31 janeiro 2009

CATENA















Por Jorge Fernandes

Construir notas sinfônicas... no silêncio,
Pintar a vida à óleo... na tragédia,
Erigir torres ao céu... nas profundezas,
Tocar as nuvens... no calabouço,
Esculpir a realidade... no delírio,
Eternizar a história num flash, na escuridão dos fatos,
Imortalizar a morte, trazer à vida os defuntos,
Fazer das letras sonhos, contar os grãos de areia na ampulheta,
Traçar retas que se encontram, e linhas que se fundem.
O homem... pela arte.

Desenhar plantas nas paredes,
Colar estrelas e luas no teto,
Tatuar a pele, tingir cabelos,
Mudar as formas do corpo,
Injetar anfetaminas na mente,
Plantar a melhor planta,
Colher o melhor fruto,
Criar o sapato ideal para pés tortos,
Levar à perfeição o existente,
Quando a perfeição caiu no Éden.
E o homem morreu... por um desejo.

A bomba que destrói,
O remédio que não cura,
O desprezo que não envergonha,
O cuidado que se despreza,
A mão que molesta,
O porrete que se estende,
A mordida que dilacera,
A frieza que acomete.
É o homem morto... no desejo.

Desejo de ser deus,
De alcançar as alturas,
De voar com as aves,
Cantar com os pássaros,
Nadar contra a correnteza,
Sem esperar a morte nas cabeceiras.
O homem sem lugar... no desejo.

A angústia cria,
A dor cria,
A falta cria,
O medo cria,
A mentira cria,
E o mal se refestela... no homem morto,
No desejo do cadáver que não pode querer, nem criar.

Porque onde Deus não está, não há substituto,
Nem como substituí-lO.
O vazio não se preenche, a despeito do esforço.
Resta apenas o vácuo,
E o homem insurge-se a nada, preso à própria rebeldia.

24 janeiro 2009

CARTA A UM PASTOR ABERTO AO TEÍSMO RELACIONAL














Por Jorge Fernandes

Sinceramente, não gosto da sua "teologia relacional", pois não há traços bíblicos nela mas essencialmente humanísticos, travestidos de cristianismo simplesmente pelo (pouco) hábito de citar Cristo, diferentemente da forma que cita, em profusão, os filósofos existencialistas e teólogos modernosos adeptos do marxismo/teologia da libertação (e Deus nem mesmo chega a ser uma inferência, visto que a sua base doutrinária é antropocêntrica). A sua arrogância e desprezo para com as outras "teologias", em especial à ortodoxia (e o tom pejorativo e muitas vezes jocoso com que as repele; o mesmo tom pelo qual se julga perseguido), mostra o quão distante está do amor de Cristo que diz buscar. Não há como ser igual a Cristo, excluíndo-O; não há como segui-lO sem negar a si mesmo e tomar a sua cruz; nem pregar o Seu Evangelho sem crer que é a infalível palavra de Deus.
Creio que o grande erro dos cristãos liberais (?), dos modernos e pós-modernos evangelicalismos é o desprezo pelas coisas de Deus, o desprezo pela Sua Palavra, é não aceitar a Sua imutabilidade, e crer que Ele se parece conosco, ou podemos ser como Ele. A menos que nos despojemos da nossa natureza (inclusive intelectual: "Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus. Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?" - 1Co 1.18-20), e oremos pedindo-lhE que o caráter do Seu Filho seja forjado em nós, do contrário, não estaremos de forma alguma servindo-O como é o Seu desejo. Biblicamente, é possivel Cristo viver em mim sem que a minha natureza morra? (2Co 5.17; Gl.2:20). Não. Para que Cristo viva é preciso eu estar sepultado, e então, seja ressuscitado e tornado participante da vida eterna pelo Filho de Deus.
Entristece-me ver em que estágio um pastor se encontra e pode encontrar-se, como lobo cruel a não poupar o rebanho (Atos 20.29 - e são muitos os que estão doentes, infectados pelo vírus diabólico da negação da Palavra de Deus). Não intento desmerecê-lo mas alertá-lo no amor do Senhor (sei que pareço pretensioso; mas é no amor de Jesus Cristo que lhe escrevo, ainda que não creia, ainda que não o aceite); suas aflições, inquirições e dúvidas apenas subsistem no homem natural, não em Deus ou na Sua Palavra, a qual é a ÚNICA VERDADE, bastando que se creia ("o que não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece" - Rm 9.16). O seu agir está muito próximo de uma zombaria, desrespeito e irreverência para com Ele. Se olhasse mais para o Senhor e menos para si mesmo, creio que a grande maioria (desculpe a redundância) dos seus problemas e dilemas estariam resolvidos. Quando o homem quer se fazer diferente ao buscar os "louros" para si, achando que pode tirar de Deus a glória que lhE pertence, tece uma teia na qual a presa é o próprio homem. Quando não O aceitamos como Ele é, revelado nas Escrituras, e conjecturamos sobre Sua vontade, caráter e pessoa humanisticamente, usando critérios extrabíblicos (muitas vezes blasfemos, céticos e místicos), erramos duplamente: ao não reconhecê-lO através da Sua revelação (especialmente em Cristo e Sua obra salvadora e redentora), e ao não considerá-lO o Criador soberano, reto, santo e justo que é, e que desta forma revelou-Se nas Escrituras. Então vive-se nessa roda, um círculo maligno que o levará à perdição, a criar um deus factual, tangível... um molde de gesso, capaz de se quebrar à simples pressão dos dedos.
Orei muitas vezes por você, pedindo a Deus que lhe revelasse a Sua santa vontade, que os seus olhos fossem abertos para a Verdade; contudo, cada vez mais o vejo obstinado em salvaguardar os seus interesses (ainda que mascarados, pretensamente solidários, éticos, morais e justos; mas que levam ao engano, à crença em um deus fora da Escritura, um deus revelado pela nossa natureza débil, inconstante, pecadora e maléfica), e a expô-los de forma virulenta, ainda que com disfarces líricos e poéticos; uma estampa aparentemente bonita para algo efêmero, mas ainda assim, extremamente nocivo, perigosamente letal. Pense no que diz Paulo em Romanos 1:24-25: "Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si; pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém!".
A quem sirvo? Ao Criador Eterno e Senhor da história? Ou à criatura (ao forjar um deus à imagem e semelhança do homem caído)?
Que Deus tenha misericórdia de você, e leve-o ao arrependimento.
Originalmente publicado em http://apologhetica.blogspot.com/2008/08/carta-um-pastor-aberto-ao-tesmo.html
Texto original minimanente alterado.

