31 maio 2009

DESTRUIR O NÃO CONSTRUÍDO*
















Por Jorge Fernandes Isah


Há um ditado popular que diz: "Política, religião e futebol não se discutem". Quem o afirma, faz-no com um ar de infinita sabedoria, como se essa atitude fosse capaz de promover a paz mundial. Na verdade escondem claramente outras evidências e deficiências:
Primeiro, de não terem convicção que os capacite e qualifique a discutir esses e outros assuntos. 
Segundo, de que são desinformados, e desconfiam da própria capacidade de levar a conversa a um padrão mínimo de argumentação; o que provavelmente torna-los-á alvos fáceis ao ataque, sentir-se-ão vulneráveis ao raciocínio alheio. 
Terceiro, proferem-na com um sorriso e olhar superiores, quando estão a afirmar apenas a própria inferioridade e apatia. É o artifício vulgar, o atestado de burrice do ignorante; mas muito mais do que isso é a covardia daquele que não quer se preparar. Por que abordar este assunto? 
Por dois motivos: 
1- Ao agirem assim eles estão renegando a si mesmos, e estarão renegados, à ignorância, pois dizem claramente: "não quero entender nem conhecer, e tenho raiva de quem sabe!". A consequência é que se sentarão não muito confortavelmente na escuridão, e permanerão ali cultivando a preguiça mental que aproxima-los-á cada vez mais da mediocridade; a serem facilmente dominados pela ignominia e pela imprudência. 
2- Jamais se envolverão em questões pertinentes e essências à vida. A consequência é que ficarão a cargo e nas mãos de outros menos qualificados e dotados, contudo, menos medrosos, ainda que o destemor se reflita apenas na arrogância de proferir asneiras e mentiras como se fossem verdades. Os omissos terminam por transferir aos vaidosos e tolos a sua razão, ou pelo menos a possibilidade de se ser razoável, entregando-lhes o seu juízo.
Vivemos o momento em que ter convicção é sinal de radicalismo, primitivismo, e de que ela invariavelmente colocará as pessoas em pontos extremos, e isso equivale a incitar a violência, a intolerância, e o caos social. Tal assertiva é insustentável, e por si mesma algo sem pé nem cabeça. É claro que não estou a dizer que todas as opiniões arraigadas são verdadeiras; porque para tê-las como verdade é necessário possuir pressupostos que a sustentem, e que estejam de acordo com as regras da lógica. Ainda assim podem ser falsas, se as premissas estiverem erradas. 
Mas como saber que um convicto está certo? O debate é uma das maneiras. Então excluir o debate é favorecer às falsas crenças, é a certeza de mantê-las intocadas em todas as suas falácias. Isso serve tanto para se discutir as questões relacionadas à origem da vida (criacionismo, D.I., darwinismo) quanto ao governo e a sociedade provocar-nos a legitimar o gay como um "terceiro" sexo (mesmo com os votos da maioria ou por decreto-lei essa provocação é irracional, estapafúrdia, e deliberadamente artificial).
Acontece que não discutir essas e outras questões está relacionado ao fato da maioria das pessoas simplesmente desconhecê-las, e não querer conhecê-las. Preferem sorver o caldinho pestilento que as ideologias diabólicas (literalmente falando) fabricam e enfiam goela abaixo dos indolentes. E isso não acomete apenas aos não crentes (o que é natural) mas, para a nossa tristeza, também aos cristãos.

A VERDADE E O ENGANO MENTAL
Quando afirma-se que a Bíblia é a regra de fé e vida, o crente não pode desprezar suas doutrinas e ensinamentos com o risco de ser um mentiroso e um falso crente. Ao contrário, se o Evangelho é o norteador, ele será relevante e insubstituível para formar e moldar a opinião quanto ao certo e errado, em conformidade com o padrão moral divino. Assim o caráter do crente estará modelado à semelhança do caráter de Cristo; e somente se irá à sociedade defender os valores cristãos, capacitado a opor-se a tudo o que é antievangelho, combatendo o pecado e os sofismas, se a mente por trás dessas decisões for a mente de Cristo. 
Se não se conhecer a Palavra, a qual foi dada uma vez aos santos (Jd 3), como diretriz, a molamestra que nos revelará a verdade em todas as questões e assuntos da vida, como pode-se ser luz em meio as trevas? 
Pode-se ter a ilusão de ser qualquer coisa, até mesmo confundir essa coisa com a luz, mas jamais será luz, pois é apenas a ausência de luz... "Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus" (Jo 3.21). A verdade não se oculta ou esquiva-se, ela é a própria luz, os que são iluminados e capacitados pelo Espírito Santo a entendê-la, para proclamá-la, após o entendimento. 
Alguém poderá dizer: "você está errado. Somente Jesus é a luz". Sim, Cristo é a luz! E nós, o que somos? "Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte; nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa" (Mt 5.14-15). Ao chamar-nos de luz, Cristo o faz não porque somos capazes, santos e salvos por nossa própria honra e mérito, mas porque não nascemos do "sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus" (Jo 1.13). Somos capacitados, feitos santos e redimidos pelo Seu sangue e poder que operam em nós, tirando-nos das trevas e conduzindo-nos a Si mesmo, a fim de não sermos como os incrédulos, nos quais o deus deste século cegou o entendimento "para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus" (2Co 4.4). Note que Cristo é luz, o Evangelho é luz, e somos luz (não luzes, porque a única luz se reflete nos eleitos), pois Cristo a produz em nós, pelo poder da revelação da palavra de Deus. 
Sem a compreensão das doutrinas bíblicas é possível pregar o Evangelho de Cristo? E algo ainda pior: é possível conhecê-lO? Como? Pela sensação, misticismo, subjetivismo? Ou seria o medo de ser confrontado pela verdade, pela revelação objetiva da palavra, e manter-se diante de um cristo que se afigura ser o que Cristo não é? E se o cristo seguido é uma miragem, como pode o discípulo viver como santo? Se não é santo, não é bíblico, porque a palavra de Deus é a verdade, e somente os santos são santificados na verdade (Jo 17.17). Portanto, a revelação acolhida é proveniente de outra fonte, do próprio pai da mentira, o maligno, que, sob os trajes de santo, insufla as pessoas a relegar a doutrina à irreflexão, através do falatório irracional de que se há debate, então a teologia não presta, nem ao menos deve ser considerada. Então, "tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo" (Cl 2.8).
O esquema de satanás é frágil mas eficaz, já que os descuidados aventuram-se a acreditar na primeira bobagem que lhes é contada e, imprudentemente, sem o escrutínio do texto bíblico, numa fé cega e tola, afastam-se mais e mais da realidade do Evangelho, numa falsa idéia da verdade, o engano mental. Por isso, "ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência" (Ef 5.6); mas o diabo não precisará de muito esforço para manter os seus corações entorpecidos; eles mesmos se encarregarão de colocá-los em bandejas e servi-los com requintes de zelo ao inimigo. 
Então, àquele que diz servir não serve, e de quem quer fugir se submete, num esforço inútil de construir enquanto destrói o que não foi construído. Essa mente está completamente obliterada pelo pecado, e urge-nos ouvir a ordem do Senhor: "Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, não aconteça que as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem" (Mt 7.6).

