, inclusive a vida, são igualmente presas das contingências. Acontece que o termo “vítima” traz em si mesmo uma distinção invalidando essa noção psicopática: a vítima é sempre aquela sacrificada em favor do outro, que paga um preço pelo outro, e pode fazê-lo espontânea ou forçosamente. No caso do assaltante, não há a livre-vontade do assaltado em dispor dos seus bens; eles lhe são subtraídos com violência, sob coação, tomados pela força, descaracterizando-se o bandido de qualquer possível vitimização. Pelo contrário, ele é o algoz, o tirano, o usurpador, indubitável. Tente pedir a um ideólogo progressista um só motivo a apontar o infrator como vítima; pois, afinal, o que ele dispõe, em favor do próximo, como prova do seu sacrifício? Na verdade, o único a sacrificar-se, verdadeiramente, pelo outro, foi Cristo. Ele, em sua liberdade santa e perfeita, por sua exclusiva vontade, se deu a si mesmo em favor do seu povo, dos seus escolhidos, da sua igreja, das suas ovelhas. Somente ele se ofereceu em sacrifício, como mesmo disse: 

“Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas... Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido” (Jo 10.11, 14).

Para livrar-nos deste século mau, entregando-se a si mesmo por nossos pecados, segundo a vontade de Deus, sendo ele mesmo Deus (Gl 1.4). Portanto, todo cristão é ativista de uma única causa, a de servir a Cristo e proclamar o seu Evangelho (e, muitas vezes, com sofrimento e dores, perdendo até mesmo a vida, em obediência ao único Senhor); e, assim como Paulo (ele, um mártir), possamos dizer, ao fim da nossa carreira: 

“Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé” (1Tm 6.12).

Resumidamente, é a minha opinião sobre a militância ou ativismo cristão. 

Nota: 1- Hoje, passadas algumas semanas da publicação deste texto, deparei-me com um outro, publicado aqui, tratando do mesmo assunto, o qual não me lembrava mais de tê-lo escrito. Por isso, deixarei o link da postagem para os interessados em compará-los, bastando clicar no título: "Duas Paralelas não se Cruzam"
 2- Outro texto que pode ajudar no entendimento da questão é "A Falsificação do Bem", também publicado Aqui