23 agosto 2010

Quanto à parousia e a verdade







Por Jorge Fernandes Isah

Ultimamente, tenho sido desafiado por alguns irmãos a responder sobre o fato de Cristo dizer que não sabia quando seria a parousia [Mt 24.36]. Confesso que tem me tirado o sono, e cada vez mais me sinto encurralado diante da questão. Por que? Porque, de certa forma, não consegui visualizar Cristo fatiado, dividido ou segmentado em suas naturezas, assim como a Bíblia também não o revela dessa maneira. Mas as atitudes temporais e humanas do Senhor em confronto com sua natureza divina, eterna e imutável, leva-nos a meditar e inquerir em como se dá a comunicação entre elas, de tal forma que Cristo permaneça um só, ainda que tendo duas naturezas; como o Deus-homem permanece uma Pessoa, em que habitam duas vontades e duas mentalidades [1].

Não me furtaria a aceitá-lo como um mistério. Paulo, em várias passagens, nos diz que Cristo é o grande mistério, porém não fala como se fosse oculto, como se não pudéssemos compreendê-lo, mas como algo revelado e tangível pela encarnação do Verbo. Algo que transcende o simples entendimento intelectual, e se acomoda na fé que nos foi dada por Deus. Ou seja, nem tudo quanto à pessoa do Redentor talvez seja explicado e alcançado pela mente, porém ela será convencida pela fé de que os princípios postos na Escritura são verdadeiros, e de que Cristo é real e fielmente descrito por ela.

O que não nos impede de debruçar sobre a Palavra e empreender todos os esforços, esgotando-os, para se chegar ao entendimento do que nos foi revelado por Deus.

Assim não tenho dúvida alguma de que Cristo é tanto Deus como homem, porque esta é a revelação, certamente a mais importante em toda a Escritura. Pela fé, aceito o que não compreendo, mas o que ainda não compreendo busco compreender; se não for possível, pela vontade divina, recebo-o com agrado, como oferta de Deus, porque a minha limitação, incapacidade e imperfeição não podem jamais tornar a verdade em mentira, nem mudá-la ou negá-la. A verdade permanece, mesmo quando não estou apto a interpretá-la.

Parece uma fuga, ou a maneira de se anular a razão, mas não é isso. Simplesmente há coisas que me são por demais intricadas e maravilhosas, e mesmo que eu tenha muita vontade e disposição, não as alcançarei até o dia em que me forem reveladas. É o que nos foi dito: “Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos” [Is 55.9]; pois, “naquele dia nada me perguntareis” [Jo 16.23]. O fato é que a minha ignorância não é desculpa nem argumento para não crer na Palavra, nem minha limitação pode desqualificá-la ou restringi-la. Antes, somente é-me possível sair da prisão, das trevas em que o pecado tem-me trancafiado, pela revelação de Cristo: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida” [Jo 8.12].

Então, há princípios claramente bíblicos que não posso rejeitar, nem me esquivar, pois assim fazendo-o, estarei pondo em risco não somente a minha fé, mas a minha própria vida. Por isso, somos alertados à prudência, à diligência, ao orar e vigiar, ao buscar em Deus as respostas para as nossas inquietações, ao invés de buscá-las em nós mesmos, em nossa pretensa suficiência. O espírito da auto-suficiência apenas manterá o crente recluso em sua insuficiência, numa espécie de auto-anulação, em que as qualidades requeridas para o amadurecimento espiritual estarão suspensas, tornando a vida cristã um sem-sentido, ou quando muito, um sentido incompleto. É o que Paulo diz: “Com leite vos criei, e não com carne, porque ainda não podíeis, nem tampouco ainda agora podeis; porque ainda sois carnais” [1Co 3.2-3], e ainda: “porquanto vos fizestes negligentes para ouvir. Porque, devendo já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite, e não de sólido mantimento. Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino” [Hb 5.11-13].

Há um exemplo que tipifica bem o que estou dizendo, ou tentando dizer. Cristo foi aprisionado e levado para diante de Pilatos. O governador queria entender porque os judeus desejavam matá-lo. Então, fez-lhe algumas perguntas, as quais o Senhor respondeu, deixando Pilatos ainda mais intrigado. Em dado momento, perguntou:

“Logo tu és Rei?”

Ao que o Senhor respondeu: “Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”.

Pilatos retrucou: “Que é a verdade?”.

Então saiu e foi ter com os judeus [Jo 18.37-38].

Interessante como a incredulidade de Pilatos era tamanha que sequer esperou uma resposta. Provavelmente, porque não acreditava, assim como hoje, que exista a verdade; não uma, duas ou três “verdades” que se conflitam e se anulam, exatamente por serem falsas; como o pensamento nos tempos pós-modernos parece levar a uma realidade fora da realidade. Ele não reconheceu a verdade indubitável, infalível, inquestionável: Cristo.

Pilatos não esperou a resposta; disse, “o que é a verdade?” como o maior de todos os arrogantes e tolos, com desdém, rejeitando não somente a afirmação de Cristo, mas o próprio Cristo. Ali encontramos evidenciado todo o pensamento antropocêntrico, em que o homem, por ser incapaz de compreender e entender a realidade, apenas a despreza por não ser digno de aceitá-la. E se lança do abismo, a espera de um chão que não seja duro, inexpugnável, mas que amorteça a sua queda e acolha-o cuidadosamente. Esse homem já está morto, mesmo antes de chegar ao fundo. É apenas questão de tempo. Por isso o Senhor disse: “porque vos digo a verdade, não me credes” [Jo 8.45].

Como o governador, muitos não querem ouvir. Contentam-se com uma suposta verdade que se revelará aniquiladora; contentam-se consigo mesmos; com o tudo que são e podem fazer, sem perceber que estão não-sendo e não-fazendo, ou se são e o fazem, é para a perdição; pois sem Deus, o que há, é o homem incompleto, abandonado e autoprivado pela humanidade; entregue ao castigo e ao sofrimento autoinfligido. Está escrito: “Como o cão torna ao seu vômito, assim o tolo repete a sua estultícia” [Pv 26.11].

Cristo é a verdade, opondo-se à mentira. Cristo é real, opondo-se à ilusão e irrealidade. Cristo é vivo, opondo-se à morte. Cristo é fiel, opondo-se à traição. Cristo é certo, indubitável, opondo-se ao engano e à dúvida. Cristo é, sem jamais poder não ser.

Quanto à parousia, deixarei para outro dia.


Nota: [1] Relutei muito em colocar esse trecho no texto, exatamente porque ele dá a entender a idéia de que Cristo tenha duas mentes, duas personalidades, etc, o que é falso.  Como não encontrei um termo melhor, seria preferível tê-lo excluído, mas mantive-o por me dar a oportunidade de explicá-lo melhor. 
Por duas mentalidades reconheço duas disposições, dois temperamentos, duas intenções diferentes, distintas uma da outra, ainda que não opostas, não conflituosas, não rivalizantes. Com isso não quero dizer que Cristo tenha duas mentes, duas personalidades ou duas pessoas em um só corpo; mas cada "mentalidade" aqui significa uma disposição, um estado de cada natureza.

16 agosto 2010

O Eterno e Perfeito não pode mudar

















 Por Jorge Fernandes Isah


Deus é imutável. E Cristo?...


Do ponto de vista divino, posso afirmar peremptoriamente que Cristo é imutável; como Deus, Ele não muda [Ml 3.6]. E sua humanidade, também? Muitos dirão que não; Cristo é mutável, porque chorou, riu, entristeceu-se, alegrou-se, angustiou-se, morreu e ressuscitou. Mas, o que isso prova mesmo? Que Ele é mutável? Em qual condição? Por quais motivos?

Definamos o que vem a ser imutabilidade, segundo o dicionário Priberam:

Imutabilidade: s. f. qualidade de imutável.

Imutável: adj. 2 gén. 1. Que não é mudável. 2. Permanente. 3. Inalterável, fixo. 4. Constante.