17 janeiro 2009

MENTIRAS ABSOLUTAS









Por Jorge Fernandes

Não desenvolverei uma exposição sobre liberalismo x fundamentalismo. Há artigos e livros que praticamente esgotam a questão, e indicarei as seguintes fontes:
1) Cristianismo e Liberalismo, J. Gresham Machen; cujos comentários estão em
http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/11/cristianismo-e-liberalismo.html
2) Com Vergonha do Evangelho, John MacArthur Jr; cujos comentários estão em
http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/08/com-vergonha-do-evangelho.html
3) A Guerra Pela Verdade, John MacArthur Jr.; cujos comentários estão em http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/09/guerra-pela-verdade.html
4) Os Fundamentos – R. A. Torrey (editor); cujo comentário está em http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/02/os-fundamentos.html
5) Áudios do Pr. Augustus Nicodemus, disponíveis no site Monergismo em
http://www.monergismo.com/textos/sermoes_audio/augustus_sermao_origem_fundamentalismo_liberalismo.htm http://www.monergismo.com/textos/sermoes_audio/augustus_sermao_avaliacao_fundamentalismo.htm
Dito isto, quero ater-me a uma questão similar às duas vertentes, ainda que distintas na forma, porém não na essência.
O liberalismo prima pela descrença no Deus bíblico e na revelação divina das Escrituras (a descrença pode ser em maior ou menor grau, mas sempre será descrença), não encarando-os de forma literal, mas compreendendo-os à luz (ou trevas) da cultura, dos costumes e do pensamento humano.
Para o liberal, a Bíblia não é a verdade absoluta nem para a atualidade nem para os povos à época em que foi escrita; devendo ser estudada dentro do contexto cultural daquele período histórico, a fim de que a sua mensagem seja adequada e válida. Desta forma, temos de adaptá-la aos nossos dias, ao contexto atual, para que tenha relevância na modernidade.
Para o liberal, afirmações sobre Deus e o homem reveladas nas Escrituras somente serão entendidas como verdades se suscetíveis ao crivo racional, aprovadas pela experiência e comprovadas pelo empirismo.
A finalidade é alcançar a descrença total no Deus bíblico, e na revelação bíblica. Os milagres, o nascimento virginal de Cristo, a Queda e o pecado da humanidade em Adão, a expiação vicária do Senhor Jesus, a Sua ressurreição, a condenação eterna e o inferno, tomam nova forma se expostos pela mente liberal, o que se pode chamar de "mentiras absolutas". Por conseguinte, se a revelação de Deus não é a verdade absoluta, o próprio Deus também não o é. E o que se vê é um cristianismo amorfo e adulterado, criado à imagem e semelhança da mente pecaminosa do homem.
Enfim, o ponto central é: combater a idéia do pecado, e de que o homem não tem de afastar-se dele. Assim, o liberal poderá conviver tranquilamente com suas transgressões sem culpa, sem arrependimento, sem a idéia da condenação, porque o Deus justo, reto e santo não se enquadra no protótipo do deus liberal. Tudo muito bem aprovado e comprovado pelas ciências humanistas, pela alma corrompida do homem rebelde.
Então, no “cristianismo liberal” (sic) não há a autoridade de Deus nem das Escrituras, mas do homem; um produto típico da mente em seu estado natural de deterioração.
Por outro lado, o fundamentalismo assume várias formas, algumas nem tão fundamentalistas, outras extremamente legalistas, onde há uma corrupção e descrença iguais às do liberal. Explico: tanto no liberalismo como no fundamentalismo legalista o importante é o homem, não Deus. Ou seja, qualquer coisa pode ser chamada de cristianismo, mesmo que Cristo não seja a sua autoridade, e não haja pontos inegociáveis, a não ser a salvação do homem pelo próprio homem, e o caráter condescendente e indulgente em seus desvios.
O fundamentalismo clássico ergueu-se sobre cinco princípios bíblicos, em oposição ao ceticismo liberal:
1 - Inerrância das Escrituras: inspiração verbal-plenária da Escritura;
2 - Nascimento Virginal de Cristo: Jesus foi gerado pelo Espírito Santo; 3 - Expiação Vicária de Cristo: Cristo morreu pelos [em lugar de os] pecadores; 4 - Ressurreição Corpórea e Segunda Vinda de Cristo: Cristo está vivo e voltará; 5 - Historicidade dos Milagres: todos os milagres relatados na Bíblia são efetivamente fatos históricos.
O cristão bíblico é e sempre será um fundamentalista clássico ou histórico, ainda que não assuma o termo, dado à sua conotação pejorativa “plantada” pelos liberais, o qual muitos querem evitar.
Porém, há um tipo de fundamentalismo que prima pelo legalismo ou farisaísmo. Podem ser chamados de xiitas, radicais, ultra ou supra fundamentais. Eles não se misturam, no sentido de aversão a qualquer cristão que não se enquadre aos seus padrões religiosos. Note-se que não estou a falar dos padrões bíblicos, mas dos padrões religiosos que eles defendem. Esse tipo de fundamentalismo é uma perversão do cristianismo tal qual o liberalismo. Eles se consideram a “nata” dos cristãos, os verdadeiros e únicos cristãos e, portanto, são os “comissionados” por Deus para o patrulhamento teológico. Algo como os auditores ou fiscais encarregados de expurgar e banir qualquer irmão ou igreja que não se adequa às suas diretrizes (com exceção das mortes, se parecem muito com os inquisidores romanistas). Acabam por investir-se como promotores e juízes, absolvendo ou condenando ao céu e ao inferno segundo a sua conveniência doutrinária. É um postulado com o qual Deus não nos revestiu, mas que teimam em assumir.
Então, dirigem sua artilharia contra quem discordar de apenas um dos seus dogmas; e a salvação já não depende da graça de Deus nem do sacrifício expiatório de Cristo, mas do seguir suas regras, parâmetros ou norma reguladora, ou seja, o farisaísmo.
Os liberais contemporizam os pecados alheios a fim de se verem absolvidos em seus próprios pecados. Os fundamentalistas radicais esquecem-se dos seus pecados, e de que foram pagos por Cristo na cruz do Calvário (caso sejam eleitos), e ficam, hipocritamente, à espreita do pecado alheio. Abandonam a si mesmos em prol de uma sentença nula; e esquecem-se de que, cada um de nós está nas mãos do Senhor supremo de todo o universo, e de que o pecado do homicídio é tanto pecado como a mentira, a soberba ou a farsa.
Se um assassino como Stalin, Hitler ou Fidel fosse regenerado e restaurado pelo sangue do Senhor Jesus Cristo, ainda que carregando a culpa por milhões de mortes, estaria salvo e viveria por toda a eternidade diante do trono de Deus.
Em contrapartida, se um ermitão ou monge que não praticou nenhum ato amoral ou pecaminoso contra o seu próximo morrer rejeitando a Cristo, estará irremediavelmente condenado ao fogo do inferno. Portanto, não nos cabe julgar os homens quanto à salvação ou perdição, visto que esse julgamento cabe única e exclusivamente a Deus, o eterno e supremo Juiz (o contrário é fazer-se de Deus, e pretender tirar-lhE a glória que somente a Ele pertence).
Cabe-nos tão somente julgar os atos e atitudes humanas, se elas estão em conformidade com a Palavra de Deus ou não, nada mais do que isso, para não incorrermos em pecado.
Tanto os liberais como os fundamentalistas radicais partem da mesma premissa: a negação de Deus; e acabam por ser filhos do mesmo pai: o diabo. Seus esforços são humanos, são seus próprios salvadores, e brincam de deus, cada um a seu modo.
Infelizmente, se não forem ovelhas do Bom Pastor, será o mesmo que brincar com fogo, e se queimarão... literalmente.

10 janeiro 2009

LIBERALISMO CRISTÃO?!!!











Por Jorge Fernandes

Duas reflexões sobre o liberalismo "cristão":

1) O liberalismo, em maior ou menor grau, é sempre um movimento que visa "reescrever" a fé cristã, desacreditando-a, substituindo os seus fundamentos pelo racionalismo, pela ciência, pelo ceticismo.
O pontapé inicial começa com a negação da inspiração divina, da infalibilidade e inerrância das Escrituras Sagradas, com o único objetivo de demolir a fé cristã.
Iniciado com o iluminismo e o racionalismo, cresceu com a alta crítica, amadurecendo (ou seria apodrecendo?) com a segmentação pós-modernista, do evangelho social, do humanismo, da teologia relacional, negra, da mulher, e outros conceitos que estão contaminando igrejas e denominações, os quais, invariavelmente, desprezam a Bíblia e todos os pressupostos cristãos, como a soberania de Deus, a divindade de Cristo, Seu sacrifício substitutivo e expiatório, a doutrina do pecado original, da natureza corrompida do homem, da Trindade... e não poderia ser diferente, pois o que fazem é recriar uma espécie de "monstrengo" teológico, o anti-evangelho de Cristo.
O "cristão liberal" não conseguia (e consegue) crer em nada além do que os seus olhos vêem. O seu estado é sempre uma flutuação entre a descrença sutil e a descrença radical (mas sempre descrença); ele não é um crente (e somente o será pela graça do Senhor), pois busca Deus dentro de si mesmo e no mundo natural (imanência), sem jamais encontrá-lO; ou com nenhuma expectativa de vir a encontrá-lO; ou atingirá o ápice do ceticismo: a negação completa de Deus.
Assim, o liberal não reconhece a autoridade divina, portanto, não se sujeitando a ela, e se submetendo à sua própria autoridade através do empirismo e da ciência natural.
Tudo isso tem um só objetivo: rejeitar a Lei Moral, e entregar o homem à sua própria dissolução e pecaminosidade.

2) Os teólogos liberais fazem um exercício, no mínimo, intricado: discutem cristianismo não com base nas Escrituras, mas mantendo-se em meio a vários pontos de vista (muitos conflitantes, outros irrelevantes). É como o cego em meio ao tiroteio. Provavelmente uma bala o acertará sem que ele saiba de onde veio.
O que se vê é um discurso distendido de qualquer envolvimento com a revelação divina; é como o paciente acometido de AVC e que percebe o seu lado esquerdo paralisado, esquecido, sem que responda ao estímulo mental. Assim é a mente de um liberal, ele crê estar ligado às Escrituras mas, no fundo, o único estímulo que recebe e com o qual interage é consigo mesmo, jamais com Deus.
Entre divagações, delírios e loucura, num intelectualismo estéril e letal, afasta-se mais e mais de Cristo e do Seu Evangelho.
Para o liberal a fé é um mero detalhe, talvez, por isso, ele seja mortalmente cético, e queira o tempo todo reinterpretar o Evangelho nas ondas confusas e caóticas da incerteza, da incredulidade, do falso cristianismo.

Extraído dos comentários ao livro “Teologia Contemporânea”, disponível em http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/10/teologia-contempornea.html

04 janeiro 2009

NEM UM NEM OUTRO... É POSSÍVEL?













Por Jorge Fernandes Isah


Há um grupo de teólogos e discípulos que se diz nem arminiano nem calvinista, e se considera fora do escopo de qualquer dessas linhas teológicas. Levando-se em conta que, ou se glorifica a Deus crendo na Sua plena e total soberania (o que não pode ser uma soberania compartilhada), ou no homem e sua suposta liberdade, mesmo que seja de forma parcial; não há outra definição: ou se é calvinista ou arminiano, não existe outra classificação, apenas variações do mesmo princípio, ou como popularmente se diz, variações do mesmo tema.


O “novo” teólogo sequer estudou minimante os dois sistemas, e diz discordar mais pelo que não leu do que pelo efetivamente leu a respeito. Ainda assim, está convicto de não pertencer nem a um nem a outro grupo. Mas qual a base para afirmação tão inconsistente? A incoerência é uma delas. A soberba, outra. A vaidade exclusivista complementa o quadro, aliada à fraude. Porque assumir-se arminiano ou calvinista apenas o tornará mais um entre tantos, ao passo que afastar-se de ambos o colocará em uma posição aparentemente destacada, pelo menos aos olhos dos incautos e ignorantes. Alardear os erros alheios é mais fácil de se encobrir os próprios erros, e essa é a cortina de retalhos que utilizam para dissimular o próprio dolo.


