10 março 2009

INFINITO



















Por Jorge Fernandes

Calma, o mar se tornou ainda mais tempestuoso,
Profundo, o sono não pode ser interrompido por ferroadas,
Fuja enquanto se agarra às amarras do mastro,
Lançam-se as cargas, o vento não quer o mar calado,
O silêncio é o medo de lembrar
Que a sorte ruiu como o casco em pedaços.

Calma, o mar não vai se aquietar
Até que as aves dêem voltas na terra,
E se cansem de ruflar as asas,
E recordem que o céu não lhes é permitido,
De que a terra seca é temerária.

Calma, o mar está embravecido,
Por minha causa, a fúria não cessou,
Os remos se perderam na tormenta,
Salva-vidas definharam ao peso das almas viciosas.

Calma, o mar não se aquietará,
Levantai rogos e preces,
Nossas cabeças estão postas sob sangue inocente,
Vede, ele ofereceu-se em sacrifício,
A causa de não ser eu consumido em desgraça.

Calma, deixou o mar a sua ira,
Ele declarou que fez tudo por mim,
Até mesmo o mal sobreveio por sua causa,
E temi... Porque, se enfurecer de novo, o que farei?

Calma, não há como desertar, ninguém há de acolher,
A passar por cima de mim, a gratidão exibida
São lágrimas encerradas por ferrolhos no coração.

Calma, o inferno cercou-me, com a angústia dos perdidos,
Diante dos olhos, os lamentos são falsos sacrifícios,
Como a recompensa do ingrato, o pagamento do estelionatário,
O cordame enrolado ao pescoço, o ofício do morto.

Calma, gritei do ventre a minha oração,
Tornei a ver a sua misericórdia,
Voltou-me a vida às entranhas, a resposta aos ouvidos,
Fui convocado à sua presença, retido no tempo indefinido,
Onde se desenrola irreversível o perdão definitivo,
Como o compasso do andar imutável, sem decorrer o fim.

A obra verdadeira testifica:
Do Senhor vem a salvação.

03 março 2009

ESBOÇO DE UM ESQUEMA












Por Jorge Fernandes Isah

Incipientemente, tentei montar um esquema sobre a soberania de Deus e a criação, conforme exposta na Escritura. Não há uma ordem cronológica na proposta, e ele não quer explicar o dilema infra/supralapsariano (o qual acho irrelevante, tendo-se em vista que o decreto de Deus é único e não tem uma ordem sucessória, pois foi estabelecido fora do tempo. Porém, a proposição mais coerente com a soberania de Deus é o supralapsarianismo, que não conflita com a onisciência e onipotência divinas). É uma síntese do meu entendimento sobre a soberania de Deus e a criação, onde está contido o bem, o mal e a Lei Moral.

Pode parecer um esforço tolo ou pretensioso, mas creio que o entendimento da soberania de Deus é o divisor de águas que nos fará compreender o Senhor, Sua vontade, e a nos sujeitar completamente a Ele em servidão, inclusive, intelectual, ao reconhecer o Seu poder e como age em nossas vidas. E é isso que a Bíblia nos exorta a ser, meditar, compreender e aceitar.


Muitos reputam como algo impossível, mas se Deus nos revelou a verdade na Escritura, e deu-nos conhecê-la pela ação do Espírito Santo, não há porque refugarmos e afastar-nos das questões difíceis. Se essa não fosse a Sua vontade, que conhecêssemos os Seus preceitos, não nos teria dado a Palavra revelada e a capacidade de entendê-la.


Não se deve colocar
"chifre em cabeça de cavalo" e ir além do que Deus nos faz conhecer, mas também não se pode negligenciar e ficar aquém do que Ele quer nos mostrar.

É urgente que se dê a Deus a glória devida, e entendamos que Ele não brinca de gato e rato com os Seus filhos, para, no fim, deixar-nos completamente abatidos, ignorantes diante da Sua palavra; mas deu-nos o poder de conhecê-lO pela Sua vontade, a qual todos estamos submetidos.



ESBOÇO DE UM ESQUEMA:


DEUS (É o ser supremo, e sujeita à Sua vontade tudo e todos, não havendo nada sobre Ele ou que o submeta, nem o bem, nem o mal ou a Lei moral. Portanto, Deus não está subordinado a nada do que criou, ao passo que tudo o que foi criado está-lhe subordinado ativamente)


CRIAÇÃO (Tudo o que Deus criou por Sua vontade, seja para o bem ou para o mal, manifesta a Sua sabedoria) 


BEM (Parte da Criação. Mas, também, atributo inerente de Deus, e o qual a Bíblia afirma ser a Sua natureza por definição)

MAL (Parte da Criação. Do Seu eterno decreto)


LEI MORAL (Parte da Criação. Do decreto de Deus. Por ela temos conhecimento do pecado e da condenação/punição) 


QUEDA E PECADO (Parte da Criação, do decreto de Deus, para que a graça e misericórdia fossem manifestadas na salvação dos eleitos; e a ira na condenação e castigo dos reprovados)


PREDESTINAÇÃO (Tudo ocorre segundo a vontade de Deus, estabelecida antes da fundação do mundo. E nesse contexto soberano, Deus, em Sua infinita sabedoria, destinou alguns homens para a salvação e outros para a condenação eterna) 


ELEIÇÃO E SALVAÇÃO (Deus resgatou o Seu povo por Seu muito amor, que elegeu por filhos, a fim de se revelar a Sua graça e misericórdia, através do sacrifício do nosso Senhor Jesus Cristo na cruz do Calvário, o qual ressuscitou dos mortos corporalmente; e o mesmo ocorrerá com todos os santos salvos pelo Seu sangue em todas as eras)


CONDENAÇÃO (Deus destinou à perdição aqueles que não seriam justificados pelo sacrifício do nosso Senhor Jesus Cristo na cruz do Calvário, os quais seriam endurecidos e mantidos cegados a fim de serem condenados e sofrerem a punição eterna no fogo do inferno, a fim de que a Sua ira fosse manifesta).


Este é o esboço das principais doutrinas bíblicas, em que a soberania de Deus encontra-se ativa em cada um dos pontos da criação, desde o início quando Ele as decretou, quanto agora em seu desenrolar, e no futuro, quando todo o Seu plano estiver completo e consumado, com os salvos vivendo eternamente na glória celestial, e os condenados recebendo a punição eterna no inferno... e a justiça de Deus triunfalmente contemplada.