Em linhas gerais, imutável é aquilo que é; em que não se pode acrescentar nem tirar nada; que não está afeito ao tempo nem a variações; que permanece como sempre esteve; que é em si mesmo, sempre o mesmo. Este conceito está diretamente ligado à eternidade e a perfeição, pois o imutável não pode melhorar ou piorar em sua condição perfeita e eterna.

Portanto, Deus é imutável exatamente porque é eterno e perfeito; Ele existe em si mesmo, e foi quem disse: “Eu sou o que sou” [Ex 3.14].

Sabemos que Deus decretou todas as coisas e a sua vontade se realizará irrevogavelmente: “Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras” [At 15.18]. Assim, entendendo-se que as duas naturezas de Cristo não se conflitam, mas colaboram uma com a outra, estando a natureza divina em preeminência em relação à humana, podemos dizer que a humana está subordinada, condicionada, e à serviço da divina. Mas, e se a natureza humana de Cristo não for derivada do homem, ao contrário, a natureza do homem é que for derivada de Cristo? Ou seja, eternamente Ele é Deus e homem, de tal forma que aquilo que nos foi dado através de Adão, no Éden, foi-nos entregue como parte da essência de Deus para nós. Essa é uma conjectura com a qual a maioria dos cristãos, para não dizer a unanimidade, não aceitaria, porém, não vejo onde a Escritura poderia negá-lo, a priori.

Mas voltemos ao decreto eterno. Deus, ao pensá-lo uma única e decisiva vez, preordenou os atos, sentimentos e decisões de Cristo-homem. Portanto, como nós, Cristo tem seus pensamentos, vontade e ações sujeitos a Deus. Nem Ele, nem nós, nem nenhum aspecto da criação são mutáveis, do ponto de vista divino. Explico: o homem é imutável, pois realizará e será exatamente aquilo que Deus planejou que fosse, ainda que no tempo esteja sujeito a mudanças, contudo, elas não são imprevisíveis, surpreendentes, desconhecidas de Deus; nem tampouco acontecem aparte dEle, autonomamente ou decorrentes de uma vontade independente, livre de Deus. Para Ele, cada fio negro da minha cabeça que se torna branco cumpre rigorosamente o seu decreto eterno, da maneira como planejou. Uma ruga nova, um quilo a mais ou a menos, ou qualquer outra alteração física, emocional e espiritual jamais ocorrem livremente, sem que Deus haja ativamente para que se realizem. Assim, não é impossível dizer que o homem, em seu caráter mutável, cumpre rigorosa e meticulosamente a imutabilidade preordenada e determinada pelo Criador.

Para Deus, as mudanças são eternas e imutáveis.

Com isso, não estou colocando Cristo, mesmo a sua parte humana, como elemento da criação. Posso garantir que a sua parte material, o corpo, foi criada: ele nasceu, cresceu e morreu. Quanto à essência humana, a sua humanidade [1], deixá-la-ei em aberto, por enquanto.

De Cristo, podemos dizer que é verdadeiramente imutável; ao contrário de nós, não teve quem o sujeitasse a torná-lo no que é, porque Ele é, sempre! Como disse de si mesmo: “Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou” [Jo 8.58]; e ainda: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso” [Ap 1.8]. Ele é eterno, mesmo na possibilidade de sua natureza humana ser herdada de Maria, sua mãe; mesmo que seja da carne e do sangue de Davi; mesmo como descendente de Adão. Pois quem determinou que assim fosse? Não foi a pessoa do Cristo, em unidade com a pessoa do Pai e do Espírito Santo? É como Paulo diz, referindo-se a Ele: “Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo” [2Tm 1.13]. Infelizmente, há quem tente negá-lo, fazendo-o meramente homem, ou um super-homem, com poderes concedidos pelo Pai; um Cristo bem ao gosto dos monarquianistas [2], apenas uma manifestação de Deus, não uma Pessoa divina, autosuficiente e consubstancial com as demais pessoas da Trindade.

Para Deus não há mutabilidade nas coisas, há mobilidade, no sentido de que elas correrão para um lado ou para outro, numa ou noutra direção, sempre segundo a sua imutável vontade. Acontece que, por sermos finitos e imperfeitos, e estarmos no tempo, vemos o andamento e o desenrolar dos fatos em sua progressão, e até mesmo em sua regressão. Como já disse em algum lugar, a realidade para Deus é móvel, mas imutável, não se arredando uma fração de milímetro do seu plano determinado; enquanto, para nós, é móvel e mutável. Deus a vê completa e infalivelmente acontecendo por sua vontade. Nós estamos nela, sem saber o que ocorrerá um segundo depois, sem explicar como aconteceu um segundo antes. Enquanto falíveis, a realidade é infalível, porém, ambos são inevitáveis, realidade e o homem, porque Deus assim quis; como manifestação da sua vontade imutável. As mudanças, ao acontecerem, não indicam que Deus mudou, porque Ele não muda, nem seu plano muda, nem há nele "mudança nem sombra de variação" [Tg 1.17]; mas simplesmente o curso dos acontecimentos mudou, dentro do plano eterno e imutável, cumprindo-se por sua autoridade e poder.

Então, a criação, como um todo, seja inanimada, animada ou espiritual, é imutável em todos os seus aspectos aos olhos do Senhor, o responsável por dar-lhes existência, conduzindo-as aos termos por Ele organizados. A realidade é de que tanto o planejamento, como a execução, causas, conseqüências, e os fins alcançados, somente são possíveis pelo controle pessoal e autoritativo de Deus ao estabelecê-los.

É impossível dizer que Cristo apenas “recebeu” a natureza humana ou dela se apropriou; na verdade, foi planejada e cumpriu-se eternamente por sua própria vontade, em si mesmo. Desta forma, ao encarnar-se, assumindo a forma humana, no tempo, o seu nascimento, crescimento, emoções e sentimentos, não podem jamais ser prova da sua mutabilidade, pois o que é, sempre foi, no sentido de que sempre soube o que seria, e levou a termo realizá-lo temporalmente, ainda que exista antes da fundação do mundo: “Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai” [Jo 10.17-18].

O eterno e perfeito, não pode mudar.

Cristo, em sua eternidade e perfeição, é imutável.


Notas: [1] Por essência humana, entendo ser aquilo que faz com que o homem seja o que é; aquilo que constitui a sua natureza e o diferencia das demais criaturas, tanto físicas como espirituais, sem o que ele não seria o que é.
[2] Monarquianismo e suas variantes, como o sabelianismo, em linhas gerais, afirmam que Cristo era apenas humano, podendo ser revestido pelo Espírito Santo, ou apenas o "invólucro" no qual o Pai se projetava, se revelava, como o Filho.

08 agosto 2010

Cristo não-dual
















Por Jorge Fernandes Isah

Em nenhuma passagem da Escritura temos a apresentação de Cristo como um ser dualista, onde duas personalidades se apresentam de maneira conflitante, quase a se digladiaram entre si, disputando a primazia, o controle do mesmo corpo. Infelizmente, muitos acreditam ser Cristo um ser dual, onde uma de suas naturezas, ao se manifestar, encobre, isola ou anula a outra. Não há nada que nos leve a essa compreensão. Pois seria possível o Deus ser anulado pelo homem? Ou isolado por ele? Ou Deus estaria simplesmente usando a matéria para manifestar-se humanamente? Quando Paulo nos diz para ter a mente de Cristo, a quem se refere? Quando chamados a ser santos como Ele, a quem se deve imitar? Ao adorá-lo, bendizê-lo, glorificá-lo, estamos separando-o, de tal forma que apenas uma parte será o alvo do louvor? Na eternidade, seremos chamados à glória de quem? E mais, quem nos resgatou? A própria idéia de uma parte de Cristo, a fragmentação de sua Pessoa, por si só deve ser prontamente rejeitada, como um absurdo; e mais do que isso, uma perversão da verdade. Acontecer de se olhar para determinada atitude do Senhor e considerá-la como sendo do homem, enquanto outra é de Deus, faz-nos defender, ainda que inconscientemente um “Cristo” não-Cristo e jamais revelado, posto estar em flagrante oposição a tudo o que a Palavra declara de si mesma [1].