O calvinismo está calcado em 5 pontos1:


1) Total Depravação;
2) Eleição Incondicional;
3) Expiação Limitada;
4) Graça Irresistível;
5) Perseverança dos Santos.

Se há discordância em apenas um dos pontos não se é calvinista, é-se arminiano (acho que foi McGregor Wright em seu “A Soberania Banida”2 que disse: o calvinista de 04 pontos é um arminiano inconsistente).


O que pode acontecer é do “arminiano inconsistente” não assumir a pecha de arminiano. Agindo assim, ele não abdicará do seu “exclusivismo”, e poderá atirar pedras no telhado alheio, tanto de um como do outro, sem se ver comprometido. Estará livre para criticar a tudo e todos sem qualquer base bíblica, coerente e lógica, pois seus fundamentos são exclusivamente pecaminosos (interesses a serviço do pecado).

É cômodo jogar com as pessoas, com as idéias, e manter-se distante num estado de expectação acintosa, tal qual o pirotécnico ateia faísca à lona e vê o "circo pegar fogo". Como se fosse um deus, colocar-se acima do bem e do mal, impondo regras e normas que ele mesmo recusa, enquanto observa seus subalternos debaterem-se esterilmente.

A principal forma de se conseguir isso é acusar de erro, indistintamente, toda e qualquer pessoa ou grupo que não pactue 100% com seus ideais (os quais nem ele mesmo sabe quais são, e por definição, o que há é apenas a rejeição aos conceitos alheios), e rechaçá-los totalmente. A obediência cega é o seu alicerce (ainda que fincada na areia), depois a edifica com paus, palha e feno, os quais são: forjar fatos, distorcer conceitos, subverter a verdade. Cabe-nos a defesa da fé, e refutar qualquer posição arrogantemente tola e descabida; e distinguir os fundamentos bíblicos dos espiritual e humanamente falhos.

Uma coisa é ser ignorante, desconhecer a doutrina cristã, outra é a desonestidade em que alguns se colocam como sábios mas são loucos, enredados pelo próprio desejo de serem admirados e venerados pelos homens por suas posições e atitudes pretensamente livres de qualquer influência (por si só, uma máxima arminiana). Eles enganam e iludem para manterem-se intocados, e suas idéias rotas e desvairadas permanecerem de pé, mesmo que não passem de um cadáver preso à parede por longos rebites.

Ao desprezar todos os sistemas, crêem descobrir a “roda”, quando o que fazem é repetir o erro de muitos teólogos que viveram séculos antes dele. Mas o pior é manter presos à ignorância uma legião de “súditos” devotados e cegos. Por isso, não querem se aprofundar na questão, nem entendê-la, basta deixar tudo do jeito que está, porque assim é mais fácil controlar e manter domesticado o rebanho de ovelhas perdidas.

Então, não nos iludamos com a pretensa sabedoria desses homens, pois eles são obscuros e querem manter nas trevas o maior número possível de pessoas. Para elas, infelizmente, manter-se-ão cativas mesmo na morte... eterna.


1- Para maior explicação dos pontos, ler texto em http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/joao_calvino_5pontos_silverio.htm
2- O comentário ao livro A Soberania Banida pode ser lido em http://kiestoulendo.blogspot.com/2008/05/soberania-banida.html
3- O fato de considerar o arminianismo heresia não implica na perdição de todos. Creio que há arminianos sinceros, mas errados doutrinariamente. Até porque a salvação é inteiramente de Deus, e Ele escolhe quem será salvo ou não.

01 janeiro 2009

FATAL











Por Jorge Fernandes

Gravemente pecou;
Chorou as lágrimas solitárias na noite inimiga,
A festa era porta fechada onde habitava a aflição,
E os suspiros desolados do errante repousavam nos caminhos tortuosos e devastados,
Onde o socorro não alcança, onde o fim não é lembrado.
As mãos folheavam o álbum, os retratos de tempos antigos,
O papel exaurido e as cores desbotadas pareciam zombar da ruína em que se tornou.
Gravemente pecou;
O pão, a nudez, o ouro no pescoço, a beldade, eram o troco da alma declinada,
Os ossos esmagados, a carne enfermada não podia mais comprar,
Nem mesmo adubar a grama, nem afastar a cerca ao redor.
A armadilha presa aos pés, avalanche sobre a cabeça,
Velhos mortos desatavam águas dos olhos, jovens convocavam a derrota na última batalha,
Vestir-se de trapos enquanto as luzes expiravam sorrateiras,
E a treva revolvia as entranhas como o fogo consome a lenha úmida.
Gravemente pecou;
A semente rejeitou a terra,
Mães arrastaram filhos pelas ruas,
A boca cuspiu fora os dentes,
No assobio, cabeças meneadas chocaram-se com muros,
E não se podia escapar da última palavra: a loucura não sara.
Multiplicou-se a ira de Deus,
Deu solenes gritos ao ver o lugar destruir-se,
Gemeu diante do esforço vão de quebrar os grilhões,
Devorou o dia pensando na noite, entrou por onde jamais sairia,
Guiou-se como alvo às flechas, fez um prato fundo de areia e lodo,
Escondeu os ouvidos da sinfonia como se esmigalhasse o único troféu.
Gravemente pecou;
A vida pulverizada como metal limado,
Esperar razão quando sobrevêm amarguras,
Põe a língua no pó, persiga as nuvens no céu,
Não se deixe fugir da morte, e ponha-a a salvo depressa,
Pois o castigo espreita, prestes a abater a caça implacavelmente.
Polir o lixo, a culpa não pode ser aplacada com uma desculpa.
Gravemente pecou;
Desviou-se, fugiu, andou lentamente erradio, perseguiu ciladas,
A pele presa aos ossos como cão vadio, sem dono,
Foi-lhe posto o último fôlego, o negrume a vaguear como cego tocando o vazio,
Debaixo da sombra viu covas enfileiradas, nunca mais se morará ali,
Serviu-se o alimento, e água suficiente para acabar com a sede,
Porém, contaminado pelos seus pecados, cumpridos os seus dias,
Consumiu-se no fim como a descobrir uma recompensa... que não chegou.
Gravemente pecou.

26 dezembro 2008

O HOMEM É UM FANTOCHE?








Por Jorge Fernandes

Não, o homem não é um fantoche de Deus, mas se fosse, não haveria problema algum; de certa forma até seria preferível, pois assim a certeza de agradá-lO estaria assegurada em 100%. Igualmente, não há capacidade no homem de escolher entre o bem e o mal sem que Deus o regenere, transformando a sua natureza caída, e “assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2Co 5.7). Como está escrito em Ezequiel 36.26: “E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne”; portanto, se Deus não transformar o coração de pedra em carne, ele continuará e sempre será um coração impossível de reconhecer que o bem é tudo o que procede de Deus. O homem é pecador porque quer, a sua natureza assim o quer, e será santo somente se Deus quiser. Sem o novo-nascimento, sem a transformação que somente Ele opera no ímpio, nada de salvação nem santidade; permanece-se morto em delitos e pecados.
A eleição e predestinação é a realidade da escolha de Deus e não a realidade do homem, pois esse homem, realmente, escolherá sempre pecar. O problema é que, visto alguns serem aparentemente boas pessoas (não furtam, mentem, difamam, falam palavrões, se prostituem... ajudam ao próximo, fazem caridades, como os espíritas e filantropos), isso nos leva a crer que foram capazes de escolher o bem. Porém, qualquer coisa que não seja para a glória de Deus é pecado, mesmo as aparentes boas ações (já que provêm unicamente do esforço próprio, com o objetivo de se alcançar uma vantagem pessoal, um prêmio), mas quando fizer algo, não faça “para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão” (Mt 6.5).
Engana-se quem acha que eles escolheram ser bons. Essa bondade foi controlada e decretada eternamente pelo Senhor, e assim o homem permanece indesculpável diante dEle, impossibilitado de reivindicar qualquer mérito por algo que Deus produziu e forjou nele. Por isso, Cristo diz àqueles que não o confessam como Salvador: “se não crerdes que EU SOU, morrereis em vossos pecados” (Jo 8.24)... mesmo não fazendo o mal, mesmo fazendo o bem. O pecado é algo muito diferente de atitudes boas e más. O pecado afronta a Deus, é rebeldia, inimizade para com Ele, é não admiti-lO como Senhor; e não será a doação de alimentos, atravessar velhinhas na rua, ou adotar uma criança abandonada que o aproximará. O erro está em não professar como verdadeira a obra expiatória de Cristo, o Seu sacrifício na cruz do Calvário para a remissão dos pecados; sem Jesus, nada feito! Ser bom (o que não implica em santidade; e todo aquele que se aproxima do Todo-Poderoso tem de ser santo), envolver-se em causas humanitárias, ou ser um religioso praticante, não é o passaporte para a vida eterna. É necessário muito mais do que isso...
Primeiro, ser um eleito de Deus, porque não é o homem quem escolhe, mas Ele. Segundo, Deus operará no homem, pelo poder do Espírito Santo, o novo-nascimento, e o converterá infalivelmente, tornando-o nova criatura em Cristo, o qual será Senhor e Salvador, por Sua obra completamente consumada na cruz. Isso é graça, algo imerecido, mas recebido porque Deus quis dá-la, e torná-lo filho adotivo, co-herdeiro de Cristo. Isso é misericórdia, pois, apesar de merecer a condenação no Inferno, poupou e absolveu-o do castigo eterno. Terceiro, com a mente de Jesus, é-se atraído a Ele, à Sua oferta de sacrifício, ao Seu perdão, ao arrepender-se dos pecados, a lamentar a vida dissoluta e bárbara em que esteve, a entristecer-se por have-lO desprezado.
Portanto, com a mente corrompida, com a velha natureza, não é possível sujeitar-se ao senhorio de Cristo. Somente quem tem o novo-nascimento é capaz de tê-lO como Senhor, porque é impossível ao homem resistir às maravilhas de Deus, tanto a Sua graça, misericórdia, autoridade, poder e amor. É como o caso do filho cativo por seqüestradores, e que vê o pai entrar pela porta de repente, correndo para os seus braços a fim de libertá-lo. Será que o filho o rejeitará? (o exemplo é tosco, e está muito aquém do que Cristo faz). Então, fique tranqüilo, não somos títeres mas filhos escolhidos por Deus a participar da Sua eterna glória; porém, se você não confessou Jesus Cristo como Salvador da sua vida, comece a arrancar os cabelos, porque é impossível ao homem “ir” a Deus sem que Ele opere o desejo, a restauração, e um coração segundo o coração do Seu Filho Amado.
Apesar de que seria melhor tanto para você como eu sermos fantoches, não foi assim que Deus quis; e quem pode questionar os preceitos e decisões do Senhor? Como disse: “agindo eu, quem o impedirá?” (Is 43.13). Cabe-nos obedecê-lO e proclamar o Evangelho da Graça. É dever, mesmo sabendo que a maioria permanecerá cauterizada, condenada, “pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece... Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer” (Rm 9.16;18).
Deus é soberano em tudo, seja na salvação ou no homem. E isso é imutável, como o próprio Deus.