20 fevereiro 2009

GALARDÃO












Por Jorge Fernandes

“Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós” (Mt 5.11-12).

O que diz o Aurélio:
Galardão = recompensa de serviços valiosos; prêmio. Honra; glória.
Logo, é uma distinção conferida a alguém por serviços prestados ou merecimento.
Do ponto de vista bíblico, qual é esse merecimento? Quais serviços prestamos a Deus?
Os versículos nos remetem ao sofrimento. Portanto, se há injustiça ou perseguição, seremos premiados; não por qualquer sofrer, mas somente quando for “por minha causa”, disse Jesus.
Não vale ter um câncer, perder o emprego, ser abandonado pela esposa ou filhos, levar mordida de cão raivoso, ou encontrar uma barata esmagada no sorvete depois de comer metade do pote. Nada disso valerá o galardão, se não for pelo nosso Senhor. Isso não quer dizer que um câncer ou o abandono não sejam usados por Deus para a Sua glória, apenas não é o objeto do galardão.
O que nos leva à seguinte questão: o crente deve “esforçar-se” em buscar o sofrimento? Parece loucura, mas alguns poderão ter a idéia de que o melhor caminho para se obter a honraria de Deus é, a todo custo, batalhar pelo sofrimento. No mundo atual, isso seria o mesmo que remar contra-a-maré. Algo impensado e impensável, mesmo na maioria das igrejas e entre a maioria dos irmãos; o suficiente para que digam: “está amarrado”, “eu não aceito isso”, ou “determino que minha mente não pense tal obra diabólica”... Releiamos as palavras do nosso Senhor: “Bem-aventurados sois vós...”.

Novamente, o Aurélio:
Bem-aventurado = pessoa muito feliz.
Cristo diz que ao padecer injustiça e perseguição por Sua causa, devemos exultar e alegrar-nos, porque não somos apenas felizes, mas muito felizes.

Parece óbvio que se deve sofrer, que os crentes têm de entrar numa espécie de competição para ver quem se sairá melhor no quesito padecimento. Contudo, a mente mais abnegada rejeitará essa idéia. Ela não faz parte dos nossos planos, nem das nossas orações ou expectativas. Todos querem a glória sem esforço, ou quando muito, apenas o mínimo necessário de sacrifício, se não for possível evitá-lo. Ninguém está disposto a seguir os passos de Paulo, Pedro, Tiago, Estevão, quanto mais os de Cristo. Porém, há algo fantástico na rejeição ao sofrimento: a soberania de Deus. O mesmo Deus que nos chamou das trevas à luz, da morte à vida, da condenação à salvação, do inferno ao céu, é o Deus que operará o sofrimento, a injustiça, a perseguição, e nos dará também o consolo, a sustentação e a alegria de servi-lO em meio as piores e mais terríveis provações, pois são nesses momentos que o poder de Cristo mais se manifesta e aperfeiçoa-se em nós. “Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte” (2Co 12.10).
Cristo se torna mais forte quando estamos mais fracos. Aqui, a debilidade de Paulo não é física (ainda que tenha citado o “espinho na carne” no v.7), nem moral, nem ética, mas está revestida da humildade em reconhecer-se fraco, e de que apenas pelo poder de Deus é fortalecido e pelo qual vive (2Co 13.4*); porquanto "aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado" (Lc. 14.11).
A igreja de Coríntios confundiu a atitude humilde de Paulo em servi-los no, e pelo Evangelho de Cristo, com fraqueza, falta de autoridade. Provavelmente, estavam acostumados aos líderes vaidosos e orgulhosos, e tinham a jactância por força. Mas ele esclareceu que mesmo esta aparente fragilidade é operada por Deus para que o Seu poder seja revelado.
Então, temos a soberania de Deus agindo tanto no sofrimento como na alegria, na fraqueza como no poder, “para que Deus seja tudo em todos” (1Co 15.28).
Logo, o galardão é um prêmio, não porque somos melhores, não por vencer pelo esforço ou fazer jus a ele, nem deve ser esse o objetivo; mas, por que Cristo opera em nós a fraqueza, o sofrimento, para que, em nós, seja manifestado o Seu poder, glória e júbilo. É Deus que em sua infinita sabedoria já tem destinado através do Seu eterno decreto quem será galardoado, e em qual nível será. Não é nosso mérito, mas o poder de Deus explícita e eficazmente operando em nós. Como em tudo, Deus escolheu e determinou a quem dará mais, menos ou nada.
Paulo somente pôde disse: “Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece” (Fp 4.12-13), porque Jesus disse: “sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). E assim, como na parábola dos servos inúteis, diremos: "fizemos somente o que devíamos fazer" (Lc 17.10).
Então, o galardão é: escolhidos vasos de misericórdia, preparados para a glória, somos chamados filhos do Deus vivo (Rm 9.23;26).

Pois essa é a única e maior glória que podemos receber.
*"Visto que buscais uma prova de Cristo que fala em mim, o qual não é fraco para convosco, antes é poderoso entre vós. Porque, ainda que foi crucificado por fraqueza, vive, contudo, pelo poder de Deus. Porque nós também somos fracos nele, mas viveremos com ele pelo poder de Deus em vós".
Podemos analisar a fraqueza de Cristo a qual Paulo se refere de duas formas:
1- Cristo, ao assumir a condição humana, sujeitou-se também à fraqueza da nossa natureza, fazendo-se igual a nós não por opção, mas por assemelhança (antibíblica).
2- Cristo, ainda que assumindo a condição humana, mostrou-se fraco ao humilhar-se na cruz em favor dos eleitos (sujeitando-se à injustiça e ao sofrimento), e essa é uma clara opção de que Se fez fraco para nos tornar fortes, a fim de sermos exaltados juntamente com Ele (bíblica).