Há de se entender que a nossa imperfeição e má-interpretação nos levará a segmentá-lo como se estivéssemos diante de dois seres, como se dois “Cristos” habitassem o mesmo corpo; como irmãos siameses a espera de serem separados. Porém, é-se impossível dividi-lo, mesmo que alguns se esforcem em fazê-lo. A Bíblia não o trata assim, antes reafirma a sua unidade, como ser indiviso, uma só personalidade, um Cristo apenas; Deus e homem é verdade, mas coexistindo harmoniosamente, sem conflitos, sem disputas, sem incoerências, sem dualismos. Parece-me inadequado, impróprio e leviano dizer que certa ação é do Cristo-homem, enquanto outra é do Cristo-Deus. Cristo é um, e age segundo a sua unidade pessoal, não segundo uma suposta divisibilidade em si mesmo. Ao se dizer que isso é do homem, e isso é de Deus, fazemo-lo um ser duplo, com dupla personalidade, com dupla pessoalidade, duas mentes, dois seres vivendo no mesmo físico, o que, por si só, seria indicativo de imperfeição; quando não do ser esquizofrênico, da Palavra que falha em não se referir a nada ou alguém parecido com ele.

Os apóstolos e os discípulos do Senhor viam-no como homem mas também como Deus em cada uma de suas atitudes, ainda que algumas delas pendessem mais para um lado do que para o outro, sob o nosso olhar limitado e imperfeito, a partir de uma compreensão reducionista. Contudo, pelo testemunho bíblico, não há sequer a alusão de que fosse duas pessoas, nem mesmo distinguiam suas ações. Também para Cristo, ele era tanto um como  outro, o que até mesmo os seus inimigos perceberam e admitiram, ao ponto em que planejaram e executaram a sua morte na cruz. Com isso, não quero dizer que eles creram nele, mas reconheciam que ele se proclamava Deus, sendo homem.

Certa vez, Ele disse, respondendo a uma acusação dos fariseus: “Ainda que eu testifico de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro, porque sei de onde vim, e para onde vou; mas vós não sabeis de onde venho, nem para onde vou” [Jo 8.14].

Claro que Cristo não está a falar apenas como homem, nem apenas como Deus, nem se referindo a qual parte dele veio do céu ou para lá voltaria, nem qual parte testemunhava de si mesmo ou não; nem qual parte era verdadeira ou não. Temos a nítida idéia de unidade, de que as suas duas naturezas não são distintas nem distinguidas [de que não as distinguia], nem ele fala de uma como se não falasse da outra. Para ser mais especifico, Cristo não faz qualquer alusão a um lado divino e outro lado humano, dissociado da sua pessoalidade.  Ele era um, e se proclamava legitimamente como sendo um. Não o vemos dizer: “Eu, como Deus, vou para o Pai”, ou: “Eu, como homem, não vim do céu”, ou ainda: “Eu como Deus não morrerei por vocês, mas apenas como homem”. Ele se assume tanto homem como Deus, em unidade. Com isso, não quero dizer que Deus morra, porque a morte é impossível para Deus; não há como ele se separar de si mesmo, enquanto, para nós, a morte significa a separação de Deus. Da mesma forma que acontecerá conosco, aconteceu ao Senhor, que se separou do corpo, da parte material, ressurgindo com novo corpo, glorificado. Desta forma, ascendeu aos céus, e está sentado  à direita do Pai. 

Assim, também nós, os salvos em Cristo, unidos a Deus, jamais seremos separados dele; haverá apenas a morte do corpo, cuja terra haverá de dar conta, o qual será glorificado, assim como o foi o do Senhor. Em todos os aspectos, tanto o humano quanto o divino não se separaram, pois não podem se separar sem que Cristo deixasse de ser Cristo. E assim como Deus não pode deixar de ser Deus, também Cristo não pode deixar de ser o que é. Quando alguém diz que a humanidade morreu na cruz, dizemos que houve separação, e se houve, Cristo não é mais o mesmo. Ainda que seja unido novamente na ressurreição, em algum momento e aspecto deixou de ser o que era. Portanto, defendo que, na cruz, houve a separação do imaterial e do material na morte; sendo sepultado o corpo; sendo ungido com bálsamos o corpo; o que esteve três dias no sepulcro foi o corpo; o que ressuscitou foi o corpo. Cristo esteve sempre uno, Deus e homem, inseparáveis. Senão, como poderia dizer: “Eu sou”? E isso nos leva à questão da imutabilidade, mas essa é outra história. Para outra hora, quem sabe...

O certo é que, qualquer tentativa de dividi-lo, representará em teologia fragmentada e não-cristã, por conseguinte, não-bíblica. E à conclusões que, se não inviabilizam o Cristo, o tornam em um quase-Cristo, ou seja, em um não-Cristo. E Cristo é, sem jamais deixar de ser, porque é eternamente, ontem, hoje, sempre.


Nota: [1] Cristo também é chamado de a Palavra, conforme 1João 5.7; porque o Evangelho é de Cristo, e podemos dizer que o Evangelho é o próprio Cristo.

31 julho 2010

Suicídio Espiritual


















 Por Jorge Fernandes Isah



Não há na Escritura ninguém a reivindicar que se creia nele mesmo, a não ser Jesus Cristo; porque, de fato, ele é Deus, e ninguém mais pode reclamar o direito à razão da fé do que o próprio Deus. Mas nem todos estão aptos a ver isso. Muitos, nem mesmo querem ver, e apelam para um cristianismo sem Cristo. Para um cristo sem Deus. Para um deus inútil ao homem. Para um homem perdido, mas inexplicavelmente salvo por uma salvação em que a própria humanidade é redentora. Para um céu que é de todos, por direito, pois o inferno é possível apenas aqui, neste mundo. Para pecados desculpáveis, quando o único pecado indesculpável é a justiça divina. Para arrogar santidade, boas obras, mas sempre como um esforço próprio, como um processo “evolutivo” em que o homem interior se auto-regenerará progressivamente, e a justificação imputada por Cristo seria apenas o exemplo daquilo que se pode alcançar como conseqüência da bondade inerente ao homem, uma espécie de autocriação do bem à margem de Deus, o próprio bem. Mesmo os maus não têm do que se preocupar; no fim das contas, “Deus” vai consertar tudo, e a maldade será recompensada pela impossibilidade de ser boa, como uma “pobrezinha”, uma “coitadinha”, que não tinha consciência da perversidade, pois a ignorância quanto ao bem é o salvo-conduto para se aperfeiçoar e praticar o mal. Afinal, nascer e viver no mal é uma boa desculpa para não fazer o bem. E tem funcionado, pois nunca o mal foi tão amado, contemporizado, e minimizado entre os cristãos; ao ponto em que o pecado é um sofisma, a ser considerado apenas por mentes doentias e retrogradas.

Deixando a digressão de lado, voltemos ao foco: Cristo. Como disse, somente o Senhor avocou para si que os homens cressem nele; e, na Bíblia, somos chamados à fé apenas em Deus. Então, quando ele diz: “Credes em Deus, crede também em mim”, pois, “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim. Se vós me conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai; e já desde agora o conheceis, e o tendes visto” [Jo 14.1, 6-7], está simplesmente afirmando a sua divindade, pois quem o vê, vê a Deus. Como também Paulo asseverou sobre ele: “O qual é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação... porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse” [Cl 1.15,19]. De forma que Deus falou, nos últimos tempos, pelo Filho, o qual é o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, a quem constituiu herdeiro de tudo [Hb 1.1-3].

Ora, mas há os que tentam invalidar a Escritura dizendo que Cristo não se nomeou Deus, e os autores inspirados jamais o proclamaram como tal. Eles tentam nadar contra a maré, da mesma forma que um defunto pode pedalar um velotrol numa montanha-russa. O absurdo dos absurdos; e em suas presunções, logram-se sábios, quando não passam de loucos [Rm 1.21-22]. Para tanto, têm de rejeitar a inteligência, a lógica, a verdade, a fim de se entregarem às artimanhas mais vis que o espírito humano pode engendrar. Pois, como resistir, por exemplo, às evidências escriturísticas?