19 dezembro 2008

COMENTÁRIO A JOÃO 12.1-11










Por Jorge Fernandes Isah

Como disse anteriormente, Jesus retornou a Betânia seis dias antes da páscoa, encontrando-se com Lázaro, Marta e Maria, os quais juntamente com o Senhor e Seus discípulos participaram de uma ceia (v.1-2).


Maria tomou um arrátel de ungüento de nardo puro, caríssimo, “ungiu os pés de Jesus, e enxugou-lhe os pés com os seus cabelos; e encheu-se a casa do cheiro do ungüento” (v.3). Há uma discussão se Maria era uma prostituta, e mesmo se seria Maria Madalena, conforme parece indicar Lucas 7.37-38 (Creio que as duas passagens são diferentes, e não se referem à mesma pessoa). Não vou entrar no mérito da questão, até porque não é isso o que de mais importante nos é revelado (na verdade, é irrelevante). O fato é que tanto Maria como os outros convivas eram pecadores, independente se seus pecados eram públicos ou secretos. Para Deus não há acepção de pessoas (Rm 2.11), no sentido de que todos somos pecadores e, portanto, não merecemos privilégio especial, “porque todos os que sem lei pecaram, sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram, pela lei serão julgados” (Rm 2.12).

Porém, “para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou” (Rm 9.23), sobre uns Ele derramou a Sua graça salvando-os, porque “isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece” (Rm 9.16); e sobre outros, reservou-lhes a Sua ira; “e que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição”? (Rm 9.22).

Em meio à assistência Maria se humilhou diante do Senhor, exaltando-O, e atraindo sobre si a injusta indignação dos convidados, os quais consideravam desperdício aquela atitude de lavar os pés de Jesus com perfume (Mc 14.4), que leva-nos a traçar um paralelo com a cena em que o Mestre lava os pés dos Seus discípulos (Jo 13.12). Ali, Ele se humilha diante deles, mas mais do que isso, Ele honra-os ao dar-lhes o exemplo “para que, como eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13.15). Ou não é uma honra seguir os passos do Senhor?

O Seu objetivo é mostrar-nos que o cristianismo não é uma competição nem um campeonato dos melhores, pelo contrário, todos somos miseráveis pecadores, escória, e se há algo de bom em nós, é obra exclusiva de Deus que a operou. Somos todos membros do mesmo corpo, e de que nenhum membro é maior do que o outro. Paulo faz uma analogia fantástica da Igreja com o corpo, e em certo ponto, diz: Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis... E o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti; nem ainda a cabeça aos pés: Não tenho necessidade de vós. Antes, os membros do corpo que parecem ser os mais fracos são necessários; e os que reputamos serem menos honrosos no corpo, a esses honramos muito mais; e aos que em nós são menos decorosos damos muito mais honra” (1Co 12.18; 22-23). Não é o que nos revela o ato de Cristo? Se como Deus e Senhor, “vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros” (Jo 13.14), “para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual cuidado uns dos outros” (1Co 12.25).

As duas cenas dos pés lavados parecem díspares, apesar de terem semelhanças. Porém, em ambas há um só objetivo: a glória de Cristo! Maria ao lavar os pés do Senhor, adora-O, revelando-nos a Sua divindade, e o lugar de honra que lhE é merecido. Quando Jesus lava os pés dos discípulos, em humildade, mostra-nos o perfeito grau de obediência que tem para com o Pai, e de como veio para servi-lO, cumprindo-se assim os eternos decretos de Deus. Portanto, não há incompatibilidade de propósitos, antes eles se complementam, manifestando a natureza santa de Cristo; o qual sendo Deus “esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens. E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” (Fp 2.7-8).

Então, eis que surge a oposição na forma de Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, que disse: “Por que não se vendeu este ungüento por trezentos dinheiros e não se deu aos pobres?” (v.5). O apóstolo João encarrega-se de explicar o motivo de sua atitude: “Ora, ele disse isto, não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão e tinha a bolsa, e tirava o que ali se lançava” (v.6).

Como já vimos, não foi apenas Judas que se indignou, mas alguns outros também (Mc 14.4). Judas tinha os seus motivos escusos e torpes, e os outros? O que os motivava?... A completa ignorância acerca de Deus; pois não tinham a menor idéia do que Maria fazia, de como aquela atitude era o agradecimento, reconhecimento, louvor e glorificação do Senhor. Eles estavam tão presos aos seus interesses, à sua humanidade caída, que não podiam ver um milímetro além dos olhos; suas almas estavam acorrentadas e cegadas ao pecado, restava-lhes apenas a indignação, por não ser-lhes possível ver além do valor pecuniário do perfume. É o homem em sua essência, pequeno, miserável, diante da grandiosidade de Deus. Porém Maria o soube; e Jesus garantiu que o seu ato fosse documentado e passado às sucessivas gerações como testemunho de uma boa obra, do seu amor: “onde quer que este evangelho for pregado em todo o mundo, também será referido o que ela fez, para memória sua” (Mt 26.13). 


Por outro lado, evidencia-se a hipocrisia dos indignados, os quais esperavam fazer o bem com algo que não lhes pertencia e não lhes custara nada. Em seu estúpido juízo, esperavam a aquiescência do Mestre, mas o que ouviram foi a Sua reprovação, uma ducha de água fria: “Deixai-a; para o dia da minha sepultura guardou isto; porque os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes” (v. 7-8)*. Provavelmente, a compaixão deles para com os miseráveis resumia-se em frases de efeito e no imediatismo farisaico de acusar o próximo, senão, porque Jesus diria: “podeis fazer-lhes bem (aos pobres), quando quiserdes” (Mc 14.7)?

Judas, após ouvir a repreensão de Cristo, foi ter com os principais dos sacerdotes para lho entregar” (Mc 14.10); “e eles lhe pesaram trinta moedas de prata” (Mt 26.15). Essa era a vontade do ladrão, roubar o que não lhe pertencia, mas nesse caso, nem ele nem ninguém poderia tomar a vida do Senhor.

Ao saber onde Cristo estava, muitos judeus foram até Ele, e também para ver a Lázaro, “porque muitos dos judeus, por causa dele, iam e criam em Jesus” (v.11), por isso, os líderes religiosos “tomaram deliberação para matar também a Lázaro” (v.10).

O contraste entre a gratidão e amor de Maria com a pusilanimidade e ódio de Judas é notório no relato de João e nos evangelhos sinóticos; mas tudo meticulosamente planejado por Deus, tanto o bem como o mal, para que Cristo, quando for levantado da terra, atraia todos a Si (Jo 12.32)... e seja glorificado.

*Maria ao chorar aos pés do Senhor e perfumá-los, antecipa, de certa forma, o sacrifício e a morte de Cristo na cruz.