O QUE É, E SERÁ, JÁ FOI! 
Referindo-se a Si mesmo, Cristo declarou: "conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" (Jo 8.32). Cristo libertará os eleitos de todo o engano, dúvida, prisão e mentira, e da falsa suposição de que Deus quis se revelar fora da Escritura. Logo, é possível se opor à verdade sem se opor a Cristo? Ou seria a impossibilidade de conhecê-lO que o faz opositor da verdade? 
Pense nisso antes de refugar uma discussão. Há as que não valem realmente a pena; mas se não tentar, como saber? Como e quando se deve aplicar a exortação de Paulo? "Ao homem hereje, depois de uma e outra admoestação, evita-o, sabendo que esse tal está pervertido, e peca, estando já em si mesmo condenado" (Tt 3.10-11). Depois de uma e outra admoestação... isso não representa uma disputa excessiva, interminável; mas o hereje há de ser advertido primeiramente antes de ser abandonado. 
Há tempo para tudo, e "tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu" (Ec 3.1). E o tempo se expirou. Porque "o que é, já foi; e o que há de ser, também já foi" (Ec 3.15). Não se cale, ore; para, naquela hora, o Espírito Santo ensinar o que se convenha falar (Lc 12.12).
* Uma abordagem diferente, e muito melhor, pode ser lida no Frases Protestantes, do Ranieri Menezes.

15 maio 2009

NATURAL






















Por Jorge Fernandes

Encurralado, a vergonha bate à porta, como um sinal sem resposta,

Uma explicação sem jeito, vazia, inócua, somente o mal a levar-me a efeito,

À desonra que não ignoro, e se esconde nos gritos,

Mas não abafam a dor que inflige, o sofrimento desnudado,

Pois o que fiz divide-me, e as partes colaboram para o temerário,

E a lágrima descuidada, não apaga o dito nem o feito anos a fio.

O torpor camufla-me; na impossibilidade de encará-lo nos olhos,

Desvio-os ao longe, onde não revelem o quanto a minha alma indistinta

Pode refletir-se nas águas turvas da bravata, onde a névoa oculta com traços de civilidade

A fraqueza moral instalada no pecado, os irmãos siameses,

A levar-me ao abandono, ao digladiar insano contra Deus.

O vexame diante da verdade, a olhá-la de esguelha, a esperar o descuido,

Para tomar as rédeas daquilo de mais sórdido construído.

É o canto esmaecido do pardal, a resposta que não vem à tona,

Solapada em toneladas de impurezas,

A desculpa é o favor que me concede continuar por tudo o que passei e não remediei,

O que para trás ficou, segue-me adiante, a fazer-me pior do que fui um dia,

E a chuva a encharcar-me não lava a sujeira e o odor fétido a cobrir-me,

No qual me atolo como um barco encalhado, no refúgio de não poder livrar-me,

Não há como soltar-se sozinho, não há força nem movimento útil,

Apenas é-se capaz de ir mais rápido ao fundo, qual objetivo alcançado,

Restando o grito de desprezo a soluçar em gorgulhos,

O afogar-se no inútil esforço, o descontrole de não ter o escape,

É a desculpa para insistir nos erros.

Já senti isso muitas vezes, passei por isso outras tantas,

Basta seguir o mal levianamente, e ele nos levará a imolar até mesmo o que não temos,

É-nos emprestado, será cobrado com juros, e nos deixará nu como terra assolada,

Nem mesmo as cinzas perdoarão, enquanto reviro-me no mover contra Ele,

Pois não é possível o mundo me absolver, se está a cumprir sua própria pena.

A evasiva não passa de pilhéria, é o medo de não parar até ser arrancado e posto no patíbulo...

O silêncio é o risco assumido, o perigo que não se acaba.


07 maio 2009

COMENTÁRIO A JÓ 1.13:22 - PARTE 2




















Por Jorge Fernandes



Após saber da morte dos filhos, "Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a sua cabeça, e se lançou em terra, e adorou" (v. 20). Ele se sujeitou à vontade do Senhor de uma forma tão resignada, que somente alguém dominado pelo Espírito Santo de Deus poderia assim agir. É fantástica a assertiva bíblica de que "e adorou", mesmo diante de todas as terríveis notícias, de ver o seu mundo virado ao avesso, de sofrer e entristecer; o coração submisso de Jó contemplou a soberania de Deus, Seu poder e sabedoria, restando-lhe, inevitavelmente, adorá-lO; reconhecendo a sua finitude e dependência, confessando por legítimo o que foi dito do homem: "porquanto és e em te tornarás" (Gn 3.19). 

E mais, convencido de que não tinha nenhum direito diante de Deus, de que não poderia apelar a nada, nem mesmo como homem justo, e de que Deus detinha todas as prerrogativas sobre ele como o genuíno Senhor de tudo o que possuia, inclusive, o de dispor até mesmo da sua vida. Não é isso o que Jó nos disse? "Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor" (v.21).
 
Ele reconheceu que o mal, ainda que seminalmente, é o bem nas mãos de Deus. "Provai, e vede que o Senhor é bom; bem-aventurado o homem que nele confia" (Sl 34.8). Não foi o que José constatou, de que Deus transformara o mal em bem (Gn 50.20)? E Paulo não se convenceu do mesmo? Ao escrever que "todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (Rm 8.28)? Mesmo que seja o mal? E se o mal concorre para o bem, logo o mal não é o bem também? Usando as palavras do Natan Oliveira: "Para nós é mal... Mas para Deus, tudo concorre para o bem, logo até o mal visa um bem, logo não é mal..."

O mal não é mal quando procede de Deus, porque tudo quanto Deus faz é bom, isso é algo que há de se entender: por definição escriturística, Deus não pratica o mal. O mal é criação de Deus e está no nível das criaturas, portanto, somente pode ser realizado por elas. Somos nós, o diabo, e os anjos caídos que exercem e exercitam o mal, predestinado pelo Deus pessoal da Bíblia que o determinou inteligente e imutavelmente como todos os demais eventos no universo. 

Quando Deus diz que faz o mal (p.ex., Is 45.7), usa de um antropomorfismo que é a forma de se fazer entender pela linguagem humana; e ao dizê-lo confirma que é o Supremo Soberano sobre tudo, e de que nada escapa-lhe, pois tudo procede da sua vontade, a qual é plenamente realizável, não havendo chance de ser frustrada. Portanto, não há outra força ou poder; Deus tem o poder absoluto, e tanto o bem como o mal são controlados por Ele. 