Vamos a algumas delas:

1- “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” [Jo 1.1];

2- “Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou” [Jo 8.58];

3- “Eu e o Pai somos um. Os judeus pegaram então outra vez em pedras para o apedrejar... não te apedrejamos por alguma obra boa, mas pela blasfêmia; porque, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo” [Jo 10.30-33];

4- “E quem me vê a mim, vê aquele que me enviou” [Jo 12.45];

5- “Nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus” [2Co 4.4];

6- “... e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo” [Jd 4];

7- Jesus disse ao paralítico: “Filho, perdoados estão os teus pecados”, ao que alguns escribas arrazoaram, dizendo: “Por que diz este assim blasfêmias? Quem pode perdoar pecados, senão Deus?” [Mc 2.5-7];

8- “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” [Is 9.6];

9- “Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue” [At 20.28];

10- “Dos quais são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém” [Rm 9.5];

11- “E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Deus se manifestou em carne, foi justificado no Espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, recebido acima na glória”[2Tm 3.16];

12- “Aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Senhor Jesus Cristo” [Tt 2.13].

Como é possível, diante dessas evidências, que alguém ainda defenda a não-divindade de Cristo [e há um volume muito, mas muito maior na Escritura acerca dela]? Porém, o pior, o inconcebível, são pessoas que se dizem “cristãs” acreditarem, como ebionistas e arianos, que Jesus é um homem muito especial, um ser criado magnífico, mas nada além disso; não podendo jamais ser Deus.

Por Cristo vir buscar e salvar o que se havia perdido [Lc 19.10], o que implicará automaticamente na condenação dos que não forem salvos e mantêm-se dispersos no pecado, ao ver deles, é-se necessário desqualificá-lo, diminuí-lo, para, primeiro, anular o Juízo de Deus, depois a redenção, e então propor, à revelia da Bíblia, uma obra cujo valor é apenas moral, um exemplo de coragem, coerência e desprendimento para todos os homens.

O reflexo direto desse posicionamento é a descrença. Primeiro, por não levar em conta a revelação divina no texto bíblico e, segundo, por não levar em conta o próprio Deus. O que há é o desejo acalentado de atrair o homem para uma liberdade incapaz de tirá-lo da escravidão [2Pe 2.19]: a irrestrição para se pecar descaradamente, ainda que a noção de pecado esteja tão corrompida pelo próprio pecado, que não pareça pecado.

O pior é que conceitos não-cristológicos, ou seja, não-bíblicos, estão sendo sutilmente propagados nas igrejas e seminários; pequenos desvios, quase subliminares; heresias reformuladas e adequadas ao padrão de desconhecimento e pouco caso para com a Escritura, refletindo uma espécie de cultivo esmerado e tenaz da ignorância, em que a verdade dá lugar a mentiras travestidas de meias-verdades, como se fossem verdades. O discurso é aparentemente bíblico, mas não se está a exibir o que a Bíblia diz; eles buscam uma proximidade, e até mesmo se utilizam de expressões escriturísticas para dissimularem seus reais intentos, e seduzirem os tolos; e fazem crer que o Cristo não-revelado é o revelado, e assim, concluírem sua obra demoníaca. É o que Pedro diz: “haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão ao Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição. E muitos seguirão as suas dissoluções, pelos quais será blasfemado o caminho da verdade” [2Pe 2.1-2].

No fundo, o homem natural apenas repete a si mesmo em seus muitos erros, acreditando na autonomia, na independência e autosuficiência em relação a Deus. Ele se encontra tão cheio de si, achando possível encontrar um significado no próprio homem, que erra enquanto acredita acertar, e perde a razão, tornando-se um ser ridículo, uma figura burlesca, um farsante que se orgulha de seus embustes; convencido de que não é trapaceiro, pelo hábito de trapacear.

Por isso, Cristo diz: “morrereis em vossos pecados, porque se não crerdes que EU SOU, morrereis em vossos pecados” [Jo 8.24].

E muitos já estão, sem sabê-lo, cometendo suicídio espiritual.

24 julho 2010

A Paz











Por Jorge Fernandes Isah

Farei uma postagem um pouco diferente de todas até aqui. O motivo? É que, nesta semana, recebi o vídeo abaixo, o qual me fez meditar no que está escrito: "E morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará, e o bezerro, e o filho de leão e o animal cevado andarão juntos, e um menino pequeno os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, seus filhos se deitarão juntos, e o leão comerá palha como o boi. E brincará a criança de peito sobre a toca da áspide, e a desmamada colocará a sua mão na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar" [Is 11.6-9].

Não entrarei nos mendros escatológicos, por pura ignorância mesmo, mas sei de alguns irmãos que não se furtarão a fazê-lo. Sejam bem-vindos! Mas mais do que a discussão sobre os "fim dos tempos", quero revelar a minha imensa alegria com a esperança da promessa de que a nossa paz está em Cristo, o Renovo [v.1] ao qual o profeta se referiu, e levou-o a dizer: "Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz" [9.6]

Paulo confirmou-o: "Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto. Porque ele é a nossa paz" [Ef  2.13-14]

Não uma paz meramente ideológica, alcançada por meios humanos; não uma paz fomentada em gabinetes e discussões infandáveis e inócuas; não uma paz pela força, conquistada pelos quartéis e tropas; não uma paz que humilha e corrompe, destrói e expropria o espírito; não uma paz ao custo de arames farpados, grilhões, perseguições e morte. Ainda que a promessa seja de que o mal e os malfeitores serão castigados no fogo eterno ["Não há paz para os ímpios, diz o Senhor" Is 57.21], o que não é injusto, mas prova da justiça; a paz que Cristo nos dará [e já nos deu] não será forçosa, muito menos enganosa, como aqueles que prometem-na enquanto seus corações estão fincados na guerra, na dor e no sangue do próximo. Eles são os que levianamente tentam curar a ferida do povo, dizendo:"Paz, paz; quando não há paz" [Jr 8.11]. Na verdade, ou são tolos por proclamarem o engano, acreditando cegamente nele, ou fraudulentos, agindo dolosamente, com má-fé, em conformidade com a malignidade daquele a quem querem satisfazer os desejos, o diabo, o qual "foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira" [Jo 8.44].

Creio firmemente que, como cristãos, devemos buscar reformular o mundo, a partir da Escritura, não a partir de movimentos sociais e políticos [ideologicamente antropocêntricos], ainda que devamos e tenhamos o dever de participar, como Igreja, nesses segmentos, como a luz que Cristo faz brilhar em nós. Pode parecer incoerente o que estou a dizer; mas digo que é-nos possível participar de quase todos os movimentos artisticos, sociais e políticos, a fim de salgá-los e iluminá-los, porém, sem jamais usar as lentes humanistas, mas sempre com a mente de Cristo, firmados na Palavra, sem concessões, relativizações ou associações com as forças do mal. Na verdade, estamos proibidos de agir segundo os padrões do mundo, segundo as diretrizes traçadas pelas mentes envoltas em trevas, para não sermos confundidos com eles, "porque ninguém pode pôr outro fundmento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo" [1Co 3.11].

Muitos entenderão que estou sendo radical, e de que as coisas não são bem assim. Dirão que o homem, por viver no mundo, pode se associar ao que não está claramente contra o Evangelho. É interessante que o argumento utilizado quase sempre justificará a cooperação com o que é flagrantemente contra o Evangelho. Ou seja, estará a justificar a carnalidade e impiedade, quando a Bíblia exorta-nos, em todo o tempo, à separação, a nos afastar e rejeitar tudo o que se oponha à verdade. Não é assim que Paulo nos alerta a agir? "Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas? E que concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que parte tem o fiel com o infiel?" [2Co 6.14].