11 dezembro 2008

COMENTÁRIO A JOÃO 11.47-57










Por Jorge Fernandes

Após ressuscitar a Lázaro (11.43), converter muitos a Si (11.45) e de, novamente, ser alvo da intriga dos judeus (11.46), Jesus não aparece no conjunto final do capítulo 11. Ouve-se falar dEle, e sabemos que está retirado no deserto junto com os Seus discípulos, na cidade de Efraim (v.54), distante 20 km de Jerusalém; enquanto os fariseus e os sacerdotes maquinavam contra a Sua vida. Mas Ele retornará a Betânia, visto que seis dias antes da páscoa encontrou-se com Lázaro, Marta e Maria numa ceia (12.1-2), e os judeus aguardavam a páscoa para prendê-lO em Jerusalém.
O que salta-nos aos olhos é a campanha perpetrada pelos sacerdotes e fariseus, movida a inveja e ódio, em resposta às obras divinas que o Senhor operou. Pois esses sinais testificavam que Jesus era o Messias, o Filho de Deus, do qual os profetas falaram.
Aliás, Cristo denunciava como obras das trevas toda a estrutura religiosa, tradicional e humana do judaísmo, atacando diretamente a hipocrisia dos escribas e fariseus (Mt 23.13.39), ao ponto de considerá-los “serpentes, raças de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?” (Mt 23.33). O Senhor pronuncia vários “Ais”, indicando os motivos pelos quais os líderes judeus seriam julgados. Para piorar ainda mais a situação deles, peremptoriamente, Jesus afirmou que alguns gentios seriam os que, no juízo, condená-los-iam pelos seus testemunhos: os ninivitas, “porque se arrependeram com a pregação de Jonas” (Mt 12.41), e a rainha do sul, “porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis que está aqui quem é maior do que Salomão (Mt 12.42).
Mateus 12.45 culmina com uma sentença terrível para os judeus, os quais são comparados com uma casa que, desocupada, varrida e adornada, recebe o espírito imundo e outros sete espíritos piores do que ele e, entrando, habitam ali; e são os últimos atos desse homem piores do que o primeiro. Assim acontecerá também a esta geração má”. Note-se que esta profecia refere-se à morte de Cristo na cruz do Calvário, a qual é obra máxima da maldade humana, tanto nossa como dos judeus, mas para a sua infelicidade, foram eles que a consumaram, matando o Santo e o Justo (At 3.14-15); e assim, esse ato se tornou pior do que os anteriores.
Os sacerdotes e fariseus formaram o conselho de que não há como deter Jesus, porque Ele faz muitos sinais, “se o deixarmos assim, todos crerão nele, e virão os romanos, e tirar-nos-ão o nosso lugar e a nação” (v. 47-48). É evidente a preocupação dos líderes judeus com as suas posições e a possibilidade de perdê-las caso os romanos considerassem Jesus um revolucionário. Ainda que sob o jugo de Roma, eles não tencionavam privar-se do pouco que ainda lhes restava: uma nação escravizada, esfacelada, miserável mas orgulhosa, e que de certa forma pertencia-lhes, ao menos naquilo que os romanos concediam dar-lhes. Por isso Jesus tinha de morrer pois, além de tudo, Ele apontava para a corrupção deles: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que fechais aos homens o reino dos céus; e nem vós entrais nem deixais entrar aos que estão entrando” (Mt 23.13).
Caifás argumentou que “convém que um homem morra pelo povo, e que não pereça toda a nação” (v.50). Inconscientemente, o sumo sacerdote profetizou que Cristo “devia morrer pela nação. E não somente pela nação, mas também para reunir em um corpo os filhos de Deus que andavam dispersos” (v.51-52). Como o apóstolo João explicitou, o Senhor não morreu por todos, e aqui a nação representa o povo de Deus, tanto judeus como gentios, mas somente aqueles que são membros do corpo de Cristo (a Igreja, o Israel de Deus), pois reunirá os que andavam dispersos. Portanto a morte de Cristo não foi de caráter universal, no sentido de que todos poderiam apropriar-se dela e serem salvos. Ele morreu pelos Seus eleitos espalhados pela terra em todas as épocas, dos quais afirmou: “rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus” (Jo 17.9), e “ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer” (Jo 6.44).
Pedro escrevendo à Igreja de Cristo: “vós sois geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9). Um pouco antes diz: “Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido... E uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados” (1Pe 2.6;8). Note que a palavra “eleita” no v. 6, relaciona-se com a palavra “destinados” no v. 8, indicando que a “geração eleita, o sacerdócio real, a nacão santa, o povo adquirido” (adquirido tem o significado de comprado pelo sangue de Cristo) foi escolhido por Deus, assim como aqueles que tropeçam na pedra principal “também foram destinados” (aqui no sentido de reservados, designados). Tanto eleitos quanto destinados contém a idéia de determinação antecipada, ou seja, Deus determinou os eleitos, os que seriam o Seu povo adquirido, como determinou os condenados, aqueles que foram destinados ao tropeço, à desobediência.
Da mesma forma, a morte de Cristo na cruz não foi algo acidental, mas igualmente determinado na eternidade, meticulosamente planejado, segundo o perfeito decreto de Deus. Por isso, desde aquele dia, a sentença de morte de Jesus foi promulgada (v.53). E correu entre os judeus a ordem para que, “se alguém soubesse onde ele estava, o denunciasse, para o prenderem” (v. 57), já que todos esperavam que Cristo subisse da região de Efraim para Jerusalém, antes da páscoa, para celebrar os rituais de purificação (v.54-55). Não havia melhor oportunidade de prendê-lo, o que de fato aconteceu pela aleivosia diabólica de Judas Iscariotes; porém, não porque o Senhor estivesse indefeso, pois como disse: “pensas tu que eu não poderia agora orar a meu Pai, e que ele não me daria mais de doze legiões de anjos?” (Mt 26.53); mas porque assim Cristo o quis: “dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la” (Jo 10.17-18).
Na Sua morte, morremos com ele; e na Sua ressurreição, “segundo a sua grande misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança” (1Pe 1.3):
A vida eterna.

Leia o comentário a João 11.17-46 em http://kalamo.blogspot.com/2008/11/comentrio-joo-1117-46.html e João 11.1-16 em http://kalamo.blogspot.com/2008/11/comentrio-de-joo-111-16.html

05 dezembro 2008

TRAGÉDIA E GRAÇA















Por Jorge Fernandes Isah


A tragédia das chuvas em Santa Catarina deixa-nos perplexos por vários motivos:
1) A morte de centenas de pessoas, e o sofrimento de outras milhares;
2) O prejuízo material, onde famílias perderam tudo o quanto amealharam durante a vida;
3) O caos urbano;
4) A inoperância, negligência e omissão dos governos municipal, estadual e federal;
5) A natureza maligna do homem.
Catástrofes sempre nos deixam atônitos diante do poder destruidor da natureza, da nossa fragilidade, da realidade da morte, e da transitoriedade da vida. Porém, ater-me-ei ao ponto 5): a natureza maligna do homem.
A dor, a angústia, as perdas de vidas e bens materiais são a causa ou a conseqüência da explícita impiedade do homem?
Situemo-nos primeiro: as imagens que nos chegam são de ruas alagadas, casas desabando, desabrigados amontoados em ginásios e clubes, água por todos os lados, barrancos desmoronando, pontes caídas, casas ilhadas, pessoas e animais mortos. A natureza, como objeto da criação de Deus, geme com dores de parto até agora (Rm 8.22), nas palavras divinamente inspiradas de Paulo; “porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.20-21).
O mundo criado por Deus era muito bom (Gn 1.31), até que o pecado do homem adentrou-o, corrompendo-o, trazendo o caos à existência. A desordem que o pecado gerou pode ser vivenciada dia após dia nos quatro cantos do globo: inundações, furações, maremotos, avalanches, secas, nevascas, terremotos... Todos esses fenômenos têm um culpado: o pecado de Adão e Eva no Éden, o qual é o nosso próprio pecado.
Porém, as cenas de saques a lojas e supermercados deixam ainda mais evidente o mal que habita no homem. Santa Catarina repetiu Nova Orleans em 2005, quando da passagem do furacão Katrina: o homem, para a sua infelicidade, vem-se superando no mal.
Recentemente, aqui em Minas, um caminhão transportando gêneros alimentícios acidentou-se. Enquanto dois ou três preocupavam-se em socorrer o motorista e ajudante feridos, uma horda encarregava-se de saquear o veículo, e, em questão de minutos, toda a mercadoria foi furtada (o mal age rapidamente, em fração de segundos, e suas conseqüências perduram por toda a vida). Em Nova Orleans, enquanto milhares sofriam as conseqüências devastadoras do Katrina, parte da população saqueava casas e apartamentos, e os poucos proprietários que se atreveram a defendê-las foram executados.
Há justificativa para tanta crueldade na tragédia? Ou utilizam-na como pretexto para dar vazão à imoralidade?
Eternamente Deus contempla a humanidade: “E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente” (Gn 6.5). Por mais que se queira “dourá-lo”, o homem é mau, e nem é preciso desculpa para extravasar-se na dissolução, na injustiça. O homem tem-se especializado no cinismo, na cara-de-pau e frieza moral; “porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos... Estando cheios de toda a iniqüidade, fornicação, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade; sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais e às mães; néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia; os quais, conhecendo o juízo de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem” (Rm 1.21-22; 29-32). Aqui o mal é tanto daquele que pratica quanto do que consente na prática, ou seja, a omissão, a indiferença, o descaso, o fazer “vistas grossas” ao pecado é tornar-se cúmplice dele. A sociedade jamais entenderá isso, e caminha na direção da conivência em nome da “paz social”, onde cada um faz o que quer sem dar satisfação a ninguém, tudo em nome do prazer carnal e de uma aparente civilidade, as quais, cedo ou tarde, levá-los-á à destruição.
Tiago estabeleceu a seqüência do mal:
1) O homem é atraído e enganado pela própria concupiscência (1.14) – O desejo ardente de praticar o mal, de satisfazer os prazeres carnais (releia a lista de Rm 1.29.31);
2) Concebida a concupiscência, dá a luz ao pecado (1.15) – O desejo se realiza em transgressão, em desobediência a Deus, pois “não há temor de Deus perante os seus olhos” (Sl 36.1).
3) O pecado consumado gera a morte (1.15) – “Porque o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23) – E essa morte é muito mais do que a agressão à vítima, porque no Éden o Senhor disse a Adão: “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17); e ela é a separação de Deus; àquele que infringe e subleva a Sua Lei se reserva eternamente o castigo à escuridão das trevas (2Pe 2.17).
Portanto, nem a fome, nem o desemprego, nem enchentes, nem seca, nem a loucura, nem doença, ou qualquer motivo aparente, pode levar o homem a justificar o mal praticado; Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna” (Gl 6.7-8).
Ao pecador resta-lhe:
1) Reconhecer-se pecador e o seu pecado, e que, por si só jamais deixará essa condição: “Tem misericórdia de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias... Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim” (Sl 51.1;3)
2) Como Davi, confessar os pecados a Deus: “Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista” (Sl 51.4);
3) Crer em Jesus Cristo pois, “todo aquele que nele crer não será confundido” (Rm 10.11); o qual morreu na cruz para vencer o pecado, e ressuscitou, vencendo a morte, os dois inimigos do homem;
4) Arrepender-se “para que sejam apagados os vossos pecados, e venham assim os tempos do refrigério pela presença do Senhor” (At 3.19).
5) Gozar a eterna segurança da salvação na plenitude de Deus, o qual jamais permitirá que aqueles chamados à comunhão da Sua glória se percam e pereçam (Jo 10.28).
Ainda que você não seja um saqueador; mesmo que seja um benfeitor, um filantropo, nenhuma das suas boas ações, por si só, são meritórias para a salvação, e reconciliação com Deus; a qual não vem “pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo, que abundantemente ele derramou sobre nós por Jesus Cristo nosso Salvador” (Tt 3.5-6).
O homem natural e carnal é derrotado; em seu lugar, surge o homem espiritual à imagem e semelhança de nosso Senhor, porque onde o pecado abundou, superabundou a graça” (Rm 5.20); e Deus rompeu o liame da tragédia; e agora conhecemos que estamos firmes na liberdade com que nos libertou (Gl 5.1).