Para nós há o mal e o bem porque Deus assim o estabeleceu através da Lei Moral. Mas a Lei Moral não vale para Deus, somente para as suas criaturas, pois está no nível da criação, sobre a qual Ele exerce autoridade, o pleno direito que tem como Criador de sujeitar todas as coisas à Sua vontade, sendo sempre benigno. Assim, Deus não está sujeito à Lei, visto tê-la criado para os homens, e não para Si (como o Criador pode se sujeitar ao objeto criado?); então, é impossível a Deus pecar, Ele não pode pecar, o pecado não exerce nenhuma influência sobre Deus (negativamente) que, como Juiz, pune o pecador (reação positiva contra a rebeldia), o qual é quem efetivamente comete o pecado, e sobre quem está a autoridade justa e santa de Deus.

Mas muitos dirão: "E a ira de Deus, é boa?". Para Deus (e devia ser para nós também), tudo o que Ele faz é e sempre será, em todas as situações, santo, perfeito e bom. Porque tanto a santidade, como a perfeição e a bondade têm em Deus o seu padrão único, não apenas máximo, mas singular. A ira de Deus é boa porque faz parte da Sua natureza, e por ela conhecemos a Sua justiça. Veja bem, se Deus não tivesse criado o pecado e o mal, como seria possível que conhecêssemos a Sua santidade e retidão, e assim pudesse manifestar a Sua ira? Sem o mal criado seria possível ver o bem em Deus? Sem o pecado criado seria possível reconhecê-lO santo e imaculado, e por ele manifestar a Sua equidade? Não. A menos que Deus criasse uma outra criatura que não fosse o homem. Então, por que escolheu criar o homem? Por que assim Ele quis, e ponto. A revelação bíblica não pode ser questionada quanto mais Deus; como Paulo deixou patente, inapelável: "Ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?" (Rm 9.20). É preciso dizer mais alguma coisa?
 
Jó entendeu que a sua condição diante de Deus, como criatura, o tornava integralmente submisso à Sua autoridade e vontade, e de que devia render-se em completa humildade, e assumir a sua inferioridade face ao Deus sábio e bom. Por isso o texto anuncia que, decisivamente, ele em tudo não pecou. Qual era o seu pecado possível? Contestar a vontade divina. Contestar os atos divinos. Contestar a sabedoria de Deus. E como muitos fazem, contestar a soberania de Deus sobre tudo e todos. Esses são pecados, porque ofendem o Ser de Deus, a Sua natureza, pela falta de fé, e a desconfiança de que Ele é capaz de decidir justamente.
 
Murmurar é, nada mais nada menos, o queixar-se de Deus, é considerar os Seus propósitos falhos, imperfeitos, injustos, e de que, em nossa soberba, podemos fazer melhor do que Ele faz. Jó poderia ter murmurado, porém não teve o mesmo pensamento que derrubou satanás e 1/3 dos anjos do céu; que levou Adão e Eva ao pecado; e que destruirá a cada um dos rebeldes que se atrever a intentá-lo. 

Jó não pecou, porque assim Deus quis que agisse.
 
Portanto, mesmo rasgando suas vestes, rapando a cabeça, pranteando, e sofrendo como poucos, não atribuiu "a Deus falta alguma" (v.22).

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Para ler o comentário a Jó 1.1-12, click AQUI
 

02 maio 2009

COMENTÁRIO A JÓ 1.13:22 - PARTE 1


















Por Jorge Fernandes Isah



Após satanás sair, não sabemos precisamente quanto tempo decorreu até os acontecimentos que se seguem. O início do verso 13, “E sucedeu um dia...”, não traz nenhum indicativo de quando o diabo começou a agir. A idéia que temos é de que não foi algo imediato, logo após Deus autorizá-lo a tocar em Jó. Talvez algumas semanas ou meses depois. O certo é que os filhos de Jó estavam novamente se regalando na comida e no vinho. Parece-me que eles não faziam outra coisa a não ser festejar a riqueza que o pai lhes proporcionava, a opulência em que viviam, sem sequer agradecer a Deus pelas dádivas de que dispunham. Isso é um fato, visto que a única referência do texto a eles é quanto à freqüência com que se esbaldavam, e mais nada.

Àquela época, como hoje, os homens priorizavam os prazeres e desejos da carne, o deleite individual mesmo numa aparente confraternização, o que poderia nos remeter a uma espécie de comunhão, mas que normalmente não passava de exibição, ainda que dissimulada pelo compartilhar algo com elas... A vida atual é a repetição da vida antiga... Há uma busca desenfreada pela diversão, como se fosse possível alegrar-se apenas na volúpia. A distração leva o homem ao esquecimento de si mesmo, do que é, e de Deus. Por isso as pessoas sofrem no cotidiano, sentem-se massacradas pela máquina, oprimidas, mas a verdade é outra: o desejo de viver uma constante brincadeira irresponsável e alienada faz com que a realidade seja dolorosa e somente suportada, porque é algo indesejado que não se consegue evitar.

Isso nos remete ao Éden, quando Adão, insatisfeito com tudo o que Deus lhe dera (não necessariamente insatisfeito, mas não satisfeito completamente), desejou em seu coração ser como Deus (Gn 3.5). Então o descontentamento é o resultado da rebeldia do homem contra o Criador e Seus desígnios, os quais o mortal rejeita; e vê como única forma de aplacar a insatisfação o regalar-se no pecado. É como se dissesse: “Deus, você me quer infeliz, porque não consigo ser feliz do Seu jeito, mas eu provo que posso ser feliz à minha maneira”. 

E a convivência com o próximo é, na maioria das vezes, o prazer de afrontá-lo com o nosso prazer, jogar na sua cara que somos felizes ao ponto em que ele jamais o será (uma competição inútil, frívola). Então o prazer não está mais no íntimo, é externo, e se acomoda na antessala do individualismo, quando os olhares do mundo estão postos em nós. Por isso, desde Adão, o mundo decresce aos níveis mais baixos de imoralidade, onde o amor não tem lugar na sociedade e, mesmo na igreja, parece esquecido ou pelo menos adormecido.

Quantos deuses cultuam-se no mundo atual? O consumismo, adrenalina, sexismo, drogas, narcisismo, mentiras, e os vários níveis de compulsão relacionados a eles, e suas variantes, os quais dão uma momentânea felicidade enquanto exercitados; e a expectação de repeti-los uma próxima vez é a tábua de salvação do dia a dia. O que nos faz escravos da esperança fugidia e irrealizável... 

Não há como duvidar da influência de satanás no mundo. Quando falamos do mal, ele é a sua forma e essência, a face oculta do pecado (mas ao mesmo tempo visível pela revelação bíblica). Portanto, não é de se admirar que não ouvimos os filhos de Jó a orar, sacrificar, ou buscar a Deus, mas a banquetearem-se uns com os outros, numa festança sem fim, onde a premissa era ser feliz enquanto fosse possível, enquanto durasse.