Há muitos que se dizem cristãos mas praticam o anticristianismo. Há muitos que se dizem discípulos de Cristo, quando estão a servir a Belial. Há os que insistem na associação de luz com trevas, quando a luz dissipa e destrói as trevas. E há ainda os que se dizem justos e estão a praticar a injustiça, em nome da justiça, movidos pelo engano e prazer na injustiça. Exemplos práticos despontam aos borbotões: "crentes" de todos os tipos a testemunhar o falso evangelho, acorrentados à dissolução, seja ideológica [os que se unem a materialistas/marxistas, p. ex.], seja física [entregues à prostituição, embriaguez, pornografia], seja moral [aqueles que furtam, corrompem, estorquem, fraudam, lesam, matam]; e mesmo os que não as praticam,  pecam quando "também consentem aos que as fazem" [Rm 1.32].

A sabedoria do mundo tenta nos enrodilhar, nos atrair com palavras doces e aparentemente inofensivas, quando o objetivo é nada mais do que nos destruir, e fazer-nos alinhar aos esquadrões do mal, e assim tornar-nos loucos para Deus. E o que isso quer dizer? Que daremos mais importância para aquilo que Deus tornou loucura, e desprezaremos o que Deus fez sabiamente: salvar os crentes pela loucura da pregação [1Co 1.21].

Não há evangelho sem Cristo crucificado. Não há evangelho sem arrependimento. Nem sem confessar pecados; sem remissão. Sem novo-nascimento. Sem nos revestir de Cristo. Não há evangelho sem morte; nem ressurreição. Não há evangelho sem tristeza, nem vergonha pelo que somos. Mas também não há sem a alegria e esperança do que seremos. E o que querem nos dar é um evangelho caquético, que nos lançará, como naúfragos, do mar de enxofre para o lago de fogo; um evangelho que, de tropeço em tropeço, levará inevitavelmente à queda definitiva, a rejeitar a verdade, permanecendo incrédulos, e soberbos na tolice inflexível. Porque acreditam possível enganar a Deus; creem nas suas espertezas, e na possibilidade de dissimularem seus intentos, ao ponto em que os manterão secretos, como a conservar intactos seus disfarces; contudo, esquecem-se de que o Senhor vê tudo, nada escapa-lhe, como sentenciou: "Ai dos que querem esconder profundamente o seu propósito do Senhor, e fazem as suas obras às escuras, e dizem: Quem nos vê? E quem nos conhece? Vós tudo perverteis, como se o oleiro fosse igual ao barro, e a obra dissesse do seu artífice: não me fez; e o vaso formado dissesse do seu oleiro: Nada sabe" [Is 29.15-16].

A escuridão é densa, e não podem realmente reconhecer a verdade, "porque o Senhor derramou sobre vós um espírito de profundo sono, e fechou os vossos olhos, vendou os profetas, e os vossos principais videntes... Porque o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca, e com os seus lábios me honra, mas o seu coração se afasta para longe de mim e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, em que foi instruído" [Is 29.10,13].

Mas nós podemos, porque nos foi dado alcançar a graça e a fé pela pregação da Palavra; e recebemos o Espírito de Deus, para conhecer o que nos foi dado gratuitamente por Ele, uma vez que o homem  espiritual "discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido. Porque, quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo" [1Co 2.15.16].

Sobre o vídeo, não sei dizer se haverá animais na eternidade. A Bíblia, em várias passagens proféticas, nos mostra a imagem de animais convivendo com os homens. Não sei dizer se são apenas simbólicas ou efetivamente acontecerão. Ao meu ver, talvez por gostar de animais e pensar limitadamente, creio que haverá nos novos céus e terra, o convívio pacífico entre os homens, e entre eles e os animais. O que me dá essa certeza é o trecho em que Paulo fala da esperança de que também a criatura será libertada da servidão da corrupção, para a mesma liberdade da glória que temos, como filhos de Deus. Para concluir que "toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora" [Rm 8.22], e de que espera, como nós, a adoção, a saber, a redençao. 

Então, temos uma prévia do que poderá ser a eternidade, como nos diz o profeta no início deste texto. 

Não sei se o Kevin Richardson é cristão. Se não for, mais do que rolar, acariciar e ser "afagado" pelas feras, deveria desejar sê-lo para participar de todas as bênçãos em Cristo, as quais Deus fez abundar nos filhos da adoção, revelando-nos o mistério da sua vontade, para congregar todas as coisas em Cristo, "na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra... com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós o que primeiros esperamos em Cristo" [Ef 1.10, 12].

Richardson talvez esteja experimentando o que faremos em plenitude na eternidade. Certamente com a alegria e perfeição que jamais alguém alcançará neste mundo, pois lá, o faremos no amor de Cristo, e para a glória dAquele que primeiro nos amou.


19 julho 2010

Pecado, a tragédia!















Por Jorge Fernandes Isah

Nos últimos anos, temos lido e ouvido uma avalanche de justificativas para as tragédias que têm acometido o mundo: tsunamis, terremotos, enchentes, seca, e muitas outras catástrofes que nos têm deixado atônitos. A pergunta que não quer se calar é: qual a relação entre essas tragédias e o pecado?


Muitos apelarão para o deus que se surpreende com um tsunami ou um terremoto. Outros dirão que ele abriu mão da sua onipotência e onisciência para sentir e sofrer como nós, logo, estando impotente para agir diante das desgraças, e mesmo da vontade do homem; um pobre-coitado preso na própria armadilha, sem chance de se libertar. Outros, ainda, alegarão que deus não está nem aí para este mundo. Haverá os que defendem a soberania da natureza, a eco-divindade, a deusa Gaya dos tempos modernos, que está a se revoltar contra as agressões perpetradas pelo homem. Porém, o fato é que:


1) Deus é soberano; e nada acontece alheio ou contra a sua vontade: “Eu sou o Senhor, e não há outro. Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas” [Is 45.6-7]; “Tocar-se-á a trombeta na cidade, e o povo não estremecerá? Sucederá algum mal na cidade, sem que o Senhor o tenha feito?” [Amós 3.6].


2) Deus controla e coordena todas as coisas, inclusive as mais insignificantes e desprezadas; ao ponto em que muitos se perguntam: Por que Deus se importaria com isso?... Ele tem mais o que fazer!


Acontece que Ele é Deus, o Criador de todas as coisas; e se foram criadas, foram-no com um propósito definido, irrevogável, ultimado, a produzir eficazmente os resultados que determinou antes da fundação do mundo; portanto, por que o Senhor deixaria ao léu a criação? À própria sorte? Como está escrito: “E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?” [Dn 4.35].


3) O cerne da questão é: até que ponto o Deus bíblico pode deixar de ser Deus? Até que ponto Ele pode abandonar a sua criação e continuar Deus? E se existe alguma autonomia nas coisas, seja na natureza ou no homem, Deus permaneceria Deus, o Todo-Poderoso, o Soberano, Senhor de tudo? Não, porque Ele mesmo diz de Si mesmo: “Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará... Porque o Senhor dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão está estendida; quem pois a fará voltar atrás?” [Is 14.24, 27].


Algo que o crente jamais poderá duvidar é na completa, plena, irreversível e inexorável soberania divina, com o risco de se comprometer a fé bíblica e ser achado entre os que rejeitando a fé e a boa consciência “fizeram naufrágio na fé”[1Tm 1.19]. Então, sejam os tsunamis, os terremotos, incêndios, pestes, ou um tiro desferido ao “acaso” e que vitimou alguém, ou uma doença incurável, tudo estará magistralmente sob o domínio do Senhor, sem que um mísero fio de cabelo caia por indiferença, ao contrário, ele cairá sempre e infalivelmente segundo a autoridade dAquele que decretou eternamente que caísse: “Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? E nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai. E até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados” [Mt 10.29-30].


Assim, dizer que Deus não quis que milhões de pessoas morressem desgraçadamente, vitimadas por calamidades naturais é, para dizer pouco, uma blasfêmia; quando não, o reflexo do ceticismo, da autoidolatria, da não-conversão, em que muitos, por não aceitar a verdade, refestelam-se na mentira. Pois como Ele diz: “Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus” [Is 45.5]. Se alguém está a crer em outra coisa, seja o homem, a ciência, ou em outro deus qualquer, jamais a fé estará depositada no Deus bíblico, o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. 


Acreditar que o "acaso" ou forças impessoais dirigem o universo, e de que Deus é um mero espectador, impassível ou angustiado em sua impossibilidade de ação, é estar imerso na mais falsa e espúria corrupção, ao ponto em que Deus é desfigurado de tal maneira que não guarda nada em sua essência que seja verdadeiro. Resta aos defensores dessas doutrinas assumirem as consequências de não terem a mente de Cristo; e urge voltarem à Palavra, sob pena de serem por ela declarados culpados [Jo 12.48].


Voltando à pergunta inicial, qual a relação entre as tragédias e o pecado? É certo afirmar que o pecado não tem nada a ver com as catástrofes pessoais ou coletivas? Errado! Porque não entender que todas as coisas acontecem pelo vontade ativa do Senhor torna o homem num tolo, já que "na sua mão está a alma de tudo quanto vive, e o espírito de toda a carne humana" [Jó 12.9-10]


A primeira conseqüência do pecado foi a morte do homem. Não a morte física, mas a morte espiritual. O homem foi separado de Deus. E pode haver conseqüência pior, mais danosa? Foi o Senhor quem disse a Adão: “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” [Gn 2.17]; o que também foi confirmado pelo profeta: “Cada um morrerá pela sua iniqüidade” [Jr 31.30]. A pior morte não é a corrupção da carne, sendo ela também reflexo do pecado, mas a separação profunda e intensamente letal de Deus.


Em Gênesis, após o pecado de Adão e Eva, Deus os amaldiçoou, bem como a serpente; e lê-se: “maldita é a terra por causa de ti [Adão]; com dor comerás dela todos os dias da tua vida... No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque és pó e em pó te tornarás” [Gn 3.17, 19]. Ou seja, o pecado do homem afetou não somente a sua condição, mas a condição de toda a criação, que clama pelo dia em que será redimida também: “Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela, mas nós mesmos que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo” [Rm 8.22-23]. O pecado é o maior de todos os males, a desgraça potencialmente destrutiva e que, se minimizado, representará a completa destruição daquele que negligencia sua nocividade, sendo indulgente para com ele.


Paulo diz: “Mortificai, pois, os vossos membros, que estão sobre a terra: a fornicação, a impureza, a afeição desordenada, a vil concupiscência, e a avareza, que é idolatria; pelas quais coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência” [Cl 3.5-6].


Podemos afirmar, seguramente, que as tragédias não têm nada a ver com o pecado? E que não acontecem como manifestação da ira divina? Em quais bases os “apologistas” desta doutrina se firmam para garanti-la?


Será, porventura, no Salmo 78.31? “Ainda lhes estava a comida na boca, quando a ira de Deus desceu sobre eles, e matou os mais robustos deles, e feriu os escolhidos de Israel”.


Ou será em Atos 5.1-10? Quando Ananias e sua mulher venderam uma propriedade, retiveram parte do dinheiro, e depositaram o restante aos pés dos apóstolos? “Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, e retivesses parte do preço da herdade? Guardando-a não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder? Por que formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus. E Ananias, ouvindo estas palavras, caiu e expirou” [v. 3-5].


Pode ser Atos 13.8-12? Em que Elimas, o encantador, resistia a Paulo e Barnabé, diante do Procônsul Sérgio Paulo, procurando afastá-lo da fé? Ao que Paulo disse: “Ó filho do diabo, cheio de todo o engano e de toda a malícia, inimigo de toda a justiça, não cessarás de perturbar os retos caminhos do Senhor? Eis aí, pois, agora contra ti a mão do Senhor, e ficarás cego, sem ver o sol por algum tempo. E no mesmo instante a escuridão e as trevas caíram sobre ele e, andando à roda, buscava a quem o guiasse pela mão” [v.10-11].


Porventura seria 1 Samuel 5? Em que os filisteus tomaram a arca de Deus, colocando-a na casa de Dagom? “Porém a mão do Senhor se agravou sobre os de Asdode, e os assolou; e os feriu com hemorróidas, em Asdode e nos seus termos”[v.6].


A arca foi passada de mão em mão, e a peste se alastrou sobre aqueles que retinham a arca de Deus: “A arca do Deus de Israel será levada até Gade... E sucedeu que, assim que a levaram, a mão do Senhor veio contra aquela cidade, com mui grande vexame” [v. 8.9]. “E os homens que não morriam eram tão atacados com hemorróidas que o clamor da cidade subia até o céu” [v.12].


Quem sabe em Levítico 10? “E os filhos de Arão, Nadabe e Abiú, tomaram cada um o seu incensário e puseram neles fogo, e colocaram incenso sobre ele, e ofereceram fogo estranho perante o Senhor, o que não lhes ordenara. Então saiu fogo de diante do Senhor e os consumiu; e morreram perante o Senhor” [v.1-2].


Ou ainda, em 2 Samuel 6? “E, chegando à eira de Nacom, estendeu Uzá a mão à arca de Deus, e pegou nela; porque os bois a deixavam pender. Então a ira do Senhor se acendeu contra Uzá, e Deus o feriu ali por esta imprudência; e morreu ali junto à arca de Deus” [v. 6-7].


Acho que não...


Assim como esses versos, há uma profusão de outros versos na Escritura que revelam o castigo divino sobre os rebeldes, sejam castigos físicos ou espirituais, ou ambos. Dizer que Deus não castiga o pecador é um grande engano. Da mesma forma, muitos querem humanizá-lo a partir de falsos pressupostos, como se o crente não devesse se utilizar dos pressupostos bíblicos. Por isso, muitos desprezam a Escritura, querem desacreditá-la, reescrevê-la, reinterpretá-la, a fim de atender aos objetivos mais vis e desprezíveis que a alma humana pode conceber. Há uma legião de falsos crentes que estão sistematicamente a deflagrar em outros o seu ceticismo, ao ponto de acreditarem apenas na própria tolice. Estão a entoar uma canção fúnebre, marchando em direção ao abismo, evitando qualquer contato com a sabedoria que vem do alto [Ecl 7.5].


Um dos argumentos mais usados para defender o não-castigo para o pecado é o trecho em que Cristo fala sobre os galileus, presente em Lucas 13. Segundo o argumento deles, diga-se de passagem distorcido, se Cristo diz: “Cuidais vós que esses galileus foram mais pecadores do que todos os galileus, por terem padecido tais coisas? Não, vos digo; antes, se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis” [v. 2-3], é sinal de que não foi pelo pecado que aqueles homens padeceram a tragédia [esses galileus foram mortos e tiveram o sangue misturado com os seus sacrifícios no templo, por Pilatos]. Porém, não é isso que o Senhor afirma, pois, o que está a dizer é: todos são pecadores, e não foi porque alguns pecaram mais que sofreram mais; contudo, mesmo não pecando tanto como aqueles, se não se arrependerem perecerão de igual modo. O Senhor está chamando a atenção não para o grau de pecado, se maior ou menor, mas para o fato de que pecando, seja em qual nível for, sem arrependimento estarão todos condenados à morte. Ou seja, o pecado será sempre punido, de uma forma ou de outra.


Outro trecho muito utilizado é o de João 9. Ali, os discípulos ao verem um cego de nascença, perguntam: “Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus” [v.2-3]. Apressadamente, muitos dirão: "Viu! O mal não sobrevém por causa do pecado. O cego não fez nada para merecer a cegueira, coitadinho! Senão, como explicar que ele nasceu cego? E por que eu não nasci cego?".