01 dezembro 2008

EPÍLOGO














Por Jorge Fernandes

O suor a instilar pelo corpo, a última água a jorrar da fonte seca;
Em breve, haverá apenas a terra árida,
E o sopro do vento gelado a corroer o ânimo combalido em que me arrasta.

Os olhos que me vêem são os mesmos com que vejo,
As peles exalam o cheiro que me pertence,
Os suspiros, o ar derradeiro a inflar os pulmões,
Nem o zunido a ecoar tem o sentido das palavras.

Cabelos brancos a esvoaçar, folhas estorricadas a farfalhar,
Rugas crispadas, fendas no rochedo,
Não há mal que perdure,
Enquanto houver a esperança de que o bem surja e nos alcance.

Ainda a correria desenfreada,
O tempo a escoar, a barragem quebrada,
Num alívio que se esvai,
Há agonia, a carne lavrada,
Nenhum grão a semear.

Ao querer rejeitá-la,
Fui derrotado pelo laço, o nó paralisante,
Faz o sangue jazer inerte em meio às artérias obstruídas,
Cômodo... partilhar o colapso dos sentidos,
O redemoinho em que o delírio forja a imagem de que não sou
Sequer fui, pode ser que seja...

No fundo, enquanto estraçalhado,
Não sinto a dor que me perpassa,
Nem o pavor a consumir,
Há somente o hálito morno a expulsar-me de mim,
Como um exército em retirada,
Sem ter aonde abrigar-se.

Quisera poder chorar,
Rasgar a carne com as unhas,
Cuspir no rosto, amaldiçoar o dia em que nasci,
É tudo o que poderia fazer,
Apesar de nada disso remediar o pecado, e absolver.

Sou um condenado à morte infinita,
A eterna agonia de jamais vê-lO,
E após a iminente sentença, a culpa confirmada,
Quis instar-lhE o perdão, era tarde... impossível...
Os grãos debulhados jamais retornam ao sabugo.

Não havia como resgatar-me.
Em toga, agora era Juiz.

27 novembro 2008

"O CAVALEIRO DAS TREVAS"
























Por Jorge Fernandes

1) Assisti ao filme “O Cavaleiro das Trevas” com o meu filho, dias atrás. A direção é do Chris Nolan, um diretor de qualidade, responsável por bons produtos como “Amnésia” e “Insônia”. A partir de “Begins”, ele assumiu a direção da grife criada pelo lendário Bob Kane nos anos 30. Batman é um personagem interessante, conflituoso, e que ainda mantém certa moralidade mesmo nos tempos pós-modernos e relativistas de hoje (o que prova que o homem comum tem no seu íntimo a Lei Moral de Deus).
O filme é permeado por disputas morais e éticas, onde o bem e o mal se digladiam numa luta sem fim. Não vou entrar nos méritos da produção, direção e interpretação. Há pessoas mais qualificadas para isso. Ater-me-ei ao fato que julgo principal no filme, e que Nolan destaca: a fé no homem.
Desde o início existe uma confrontação entre a justiça e a injustiça, entre polícia e bandidos (alguns infiltrados no governo), entre moral e imoral (ainda que os limites da moral estiquem-se para além da moralidade), entre ético e antiético, entre bem e mal. Esse dualismo, se não me engano, remete a Descartes e Locke, mas talvez a algo mais distante: os gnósticos, Aristóteles e Sócrates. O mundo da ficção é assim mesmo, e o dos quadrinhos nem se fala, mas no mundo criado por Deus não há dualismo. O mal não é uma força antagônica a Deus, antes sujeita-se, servindo-O como tudo o mais no universo.

2) Para a indústria do cinema Deus é um espectador. Durante as duas horas e meia do filme Ele está ausente, excluído do mundo, ainda que do mundo fictício. Sobra espaço para a sorte, o acaso, o destino e outros tons místico/fatalistas (o promotor Dent lançando o “cara ou coroa” antes de executar as suas vítimas é um exemplo). No mundo de Gothan onde sobra maldade, delitos e desordem, o homem rejeita Deus, mantendo-se mais e mais distante enquanto afunda-se na destruição. Para o homem pós-moderno o pecado individual não existe, há somente o pecado institucional e coletivo; e a sociedade, desesperadamente, busca um salvador, mas nem Estado nem cidadãos estão aptos. Um super-herói talvez. Mas será ele capaz?

3) Ainda que Gothan City esteja dominada pelo submundo do crime: Máfia, corrupção policial, tumulto social, etc, o inspetor Gordon, o promotor Dent, e o Homem-Morcego, representam o lado “benigno” da raça humana. Eles são os guardiões, os paladinos, nos quais a cidade deposita a sua esperança. Há um tom otimista em meio ao pessimismo, de que no limiar da crueldade os homens poderão redescobrir a bondade esquecida, e buscar em si mesmos o fio de esperança que tornará o mundo um lugar justo e melhor para se viver. Mas o próprio filme encarrega-se de destruir esse paradigma.

4) Batman é o herói anti-herói: incompreendido, rejeitado, acusado (inicialmente as pessoas se fantasiam de Homem-Morcego, e se sentem estimuladas a combater o crime)... e, por fim, culpado. Ele vê todo o seu esforço em manter a paz e a ordem em Gothan culminar num encadeamento de tragédias onde todos os planos redundam, um a um, em estrondosos fracassos (mesmo quando aparentam vitórias). Neste ponto, Batman, Dent, Gordon e Gothan têm o mesmo sentimento: vulnerabilidade; e estão à mercê da insanidade catastrófica do Coringa. O mal toma as suas feições, e parece invencível. Batman e Dent são alçados aos postos de heróis, de salvadores, mas a impressão é de que o mal triunfará; personificado no caos fomentado pelo Coringa, o qual, implacável, derrota cada investida do trio do bem (não há aqui a alusão à Trindade Santa como nos filmes “O Senhor dos Anéis” e “Matrix”).

5) Na seqüência em que o Coringa coloca bombas em dois barcos, um abarrotado de cidadãos fugindo do caos e outro com os prisioneiros mafiosos transportados para fora da cidade; ambos são alvos da ira do vilão. Dois detonadores são colocados nos barcos, e cada um deles tem o poder de destruir o outro barco. O Coringa coloca em xeque a moral ou a amoralidade da população. Trava-se uma luta pela ética: até que ponto tem-se o direito à vida alheia? Deve-se apertar o botão e destruir centenas de vidas a fim de se salvar? Há uma tensão moral, uma disputa na mente das pessoas entre o certo e o errado, e em alguns momentos a indecisão ou covardia parece ser o ponto determinante.
Fico a imaginar se esta cena fosse real. Não haveria uma disputa para se apertar o botão primeiro e mandar aos ares o barco “inimigo”?
O desfecho da cena sugere que a salvação do homem encontra-se no coletivo, na consciência social, e de que ela será capaz e suficiente para resgatá-lo do mal.

