22 março 2011

Fragmento de um diálogo sobre algumas coisas e outras também













Por Jorge Fernandes Isah

Ontem estava escrevendo um longo texto e por uma daquelas coisas que somente Deus pode explicar, perdi-o [ainda que eu saiba que foi por lerdice e descuido meu]. Tentei de todas as formas recuperá-lo, porém sem sucesso. Apelei para irmãos e amigos, nada! Como minha oração, sempre antes de escrever, é para que Deus seja glorificado pelo texto, crendo na sua soberania e providência, confortei-me com o fato do Senhor querer que eu o melhorasse ou simplesmente não o escrevesse. Ainda não me decidi a reiniciá-lo, nem sei se o farei, porém, certamente, não era da vontade divina que fosse postado hoje. E aceito sua decisão como santa e perfeita; o melhor para mim mesmo e os leitores.

Como os meus textos emergenciais se esgotaram [uso-os para o caso de não produzir algo novo, arquivando-os nos momentos de "vacas-gordas" para desarquivá-los nos momentos de "vacas-magras"], reproduzirei parte de um diálogo, que pode ser considerado alternativo. Foi travado com um irmão, a quem sou grato pela amizade e por nossas esparsas mas sempre edificantes conversas. Espero que ao ler e se identificar como o “irmão B”, ele entenda que mais do que um "tapa-buraco" é também uma forma de homenageá-lo, no que vinha cogitando há algum tempo. Por isso, mantê-lo-ei em sigilo, ainda que possa ser descoberto [não lhe pedi autorização para publicar o nosso bate-papo], e algumas modificações no texto foram necessárias para mantê-lo no anonimato. Orando para que o bom Deus seja glorificado.

Vamos à conversa!

FRAGMENTOS DE UM DIÁLOGO

Eu: Você conhece o Instituto Ronaldo Lidório? Acho que é assim que se escreve, especializado em literatura e filosofia medieval?
B: Conheço não. Tem site?
Eu: Mandam sempre letters para mim com promoção de livros... Os títulos são interessantes, mas queria saber se são confiáveis... Parecem escolásticos... Estou tentando achar o link, mas está perdido no meu "lixo" [rsrs]
B: rsrs...  Acho que vale ler escolásticos. Não todos [o que é impossível], nem muitos. Mas alguns, sim... Aquino, por exemplo. Eu tenho respeito por parte da tradição católica... Não por suas heresias, claro!... Mas eles são bons em história e filosofia... Tanto quanto a razão sem redenção pode ser [mas você sabe que creio que mesmo o católico pode ser salvo, ainda no catolicismo].
Eu: Li o livro do Étienne Gilson, o Filósofo e a Teologia... Gostei demais! Ele é escolástico, faz uma defesa de Aquino; mas uma defesa apropriada da Escritura e da teologia cristã sobre todas as demais ciências.
B: Eu não diria que ele é escolástico, mas tomista.
Eu: Até já comprei outro dele, da Paulus, baratinho no Submarino; onde ele comenta as divergências entre Aquino e Agostinho.
B: Mas é por aí.
Eu: Não é a mesma coisa? Escolasticismo [1] e Tomismo? [2].
B: Não. O escolasticismo é aquela escola medieval. Os tomistas podem ser escolásticos no método ou simplesmente seguidores, mais ou menos de perto, de Aquino.
Eu: Achei que tomista fosse algo derivado diretamente de Aquino, como Calvinista de Calvino, etc
B: E os escolásticos tinham divergências gritantes entre si. É mais o método medieval de filosofar que uma linha específica... Tomista sim. Escolástico não. Tomás é só um dos escolásticos.
Eu: Ah... pois o Gilson é tomista então... Defende Aquino com unhas e dentes.
B: Este livro do Gilson aí me interessou.
Eu: Achei o link... é Raimundo Lúlio... nada a ver com Lidório... O livro é muito bom. Dê uma chegada no meu blog de livros... Fiz alguns comentários... Bem, nada que possa animá-lo.
B: Falaram muito bem desse livro que você está lendo.
Eu: Já terminei.
B: Quero ler também, mas pensei no de Agostinho versus Tomás.
Eu: Está no lacre. Ainda não li. Mas posso dar uma folheada e lhe contar mais ou menos o teor.
B: Curti. Manda ver
Eu: Ok. Mas compra o Filósofo e a Teologia... Você que entende do negócio vai gostar muito mais... Eu, que não entendo, gostei tanto que quero comprar outros livros do Gilson.
Eu: Vai o link do Raimundo Lúlio . Se puder dar uma olhada e depois me dizer o que vale a pena comprar,  ficarei muito grato.
B: Nunca consegui ir muito longe... na Introdução a Agostinho... Sempre paro no meio do livro. Mas é muito bom.
Eu: De qual editora?
B: Peraí... Paulus... Humm... Não deu vontade de nada ali no site que você indicou...  Achei que eles editassem os medievais.
Eu:O que comprei do Gilson e ainda não li é Por que São Tomás criticou Agostinho... Rapaz, a Introdução a Agostinho é do Gilson! Pena que esteja esgotado... mas vou ver se encontro na Estante Virtual.
B: Esse sei que é bom.. Esse também do "Agostinho x Tomás de Aquino" parece ser legal... Só não concordo com a premissa de que o que há de ser questionado no pensamento de Agostinho advém de uma fonte não cristã... Em contraste com a fonte de Tomás. Ambos beberam de fontes não cristãs.
Eu: O Étienne é um cristão. E deve analisar pelo ângulo da teologia cristã.
B: Sim, mas é um cristão tomista, que vê em Tomás a síntese perfeita... Cara, já leu Schaeffer?
Eu: Isso é verdade... Sim. Tenho uns quatro livros dele. Mas li a maior parte quando ainda era recém-convertido. Certamente perdi muita coisa... Mas estou para relê-lo. Depois que fizer uma limpa na fila [rsrs]... E tenho de parar de comprar livros... Mas é quase uma doença compulsiva... Uma obsessão [rsrs]
B: Meu, leia! Leitura obrigatória para entender o problema da síntese.
Eu: A trilogia que começa com O Deus que intervém?
B: Problema do qual nem o mestre escapou [Agostinho], embora sua síntese seja a mais harmônica possível... Talvez porque Platão fosse melhor que Aristóteles! rsrs.... São esses livros mesmo.
Eu: Tenho a trilogia. Vou colocar na lista de prioridades... Interessante que o Gilson diz que Aquino não era aristotélico... Como todos dizem que ele era.
B: Mas era. Obviamente não de todo. Como Agostinho também não era de todo platônico.
Eu: Bom saber essas diferenças... Agora só terei de ler Platão e Aristóteles para descobri-las [rsrs].
B: rsrs... Não precisa. Ler um pouco sobre eles já ajuda. Eu nunca li Aristóteles. Já li Platão. E gostei muito.
Eu: Comprei o Apologia de Socrátes... É pequeno, mas ainda não li. Vou ver se faço isso esta semana ainda.
B: É muito bom esse... Mas lembre-se apenas que não é literatura cristã!
Eu: Conversando com você e mais alguns irmãos, vou acabar virando filósofo sem ter de passar por uma faculdade.
B: rsrs... Bom! Muito bom!... Precisamos de filósofos cristãos.
Eu: Claro! Gosto de teologia, mas leio romances seculares, culinária, história... E, agora, filosofia!
B: Culinária, é?... Curto muito!
Eu: Sim. Também. Falta-me tempo e meios... Sou chato. Quero tudo do melhor. Então, me limito na prática... Bem, tenho de ir. Depois, nos falamos mais. Abraços.
B: Abração!