Especificamente, nesta questão, Cristo disse que a cegueira daquele homem era para que a obra de Deus fosse manifestada nele. Cristo o curaria diante dos olhos incrédulos dos judeus, ao ponto em que o cego daria testemunho não somente diante da assistência atônica [“desde o princípio do mundo nunca se ouviu que alguém abrisse os olhos a um cego de nascença” v. 32], mas também diante dos fariseus, da incredulidade e hipocrisia deles, que consideravam transgressão Cristo curar no Sábado. Aquele homem foi instrumento para revelar ao mundo que em Cristo está manifestada a glória de Deus, pelas obras que Ele faz em nome do Pai; “a fim de que os que não vêem veja, e os que vêem sejam cegos” [v.39]; mas mais do que isso, para revelar que era Deus, e não estava sujeito à Lei, ainda que a cumprisse integralmente. Há também uma referência explícita à cegueira espiritual em que o homem natural está imerso, e somente Cristo pode tirá-lo da sepultura, das trevas em que se encontra, trazendo-o para a luz, salvando-o da condenação. Logo, não há argumento aqui a isentar o homem de sofrer pelo pecado; pelo contrário, todos sofrerão por causa dele, de um jeito ou de outro. Mesmo nós, os remidos pelo sangue de Cristo na cruz, não estamos livres dos seus efeitos, o que acontecerá somente na eternidade, quando seremos impossibilitados por Deus de pecar, feitos santos como santo é o seu Filho Amado.


Em outra passagem, Jesus curou um homem que se achava enfermo trinta e oito anos. O Senhor se aproximou dele sabendo que estava doente há muito. Depois de algum tempo, eles se encontraram novamente no templo, e Jesus disse-lhe: “Eis que já estás são; não peques mais, para que não te suceda alguma coisa pior” [Jo 5.14]. Ao meu ver, o Senhor está a falar de um pecado específico cometido por aquele homem no passado e que motivou a enfermidade, ou simplesmente de pecados genéricos. De qualquer forma, o aspecto geral de sua exortação era para que ele evitasse o pecado a todo custo, resistindo-lhe.


Como nos exemplos anteriores, vemos que existe a punição física pelo pecado também aqui, tanto no aspecto individual como coletivo. Com isso, não quero dizer que devamos sair à caça dos pecados alheios, apontando-os e usando-os como justificativa para a tragédia na vida humana. Porém, Deus em sua soberania, pode dispor de cada um de nós da forma como quiser, como melhor lhe convém, sem que possamos, com isso, acusá-lo de qualquer delito ou desvio de caráter. Deus é santo, perfeito, justo e Senhor. Cabe-nos reconhecê-lo como tal, e a Ele dar honra e glória, para sempre. Sem nos esquecer de que o pecado será punido, de que o infrator, ao rejeitar o nome de Cristo como Senhor e Salvador, estará irremediavelmente perdido. Porque a verdade não pode ser desfeita, nem alterada, mas permanece imutável, garantida pelo próprio Deus: “Eis que todas as almas são minhas; como o é a alma do pai, assim também a alma do filho é minha: a alma que pecar, essa morrerá” [Ez 18.4].


Deixar-se iludir pelo pecado, ainda que ele tenha uma aparência atrativa,  representará a morte; pois ele é fatal, e cobrará o seu salário no tempo devido [Rm 6.23].

13 julho 2010

A vontade de Cristo














Por Jorge Fernandes Isah

Dando continuidade ao tema do último post, e tratando de um assunto tão ou mais complexo do que aquele, ousarei falar sobre as vontades de Cristo. Primeiro, um esclarecimento:

Não tenho pretensão de ser a última palavra em nada. Reconheço minhas muitas limitações e incapacidades, mas se estou a tratar de alguns assuntos quase “tabus” entre os cristãos, com uma perspectiva diferente da adotado por Concílios, Sínodos e Confissões, deve-se ao fato de não concordar completamente com suas declarações, percebendo erros e distorções em relação ao texto bíblico. O que não quer dizer desprezá-las, nem quem as professa integralmente. Há, contudo, posições que me são inconciliáveis, originárias da má-conclusão das declarações ou decorrente da minha incapacidade de compreendê-las adequadamente.

De qualquer forma, tanto elas, quanto eu, somos feitos da mesma matéria: a imperfeição; portanto, não há infalibilidade em nenhum de nós. Por isso, exorto que o meu texto e outros materiais sejam lidos, mas, sobretudo, que a Escritura tenha preeminência sobre qualquer decisão que se vá tomar, sendo ela a última e definitiva palavra final. Oro para que Deus nos ilumine e capacite a compreender e buscar sempre a verdade.

Mais do que a simples polêmica, o meu objetivo é fazer com que meditemos sobre assuntos praticamente “mortos” entre nós, que têm sido negligenciados, e que abandoná-los significa comprometer o conhecimento de Deus. Além de serem assuntos que têm me instigado e me levado a estudá-los, os quais são fundamentais para a Igreja se manter firmemente fundada no Evangelho; sem outra pretensão a não ser expor o meu pensamento.

Então, vamos ao tema propriamente dito: a vontade de Cristo.

Não farei um apanhado histórico, por motivos óbvios. Mas definirei dois termos que serão importantes no decorrer da exposição, e que suscitou muitas disputas no passado, e ainda hoje é alvo de má-interpretação:
1) Monotelismo: doutrina que admite em Cristo duas naturezas, a humana e a divina, e uma única vontade. 
2) Duotelismo: doutrina que defende a existência de duas naturezas e duas vontades naturais em Cristo.

Resumo de alguns conceitos cristológicos:
1) Cristo é plenamente Deus e plenamente homem, contudo, sem pecado.
2) Cristo, portanto, tem duas naturezas: a divina e a humana, bem como duas vontades perfeitas e não-contrárias, sem que Ele seja duas pessoas, mas uma unipersonalidade.
3) As duas vontades de Cristo não se conflitam, coexistindo harmoniosamente; em que a vontade humana está sempre sujeita ou subordinada à vontade divina.
4) Cristo é o sujeito pessoal único e indivisível, cujas ações humanas e divinas são atribuídas a apenas um agente, que é o Deus-homem.

O dilema é: como duas vontades distintas podem subsistir em uma mesma pessoa? Não parecem necessárias duas pessoas para se ter duas naturezas e duas vontades? Acontece que há um princípio governante supremo entre as duas vontades: Deus.

“Afinal de contas, como também crêem os da ortodoxia histórica, o controle da personalidade do Redentor é dependente de sua natureza divina, portanto, com vontade divina. A vontade humana de Cristo sempre esteve submissa à vontade divina”[1].

Como alguns querem entender, não vemos nenhuma alusão de que a natureza humana de Cristo seja independente da divina, como se fosse algo além ou um acréscimo ao Logos; ao ponto em que é impossível distinguir-se nas ações do Senhor quem operou o quê, se a parte humana ou a parte divina, tendo-se em vista que Ele é Um, unio personalis.

Ao se fazer qualquer distinção e, por isso, a impossibilidade de Deus deixar de ser Deus e ainda continuar a sê-lo [o esvaziamento a que muitos se referem], estar-se-á invariavelmente comprometendo a sua unipersonalidade. Desta forma, o communicatio idiomatum ou comunicação de propriedades, na qual ambas as naturezas, divina e humana, passaram a ser propriedades da pessoa de Cristo, e a ela são atribuídas, remetem-me ao Logos. Em outros termos, o que estou a dizer é que ambas as naturezas do Redentor procedem do Logos, o Verbo, de tal forma que a natureza humana procede de uma única hypostasis [existência pessoal]: o Verbo eterno! Afinal, o Logos é o sujeito da encarnação.

Há uma única personalidade, a do Deus-Filho, o que não quer dizer que a humanidade de Cristo seja impessoal ou anipostática, a qual afirma que a natureza humana do Filho não constitui pessoa. A personalidade do Filho, ou seja, a sua natureza, suas propriedades essenciais, sempre existiram, são eternas, a despeito da encarnação. De tal forma que, “se o Filho não tivesse se encarnado, seria uma pessoa da mesma maneira... A natureza humana de Jesus Cristo existe somente em união com o Logos e pela união com ele, não tendo existência própria à parte dele. Essa natureza humana não tem subsistência independente”[2].

Uma outra forma de dizer o mesmo é que “a natureza humana de Cristo não ficou sem hipóstase, mas se tornou hipostática [personalizada] na Pessoa do Logos”[3].