6) De certa forma, Batman assemelha-se a Cristo, ainda que seja uma semelhança estética, fragilmente delineada. O filme parece mesmo uma alegoria à Bíblia. Batman é o homem encarregado de redimir o povo de Gothan, assim como Cristo redimiu os Seus eleitos. Batman, ao assumir os crimes cometidos por Dent, torna-se criminoso, sem, contudo, ser condenado. Cristo, ao assumir os pecados dos escolhidos, tornou-se criminoso, pagando o preço com a própria vida, derramando o Seu sangue na cruz do Calvário. Batman era incompreendido pelos cidadãos de Gothan. Apenas Alfred, Lucius, Gordon e o filho, sabiam de sua inocência. Cristo foi rejeitado até por Seus discípulos. Batman foi perseguido. Cristo também, culminando em sua morte expiatória. Batman foi odiado. Cristo, idem.

7) Batman jamais salvará Gothan (ele tem de conviver com os seus pecados, erros, e consciência aflita), por mais altruísta que seja, o super-herói não está disposto a morrer por Gothan, e ela sabe disso: nunca estará livre do mal, do Coringa e do caos, mesmo que Batman se decidisse pelo sacrifício. Cristo não tem pecados, e entregou-se voluntariamente pelos Seus como o único meio pelo qual o homem é salvo. Batman não tem controle sobre si mesmo. Ele simplesmente reage aos fatos. Cristo tem completo controle sobre Si (Jo 10.17); sobre todas as coisas (Jo 1.3), inclusive o pecado, a morte e o mal (Hb 4.15; Rm 6.9; 2Co 5.10).

8) O Cavaleiro das Trevas é uma ficção, como o homem que deseja salvar a si mesmo também vive uma ficção. E olhará para si, e se verá condenado. Assim como Bruce Wayne está confinado ao estigma do morcego, o homem está preso às correntes do pecado, e por si só é impossível livrar-se.

9) Ao contrário, Cristo é o poder real, o único e suficiente salvador do homem: “E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” (At 4.12). A realidade irrefutável de que Deus não é um mero espectador e não pode ser alijado do universo (a despeito da vontade e dos esforços sobre-humanos), é que Ele opera a redenção na vida dos eleitos pelo Seu Filho Amado.

10) Cristo é a luz verdadeira, que ilumina a todo o homem, mas o mundo não o conheceu. E como Batman, o homem cavalga nas trevas, rumo à condenação.

21 novembro 2008

COMENTÁRIO A JOÃO 11.17-46












Por Jorge Fernandes Isah


Jesus partiu de além do Jordão para a Judéia; ia de encontro a Marta, Maria e Lázaro. Havia quatro dias que “aquele que tu amas” morrera. Lázaro estava sepultado, e suas irmãs recebiam o consolo de muitos judeus. Marta, ao saber da chegada do Senhor, correu para recebê-lO. Novamente, somos confrontados pela objetividade de Marta.


Em Lucas 10.39-42 (veja o comentário em "Onde está o seu tesour?" ), numa passagem parecida com esta (onde não há notícias da morte de Lázaro; e a semelhança decorre da amizade que Cristo nutria pelos três irmãos, e que levava-O a visitá-los), lê-se no v. 40: “Marta, porém, andava distraída em muitos serviços”. Ela era prática, dinâmica, uma “workaholic” dos seus dias. Enquanto Marta se perde nas tarefas de servir aos convidados, de executar uma atividade costumeira, Maria, sua irmã, sentou-se a escutar o nosso Senhor. Ao repreendê-lO por permitir que Maria ficasse a ouvi-lO, enquanto se "matava" no servir, ela ouviu de Cristo: “Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada” (v. 41-42). É evidente a suficiência das Escrituras, e a escolha deve ser a de ler, ouvir, meditar e estudar a palavra de Deus como necessidade inadiável.

Em João, Marta novamente encontra-se ansiosa, afadigada, correndo ao encontro do Senhor, enquanto Maria estava sentada em casa. Contudo, a atitude de Marta nesse momento é equivalente àquela atitude de Maria, porque ao passo que ali Marta não devotou atenção ao Senhor, aqui a vemos lançar-se ao seu encontro, e Maria parece incapaz de perceber-lhE a proximidade.


Marta demonstra uma fé segura ao afirmar que “se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (v.21). Cristo lhe diz que Lázaro ressuscitará. Ela interpreta como sendo a ressurreição eterna, no último dia.
Façamos uma pausa.


Marta havia dito ao Senhor: “sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá” (v. 22). Ela o relaciona com o v. 21, que se Jesus tivesse chegado antes da morte de Lázaro, ele ainda estaria vivo. Cabe uma reflexão: se Marta cria no poder do Senhor para salvar Lázaro da morte, por que Ele não o ressuscitaria? O que era mais difícil: ressuscitar o corpo corrompido no último dia, ou ressuscitá-lo ali, alguns dias da sua morte quando ainda existia um corpo?


Havia uma esperança, mas essa esperança era vindoura, não imediata. Ela nos dá a lição de que se deve crer no poder de Deus, de que Ele é capaz para realizar a Sua vontade tanto agora como na eternidade. Ele, segundo os Seus propósitos, pode operar o impossível a fim de ser glorificado e exaltado diante dos homens. Sem dúvida, o maior de todos os feitos de Deus foi a salvação. Mas há de se crer que Ele é poderoso para feitos igualmente maravilhosos, porque tudo é-lhE possível (Mc 10.27; Lc 1.37).

O Senhor responde Marta com autoridade, não somente a afirmar o poder que tem de ressuscitar os mortos, mas o poder de dar a vida a quem crê; pois o que crê, mesmo que esteja morto, viverá e nunca morrerá. Cristo é a ressurreição e a vida (v.25-26), e ao morrer na cruz do Calvário, livrou da morte todos os que o Pai lhE deu, para que nenhum deles pereça (Jo 6.39), e condenou à morte os que não crêem e não foram entregues a Ele pelo Pai. É a pura soberania de Deus, da qual muitos querem esquivar-se, contudo, é impossível. A salvação vem da escolha que Ele faz dos Seus eleitos; é uma prerrogativa inalienável, está sobre o Seu domínio, donde os não escolhidos perecerão, pois somente os que o Pai trouxer ao Filho terão a vida eterna e ressuscitarão no último dia (Jo 6.40;44). Porque Cristo é “o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” (Jo 14.6). Isso não quer dizer que se deve negligenciar o buscar a Deus, porque “buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração” (Jr 29.13). Se há dúvida em seu coração, busque ao Senhor sinceramente, arrependa-se dos seus pecados, e Ele o perdoará, e lhe dará a eternidade em plena comunhão consigo. O desejo de buscá-lO somente é possível porque Deus o chamou, o escolheu, e assim, você foi capaz de encontrá-lO, jamais porque a escolha foi sua. A eleição é divina, não humana. Ela parte de Deus que nos capacita à reconciliação, provando que não há nada melhor, nem maior do que a Sua glória. Então, não há porque rejeitá-lO. Como é possível rejeitar o que de mais sublime, puro e santo existe? Infelizmente, nem todos chegam a esta conclusão, e se não chegam, é porque o Espírito de Deus não os capacitou para tal.

Não é assim no diálogo entre Cristo e Marta? Ao perguntá-la: “Crês tu isto?” (após dizer que todo aquele que vive e crê nEle nunca morrerá [v.26]). Marta estava diante da verdade imutável, da graça absoluta, do amor eterno, e reconhecê-lO era a única possibilidade: “Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo” (v.27). Diante do Seu pungente amor e autoridade, é impossível fugir da inevitável constatação: se Deus não eleger, o rebelde jamais terá vida.

Marta chamou Maria em segredo, avisando-a de que o Mestre chegara (v. 28). Chamá-la discretamente pode ter relação com a perseguição de Jesus pelos judeus, ou Marta não queria que todos acorressem e impedissem Maria de desfrutar da Sua comunhão. Seja qual for o motivo, de nada adiantou o seu zelo, pois os judeus seguiram Maria ao sepulcro, tão logo levantou e foi ter com Jesus (v.29).

Claramente, o propósito de Deus em glorificar o Seu Filho Amado não passaria despercebido. O que revela como os esforços e intentos humanos estão limitados à vontade de Deus. Ainda que Marta objetivasse o encontro do Mestre com a sua irmã sem alarde, o seu desejo frustrou-se, visto que o Senhor queria que muitos cressem (v. 45), e que testemunhas relatassem ao povo o milagre de Betânia.