17 fevereiro 2009

ESCONDERIJO



Por Jorge Fernandes

Folhas ao vento, cinzas ocultas na terra enlodada,
A memória zomba as palavras escondidas ao inimigo,
Depois que se cala, os dentes exibem restos de carne não comida,
O rosto esconde-se entre culpas e pecados do passado,
Sinais herdados, coisas amargas a consumir a causa justa.
Como a traça roí a roupa e não teme a morte,
Vagueia-se pelo deserto, na desordem dos caminhos reticentes,
Em sombras confiscadas pelas trevas,
Onde não há quem solte, nem há quem prenda, apenas a vida dá lugar à morte.
Quando cai o sono, adormece a cama,
A alma buscaria as veredas bucólicas, a repousar sob os álamos,
Mas desvia-se por entre os ossos aflitos, suporta o castigo contemplativo,
Em que a noite visita os moídos, inclina-se sobre os fortes, reparte o dia,
Porque a dor é o mensageiro dos perdidos, o pão o resgate da carne,
O pó a resposta ao acordo desfeito, o fôlego último a pelejar na guerra perdida;
Há o leão a saciar-se com a fome, e os trovões a sussurrar o dilatar dos céus.
O vento traz os dias, raios a colorir os rostos secretos,
Gotas de orvalho endurecem-se na superfície congelada,
Ferro a esculpir a rocha, cascas de árvores arrancadas à unha,
O espírito afugentou a momentânea alegria, e não mudará as coisas indesejadas.
Ao redor, o que não me pertence faz parte de mim,
Espalha-se a raiva onde estava confiada, pronta a perseguir o pecado,
Passo a passo, lado a lado, a sentença é o pretexto à rebeldia,
Sem forças não há protesto que dure,
Fica-se a replicar às vezes, mão posta à boca,
Porque a vida é o esconderijo da morte.

04 fevereiro 2009

COMENTÁRIO A JÓ 1.1-12









Por Jorge Fernandes Isah

      O livro inicia notificando-nos que Jó habitava a terra de Uz, assim chamada por causa da tribo aramaica cujo nome derivava de um dos “Uz” da Bíblia: 1) O filho mais velho de Naor (Gn 22.21); 2) O neto de Seir (Gn 36.28); ou 3) O filho de Arã (Gn 10.23). Provavelmente, situava-se no deserto da Arábia ou da Síria, a leste da Palestina; alguns indicando-a em Edom.
               Em seguida, lê-se: “e era este homem íntegro, reto e temente a Deus e desviava-se do mal” (v.1). É uma assertiva valorosa que a Escritura faz de Jó, o que nos leva a meditar: ele esforçava-se para ser assim, ou Deus operava, capacitando-o?

               Certamente Jó se esforçava, mas mediante Deus produzir nele o esforço. No fim, Jó era sustentado por Deus para pensar e agir como justo, “porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” (Fl 2.13). O seu caráter era conseqüência da vontade e daquilo que Deus produzia nele, o que, porém, não impede a Bíblia de exortar-nos à retidão: “aparta-te do mal, e faze o bem; procura a paz, e segue-a” (Sl 34.14); de denunciar-nos: “não há um justo, nem um sequer, não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus” (Rm 3.10-12); e declarar que somente Deus “cria em mim... um coração puro, e renova em mim um espírito reto” (Sl 51.10).

                Como a analogia que o Natan* sugeriu:
“‘Jorge, você leu o meu livro e o personagem Jó que eu escrevi? O que achou? É um personagem justo, reto, íntegro...’. Assim, os méritos do caráter do personagem são do autor, e não da criação”.

                De outra forma, como Deus poderia assegurar a integridade do caráter de Jó? E de que se apartaria do mal? Se fosse “livre” no sentido de “escolher” ser justo e reto ou não (como querem os arminianos), essa liberdade poderia mudar com o tempo, e mesmo que não mudasse, como Deus teria a certeza de que Jó manter-se-ia fiel? Já que não depende da ação de Deus, mas da vontade do homem? Isso derruba qualquer idéia de soberania divina.

                Alguns dirão que a presciência garante a Deus a certeza do futuro. Mas se a presciência é antevisão do futuro, e esse futuro está sob a volição ou arbítrio do homem, que poderá alterá-lo a seu bel-prazer, como Deus terá certeza de que ele efetivamente ocorrerá? Só há uma resposta: o futuro precisa ser infalível; e Deus garantir que se cumprirá inevitavelmente, certificando-se de que cada etapa realize-se infalivelmente, de acordo com o Seu plano eterno. Tanto o desígnio geral como os mínimos detalhes serão assegurados por Deus de tal forma que não se frustrarão, então, o pensamento, a vontade e as ações humanas estão dentro do escopo da soberania divina, a qual Paulo diz: “conforme o propósito daquele (Deus) que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1.11); “porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17.28).

               Portanto, da perspectiva humana, a decisão é do homem, mas ela não é livre, pois produziu-se pela vontade soberana de Deus. Jó era o que Deus queria que fosse, da mesma forma que somos em Cristo o que Deus quer que sejamos, “com o fim de sermos para louvor da sua glória” (Ef 1.12).


         Em seguida, somos avisados de que Jó era um homem próspero, “maior de todos os do oriente” (v.3). Tinha dez filhos, sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas, além de servos e outros bens (v.2-3), o que faria dele um milionário, na atualidade. Apesar de todas as posses, ele não se rendia ao orgulho e vaidade humanas, antes sabia que tudo o que possuía provinha do Senhor. Diferente do Pai, os filhos banqueteavam-se numa espécie de “rodízio festeiro” em suas casas (v.4), e não demonstravam o mesmo zelo para com Deus, o que levava Jó a encarregar-se de, decorrido o turno de dias de seus banquetes, oferecer “holocaustos segundo o número de todos eles” (v. 5). O seu temor era de que os filhos pecassem e, portanto, afrontassem a Deus; incumbia-se então de aplacar a ira do Senhor sobre a sua casa. E essa atitude era contínua, mostrando não somente a reverência, mas a necessidade de obediência e da busca constante de santidade diante de Deus, que lhe abençoava com toda a sorte de bênçãos.

              Porém, “num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles” (v.6). Parece que o Senhor convocou os seus anjos, incluindo o próprio diabo, para um concílio. Há a dúvida se satanás foi um “penetra” na reunião. Mas pelo relato no verso 2.1, ele era constantemente chamado à presença de Deus, para uma espécie de “prestação de contas”. Quanto a ser um filho de Deus, parece haver uma distinção entre ele e os demais anjos, porque o advérbio “também” denota que satanás veio “entre” os filhos de Deus, sem sê-lo, como uma criatura discordante, diferente dos demais anjos.