O fato de Jó oferecer holocaustos aos filhos (v.5) revela não somente o amor que tem por eles, mas o amor e obediência que tem a Deus; o temor e a reverência que os seus filhos desconheciam, e que nele eram manifestas. 

Logo, a obra de satanás tem início na vida de Jó; e numa sequência aterradora, ele é informado quase simultaneamente de que uma tragédia caíra sobre si. Primeiro, são-lhe roubados os bois e jumentas, e os servos mortos pelos sabeus [mercadores africanos, homens de alta estatura (Is 45.14), descendentes de Sebá, neto de Cão (Gm 10.7)]. Apenas um dos servos foi deixado vivo, "para trazer-te a nova" (v. 15).

Jó não teve tempo sequer de absorver o impacto da notícia, pois, "estando este ainda falando, veio outro" servo (v. 16), e trouxe-lhe a novidade de que o "Fogo de Deus caiu do céu, e queimou as ovelhas e os servos, e os consumiu", restando apenas o informante. Não há dúvida quanto a origem do fogo de Deus, pelo menos, assim creio. Se as outras investidas aos bens de Jó são efetivamente originarias do diabo, neste caso o texto bíblico não é presumível, mas evidente: o fogo que consumiu as ovelhas e os servos proviera do próprio Deus. O mesmo aconteceu no tempo de Elias quando o rei Acazias mandou que três tropas sucessivamente levassem o profeta até ele, que se achava enfermo. As duas primeiras tropas, com o capitão mais cinqüenta homens cada, foram consumidas pelo fogo do céu. "Então o fogo de Deus desceu do céu, e o consumiu a ele e aos seus cinqüenta" (2Rs 1.12). Também, quando Elias se viu confrontado pelos profetas de Baal, Deus fez descer fogo para consumir o holocausto que o profeta apresentara como prova de que apenas o Senhor era Deus, e de que Baal era uma farsa (1Rs 18.22-40). Portanto, não há como duvidar da assertiva de que foi o Senhor quem mandou o fogo que devorou as ovelhas e os servos de Jó. 

Não houve tempo para se recuperar. Enquanto era-lhe concluído o relato, outro servo veio, e disse que três tropas dos caldeus* tomaram os seus camelos, e "aos servos feriram ao fio da espada", exceto o que escapou, "para trazer-te a nova" (v.17).


Jó não esperava que mais nenhum desastre fosse acontecer; subitamente ele estava arruinado financeiramente, não lhe restara nada, nenhum bem com o que se sustentar. Talvez tenha pensado nos banquetes dos filhos e se entristecido, porque não teria mais como patrociná-los, afinal era um homem pobre agora... Talvez a sua preocupação fosse de que, mesmo sem bens, seus filhos continuariam pecando, e ele não teria nenhum sacrifício a oferecer a Deus, a fim de santificá-los... Talvez se questionasse: "Por que eu?". Não era ele um homem justo, temente a Deus?... Talvez, enquanto eram-lhe relatados os infortúnios, elevou a Deus uma rápida oração... Talvez não houve tempo para pensar em nada, apenas derramar-se interiormente abatido...


Mas eis que ainda quando o último falava, chegou novo servo, dizendo-lhe: "Estando teus filhos e tuas filhas comendo e bebendo vinho, em casa de seu irmão primogênito, eis que um grande vento sobreveio dalém do deserto, e deu nos quatro cantos da casa, que caiu sobre os jovens, e morreram; e só eu escapei para trazer-te a nova". Em questão de minutos, Jó havia perdido tudo o que tinha na vida; não possuía bens, nem servos, nem filhos (não seria a morte dos filhos o julgamento de Deus sobre eles?). Era um homem arruinado e afligido. É difícil imaginar o que se passava em sua mente, ainda que façamos uma idéia. Cabe uma pergunta: Em lugar de Jó, como nos portaríamos?


É interessante como um simples escorregão, o esbarrão de um transeunte, o atraso do ônibus, o pneu vazio, ou qualquer outra coisa insignificante, pode nos trazer tanto desgosto e frustração. Diariamente somos submetidos a pequenas adversidades e, normalmente, as tratamos com impaciência, raiva, sem fé. Imagine que Jó tinha uma vida abastada, era um homem próspero e instantaneamente se tornou num miserável. Seríamos capazes de suportar um baque tão grande? Será que temos buscado e conhecido a Deus o suficiente para não odiá-lO, caso estivéssemos no lugar de Jó? Ou blasfemar e murmurar?


Em minutos, ele teve de aprender o que o apóstolo Paulo também aprendeu, nos ensinou, e teimamos em não entender: "... também nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios" (Rm 5.3-6).

Como é grandiosa a certeza de que Cristo morreu por nós quando éramos completa e absolutamente rebeldes, iníquos e opositores a Ele. Ainda assim, não fez causa da nossa perversão, e nos perdoou, ao morrer na cruz e derramar o Seu sangue "para remissão dos pecados" (Mt 26.28). Pelo Seu muito amor com que nos amou, Deus, que é riquíssimo em misericórdia nos vivificou em Cristo (Ef 2.4-5), e temos a esperança de que, naquele dia estaremos diante do nosso Senhor por toda a eternidade, e Ele limpará de nossos olhos "toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas" (Ap 21.4).

Certamente, Jó não teve esse entendimento, não dessa forma, com a completude da revelação que somente foi possível após a vinda do Messias. Mas, de um modo maravilhoso, Deus o amparou em fé, mantendo viva a confiança que ele tinha no seu Senhor, e mais, aumentando-a o equivalente à dor, o que lhe permitiu, diante do sofrimento, suportar todas as perdas, ser confortado em uma viva esperança, porque ela não estava despositada em si mesmo, mas nAquele em que cria, sabendo que era poderoso para guardar o seu depósito até o dia do Senhor (2Tm 1.12).

Assim como Davi, ele provou da misericórdia de Deus, porque "O Senhor sustenta a todos os que caem, e levanta a todos os abatidos" (Sl 145.14).

*Os caldeus (hebr. kasdim) foram um grupo de tribos que viviam ao sul da Babilônia. No AT há várias citações sobre eles que, sob o camando de Nabucodonosor destruiu Jerusalém, e levou o povo judeu para o cativeiro babilônico por 70 anos. Os caldeus foram derrotados pelos persas, e a Babilônia dominada por Ciro, que ordenou a reconstrução de Jerusalém, por Neemias.



Para ler o comentário de Jó 1.1-12, clique AQUI

24 abril 2009

SUSTENTO PASTORAL & O CORPO LOCAL























Por Jorge Fernandes Isah


Escrevi acerca do dízimo e ofertas há um ano aproximadamente (leia o post aqui). Retorno ao tema para nova abordagem do assunto, agora sobre a biblicidade do sustento pastoral (parcialmente examinado no mesmo post). Muitos, de cara, torcerão o nariz, mas peço-lhe que orem, despojem-se de seus preconceitos, terminem de ler o texto, e tirem suas conclusões. E que o bom Deus nos abençoe.

Primeiro, um esclarecimento: Não sou pastor, seminarista, nem recebo salário da igreja da qual sou membro.

Segundo, muitos dirão: "Veja quantos pastores profissionais existem, que sugam tudo o que podem dos fiéis, extorquindo-os com falsas promessas de bênçãos enquanto se empanturram de dinheiro, gastando-o da forma mais mundana possível, em bens materiais e suntuosidade". Reconheço, é verdade. Há muitos líderes que "vendem" o Evangelho, tratando-o não menos que um produto rentável. Mas isso representa dizer que todos são mercenários? Que estão buscando o que lhes é próprio ao invés da glória de Deus? Não! E a despeito de todos os falsos mestres (os quais estão sob a ira de Deus), a Bíblia exorta a igreja a suprir as necessidades dos que pregam a palavra.

Terceiro, nossa igreja é pequena e de poucos recursos; auxiliamos o nosso pastor em seu sustento, contudo, ele trabalha secularmente seis dias por semana, 10 horas por dia, para suprir as necessidades de sua família. E percebo que se ele fosse um pastor de tempo integral dedicado à igreja, tanto os membros como os trabalhos evangelísticos seriam fortalecidos.

Quarto, não quero generalizar, mas, normalmente, os que atacam o sustento pastoral são aqueles que se acham dignos de serem crentes, desde que não tenham de sacrificar nenhuma parte dos seus bens. De certa forma, o que move os "mercadores da fé" é o mesmo que os move: a avareza, o amor ao dinheiro.

Quinto, há os que tentam espiritualizar o que não é espiritual. O Evangelho de Cristo é espiritual, porém, proclamado fisicamente pelo pregador, pela impressão de Bíblias (por mãos incrédulas, muitas vezes), em suma: por meios humanos. Tentar provar que a pregação do Evangelho não é trabalho (seja remunerado ou não) é contradizer o próprio tratamento dado à questão por Jesus (Jo 4.38, 5.17), e Paulo (1Co 3.8, 15.58; Cl 1.29; Hb 6.10).

Feito os esclarecimentos, analisemos alguns versículos que tratam do assunto: 

1) "Quem jamais milita à sua própria custa? Quem planta a vinha e não come do seu fruto? Ou quem apascenta o gado e não se alimenta do leite do gado?" (1Co 9.7).


O que o apóstolo está dizendo? Aqueles que pregam o Evangelho que vivam do Evangelho (1Co 9.14). Paulo reinvindica o direito de ser sustentado em seu ministério pela igreja. Como afirma: "Ou só eu e Barnabé não temos direito de deixar de trabalhar?" (1Co 9.6). Provavelmente os coríntios acusavam Paulo de "mercadejar" o Evangelho, de procurar o benefício próprio, de pregar o Evangelho por motivos mundanos. Porém, revela-lhes que tanto ele como os demais apóstolos têm o direito de terem o sustento para si e suas famílias, e de que essa responsabilidade cabe à igreja (1Co 9.4-5). Não é o que parece ao afirmar "Esta é minha defesa para com os que me condenam" (1Co 9.3)? E "Digo eu isto segundo os homens?" (1Co 9.8). Ao que arremata: "Ou não diz a lei também o mesmo?" (1Co 9.8).

Paulo prossegue a argumentação protestando que, aquele que lavra e debulha (ou seja, aquele que trabalha), lavra e debulha com esperança de ser participante (1Co 9.10). E continua: "Se nós vos semeamos as coisas espirituais, será muito que de vós recolhamos as carnais?" (1Co 9.11). O apóstolo declara que esperava colher muito menos dos coríntios do que lhes tinha dado, mas ainda assim, esperava obter o necessário para a sua subsistência.

A sequência à qual Paulo expõe o seu pensamento é extremamente lógica, e impossível de não entendê-la, a menos que seja lida com premissas falhas. É o que muitos dirão, justificando-o com o v. 12: "Se outros participam deste poder sobre vós, por que não, e mais justamente, nós? Mas nós não usamos deste direito; antes suportamos tudo, para não pormos impedimento algum ao evangelho de Cristo" (grifo meu).

Atentamos que o verso fala de um "direito" que o apóstolo possuía, o qual era o de ser mantido pela igreja. Porém, diante das dúvidas levantadas pelos coríntios, e da própria resistência da igreja em ajudá-lo, ele não "usou" esse direito, para que a descrença dos coríntios não aumentasse, e fosse "impedimento" para a proclamação do Evangelho. Dizer que Paulo censurou os ministros que são sustentados pela igreja é distorcer completamente o sentido daquilo que ele próprio diz.

Resumindo: Paulo não pregava o Evangelho por causa das recompensas, por aquilo que a igreja iria lhe dar; ele pregava o Evangelho por amor a Cristo e aos eleitos (2Tm 2.10), contudo, esperava que, como igreja, os irmãos suprissem as suas necessidades.

2) "Outras igrejas despojei eu para vos servir, recebendo delas salário; e quando estava presente convosco, e tinha necessidade, a ninguém fui pesado" (2Co 11.8).

Qual de nós, vendo o irmão em necessidade, vira-lhe as costas? Foi o que os coríntios fizeram em relação a Paulo. E ele os exorta com tristeza, sabendo que negligenciaram o seu compromisso para consigo; porém com o nítido objetivo de não somente apontar-lhes o erro, mas de levá-los ao arrependimento e correção. Senão, por que tocar no assunto?

Há quem entenda que Paulo está condenando os que recebem salário, como alguém que é "pesado" à igreja, um usurpador (ao contrário, o que ele diz dos coríntios é que suas atitudes eram usurpadoras, eles é que "roubavam" dos macedônios ao receber o Evangelho de graça, sem nenhum sacrifício).

É claro que há casos e casos. Aqueles que se utilizam da posição de liderança no ministério para o enriquecimento, a abastância material, o deleite carnal, o consumismo desenfreado, e o apego sórdido ao dinheiro (seja pastor ou não) comete pecado, e é injusto. Em outras palavras, quem age assim sequer é convertido. Porém, o fato de muitos agirem desta forma (e, infelizmente, parece que o pastoreio se tornou num novo "toque de Midas" o qual transforma tudo o que põe a mão em ouro), não representa que o princípio da subsistência ministerial seja antibíblico.

Novamente, Paulo escreve aos coríntios dando-lhes "um puxão de orelhas", entre outras coisas dizendo que eles deveriam agir e viver como igreja. Havia muita divisão entre eles, muito sectarismo; e para a sua tristeza, especialmente por que plantara a igreja, eles o desprezavam em detrimento aos falsos apóstolos (2Co 11.1215) os quais, certamente, eram os que o caluniavam junto ao povo.