Da mesma forma, presenciariam a fé de Maria, que lançou-se aos pés de Jesus, e disse: “Se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (v. 32). As irmãs tinham a mesma fé em Cristo (Lázaro também); elas sabiam que Ele era o Filho de Deus, e como Filho, todo o poder lhE foi dado nos céus e na terra (Mt. 28.18). Mas estranhamente, pareciam não crer que fosse capaz de ressuscitar o seu irmão; demonstrando a dificuldade de se compreender a mente de Deus, e como opera a Sua graça e misericórdia. É preciso reconhecer a nossa inaptidão, e clamar que Ele nos acrescente a fé (Lc 17.5), pois somente por ela pode-se crer e ser salvo (Ef. 2.8). Porque está escrito: “não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16).

Muitas vezes somos cegados pelos sentimentos. Não parece que Marta e Maria estavam obliteradas por eles? Há uma idéia de que o sentimento é tudo, e de que através dele contata-se Deus. Mas a evidência é outra. A Bíblia afirma que “enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jr 17.9). Portanto, sentimentos não podem nos levar a Deus, quando muito serão conseqüências de um encontro com Deus.

A felicidade, de onde provém?

O gozo, de onde vem?

E a paz? E a santidade?

A fé? A Esperança?

Estes são os frutos de uma vida de comunhão com o Todo-Poderoso, em que Cristo nos transformará, e uma obra iniciar-se-á pelo poder do Espírito Santo, a qual aperfeiçoará até o dia da volta do nosso Senhor (Fp 1.6). Então, a obra de Deus iniciara-se na vida das irmãs, mas ainda não estava concluída, seguindo os eternos intentos divinos.

O que estava para acontecer, nem sequer podiam imaginar. O que Cristo realizaria diante dos olhos incrédulos dos judeus, e, porque não, também das irmãs, seria assombroso. Mas não era a demonstração de um poder frio, insensível, fatalista. Não. O milagre de Jesus seria envolto em compaixão, misericórdia, seria acolhedor. Ainda que estivesse decretado desde antes da fundação do mundo, o Senhor imprimiria não somente o Seu poder divino, mas a Sua graça divina, o Seu amor divino.

Cristo não nos trata como marionetes, como descartáveis, mas se move em nossa direção, abriga-nos, revelando-nos a proteção que o Pai dará aos Seus filhos. Ele é o alto refúgio ao qual Davi sabiamente proclamou: “O Senhor é o meu rochedo, e o meu lugar forte, e o meu libertador; o meu Deus, a minha fortaleza, em quem confio; o meu escudo, a força da minha salvação, e o meu alto refúgio” (Sl 18.2).

Então, o espírito do Senhor moveu-se muito, e perturbou-se (v.33). Como o intermediário entre Deus e os homens, Cristo examinou os corações de Marta e Maria, ouvindo suas súplicas; sabendo qual era a intenção do Espírito, intervindo junto a Deus em favor dos santos (Rm 8.27). E chorou (v.35). E Suas lágrimas evidenciaram, mesmo para os duros corações judeus, o quanto Ele amava Lázaro (v.36). O morto simboliza o amor de Cristo por Suas ovelhas, pelo Seu povo. Deve-se exultar porque Cristo nos ama. Por nós, os Seus eleitos, Ele morreu na cruz do Calvário, “por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação” (Rm 4.25), estando ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, e nos ressuscitou juntamente com ele (Ef. 2.5-6). Era isso o que Jesus tinha em mente quando perguntou por Lázaro (v.34). Ele já sabia de antemão o que faria, e como, maravilhosamente, cumpriria a vontade do Pai.

Mas as dúvidas do povo apenas arrefeceram-se um pouco, para voltarem novamente contra o Senhor. A falsa piedade deles para com o morto, mascarava e denunciava a atitude condenatória em relação a Cristo. No fundo, era incredulidade, hipocrisia, maldade em estado bruto, tanto em relação ao Seu poder quanto em relação às Suas intenções. Senão, porque declarariam maliciosamente: “não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer também com que este não morresse?” (v.37).

Jesus moveu-se muito em si mesmo (v. 38). Creio que o perturbar-se do Senhor, além de se relacionar com a morte de Lázaro, também ligava-se à impostura do povo; tristeza pela situação do Seu amigo, e pela cegueira e ceticismo dos judeus. Ele que julgará os vivos e os mortos (2Tm 4.1), estava mais uma vez diante da hipocrisia de Israel, da rebelde ignorância que haveria de condená-los; pelos quais Cristo “veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (Jo 1.11).

À ordem de Jesus para tirarem a pedra do sepulcro onde Lázaro jazia, Marta opôs-se: “Senhor, já cheira mal, porque é já de quatro dias” (v.39). A atitude de Marta foi racional, de alguém que mesmo diante do sofrimento ainda estava conectada a realidade. Para qualquer um, remover a pedra que libertaria todos os odores pútridos de um corpo em decomposição, pareceria ilógico, insano, absurdo. O mau cheiro não somente ofenderia os narizes, mas a consciência da morte: cedo ou tarde, estar-se-á diante dela. Mais do quê a lembrança de Lázaro passando pela corrupção física, havia um sentimento lúgubre a reavivar as dores dos últimos dias. Porém, Cristo não permitiu o desânimo, a expectativa da derrocada inevitável, antes exortou à fé: “Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus?”.

Quanto era necessário repetir o mesmo ensino? Uma, duas, três vezes? Ainda assim, por causa da natureza caída, o homem estava impedido de compreender a sabedoria e a verdade divinas.

Marta, mesmo crendo no Filho de Deus, era incapaz de entender e vislumbrar a magnificência da Sua glória. Diante dos sinais, dos avisos, da clara proclamação do que havia de acontecer, ela (como qualquer de nós) manteve-se presa à ignorância, à tola humanidade. O homem encontra-se distante do Criador, e carece da Sua misericórdia a fim de não ser consumido, condenado (Lm 3.22).

A pedra foi tirada, e na oração, no louvor do Filho ao Pai, Jesus levantou os olhos e disse: “Graças te dou, por me haveres ouvido” (v.41). É um momento de êxtase, de plena comunhão da Trindade Santa, em que as palavras do Senhor inferem-se de uma magnitude tal que é-nos impossível atingir o seu cerne; estão muito acima de nós, muito além do nosso pensamento, tanto como os céus são mais altos do que a terra (Is 55.9).

Cristo, claramente, afirma que o Pai sempre o ouve. Confirma-se a relação de unidade que existe eternamente entre Eles; mas para que o povo cresse, era necessário proclamar na terra o que eram nos céus: Um, em conformidade (v.42). Notável é o caráter mediatório de Cristo, o qual é o único capaz de nos levar ao Pai. Somente por Ele e através dEle, as súplicas são levadas ao trono de Deus; de outra forma, nossas vozes se calariam aos Seus ouvidos, pois não sabemos pedir como convém (Rm 8.26). Então, Ele se encarrega de dar “forma” às nossas petições, de torná-las justas e santas, intercedendo em favor dos eleitos, dos chamados: “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Tm 2.5).

Lázaro está morto. Há quatro dias foi enterrado. Em Betânia havia apenas choro e lamento. Nenhuma esperança, apenas a constatação de que a morte vencera novamente, e de que em breve cada um encontrar-se-ia face a face com seu algoz. A inevitabilidade da morte era um fato, inexorável. Como Lázaro, o homem está definitivamente morto para Deus; os seus delitos e pecados criam uma barreira, um muro de inimizade diante da santidade e retidão dEle. Nenhum esforço pode revivê-lo; nada, humanamente, pode reatar a comunhão perdida, somente Cristo pode reconciliar-nos; Ele é Todo-Poderoso para tornar os mortos à vida. Assim como fez com Lázaro, ressuscitando-o, o Senhor é quem nos chama à vida e à salvação: “Lázaro, sai para fora” (v. 43). E o defunto saiu. O que estava morto, sepultado por seus pecados (o salário do pecado é a morte), foi vivificado, ressurgiu definitivamente, porque o “o dom gratuito de Deus é a vida eterna” (Rm 6.23).

Cristo tira o homem das trevas em que o pecado lançou-o, trazendo-o para a luz. E esse não é um esforço humano. Não é algo que eu ou você podemos fazer. Como todo morto, estamos inertes, imobilizados pelo pecado, impossibilitados de qualquer ação. O morto não respira, não pensa, não age. Para retornar à vida é necessário que ela seja-lhe doada. Jesus é este doador. É Ele quem escolhe qual e quantos pecadores serão convertidos a Si, porque natural e voluntariamente é-nos impossível converter. Quando não se pode esperar mais nada, Ele nos dá o novo nascimento, o ânimo, somos restaurados, ressurgimos para a glória de Deus. Como Cristo ressuscitou dos mortos, também somos ressuscitados. As faixas que nos mantinham amarrados, imóveis como Lázaro, Ele as desliga; e as faixas que envolviam nosso rosto, mantendo-nos cegos e imersos nas sombras da morte como Lázaro, Ele as tira (v.44). Conforme fez ao amigo, Jesus faz-nos crer nEle, produzindo em nós a fé necessária para que creiamos, como muitos dentre os judeus (v.45).

Porém, há os que são cegados e se manterão cegos, impedidos de ver, incapacitados de ver, e estarão em trevas profundas (v.46); pois crêem em suas próprias obras em detrimento da fé, e Cristo se torna para eles “uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados” (1 Pe 2.8).
Assim será, eternamente.


Leia o comentário a João 11.1-16 em http://kalamo.blogspot.com/2008/11/comentrio-de-joo-111-16.html