              A pergunta que o Todo-Poderoso faz-lhe mostra que era esperado: “Donde vens?”. Deus parece desconhecer o trajeto e a atividade do diabo, mas há de se entender que a narrativa bíblica é voltada a uma perspectiva humana, e se não houvesse a indagação, jamais saberíamos o que satanás fazia. Ao que respondeu: “De rodear a terra, e passear por ela” (v.7). O dito é verdade, mas a mente maquiavélica do inimigo quer induzir-nos ao erro de pensar que ele estava a flanar pela terra despreocupadamente, como um turista fortuito. Não é isso. Satanás anda pelo globo com claros objetivos: Incitar-nos ao pecado como fez com Davi (1Cr 21.1, 1Jo 3.8); Acusar-nos diante de Deus como fez com Jó (Jó 1.9-11; 2.4); Praticar o mal (Jó 2.7); Opor-se ao homem como fez com Josué (Zc 3.2); Tentar-nos como fez com Jesus (Mt 4.1, Mc 1.13, Lc 4.2, Ap 2.10) e Pedro (Lc 22.31); Prender-nos a doenças (Lc 13.16); Transfigurar-se em anjo de luz (2Co 11.14); Mentir (Jo 8.44), e levar-nos à mentira como fez com Ananias (At 5.3); Enganar, e combater toda a justiça (At 13.10); Armar ciladas (Ef 6.11); Matar (Hb 2.14); e outras obras malignas que o espaço não permite descrevê-las.

              Se há alguma dúvida quanto à atuação do diabo, basta meditar na interrogação de Deus: “Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal” (v. 8). O diabo sabia das qualidades de Jó, pois ele não as invalidou ou refutou-as, porém, justificou-as como sendo fruto de toda a bondade de Deus, e que somente subsistiam por causa das bênçãos recebidas (v.10). Assim, ele reputava o zelo de Jó aos bens materiais, à prosperidade material, a qual explicaria cabalmente a sua fidelidade comodista. Em seu papel acusador, satanás questionou o temor do servo para com o Senhor (v.9), fazendo-o de maneira limitada, já que a sua única base era espreitar a Jó como seu adversário, bramando como um leão a fim de tragá-lo (1Pe 5.8); sem que lhe fosse dado conhecer o seu coração. Portanto, satanás tem um poder restrito, e apenas a idéia do que o Criador a efeito faz-lhe conhecido.


        Como ignorante da verdade bíblica (igual à maioria dos homens), satanás não reconhece a soberania de Deus, pois julga ser capaz de Jó cair da graça e blasfemar “contra ti na tua face” (v.11). Somente o controle divino sobre todo o processo da vida de Jó pode permiti-lO confiar na sua integridade moral e espiritual. Assim, sabendo que ao final tudo ocorreria conforme a Sua vontade, Deus estendeu a Sua mão, e tocou em tudo quanto Jó tinha, aceitando o desafio diabólico: “Eis que tudo quanto ele tem está na tua mão; somente contra ele não estendas a tua mão” (v.12).

            Há duas implicações no verso 11: 1) Satanás diz a Deus que “estende a tua mão e toca-lhe em tudo quanto tem”, revelando que o mal provém de Deus, e de que Ele determina o mal através da ação subordinada do diabo. Deus planeja, deseja e ordena que satanás tire tudo de Jó, mas é o diabo quem tira, ao desejar, no íntimo, a sua ruína. Existe uma coordenação de vontades que culminará com Jó perdendo tudo o que possui.

             2) Satanás tem a certeza de que o servo blasfemará contra Deus, demonstrando que, tanto não crê na soberania divina, como desconhece o coração de Jó. O erro do diabo é o mesmo de muitos homens: duvidar de Deus, e ignorá-lO. Portanto, no decorrer da narrativa, o diabo literalmente “quebrará a cara”, será desmascarado, e sofrerá nova e flagrante derrota.

             Igualmente, há duas inquietações no verso 12: 1) Deus entrega ao diabo tudo quanto Jó tem. Significa que Ele deixou o controle para o inimigo? Não. Seria o mesmo que afirmar, como os teístas relacionais, que Deus “abriu” mão da Sua soberania. Mas, por quê? Para deixar de ser Deus? É possível Deus deixar de ser o que é? E o fazendo, não se tornaria em outra coisa, menor que Deus? O teísmo-aberto é tão ilógico, insano e antibíblico que não requer maiores considerações. Assim, o que ocorre é Deus autorizar o diabo a agir segundo a Sua vontade.

            2) Satanás é um anjo (ainda que caído), e como tal, um mensageiro, não de boas novas, mas de destruição. Há confusão quanto a se distinguir o papel do diabo na história. Muitos acreditam que ele é o oponente, uma força que se contrapõe a Deus. E isso é dualismo, antibíblico. Mas o que a Escritura nos revela é que satanás não passa de um servo (como dizia Lutero, “o capacho de Deus”), o qual executa rigorosamente o que o Senhor planejou. Na verdade, ele é o nosso inimigo, não o inimigo de Deus; que se quisesse, já o teria destruído, bem como a nós e ao universo. Se não o fez, é porque não foi a Sua vontade; e a Sua vontade é de que tanto o diabo, como o homem e o mundo subsistam pelo Seu poder. Talvez esta seja a parte menos tolerável, que mais incomode, mas a qual devemos nos render: saber que o diabo existe, vive e se move pelo poder soberano de Deus.

            Como instrumento divino, ele é uma espécie de operário encarregado de cumprir as ordens do construtor, ou um procurador com poderes limitados e específicos outorgados por Deus para agir em Seu nome. De qualquer forma, mesmo que não haja consenso nessa questão, é claro, notório e incontestável o servilismo do diabo a Deus.

             Logo, ao receber suas ordens, restou-lhe somente cumpri-las, e “saiu da presença do Senhor” (v.12).


*O Natan é o tutor do blog “Reflexões Reformadas”, com o qual tenho examinado a questão da soberania de Deus; sem que ele subscreva as minhas opiniões.

31 janeiro 2009

CATENA















Por Jorge Fernandes

Construir notas sinfônicas... no silêncio,
Pintar a vida à óleo... na tragédia,
Erigir torres ao céu... nas profundezas,
Tocar as nuvens... no calabouço,
Esculpir a realidade... no delírio,
Eternizar a história num flash, na escuridão dos fatos,
Imortalizar a morte, trazer à vida os defuntos,
Fazer das letras sonhos, contar os grãos de areia na ampulheta,
Traçar retas que se encontram, e linhas que se fundem.
O homem... pela arte.

Desenhar plantas nas paredes,
Colar estrelas e luas no teto,
Tatuar a pele, tingir cabelos,
Mudar as formas do corpo,
Injetar anfetaminas na mente,
Plantar a melhor planta,
Colher o melhor fruto,
Criar o sapato ideal para pés tortos,
Levar à perfeição o existente,
Quando a perfeição caiu no Éden.
E o homem morreu... por um desejo.

A bomba que destrói,
O remédio que não cura,
O desprezo que não envergonha,
O cuidado que se despreza,
A mão que molesta,
O porrete que se estende,
A mordida que dilacera,
A frieza que acomete.
É o homem morto... no desejo.

Desejo de ser deus,
De alcançar as alturas,
De voar com as aves,
Cantar com os pássaros,
Nadar contra a correnteza,
Sem esperar a morte nas cabeceiras.
O homem sem lugar... no desejo.

A angústia cria,
A dor cria,
A falta cria,
O medo cria,
A mentira cria,
E o mal se refestela... no homem morto,
No desejo do cadáver que não pode querer, nem criar.

Porque onde Deus não está, não há substituto,
Nem como substituí-lO.
O vazio não se preenche, a despeito do esforço.
Resta apenas o vácuo,
E o homem insurge-se a nada, preso à própria rebeldia.

24 janeiro 2009

CARTA A UM PASTOR ABERTO AO TEÍSMO RELACIONAL














Por Jorge Fernandes

Sinceramente, não gosto da sua "teologia relacional", pois não há traços bíblicos nela mas essencialmente humanísticos, travestidos de cristianismo simplesmente pelo (pouco) hábito de citar Cristo, diferentemente da forma que cita, em profusão, os filósofos existencialistas e teólogos modernosos adeptos do marxismo/teologia da libertação (e Deus nem mesmo chega a ser uma inferência, visto que a sua base doutrinária é antropocêntrica). A sua arrogância e desprezo para com as outras "teologias", em especial à ortodoxia (e o tom pejorativo e muitas vezes jocoso com que as repele; o mesmo tom pelo qual se julga perseguido), mostra o quão distante está do amor de Cristo que diz buscar. Não há como ser igual a Cristo, excluíndo-O; não há como segui-lO sem negar a si mesmo e tomar a sua cruz; nem pregar o Seu Evangelho sem crer que é a infalível palavra de Deus.
Creio que o grande erro dos cristãos liberais (?), dos modernos e pós-modernos evangelicalismos é o desprezo pelas coisas de Deus, o desprezo pela Sua Palavra, é não aceitar a Sua imutabilidade, e crer que Ele se parece conosco, ou podemos ser como Ele. A menos que nos despojemos da nossa natureza (inclusive intelectual: "Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus. Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?" - 1Co 1.18-20), e oremos pedindo-lhE que o caráter do Seu Filho seja forjado em nós, do contrário, não estaremos de forma alguma servindo-O como é o Seu desejo. Biblicamente, é possivel Cristo viver em mim sem que a minha natureza morra? (2Co 5.17; Gl.2:20). Não. Para que Cristo viva é preciso eu estar sepultado, e então, seja ressuscitado e tornado participante da vida eterna pelo Filho de Deus.
Entristece-me ver em que estágio um pastor se encontra e pode encontrar-se, como lobo cruel a não poupar o rebanho (Atos 20.29 - e são muitos os que estão doentes, infectados pelo vírus diabólico da negação da Palavra de Deus). Não intento desmerecê-lo mas alertá-lo no amor do Senhor (sei que pareço pretensioso; mas é no amor de Jesus Cristo que lhe escrevo, ainda que não creia, ainda que não o aceite); suas aflições, inquirições e dúvidas apenas subsistem no homem natural, não em Deus ou na Sua Palavra, a qual é a ÚNICA VERDADE, bastando que se creia ("o que não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece" - Rm 9.16). O seu agir está muito próximo de uma zombaria, desrespeito e irreverência para com Ele. Se olhasse mais para o Senhor e menos para si mesmo, creio que a grande maioria (desculpe a redundância) dos seus problemas e dilemas estariam resolvidos. Quando o homem quer se fazer diferente ao buscar os "louros" para si, achando que pode tirar de Deus a glória que lhE pertence, tece uma teia na qual a presa é o próprio homem. Quando não O aceitamos como Ele é, revelado nas Escrituras, e conjecturamos sobre Sua vontade, caráter e pessoa humanisticamente, usando critérios extrabíblicos (muitas vezes blasfemos, céticos e místicos), erramos duplamente: ao não reconhecê-lO através da Sua revelação (especialmente em Cristo e Sua obra salvadora e redentora), e ao não considerá-lO o Criador soberano, reto, santo e justo que é, e que desta forma revelou-Se nas Escrituras. Então vive-se nessa roda, um círculo maligno que o levará à perdição, a criar um deus factual, tangível... um molde de gesso, capaz de se quebrar à simples pressão dos dedos.
Orei muitas vezes por você, pedindo a Deus que lhe revelasse a Sua santa vontade, que os seus olhos fossem abertos para a Verdade; contudo, cada vez mais o vejo obstinado em salvaguardar os seus interesses (ainda que mascarados, pretensamente solidários, éticos, morais e justos; mas que levam ao engano, à crença em um deus fora da Escritura, um deus revelado pela nossa natureza débil, inconstante, pecadora e maléfica), e a expô-los de forma virulenta, ainda que com disfarces líricos e poéticos; uma estampa aparentemente bonita para algo efêmero, mas ainda assim, extremamente nocivo, perigosamente letal. Pense no que diz Paulo em Romanos 1:24-25: "Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si; pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém!".
A quem sirvo? Ao Criador Eterno e Senhor da história? Ou à criatura (ao forjar um deus à imagem e semelhança do homem caído)?
Que Deus tenha misericórdia de você, e leve-o ao arrependimento.
Originalmente publicado em http://apologhetica.blogspot.com/2008/08/carta-um-pastor-aberto-ao-tesmo.html
Texto original minimanente alterado.

17 janeiro 2009

MENTIRAS ABSOLUTAS









Por Jorge Fernandes

Não desenvolverei uma exposição sobre liberalismo x fundamentalismo. Há artigos e livros que praticamente esgotam a questão, e indicarei as seguintes fontes:
1) Cristianismo e Liberalismo, J. Gresham Machen; cujos comentários estão em
http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/11/cristianismo-e-liberalismo.html
2) Com Vergonha do Evangelho, John MacArthur Jr; cujos comentários estão em
http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/08/com-vergonha-do-evangelho.html
3) A Guerra Pela Verdade, John MacArthur Jr.; cujos comentários estão em http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/09/guerra-pela-verdade.html
4) Os Fundamentos – R. A. Torrey (editor); cujo comentário está em http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/02/os-fundamentos.html
5) Áudios do Pr. Augustus Nicodemus, disponíveis no site Monergismo em
http://www.monergismo.com/textos/sermoes_audio/augustus_sermao_origem_fundamentalismo_liberalismo.htm http://www.monergismo.com/textos/sermoes_audio/augustus_sermao_avaliacao_fundamentalismo.htm
Dito isto, quero ater-me a uma questão similar às duas vertentes, ainda que distintas na forma, porém não na essência.
O liberalismo prima pela descrença no Deus bíblico e na revelação divina das Escrituras (a descrença pode ser em maior ou menor grau, mas sempre será descrença), não encarando-os de forma literal, mas compreendendo-os à luz (ou trevas) da cultura, dos costumes e do pensamento humano.
Para o liberal, a Bíblia não é a verdade absoluta nem para a atualidade nem para os povos à época em que foi escrita; devendo ser estudada dentro do contexto cultural daquele período histórico, a fim de que a sua mensagem seja adequada e válida. Desta forma, temos de adaptá-la aos nossos dias, ao contexto atual, para que tenha relevância na modernidade.
Para o liberal, afirmações sobre Deus e o homem reveladas nas Escrituras somente serão entendidas como verdades se suscetíveis ao crivo racional, aprovadas pela experiência e comprovadas pelo empirismo.
A finalidade é alcançar a descrença total no Deus bíblico, e na revelação bíblica. Os milagres, o nascimento virginal de Cristo, a Queda e o pecado da humanidade em Adão, a expiação vicária do Senhor Jesus, a Sua ressurreição, a condenação eterna e o inferno, tomam nova forma se expostos pela mente liberal, o que se pode chamar de "mentiras absolutas". Por conseguinte, se a revelação de Deus não é a verdade absoluta, o próprio Deus também não o é. E o que se vê é um cristianismo amorfo e adulterado, criado à imagem e semelhança da mente pecaminosa do homem.
Enfim, o ponto central é: combater a idéia do pecado, e de que o homem não tem de afastar-se dele. Assim, o liberal poderá conviver tranquilamente com suas transgressões sem culpa, sem arrependimento, sem a idéia da condenação, porque o Deus justo, reto e santo não se enquadra no protótipo do deus liberal. Tudo muito bem aprovado e comprovado pelas ciências humanistas, pela alma corrompida do homem rebelde.
Então, no “cristianismo liberal” (sic) não há a autoridade de Deus nem das Escrituras, mas do homem; um produto típico da mente em seu estado natural de deterioração.
Por outro lado, o fundamentalismo assume várias formas, algumas nem tão fundamentalistas, outras extremamente legalistas, onde há uma corrupção e descrença iguais às do liberal. Explico: tanto no liberalismo como no fundamentalismo legalista o importante é o homem, não Deus. Ou seja, qualquer coisa pode ser chamada de cristianismo, mesmo que Cristo não seja a sua autoridade, e não haja pontos inegociáveis, a não ser a salvação do homem pelo próprio homem, e o caráter condescendente e indulgente em seus desvios.
O fundamentalismo clássico ergueu-se sobre cinco princípios bíblicos, em oposição ao ceticismo liberal:
1 - Inerrância das Escrituras: inspiração verbal-plenária da Escritura;
2 - Nascimento Virginal de Cristo: Jesus foi gerado pelo Espírito Santo; 3 - Expiação Vicária de Cristo: Cristo morreu pelos [em lugar de os] pecadores; 4 - Ressurreição Corpórea e Segunda Vinda de Cristo: Cristo está vivo e voltará; 5 - Historicidade dos Milagres: todos os milagres relatados na Bíblia são efetivamente fatos históricos.
O cristão bíblico é e sempre será um fundamentalista clássico ou histórico, ainda que não assuma o termo, dado à sua conotação pejorativa “plantada” pelos liberais, o qual muitos querem evitar.
Porém, há um tipo de fundamentalismo que prima pelo legalismo ou farisaísmo. Podem ser chamados de xiitas, radicais, ultra ou supra fundamentais. Eles não se misturam, no sentido de aversão a qualquer cristão que não se enquadre aos seus padrões religiosos. Note-se que não estou a falar dos padrões bíblicos, mas dos padrões religiosos que eles defendem. Esse tipo de fundamentalismo é uma perversão do cristianismo tal qual o liberalismo. Eles se consideram a “nata” dos cristãos, os verdadeiros e únicos cristãos e, portanto, são os “comissionados” por Deus para o patrulhamento teológico. Algo como os auditores ou fiscais encarregados de expurgar e banir qualquer irmão ou igreja que não se adequa às suas diretrizes (com exceção das mortes, se parecem muito com os inquisidores romanistas). Acabam por investir-se como promotores e juízes, absolvendo ou condenando ao céu e ao inferno segundo a sua conveniência doutrinária. É um postulado com o qual Deus não nos revestiu, mas que teimam em assumir.
Então, dirigem sua artilharia contra quem discordar de apenas um dos seus dogmas; e a salvação já não depende da graça de Deus nem do sacrifício expiatório de Cristo, mas do seguir suas regras, parâmetros ou norma reguladora, ou seja, o farisaísmo.
Os liberais contemporizam os pecados alheios a fim de se verem absolvidos em seus próprios pecados. Os fundamentalistas radicais esquecem-se dos seus pecados, e de que foram pagos por Cristo na cruz do Calvário (caso sejam eleitos), e ficam, hipocritamente, à espreita do pecado alheio. Abandonam a si mesmos em prol de uma sentença nula; e esquecem-se de que, cada um de nós está nas mãos do Senhor supremo de todo o universo, e de que o pecado do homicídio é tanto pecado como a mentira, a soberba ou a farsa.
Se um assassino como Stalin, Hitler ou Fidel fosse regenerado e restaurado pelo sangue do Senhor Jesus Cristo, ainda que carregando a culpa por milhões de mortes, estaria salvo e viveria por toda a eternidade diante do trono de Deus.
Em contrapartida, se um ermitão ou monge que não praticou nenhum ato amoral ou pecaminoso contra o seu próximo morrer rejeitando a Cristo, estará irremediavelmente condenado ao fogo do inferno. Portanto, não nos cabe julgar os homens quanto à salvação ou perdição, visto que esse julgamento cabe única e exclusivamente a Deus, o eterno e supremo Juiz (o contrário é fazer-se de Deus, e pretender tirar-lhE a glória que somente a Ele pertence).
Cabe-nos tão somente julgar os atos e atitudes humanas, se elas estão em conformidade com a Palavra de Deus ou não, nada mais do que isso, para não incorrermos em pecado.
Tanto os liberais como os fundamentalistas radicais partem da mesma premissa: a negação de Deus; e acabam por ser filhos do mesmo pai: o diabo. Seus esforços são humanos, são seus próprios salvadores, e brincam de deus, cada um a seu modo.
Infelizmente, se não forem ovelhas do Bom Pastor, será o mesmo que brincar com fogo, e se queimarão... literalmente.