Ele defende-se de que, em nada é menor do que os demais apóstolos e, portanto, tem o mesmo direito que os demais tinham, inclusive o de viajar com sua família, como Pedro fazia (2Co 11.5). Mesmo solteiro, Paulo reivindica esse direito, o de constituir uma família e poder viajar com ela no seu ministério. 

Temos de entender que o fato de Paulo pregar de graça aos coríntios, e os coríntios o receberem sem se preocupar com as suas necessidades, é motivo de glória para o apóstolo e de "desglória" para a igreja de Corínto, ainda que isso não os impediu de serem abençoados pela pregação do Evangelho. É o que ele diz: "Pequei, porventura, humilhando-me a mim mesmo, para que vós fôsseis exaltados, porque de graça vos anunciei o evangelho de Deus?" (v. 7). 

À frente, no capítulo 12, vem-nos a confirmação: "Pois, em que tendes vós sido inferiores às outras igrejas, a não ser que eu mesmo vos não fui pesado? Perdoai-me este agravo... Eu de muito boa vontade gastarei, e me deixarei gastar pelas vossas almas, ainda que, amando-vos cada vez mais, seja menos amado" (2Co 12.13,15 - grifo meu). Parece-me que Paulo coloca os coríntios em pé de igualdade com as demais igrejas, a não ser pelo fato dele não ter sido "pesado" a ela. Em outras palavras, os coríntios estavam numa posição "inferior", em débito, por não terem com essa beneficência demonstrado "amor" ao apóstolo. É assim que Paulo os retrata: enquanto o seu amor por eles aumentava a ponto dele se sacrificar para pregar-lhes o Evangelho (o que implica em passar necessidades), a igreja de Corinto não se dispunha a auxiliá-lo em seu sustento, como prova de amor.
No fim das contas, o que importa é isso: o amor a Cristo e Seu Evangelho, o que resulta em obediência.

Apêndice: De certa forma, o mesmo sectarismo que Paulo aponta entre os coríntios, vemo-lo hoje. A Igreja está tão dividida, inclusive pelos que pregam unidade, pelos sem "placas" nem "nomes", pelos que se julgam filhos "exclusivos" de Deus, pelos que se consideram "libertos" mas estão presos ao pior farisaísmo existente, e acabam por se esquecer do principal: pregar o Evangelho de Cristo crucificado (1Co 2.2).

Perdemos tempo com "outros" evangelhos, e negligenciamos o que realmente importa. Com isso, não quero jogar para "debaixo do tapete" os problemas da igreja, muito menos pregar o evangelho ecumênico. Longe de mim cometer estes pecados. Mas, se ao invés de gastar o precioso tempo de que dispomos tentando "corrigir" os erros de outras igrejas e denominações, preocupássemos conosco, nossos irmãos e igreja certamente estaríamos "salvando" a nós mesmos e aos nossos queridos... Um minuto! Não confunda uma frase hiperbólica com salvação de verdade, a qual apenas o nosso Senhor Jesus Cristo é capaz de realizar. Quero dizer é que, nos preocupamos em "salvar" os outros (pelo menos nos enganamos com essa idéia), quando na verdade o nosso objetivo é "revelar" o quanto estão errados e desviados do caminho; e assim nós mesmos acabamos nos desviando do caminho, substituindo o amor pelo legalismo, a mera acusação, e a autoexaltação. E, por favor, não confundam essa declaração com a condenação à disciplina bíblica, pois a disciplina é atributo da igreja, do corpo local, e não de irmãos isolados que falam por si só, como se fossem a própria voz de Deus (estes, se forem eleitos, são alvos da disciplina divina).

Deus levantará segundo a Sua santa vontade irmãos que farão o trabalho apologético, defendendo a fé bíblica apontando o erro daqueles que são antievangelho, e mesmo dos cristãos que "deslizaram" em um princípio ou outro. Mas, infelizmente, o que acontece é que, de uma hora para a outra, a maioria se arrogou e arvorou apologista, e saiu "atirando" para todos os lados, como uma metralhadora descontrolada.

Enquanto isso, sorrateiramente, o diabo planta dentro do corpo local suas heresias, mas como nossos olhos estão voltados para os erros alheios (de outras denominações e outros irmãos denominacionais, cuja disciplina não está ao nosso alcance), permitimos que a nossa omissão e desleixo corrompa-nos também.

O pior é que muitos nem sequer participam do corpo local, acreditando num cristianismo solitário e individualista, numa clara rebeldia aos princípios bíblicos que dizem defender. No fundo, se consideram superiores e melhores do que os mandamentos de Cristo; e sentam-se confortavelmente em suas torres de observação, desprezando-a, ridicularizando-a, pois sequer passa-lhes pela cabeça submeter-se à autoridade com que o Senhor investiu-a.

São "livres" para bater à vontade, contudo, esquecem-se de que, caso sejam eleitos, a mão disciplinadora de Deus está sobre eles. Se não forem, não há disciplina, mas a condenção eterna os aguarda.

A melhor forma de se pregar o Evangelho de Cristo é pregando o Evangelho de Cristo, e não combatendo o antievangelho. Qualquer um pode combater (pois nem mesmo argumentos precisa-se ter, apenas vontade, disposição), mas poucos são capacitados a viver o Evangelho, pois para isso é preciso ser convertido por Cristo, regenerado e lavado no Seu sangue.

A melhor forma de se lutar contra a fraude e a heresia é expondo a verdade bíblica. De nada adianta refutar a heresia se não se obedece aos mandamentos do Senhor, e assim fazendo-o, demonstra não amá-lO (Jo 14.15) e, "em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens" (Mc 7.7). 

Portanto, é urgente que antes de se entrar numa "caça às bruxas", que se viva o Evangelho, testemunhando a Cristo nosso Senhor. Fim do apêndice.

Finalizando, transcrevo mais uma vez as palavras do apóstolo Paulo: "Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina; porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E: Digno é o obreiro do seu salário" (1Tm 5.17-18); porque "se alguém também milita, não é coroado se não militar legitimamente. O lavrador que trabalha deve ser o primeiro a gozar dos frutos. Considera o que digo, e o Senhor te dê entendimento em tudo" (2Tm 2.5-7).
                      Timóteo ouviu.
          E, nós?

16 abril 2009

PECADO: RELUTANTE E VULGAR




Por Jorge Fernandes

"Então disse Deus a Balaão: Não irás com eles, nem maldiçoarás a este povo, porquanto é bendito" (Nm 22.12)

Todos conhecem a história de Balaão. Eu mesmo li-a por três ou quatro vezes, e sempre me encucava o porque do "pobre" profeta ser tão tripudiado por alguns pastores e teólogos. Ao revisar o texto bíblico, parecia-me que além de profeta ele era um homem temente e que obedecia a Deus em tudo. Então, não entendia porque Pedro e Judas, por exemplo, pintavam-no como maldito. Era-me um enigma.
Esta semana, deparei-me novamente com Balaão e Balaque. E mais uma vez, me vi questionando a sua má reputação sem entendê-la, e sem que fizesse sentido tanta aversão ao "adivinho" (a alcunha utilizada em Js 13.22 já é suficiente para justificar a sua má fama). Sabia que havia uma razão para a Bíblia abominá-lo, e de que não poderia existir nenhuma contradição entre as várias passagens que o reputavam como impostor, um falso profeta, em contraste com o texto de Números, no qual via uma aparente obediência. Antes sabia que a minha falta de entendimento era evidente, e o problema estava aí.
Desta vez não interrompi a investigação, orei e procurei o auxílio de um irmão e amigo da igreja*, antes do culto de domingo à noite, e relemos Números 22, 23 e 24. Como disse, sabia que o problema não era com a Escritura mas comigo, e não conseguia perceber onde estava o meu erro. Balaão me parecia espiritual e sincero quando dizia: "Ainda que Balaque me desse a sua casa cheia de prata e de ouro, eu não poderia ir além da ordem do Senhor meu Deus, para fazer coisa pequena ou grande" (Nm 22.18); e obediente quando Deus mandou-o ir com os moabitas, e ele foi (Nm 22.20-21; 35). Queria vê-lo como um profeta divino; e o próprio Senhor parecia querer me confundir, pois falava por meio dele, dirigindo-se pessoalmente (Nm 23.5; 18-24; 24.4-9). Então, o que havia de errado com Balaão? Ou comigo?
Abre parênteses: A interpretação bíblica pode ser influenciada por falsas premissas, ou mesmo pelo descuido ou falha de avaliação de um versículo (a leitura errada, por exemplo, resultará em mal-entendido). É fundamental que se tenha muito cuidado e que, sobretudo, ao analisar determinado trecho o façamos à luz dos demais textos bíblicos correlatos, a fim de se descobrir a incorreção. No meu caso, tinha certeza da infalibilidade e inerrância escriturística, e de que o problema era com a minha interpretação equivocada. Especificamente, um versículo passou-me desapercebido, e o descuido comprometeu todo o sentido do que eu lia, e daquilo que Deus queria me revelar. Fecha parênteses.
Vamos à história: Balaque, rei dos moabitas, viu aproximar-se a nação de Israel, e temeu, porque o povo de Deus era numeroso e forte, destruindo todos os inimigos que se punham em seu caminho. Balaque viu a destruição dos amorreus por Israel, e receou que o mesmo ocorresse com Moabe (Nm 22.2-3). Por isso, mandou emissários chamar o profeta Balaão, a fim de que amaldiçoasse Israel, e assim pudesse derrotar os invasores na guerra inevitável. Prometeu recompensá-lo grandemente caso cumprisse a sua ordem. "Então foram-se os anciãos dos moabitas e os anciãos dos midianistas com o preço dos encantamentos nas suas mãos" (Nm 22.7).
Balaão não pareceu seduzido pelo tesouro de Balaque (tática que muitas vezes o pecador usa para apropriar-se do pecado), contudo mandou que os emissários ficassem consigo enquanto consultava o Senhor para dar-lhes a resposta. E Deus respondeu-lhe: "Não irás com eles, nem amaldiçoarás a este povo, porquanto é bendito" (Nm 22.12). Este é o versículo chave, ao qual não dei a devida importância e reflete, em todo o contexto, a natureza de Deus: de que a Sua vontade é imutável (Ml 3.6; Tg 1.17), mesmo com os homens insistindo obstinadamente na desobediência, "a fim de encherem sempre a medida de seus pecados" (1Ts 2.16).
Os príncipies retornaram a Balaque com a notícia da recusa de Balaão. "Porém Balaque tornou a enviar mais princípes, mais honrados do que aqueles. Os quais foram a Balaão" (Nm 22.15-16).
O profeta recebeu-os novamente, ouviu a promessa do rei de que o honraria grandemente, e faria tudo o que dissesse, desde que amaldiçoasse o povo de Israel (Nm 22.17). Então, ele rogou para que os príncipes permanecessem até que consultasse a Deus, outra vez (Nm 22.19).
Por que Balaão buscou um novo parecer de Deus? Não lhe bastava a palavra proferida anteriormente? Deus não lhe respondera incontestavelmente? A Sua ordem não era indubitável? Porém Balaão estava seduzido pela oferta, pela promessa de riqueza e poder. É o que Judas nos diz: "e foram levados pelo engano do prêmio de Balaão" (Jd 11). Ele não queria obedecer a Deus, pelo contrário, achava que poderia demovê-lO da idéia de abençoar Israel, e assim Deus o autorizaria a amaldiçoá-los, e se encheria com os tesouros de Balaque.
Consultado novamente, Deus mandou-o ir com eles (Nm 22.20); e "Balaão levantou-se pela manhã, e albardou a sua jumenta, e foi com os príncipes de Moabe" (Nm 22.21), "e a ira de Deus acendeu-se, porque ele se ia" (Nm 22.22). À primeira vista, não parece injusta a ira de Deus? Balaão não fez exatamente aquilo que o Senhor mandou? Não é assim que muitos de nós, querendo o pecado, buscando o pecado, alimentando-o sequiosamente, esperamos que Deus consinta com ele? E endosse a desobediência?... A afronta à santidade de Deus, aquilo que lhe é contrário, provoca a Sua ira, "porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça" (Rm 1.18); e "ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência" (Ef 5.6).
Ora, Balaão, como muitos de nós, foi seduzido pelo pecado, pela revolta, ainda que o próprio Deus tenha-o alertado a não proceder assim; como se houvesse alguma possibilidade de se mudar a vontade divina, ainda mais motivado pela corrupção do coração humano. O que se viu, foi o desagravo de Deus à rebeldia do profeta e à obstinação cada vez maior de Balaão em desobedecê-lO.
Até mesmo uma jumenta reconheceu o que Balaão não foi capaz: o perigo da teimosia, de se perseverar no pecado: "O anjo do Senhor pôs-se-lhe no caminho por adversário; e ele ia caminhando... viu, pois, a jumenta o anjo do Senhor, que estava no caminho, com a sua espada desembainhada na mão; pelo que desviou-se a jumenta do caminho... então Balaão espancou a jumenta para fazê-la TORNAR AO CAMINHO" (Nm 22.23; grifo meu).