Se voltarmos à minha afirmação na postagem anterior, veremos que disse o seguinte: 

"Apenas para não deixar a pergunta sem resposta, a qual poderei esmiuçar em 
outra postagem, acredito [sem me aprofundar no assunto], que o Cristo-homem é 
eterno, ainda que assumisse a natureza corpórea no tempo, pela encarnação, mas 
desde sempre foi o Verbo, Deus e homem, como os apóstolos dizem:
"O segundo homem, o Senhor é do céu" [1Co 15.47]
"Como também diz, noutro lugar: Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem 
de Melquisedeque" [Hb 5.6]
"O qual, na verdade, em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas manifestado nestes últimos tempos por amor de vós" [1Pe 1.20]
"No princípio era o Verbo, e o verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus" [Jo 1.1]"


Mas o que isso tem a ver com hypostasis e anipostasis?

A questão é que, rudimentarmente, afirmei uma posição que se pode chamar de “união enipostática” [ainda que ela não esteja completa e corretamente definida no que escrevi], ou seja, Cristo sempre foi a eterna segunda pessoa da Trindade, o Verbo, o Filho de Deus, “com uma natureza humana e sua própria natureza divina, e é a “pessoa” das duas naturezas”[4]. Em outra palavras, Cristo é o Logos que se fez homem, carne, e a ele pertencem tanto a natureza divina como a natureza humana, e de quem a Escritura trata em sua inteireza, totalidade, não compartimentado. 

Do ponto de vista lógico, pergunto: Cristo é santo? Cristo é perfeito? Cristo é puro? Cristo é justo? Cristo é sábio? Cristo é impecável? Se afirmamos que estes e outros atributos divinos estão presentes em Cristo, teremos de aceitar também a sua eternidade e imutabilidade. Não dá para dissociar Cristo Deus do Cristo homem, pois as duas naturezas é que o tornam o Cristo, o Filho de Deus. 

Senão, de qual forma entenderemos a sentença: “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente” [Hb 13.8]? Vejam bem a relação desta afirmação de Paulo[5] com os versos de Apocalipse: “Graça e paz seja convosco da parte daquele que é, e que era, e que há de vir, e da dos sete espíritos que estão diante do seu trono... Eu sou o Alfa, e o Ômega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso... E eu, quando o vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me: Não temas; Eu sou o primeiro e o último” [v. 4, 8, 17].

Como já disse outras vezes, é impossível se adicionar alguma coisa ao Perfeito, seja muito ou pouco; é-se impossível adicionar ou aumentar algo à Pessoa, sem que a Pessoa deixe de sê-lo, portanto, afirmar que Cristo é, sempre, mas, de alguma forma, passou a ter, após a encarnação, algo acrescido à sua essência, parece-me insensato e irracional. Falar de Deus, o Verbo, Cristo e Jesus, separadamente, como se estivesse a distinguir uma porção ou parte divina e uma porção ou parte humana, é indicativo de que se está a falar de duas pessoas, não de uma, a qual é o Senhor Jesus Cristo, a segunda Pessoa da Trindade.

Paulo diz que fomos eleitos em Cristo com todas as sortes de bênçãos espirituais antes da fundação do mundo e predestinados para filhos da adoção nEle [Ef 1.4-5]. Se cremos no eterno decreto, como é possível Deus nos eleger eternamente através de algo temporal? E se a natureza humana de Cristo está na carne, e se ela é limitadora da sua natureza divina, ao ponto de se crer possível Deus esvaziar-se de Si mesmo, como explicar a imutabilidade, onisciência, onipotência de Deus? Pode Cristo deixar de ser Deus em algum aspecto e momento? Pode Cristo deixar de ser humano em algum aspecto e momento? Se pode, não estamos falando do ser imutável e perfeito, mas de um ser mutável e imperfeito.

Por isso, dissociar Cristo de Cristo, seja em qual condição ou por qualquer justificativa, não me parece bíblico, nem lógico.

Seguindo este padrão, entramos na questão da vontade do Senhor. Como definido nos termos iniciais, desde os primórdios da Igreja debatia-se se Cristo tinha uma ou duas naturezas, se era uma ou duas pessoas, se possuía uma ou duas vontades. A questão é: seria possível Cristo ter uma vontade, mesmo que seja um simples desejo, uma expectativa ou probabilidade, contrária à vontade de Deus? É concebível Cristo, como Deus e homem, ter duas vontades conflitantes, antagônicas, discrepantes? Até que ponto Ele pode querer algo que se choque com o divino?

O Senhor disse: “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” [Jo 6.38]. Neste versículo é possível conceber dois ensinos:

1) O de que Cristo, Deus e homem, tem apenas uma vontade, que é a vontade da Pessoa, Cristo, resultando em um ato como conseqüência de uma decisão tomada [monotelismo]. Assim, há uma vontade, a de Cristo, que é a mesma daquele que o enviou, o Pai. Cristo tem uma vontade, que o levou a decidir fazer a vontade do Pai.

2) O de que Cristo, Deus e homem, tem duas vontades, as quais não são conflitantes mas consoantes, ambas colaborando harmonicamente, como duas energias em operação, por causa da suas duas naturezas, resultando na ação da Pessoa, Cristo, sem que a natureza humana seja um mero instrumento da vontade divina, sendo parte essencial da pessoa completa de Cristo [duotelismo]. Assim, há duas vontades que têm o mesmo propósito e se comunicam, levando Cristo a decidir fazer a vontade daquele que o enviou, o Pai.

Do ponto de vista soteriológico, a natureza humana de Cristo tem de ter uma vontade, não independente, não autônoma da sua natureza divina, mas concorrendo juntamente com ela para que Ele decida-se e aja unanimemente de acordo com elas, pois, de outra maneira, não haveria possibilidade dEle ser verdadeiramente humano, não podendo ser o Salvador.

Como Deus controla todas as coisas, inclusive as vontades, pensamentos, desejos e ações humanas, por mais que se possa intelectualmente dividir as vontades de Cristo em duas, elas serão sempre uma: aquela decretada por Deus. Por onde se raciocine, especule ou filosofe, no fim das contas, o que vale mesmo é aquilo que foi decretado na eternidade. Por isso, as vontades, mesmo de Cristo, não podem estar sujeitas a variações, não podem ser mutáveis, nem díspares, nem se indisporem. E a sua vontade humana estará sujeita e condicionada àquilo que a natureza divina estabeleceu para sempre, porque "Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade" [Fp 2.13]. 

Do ponto de vista ontológico, o ser de Cristo tem duas vontades, contudo a vontade humana não pode, em nenhum aspecto, anular ou reformular a vontade divina, alterando-a; e se são duas vontades com um único propósito perfeito e santo, onde todos os seus elementos são idênticos e concorrem para o mesmo objetivo, não há porque falar em dupla vontade, mas numa única vontade, coesa, indissolúvel, inseparável. De tal forma que Paulo chegou à seguinte conclusão: de que Deus opera em nós o que “perante ele é agradável por Cristo Jesus, ao qual seja glória para todo o sempre. Amém.” [Hb 13.21].  Ou seja, a vontade de Cristo é a vontade Deus, de tal forma que ele a quer operada em nós, “porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois a ele eternamente. Amém.” [Rm 11.36].

De outra forma, não teria o Senhor dupla personalidade? Não seria Ele ambíguo, esquizofrênico, indistinguível e não-real? De maneira nenhuma; pois nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade [Cl 2.9], logo, a perfeição.

Porque Cristo é um. E sua vontade, única; irretocável.

Notas: [1] “A União das Naturezas do Redentor”, Heber Carlos Campos, Ed. Cultura Cristã, pg. 47.
[2] Idem. Pg. 55
[3] História da Teologia Cristã, Roger Olson, Ed. Vida, pg. 250
[4]  Idem, pg 251
[5] Já disse anteriormente que não considero Hebreus um livro anônimo, mas, conforme a tradição histórica da Igreja, parte dos escritos do apóstolo Paulo; e, porque a minha Bíblia, ACF, da Sociedade Bíblica Trinitariana, considera-o como de sua autoria.