10 janeiro 2009

LIBERALISMO CRISTÃO?!!!











Por Jorge Fernandes

Duas reflexões sobre o liberalismo "cristão":

1) O liberalismo, em maior ou menor grau, é sempre um movimento que visa "reescrever" a fé cristã, desacreditando-a, substituindo os seus fundamentos pelo racionalismo, pela ciência, pelo ceticismo.
O pontapé inicial começa com a negação da inspiração divina, da infalibilidade e inerrância das Escrituras Sagradas, com o único objetivo de demolir a fé cristã.
Iniciado com o iluminismo e o racionalismo, cresceu com a alta crítica, amadurecendo (ou seria apodrecendo?) com a segmentação pós-modernista, do evangelho social, do humanismo, da teologia relacional, negra, da mulher, e outros conceitos que estão contaminando igrejas e denominações, os quais, invariavelmente, desprezam a Bíblia e todos os pressupostos cristãos, como a soberania de Deus, a divindade de Cristo, Seu sacrifício substitutivo e expiatório, a doutrina do pecado original, da natureza corrompida do homem, da Trindade... e não poderia ser diferente, pois o que fazem é recriar uma espécie de "monstrengo" teológico, o anti-evangelho de Cristo.
O "cristão liberal" não conseguia (e consegue) crer em nada além do que os seus olhos vêem. O seu estado é sempre uma flutuação entre a descrença sutil e a descrença radical (mas sempre descrença); ele não é um crente (e somente o será pela graça do Senhor), pois busca Deus dentro de si mesmo e no mundo natural (imanência), sem jamais encontrá-lO; ou com nenhuma expectativa de vir a encontrá-lO; ou atingirá o ápice do ceticismo: a negação completa de Deus.
Assim, o liberal não reconhece a autoridade divina, portanto, não se sujeitando a ela, e se submetendo à sua própria autoridade através do empirismo e da ciência natural.
Tudo isso tem um só objetivo: rejeitar a Lei Moral, e entregar o homem à sua própria dissolução e pecaminosidade.

2) Os teólogos liberais fazem um exercício, no mínimo, intricado: discutem cristianismo não com base nas Escrituras, mas mantendo-se em meio a vários pontos de vista (muitos conflitantes, outros irrelevantes). É como o cego em meio ao tiroteio. Provavelmente uma bala o acertará sem que ele saiba de onde veio.
O que se vê é um discurso distendido de qualquer envolvimento com a revelação divina; é como o paciente acometido de AVC e que percebe o seu lado esquerdo paralisado, esquecido, sem que responda ao estímulo mental. Assim é a mente de um liberal, ele crê estar ligado às Escrituras mas, no fundo, o único estímulo que recebe e com o qual interage é consigo mesmo, jamais com Deus.
Entre divagações, delírios e loucura, num intelectualismo estéril e letal, afasta-se mais e mais de Cristo e do Seu Evangelho.
Para o liberal a fé é um mero detalhe, talvez, por isso, ele seja mortalmente cético, e queira o tempo todo reinterpretar o Evangelho nas ondas confusas e caóticas da incerteza, da incredulidade, do falso cristianismo.

Extraído dos comentários ao livro “Teologia Contemporânea”, disponível em http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/10/teologia-contempornea.html

04 janeiro 2009

NEM UM NEM OUTRO... É POSSÍVEL?













Por Jorge Fernandes Isah


Há um grupo de teólogos e discípulos que se diz nem arminiano nem calvinista, e se considera fora do escopo de qualquer dessas linhas teológicas. Levando-se em conta que, ou se glorifica a Deus crendo na Sua plena e total soberania (o que não pode ser uma soberania compartilhada), ou no homem e sua suposta liberdade, mesmo que seja de forma parcial; não há outra definição: ou se é calvinista ou arminiano, não existe outra classificação, apenas variações do mesmo princípio, ou como popularmente se diz, variações do mesmo tema.


O “novo” teólogo sequer estudou minimante os dois sistemas, e diz discordar mais pelo que não leu do que pelo efetivamente leu a respeito. Ainda assim, está convicto de não pertencer nem a um nem a outro grupo. Mas qual a base para afirmação tão inconsistente? A incoerência é uma delas. A soberba, outra. A vaidade exclusivista complementa o quadro, aliada à fraude. Porque assumir-se arminiano ou calvinista apenas o tornará mais um entre tantos, ao passo que afastar-se de ambos o colocará em uma posição aparentemente destacada, pelo menos aos olhos dos incautos e ignorantes. Alardear os erros alheios é mais fácil de se encobrir os próprios erros, e essa é a cortina de retalhos que utilizam para dissimular o próprio dolo.


O calvinismo está calcado em 5 pontos1:


1) Total Depravação;
2) Eleição Incondicional;
3) Expiação Limitada;
4) Graça Irresistível;
5) Perseverança dos Santos.

Se há discordância em apenas um dos pontos não se é calvinista, é-se arminiano (acho que foi McGregor Wright em seu “A Soberania Banida”2 que disse: o calvinista de 04 pontos é um arminiano inconsistente).


O que pode acontecer é do “arminiano inconsistente” não assumir a pecha de arminiano. Agindo assim, ele não abdicará do seu “exclusivismo”, e poderá atirar pedras no telhado alheio, tanto de um como do outro, sem se ver comprometido. Estará livre para criticar a tudo e todos sem qualquer base bíblica, coerente e lógica, pois seus fundamentos são exclusivamente pecaminosos (interesses a serviço do pecado).

É cômodo jogar com as pessoas, com as idéias, e manter-se distante num estado de expectação acintosa, tal qual o pirotécnico ateia faísca à lona e vê o "circo pegar fogo". Como se fosse um deus, colocar-se acima do bem e do mal, impondo regras e normas que ele mesmo recusa, enquanto observa seus subalternos debaterem-se esterilmente.

A principal forma de se conseguir isso é acusar de erro, indistintamente, toda e qualquer pessoa ou grupo que não pactue 100% com seus ideais (os quais nem ele mesmo sabe quais são, e por definição, o que há é apenas a rejeição aos conceitos alheios), e rechaçá-los totalmente. A obediência cega é o seu alicerce (ainda que fincada na areia), depois a edifica com paus, palha e feno, os quais são: forjar fatos, distorcer conceitos, subverter a verdade. Cabe-nos a defesa da fé, e refutar qualquer posição arrogantemente tola e descabida; e distinguir os fundamentos bíblicos dos espiritual e humanamente falhos.

Uma coisa é ser ignorante, desconhecer a doutrina cristã, outra é a desonestidade em que alguns se colocam como sábios mas são loucos, enredados pelo próprio desejo de serem admirados e venerados pelos homens por suas posições e atitudes pretensamente livres de qualquer influência (por si só, uma máxima arminiana). Eles enganam e iludem para manterem-se intocados, e suas idéias rotas e desvairadas permanecerem de pé, mesmo que não passem de um cadáver preso à parede por longos rebites.

Ao desprezar todos os sistemas, crêem descobrir a “roda”, quando o que fazem é repetir o erro de muitos teólogos que viveram séculos antes dele. Mas o pior é manter presos à ignorância uma legião de “súditos” devotados e cegos. Por isso, não querem se aprofundar na questão, nem entendê-la, basta deixar tudo do jeito que está, porque assim é mais fácil controlar e manter domesticado o rebanho de ovelhas perdidas.

Então, não nos iludamos com a pretensa sabedoria desses homens, pois eles são obscuros e querem manter nas trevas o maior número possível de pessoas. Para elas, infelizmente, manter-se-ão cativas mesmo na morte... eterna.


1- Para maior explicação dos pontos, ler texto em http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/joao_calvino_5pontos_silverio.htm
2- O comentário ao livro A Soberania Banida pode ser lido em http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/05/soberania-banida.html
3- O fato de considerar o arminianismo heresia não implica na perdição de todos. Creio que há arminianos sinceros, mas errados doutrinariamente. Até porque a salvação é inteiramente de Deus, e Ele escolhe quem será salvo ou não.

01 janeiro 2009

FATAL











Por Jorge Fernandes

Gravemente pecou;
Chorou as lágrimas solitárias na noite inimiga,
A festa era porta fechada onde habitava a aflição,
E os suspiros desolados do errante repousavam nos caminhos tortuosos e devastados,
Onde o socorro não alcança, onde o fim não é lembrado.
As mãos folheavam o álbum, os retratos de tempos antigos,
O papel exaurido e as cores desbotadas pareciam zombar da ruína em que se tornou.
Gravemente pecou;
O pão, a nudez, o ouro no pescoço, a beldade, eram o troco da alma declinada,
Os ossos esmagados, a carne enfermada não podia mais comprar,
Nem mesmo adubar a grama, nem afastar a cerca ao redor.
A armadilha presa aos pés, avalanche sobre a cabeça,
Velhos mortos desatavam águas dos olhos, jovens convocavam a derrota na última batalha,
Vestir-se de trapos enquanto as luzes expiravam sorrateiras,
E a treva revolvia as entranhas como o fogo consome a lenha úmida.
Gravemente pecou;
A semente rejeitou a terra,
Mães arrastaram filhos pelas ruas,
A boca cuspiu fora os dentes,
No assobio, cabeças meneadas chocaram-se com muros,
E não se podia escapar da última palavra: a loucura não sara.
Multiplicou-se a ira de Deus,
Deu solenes gritos ao ver o lugar destruir-se,
Gemeu diante do esforço vão de quebrar os grilhões,
Devorou o dia pensando na noite, entrou por onde jamais sairia,
Guiou-se como alvo às flechas, fez um prato fundo de areia e lodo,
Escondeu os ouvidos da sinfonia como se esmigalhasse o único troféu.
Gravemente pecou;
A vida pulverizada como metal limado,
Esperar razão quando sobrevêm amarguras,
Põe a língua no pó, persiga as nuvens no céu,
Não se deixe fugir da morte, e ponha-a a salvo depressa,
Pois o castigo espreita, prestes a abater a caça implacavelmente.
Polir o lixo, a culpa não pode ser aplacada com uma desculpa.
Gravemente pecou;
Desviou-se, fugiu, andou lentamente erradio, perseguiu ciladas,
A pele presa aos ossos como cão vadio, sem dono,
Foi-lhe posto o último fôlego, o negrume a vaguear como cego tocando o vazio,
Debaixo da sombra viu covas enfileiradas, nunca mais se morará ali,
Serviu-se o alimento, e água suficiente para acabar com a sede,
Porém, contaminado pelos seus pecados, cumpridos os seus dias,
Consumiu-se no fim como a descobrir uma recompensa... que não chegou.
Gravemente pecou.