Balaão estava cegado pelo desejo pecaminoso, a ponto de não ver os "sinais" da sua insubordinação, persistindo no engano; e a cada desvio da jumenta, ele respondia negativamente irando-se contra o animal, espancando-o, e retomando ao caminho erradio (Nm 22.25); até que o anjo do Senhor "pôs-se num lugar estreito, onde não havia caminho para se desviar nem para a direita nem para a esquerda. E vendo a jumenta o anjo do Senhor, deitou-se debaixo de Balaão" (Nm 22. 26-27).
É assim que muitas vezes agimos, lutando contra Deus, desrespeitando a Sua palavra, ainda que o Senhor nos exorte a abandonar o caminho de morte, nos revelando o caminho da vida, o qual teimosamente rejeitamos. E como o falso profeta, muitos julgam-se avalizados por Deus ao verem o seu desejo pecaminoso realizar-se, sem saber que "Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm" (Rm 1.28), enchendo ainda mais as próprias medidas de iniquidade.
Balaão teve os olhos abertos, e viu o anjo do Senhor e a sua espada desembainhada na mão; "pelo que inclinou a cabeça, e prostrou-se sobre a sua face" (Nm 22.31). Apesar da aparente reverência a Deus (aqui o anjo do Senhor é Cristo, a segunda pessoa da Trindade Santa) temos de entender que o Senhor se agradará de nós apenas naquilo em que formos obedientes*. O profeta curvou-se fisicamente, mas o seu espírito encontrava-se empedernido pelo pecado. O que nos leva a refletir sobre se na verdade as nossas atitudes estão em conformidade com aquilo que está posto em nosso coração. Como o Senhor disse: "Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim" (Mc 7.6).
Balaão prostrou-se numa atitude semelhante a adoração, porém o seu comportamento subsequente demonstrou a intenção e disposição em resistir à vontade de Deus, em levar a cabo o seu plano injusto.
Quando a Palavra é repelida, não há lugar para Deus em nosso coração, mesmo que se tente compensá-la com toda a sorte de manifestações procedentes da mente caída do homem (como a religiosidade, tradição e subterfúgios criados unicamente para a satisfação pessoal), restará apenas a ira de Deus, e somente o arrependimento sincero pelo sangue de Cristo derramado na cruz do Cálvário poderá aplacá-la.
Esse não foi o caso de Balaão. Após curvar-se diante do anjo do Senhor, e ouvi-lO dizer que saiu como seu adversário pois seu caminho era perverso diante de Deus (Nm 22.32), Balaão assumiu ter pecado (o assumir é uma constatação, uma demonstração exterior, não representando necessariamente arrependimento), contudo, sem disposição de abandoná-lo, mas anelando-o como a um bem precioso, na incapacidade de abortar o seu intento. Ele insistiu em seu plano, mesmo reconhecendo que desobedecera a Deus e, num descaramento inominável, disse: "e agora, se parece mal aos teus olhos, voltarei" (Nm 22.34).
Balaão é o protótipo do "cara-de-pau", sempre com a mesma atitude relutante, inflexível, dissimulada, de fazer cumprir aquilo que lhe é mais estimado, de menosprezar os alerta, as advertências com que o Senhor anunciou a sua transgressão, assumindo o risco de morte, a separação eterna de Deus, pois "na verdade o rebelde não busca senão o mal; afinal, um mensageiro cruel será enviado contra ele" (Pv 17.11).
E Deus, o que fez? Entregou Balaão à sua sanha injusta, à sua própria corrupção e destruição: "Vai-te com estes homens"; e ele foi a Balaque (Nm 22.35).
Em resumo: Deus usou Balaão para abençoar Israel, o que fez irromper a ira de Balaque sobre o profeta; e a cada nova recusa do Senhor em amaldiçoar o Seu povo, Balaão utilizava-se da "técnica" de erigir um altar, sacrificar em adoração (são erguidos dezenas de altares, e mortos outras dezenas de novilhos e carneiros, em vão), a fim de que Deus cedesse ao pedido do rei de Moabe. Como está escrito: "Certo é que Deus não ouvirá a vaidade, nem atentará para ela o Todo-Poderoso" (Jó 35.13).
Se há um tolo, esse foi Balaão. Como pode o mortal influenciar o Eterno? Pode a criatura dizer ao Criador
"por que me fizeste assim?" (Rm 9.20). Deus está condicionado à vontade do homem, ou é sempre o homem que estará subjugado à vontade de Deus? Resta-nos a convicção de Jó: "mas agora te vêem os meus olhos. Por isso me abomino e me arrependo no pó e na cinza" (Jó 42.5-6).
Por fim, Balaão não pôde amaldiçoar Israel; mas conforme o seu coração ímpio, usando de outro estratagema, de uma prática sutil, desferiu um novo golpe (provavelmente para obter os favores de Balaque): levou os israelitas a pecarem contra Deus, comendo dos sacrifícios da idolatria, e fornicando com as moabitas. Interessante que o Senhor chama essa maneira de proceder de "doutrina de Balaão, o qual ENSINAVA Balaque a lançar tropeços diante dos filhos de Israel" (Ap 2.14; grifo meu).
Muitos são instruídos em princípios antibíblicos, a aplicar doutrinas alheias à Palavra, assim como o povo de Israel foi seduzido ao pecado, e pelo pecado. Contudo, o fim do perverso é cair em seus caminhos (Pv 28.18), enlaçar-se nas obras de suas mãos (Sl 9.16), ser preso pelas suas iniqüidades, e detido com as cordas do seu pecado (Pv 5.22), sendo-lhes por prêmio a morte.
Balaão foi abatido à espada (como Balaque e seus príncipes), morto pelos filhos de Israel, como o Senhor ordenara, assim como acometará a todos aqueles que persistem na desobediência. Eis aqui o relato de um falso profeta, de um homem perverso, cujo coração não havia espaço para a sincera adoração e serviço a Deus, o que, contudo, não impediu o Senhor de utilizá-lo como instrumento para que se cumprisse a Sua vontade, usando-o como mensageiro para que a justiça alcançasse Moabe e Midiã. Oremos para que em nosso coração não haja engano, nem deixemo-nos ludibriar por pessoas, práticas e doutrinas antibíblicas, ainda que envoltas em pretensa piedade, sabedoria e sujeição a Deus, mas que são antíteses ao Evangelho de Cristo, nas quais não há salvação, apenas morte.

*
O irmão e amigo pediu-me para não citá-lo, mantendo-o anônimo, mas agradeço a Deus o muito que ele auxiliou-me no entendimento da passagem.
* A obediência por si só não nos aproxima de Deus, mas ela é o reflexo da graça divina operada em nós através do sacrifício de Cristo. Há muitos cristãos que desprezam a obediência e os mandamentos do Senhor (antinominianismo), mas esquecem-se de que a graça que opera a salvação no pecador também opera o novo-nascimento e a transformação de nossa mente carnal na mente de Cristo, e os frutos são obras para a glória de Deus. Portanto, o desejo de cumprir os princípios bíblicos afastar-nos-á do pecado, aproximando-nos de Deus.