Foi realmente um bom papo; e espero que Deus nos possibilite ter outras vezes.

Notas: [1] Escolasticismo é o exercício da atividade racional (ou, na prática, o uso de alguma filosofia determinada, neoplatônica ou aristotélica) com vistas ao acesso à verdade religiosa, à sua demonstração ou ao seu esclarecimento nos limites em que isso é possível... o fundamental é levar o homem a compreender a verdade revelada.
[2] Tomismo são os fundamentos da filosofia de Tomás de Aquino, conservados e defendidos pelas correntes medievais e modernas que nele se inspiram. Especialmente em sua relação "razão e fé", que consiste em confiar à razão a tarefa de demonstrar os prâmbulos da fé, de esclarecer e defender os dogmas indemonstráveis e de proceder de modo relativamente autônomo(excetuando-se o respeito das verdades de fé que não podem ser contraditas) no domínio da metafísica e da física. [Fonte: "Dicionário de Filosofia" - Nicola Abbagnano]

Inscreva-se e participe!

12 comentários:

  1. Muito bom caro Jorge,

    Esse não é eu que fique claro, o assunto foi em bem mais alto nível, mas da nossa conversa ( não essa )ontem resultou na republicação de uma postagem antiga, uma das mais lidas lá ( que também foi inspirada num texto ou numa conversa nossa há bem mais tempo ) com um adendo em meu blog ( dê um apassada lá, o cito e um balanço da nossa conversa. Muito bom esse diálogo. Repito, enfatizo e reitero: só falta a coca-cola com a pizza...Um abraço querido irmão. Até em tempos de cansaço o blog continua inovando, no estilo e nas abordagens.

    ResponderExcluir
  2. Helvécio,

    realmente, ontem, tivemos um papo muito edificante e agradável, por quase duas horas e meia... Como você não entra nos "talks" fica difícil eu reproduzir as conversas por aqui. Li a sua postagem de hoje, e senti-me honrado por me citar. Você é sempre muito generoso comigo, muito, mas muito mais do que eu realmente mereço. Mas entendo que os muitos anos de amizade cooperam para isso... os meus erros acabam não ficando tão visíveis [rsrs].
    Quem sabe, um dia, se Deus quiser, não fazemos alguma coisa juntos e postamos aqui e lá no seu blog?
    Quanto ao bate-papo, o mérito é sempre de quem estou conversando; e agradeço a Deus por colocar em meu caminho irmãos mais sábios e capacitados do que eu, com os quais sempre estou a aprender.

    Creio que a minha única virtude é a de disponibilizar as conversas por aqui, e com isso, Deus abençoar os leitores. O que espero fazer mais vezes, se ele quiser.

    Grande e forte abraço, meu irmão!

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir
  3. Deiciosa conversa!

    Parabéns pela postagem!

    ResponderExcluir
  4. Oi, Allan!

    Alegria tê-lo por aqui. Realmente, o "irmão B" é um ótimo papo, assim como muitos outros irmãos, com os quais aprendo a conhecer o Senhor, a reverenciá-lo e louvá-lo.

    Grande abraço!

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir
  5. Não dá pra entrar nessa conversa não, teria que ler pelo menos uns cinco livros de introdução a filosofia, sem contar com as principais obras clássicas dos autores citados na conversa... Vou ter que ralar muito ainda [rsrsrs].

    Nelson Ávila.

    ResponderExcluir
  6. Nelson,

    deixa de ser modesto, quem me garante que você não é o "irmão B"? [rsrs]

    Brincadeira... o fato é que quem encaminha o centro da conversa é o meu interlocutor... eu fico a rodeá-lo meio que perdido sem querer me perder [rsrs].

    Posso garantir que o pouco conhecimento que tenho de filosofia advém das minhas conversas com ele e outros irmãos. E se sei pouco, a culpa não é deles, com certeza, que sabem muito.

    Assim como as nossas conversas têm sido edificantes, e tenho aprendido muito com você também. Apesar de nos conhecermos a pouco tempo, parece que somos amigos há anos. Tem sido muito legal!

    Grande abraço!

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir
  7. Ainda não consegui reservar um tempo para o estudo de filosofia. Hoje eu não teria como participar de um papo de alto nível desses aí. :(

    Mas é bom saber ver cristãos discutindo o assunto fora da academia, oops, seminário. Há um preconceito bobo sobre a filosofia entre o povo de Deus, fruto de uma exegese equívoca de Colossenses 2.8 (na realidade, o que o apóstolo quer dizer é que a doutrina cristã não deve se subordinar ao pensamento mundano).

    Parabéns pelo post, Irmão Jorge!

    Vanderson M. da Silva.

    ResponderExcluir
  8. Obrigado pelas palavras, mas se até o irmão Vanderson se considera num nível abaixo, quem sou eu para considerar-me diferente... rsrsrs

    Abraços!!

    Nelson Ávila.

    ResponderExcluir
  9. Vanderson [P.R],

    Obrigado pelo elogio, mas como disse ao Helvécio, o meu mérito é apenas disponibilizar algumas conversas por aqui, o mérito mesmo é do "irmão B" e dos outros interlocutores.

    Eu, nos primeiros anos de conversão, opunha-me claramente à filosofia, considerando-a mundana e desnecessária... mas, aos poucos, fui percebendo que a minha postura era a de um grande e juramentado ignorante, e percebi que nenhum conhecimento é em si mesmo mau ou mundano, mas, na maioria das vezes, nós somos quem o tornamos assim. É claro que há filosofias e filosofias, assim como há conhecimento e conhecimento, mas de forma geral, nem um nem outro são malditos por não falarem necessariamente do Cristianismo.
    Étienne Gilson diz algo interessante: "Toda filosofia cristã que deixa de reconhecer o primado da fé se afoga na dispersão das filosofias pagãs. As fontes primeiras de sua unidade são a Escritura e a tradição".

    Ou seja, a teologia precede à filosofia, e esta está sob os cuidados daquela, não o contrário.
    Seu comentário é procedente e aprovo-o por completo.

    Grande abraço, meu irmão!

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir
  10. Vanderson,

    cometi um grave erro ao me esquecer do seu primeiro parágrafo...[dissociei-o do restante do seu texto] concordo com tudo a partir segundo parágrafo em diante, pois o considero capaz de participar de qualquer papo ou debate. Portanto, aqui vai a errata ao meu comentário anterior.

    E o mesmo vale para o Nelson.

    Abraços.

    ResponderExcluir
  11. Interessante esse procedimento, de preservar diálogos; pois destes, como vemos acima, mesmo às vezes discutidos rapidamente aprendemos a nobre arte do saber e crescer.

    Graça e Paz
    Mizael Reis

    ResponderExcluir
  12. Mizael,

    ainda bem que o meu "talk" armazena automaticamente as minhas conversas. Assim foi possível disponibilizar o bate-papo com o André Venâncio e agora com o "irmão B". É um bom material para expor o pensamento e a forma como pensam os irmãos, além dos seus próprios blogs e textos. De uma forma... digamos... mais informal.

    Por isso, já lhe disse: vamos conversar via talk! Certamente você será um dos que postarei por aqui.

    Grande abraço, meu irmão!

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir